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Comunicação médico-paciente em exames diagnósticos: qual o papel do radiologista?

Resumo

A radiologia se desenvolveu, historicamente, de uma maneira que afastou cada vez mais o radiologista do paciente. Atualmente, a comunicação do diagnóstico radiológico é realizada predominantemente por laudos escritos. A comunicação escrita, porém, não pode ser considerada suficiente, sendo a comunicação verbal essencial para a boa atuação do radiologista moderno. Entretanto, a falta de preparo do radiologista na informação do diagnóstico, principalmente quando este não é favorável, como acontece frequentemente em um hospital oncológico, constitui um grande problema para esse especialista. Estudos realizados em outros países demonstraram variedade de opiniões dos médicos solicitantes e dos pacientes quanto à comunicação médico-paciente na radiologia, o que pode ser explicado por diferenças culturais. Embora não haja uma regra sobre a melhor maneira de realizar essa comunicação, há certamente maus caminhos. Para que o distanciamento entre radiologistas e pacientes diminua e a comunicação melhore, é fundamental o preparo do radiologista durante a residência médica. Deste modo, é importante levantar essa questão em nosso meio. Este estudo pretende buscar, na literatura científica, discussões mais profundas acerca do tema, pois essa análise pode nos auxiliar no mapeamento dos envolvidos e, futuramente, planejar estratégias de melhora no comportamento ético do radiologista frente ao paciente.

Unitermos:
Radiologia; Relações médico-paciente; Diagnóstico; Ética

Abstract

Historically, radiology has developed in a way that has increasingly distanced the radiologist from the patient. Currently, diagnostic imaging results are predominantly communicated through written reports. Written communication is not considered sufficient, verbal communication being essential for the performance of the modern radiologist to be considered satisfactory. However, a lack of preparation on the part of the radiologist when communicating the diagnosis, especially when it is not favorable (as is often the case in a cancer hospital), makes that conversation quite challenging. Studies conducted in other countries have demonstrated that there are a variety of opinions on the part of requesting physicians and patients regarding radiologist-patient communication, which can be explained by cultural differences. Although there is no rule regarding the best way to accomplish such communication, there are definitely incorrect ways. To bridge the gap between radiologists and patients and improve radiologist-patient communication, preparation of radiologists during their medical residency is fundamental. Therefore, it is important to address this question in Brazil. The objective of this study was to identify deeper discussions about the topic in the scientific literature. This analysis could help us map those involved and plan strategies to improve the ethical behavior of radiologists toward their patients.

Keywords:
Radiology; Physician-patient relations; Diagnostic imaging; Ethics

INTRODUÇÃO

Há mais de 120 anos, desde a descoberta dos raios X em 1895, que a atuação médica no diagnóstico por imagem passou por grandes transformações, que vão desde sua evolução tecnológica à relação do radiologista com os pacientes. No início da especialidade, começo do século XIX, quando os próprios radiologistas realizavam e interpretavam os exames, os resultados eram diretamente comunicados ao paciente por este profissional, que então tinha um contato direto com o paciente. Porém, a partir de 1922 nos Estados Unidos e 1957 no Brasil, foram descritos qualificações e requisitos de licenciamento para os técnicos em radiologia, que se tornaram os responsáveis pela realização dos exames, ficando para o radiologista o papel de interpretar as imagens. Esta mudança afastou o radiologista dos pacientes, tornando-o "invisível" a estes. Desde esse período, o radiodiagnóstico passou pela legitimação como uma especialidade médica e o reconhecimento desta pelas demais especialidades clínicas e cirúrgicas, processo este que durou até os anos 70, quando da invenção da tomografia computadorizada, deixando o especialista em imagem indiretamente ligado ao paciente e na retaguarda do cuidado deste(11 Glazer GM, Ruiz-Wibbelsmann JA. The invisible radiologist. Radiology. 2011;258:18-22.).

Atualmente, a alta demanda de exames radiológicos, a praticidade da era digital e a criação da telerradiologia, aliadas à disseminação dos meios diagnósticos e de serviços de imagem, afastaram ainda mais o radiologista do paciente(22 Krestin GP. Commoditization in radiology: threat or opportunity? Radiology. 2010;256:338-42.). No entanto, ainda há exames e rotinas em que o radiologista tem maior contato com o paciente, como na ultrassonografia, radiologia intervencionista e mamografia. Os pacientes, por sua vez, querem cada vez mais entender sua doença e construir uma relação equilibrada com seu médico. Para isso, solicitam do especialista em imagem uma relação mais próxima e com uma comunicação mais clara e direta do resultado de seus exames(33 Baile WF, Buckman R, Lenzi R, et al. SPIKES-a six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist. 2000;5:302-11.). Diante disto, torna-se necessária a reaproximação do radiologista do paciente.

O objetivo deste artigo é revisar o papel do radiologista na comunicação médico-paciente nos exames diagnósticos.

PAPEL DO RADIOLOGISTA

Sabemos que o principal papel do radiologista é interpretar as imagens, fazer hipóteses diagnósticas e indicar suas impressões sobre os exames. Mas, qual a melhor forma de comunicar o diagnóstico? Atualmente, na maioria dos serviços, essa comunicação é feita por meio de laudos escritos direcionados aos médicos solicitantes, a quem os pacientes têm livre acesso. Além disso, foi demonstrado que 60% a 90% dos radiologistas não conhecem ou não viram o seu paciente(44 Margulis AR, Sostman HD. Radiologist-patient contact during the performance of cross-sectional examinations. J Am Coll Radiol. 2004;1:162-3.) e que 70% dos processos de má prática da medicina estavam associados a uma comunicação deficiente entre o médico e seu paciente(55 Goske MJ, Reid JR, Yaldoo-Poltorak D, et al. RADPED: an approach to teaching communication skills to radiology residents. Pediatr Radiol. 2005;35:381-6.). Estes aspectos fazem com que o contato verbal entre o radiologista e o paciente seja essencial para o desenvolvimento do radiologista moderno e a boa prática da medicina.

Entretanto, deve o radiologista comunicar diretamente ao paciente os achados do exame e sua impressão? Isto deve ser obrigatoriamente feito pelo radiologista? Como se sente o paciente diante deste profissional? O radiologista está preparado e está no ambiente adequado para transmitir notícias ruins aos pacientes?

OPINIÃO DOS PACIENTES E MÉDICOS

Segundo Tondeur et al., não é porque o paciente tem o direito de saber sobre seu estado de saúde que este deve ser transmitido sem precauções. Muitos pacientes não querem realmente saber toda a verdade e alguns não querem saber nada(66 Tondeur M, Ham H. Transmission of examination results to patients: opinion of referring physicians and patients. Acta Clin Belg. 2002;57:129-33.). Um estudo feito por Schreiber et al., na Universidade do Texas, demonstrou que 92% dos pacientes preferem receber o diagnóstico normal pelo radiologista, 87% também o preferem mesmo que o resultado não seja normal, e 7% dos pacientes preferem que o diagnóstico seja dito apenas quando eles próprios perguntarem(77 Schreiber MH, Leonard M Jr, Rieniets CY. Disclosure of imaging findings to patients directly by radiologists: survey of patients' preferences. AJR Am J Roentgenol. 1995;165:467-9.). Isto demonstra que a maioria dos pacientes prefere ouvir os resultados de exames do radiologista e no momento do procedimento, em vez de ouvi-los mais tarde pelo médico solicitante.

Avaliando a opinião dos médicos sobre essa comunicação, outro estudo realizado na mesma instituição demonstrou que a maioria dos médicos, incluindo os radiologistas, concorda que os radiologistas devem comunicar o diagnóstico ao paciente apenas quando for solicitado, e informar o médico solicitante sobre o resultado e essa comunicação(88 Schreiber MH. Direct disclosure by radiologists of imaging findings to patients: a survey of radiologists and medical staff members. AJR Am J Roentgenol. 1996;167:1091-3.).

Levitsky et al. também realizaram um estudo enviando questionários a vários estados americanos para a avaliação dos médicos, incluindo radiologistas, sobre a comunicação dos achados de imagem ao paciente que o deseja saber. Para resultados normais, encontraram que 89% dos radiologistas e 76% dos médicos de outras especialidades concordam que o paciente deve ser informado do resultado de seu exame. Já para anormalidades graves, esse valor caiu para 33% entre os radiologistas e 28% entre os demais médicos. Isto demonstra a insegurança do radiologista em transmitir diagnósticos graves, o que está, provavelmente, relacionado ao seu despreparo com esse tipo de situação(99 Levitsky DB, Frank MS, Richardson ML, et al. How should radiologists reply when patients ask about their diagnoses? A survey of radiologists' and clinicians' preferences. AJR Am J Roentgenol. 1993;161:433-6.).

Trabalho realizado na Bélgica, onde o código de ética diz que radiologistas não devem comunicar o diagnóstico ao paciente, demonstrou que mais de 90% dos médicos concordam que o radiologista nunca, ou apenas em circunstâncias precisas, deve transmitir o resultado de exames ao paciente. Em contrapartida, 80% dos pacientes não concordam que nunca o radiologista deve transmitir o resultado no final do exame, mas que este deve dar uma noção do seu diagnóstico ao paciente e o médico solicitante deve dar o diagnóstico completo. Isto ocorre não só porque o paciente não tem conhecimento do código de ética médica, como também porque é frequente o paciente perguntar o resultado, ao final do exame(66 Tondeur M, Ham H. Transmission of examination results to patients: opinion of referring physicians and patients. Acta Clin Belg. 2002;57:129-33.). A discrepância entre os resultados desses trabalhos, realizados em diferentes locais, pode ser explicada pelas próprias diferenças culturais.

O RADIOLOGISTA ESTÁ PREPARADO?

Quando o radiologista está na frente do paciente e, muitas vezes, descobre uma anormalidade, deve ser cuidadoso ao encontrar as primeiras palavras para comunicar este achado. E ainda, muitas vezes não é capaz de propor um tratamento, uma vez que isto foge ao escopo de sua especialidade. Esta tarefa torna-se ainda mais difícil pela falta de formação específica do radiologista em psicologia e na gestão de situações delicadas, como anunciar más notícias. Em situações mais estressantes, como a descoberta de metástases, há um grande risco de abordagem imprópria ou desastrada pelo radiologista, o que pode ser prejudicial ao paciente. Além disso, o radiologista nem sempre sabe o que já foi dito ao paciente sobre sua doença, daí a importância de equipes multidisciplinares e do trabalho conjunto entre radiologistas e solicitantes.

Não existe solução universal para esta abordagem, portanto, o radiologista deve adaptar-se caso a caso. Embora não haja uma boa maneira de anunciar más notícias, há certamente os maus caminhos, e o radiologista deve estar atento a algumas regras que podem ajudá-lo: não ter essa conversa em corredores e com pressa, mas em ambientes calmos e aconchegantes, que garantam a privacidade do paciente, olhando-o no mesmo nível e estabelecendo contato visual, com empatia e respeito aos seus desejos, pronto para ouvi-lo, garantindo assim seus direitos(1010 Hammond I, Franche RL, Black DM, et al. The radiologist and the patient: breaking bad news. Can Assoc Radiol J. 1999;50:233-4.).

TENTATIVAS DE PADRONIZAÇÃO DE CONDUTAS

Goske et al. desenvolveram o RADPED, que é um checklist mnemônico para ajudar residentes de radiologia na comunicação médico-paciente dentro da radiologia pediátrica, mas que se aplica a pacientes em geral. Esse método define os seguintes passos: 1) criar afinidade com o paciente (rapport); 2) obter informações (ask) do paciente sobre sua doença e o motivo do exame; 3) explicar como é o procedimento (discuss); 4) realizá-lo (perform the procedure); 5) usar técnicas de distração durante o exame (exam distraction techniques) como filmes, músicas, brinquedos; 6) discutir o resultado (discuss). Nesse momento é apropriado comunicar os achados radiológicos do exame ao paciente. Quando o achado é normal, a comunicação é mais fácil para o radiologista e traz muito alívio para o paciente. Quando é necessário mais tempo para a análise do exame, é conveniente informar ao paciente e definir um prazo de entrega. Quando uma anormalidade grave é detectada e o paciente deseja saber o resultado, o ideal é que haja comunicação com o médico solicitante sobre a melhor forma de conduzir o caso, antes de informar ao paciente ou, quando isto não é possível, é prudente que se comunique ao paciente que há um problema que precisa ser investigado e é necessário rápido retorno com o médico solicitante(55 Goske MJ, Reid JR, Yaldoo-Poltorak D, et al. RADPED: an approach to teaching communication skills to radiology residents. Pediatr Radiol. 2005;35:381-6.).

O código de ética médica do Conselho Federal de Medicina no Brasil estabelece que "é vedado ao médico.... (art. 34) deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal"(1111 Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Brasília, DF: Conselho Federal de Medicina; 2010.). Isto define que, mesmo quando o paciente não deseja saber seu diagnóstico, o médico não pode deixar de informá-lo, seja diretamente ao paciente ou ao seu acompanhante ou representante legal. Mas, o radiologista tem habilidade para fazer isto sem provocar dano ao paciente, também conforme nosso código de ética?

CONCLUSÃO

O preparo do radiologista durante a residência médica para comunicação médico-paciente é escasso, mas essencial para melhoras nessa área da especialidade em longo prazo. O relatório escrito muitas vezes é insuficiente para comunicar um diagnóstico, especialmente quando ele é desfavorável, como acontece frequentemente em um hospital oncológico. A radiologia está cada vez mais carente de uma boa comunicação médico-paciente, e não há dúvidas de que a radiologia moderna exige mudanças.

  • Trabalho realizado no Departamento de Imagem do A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Glazer GM, Ruiz-Wibbelsmann JA. The invisible radiologist. Radiology. 2011;258:18-22.
  • 2
    Krestin GP. Commoditization in radiology: threat or opportunity? Radiology. 2010;256:338-42.
  • 3
    Baile WF, Buckman R, Lenzi R, et al. SPIKES-a six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist. 2000;5:302-11.
  • 4
    Margulis AR, Sostman HD. Radiologist-patient contact during the performance of cross-sectional examinations. J Am Coll Radiol. 2004;1:162-3.
  • 5
    Goske MJ, Reid JR, Yaldoo-Poltorak D, et al. RADPED: an approach to teaching communication skills to radiology residents. Pediatr Radiol. 2005;35:381-6.
  • 6
    Tondeur M, Ham H. Transmission of examination results to patients: opinion of referring physicians and patients. Acta Clin Belg. 2002;57:129-33.
  • 7
    Schreiber MH, Leonard M Jr, Rieniets CY. Disclosure of imaging findings to patients directly by radiologists: survey of patients' preferences. AJR Am J Roentgenol. 1995;165:467-9.
  • 8
    Schreiber MH. Direct disclosure by radiologists of imaging findings to patients: a survey of radiologists and medical staff members. AJR Am J Roentgenol. 1996;167:1091-3.
  • 9
    Levitsky DB, Frank MS, Richardson ML, et al. How should radiologists reply when patients ask about their diagnoses? A survey of radiologists' and clinicians' preferences. AJR Am J Roentgenol. 1993;161:433-6.
  • 10
    Hammond I, Franche RL, Black DM, et al. The radiologist and the patient: breaking bad news. Can Assoc Radiol J. 1999;50:233-4.
  • 11
    Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Brasília, DF: Conselho Federal de Medicina; 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2018
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2017
  • Aceito
    03 Jul 2017
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