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Aspectos tomográficos da diverticulite de Meckel

Sr. Editor,

Mulher de 53 anos, apresentando dor epigástrica de início súbito, irradiada para o hipocôndrio direito há dois dias, com piora progressiva, associada a náuseas e calafrios. Negou outros sinais ou sintomas. Realizou colecistectomia há 20 anos, com reabordagem das vias biliares há 4 anos. Atualmente em acompanhamento ambulatorial para nefrolitíase. Exame físico revelou abdome doloroso à palpação em hipocôndrio direito e região periumbilical, sem sinais de peritonite. Exames laboratoriais sem alterações significativas. Relatório da tomografia computadorizada (TC) realizada há 6 meses não referiu presença de divertículo (Figura 1A). TC de abdome da admissão demonstrou formação diverticular localizada na borda mesentérica do íleo médio, com sinais de inflamação adjacente, caracterizada por densificação dos planos adiposos, sem evidências de pneumoperitônio ou obstrução intestinal (Figuras 1B e 1C). Foi realizada laparotomia, que confirmou tratar-se de diverticulite de Meckel (Figura 1D).

Figura 1
TC coronal (A) realizada há 6 meses não demonstrou divertículo. TC coronal (B) e axial (C) mostram formação diverticular com sinais de inflamação adjacente (seta). Laparotomia confirmando os achados radiológicos de diverticulite (D).

As malformações gastrintestinais correspondem a aproximadamente 6% do total de malformações. O divertículo de Meckel (DM) é a anomalia mais comum, com prevalência que varia de 1% a 4% na população geral. É formado por todas as camadas da parede intestinal, caracterizando um divertículo intestinal verdadeiro. Origina-se de falha na obliteração e absorção do ducto onfalomesentérico (ducto vitelino) durante o primeiro trimestre de vida fetal(11 Satya R, O'Malley JP. Case 86: Meckel diverticulum with massive bleeding. Radiology. 2005;236:836-40.). A maioria dos indivíduos é assintomática, e o divertículo é mais frequentemente diagnosticado quando ocorrem complicações, como ulcerações, sangramento gastrintestinal, obstruções intestinais, intussuscepção, diverticulite, perfurações e neoplasias. O divertículo pode também ser diagnosticado incidentalmente durante laparoscopia ou laparotomia indicadas por outros motivos(22 Fink AM, Alexopoulou E, Carty H. Bleeding Meckel's diverticulum in infancy: unusual scintigraphic and ultrasound appearances. Pediatr Radiol. 1995;25:155-6.,33 Levy AD, Hobbs CM. From the archives of the AFIP. Meckel diverticulum: radiologic features with pathologic correlation. Radiographics. 2004;24: 565-87.). A diverticulite aguda, inflamação súbita do divertículo, como a encontrada no presente relato, é verificada em 13% a 31% dos casos que evoluem com complicação, com maior incidência na quarta e quinta décadas de vida(44 Arnold JF, Pellicane JV. Meckel's diverticulum: a ten-year experience. Am Surg. 1997;63:354-5.).

O DM é de diagnóstico difícil e permanece como grande desafio na prática médica(44 Arnold JF, Pellicane JV. Meckel's diverticulum: a ten-year experience. Am Surg. 1997;63:354-5.). Várias condições podem simular DM e suas complicações, entre elas apendicite, divertículos de outros segmentos intestinais, ureterolitíase, intussuscepção, cistos de duplicação, angiodisplasia e tumores que se apresentem com sangramento(55 Kotha VK, Khandelwal A, Saboo SS, et al. Radiologist's perspective for the Meckel's diverticulum and its complications. Br J Radiol. 2014;87: 20130743.

6 Naves AA, D'Ippolito G, Souza LRMF, et al. What radiologists should know about tomographic evaluation of acute diverticulitis of the colon. Radiol Bras. 2017;50:126-31.

7 Lapa CB, Freire EC, Indiani JMC, et al. Pseudocyst in ectopic pancreas: diagnosis and percutaneous treatment guided by MDCT. Radiol Bras. 2018;51:207-8.

8 Queiroz RM, Sampaio FDC, Marques PE, et al. Pylephlebitis and septic thrombosis of the inferior mesenteric vein secondary to diverticulitis. Radiol Bras. 2018;51:336-7.
- 99 Nery DR, Costa YB, Mussi TC, et al. Epidemiological and imaging features that can affect the detection of ureterolithiasis on ultrasound. Radiol Bras. 2018;51:287-92.). Alguns exames, aliados às manifestações clínicas, auxiliam no diagnóstico correto, como a ultrassonografia e a TC. DM sem sinais de inflamação pode ser detectado pela ultrassonografia graças à sua apresentação característica de estrutura cística com paredes estruturadas como o intestino e podendo apresentar peristaltismo. O processo inflamatório é identificado na ultrassonografia com Doppler colorido pelo aumento da vascularização nessa estrutura(1010 Mizerkowski MD, Spolidoro JVN, Epifanio M, et al. Color Doppler of Meckel's diverticulum: report of two cases. Radiol Bras. 2011;44:268-70.). Na TC, o DM é difícil de distinguir do intestino delgado normal em casos não complicados. Todavia, pode-se observar uma estrutura terminando em fundo cego, contendo gás ou líquido, em continuidade com o intestino delgado. Pode também mostrar enterólitos, intussuscepção, diverticulite e sinais de obstrução intestinal(1111 Paulsen SR, Huprich JE, Fletcher JG, et al. CT enterography as a diagnostic tool in evaluating small bowel disorders: review of clinical experience with over 700 cases. Radiographics. 2006;26:641-57.). Nos casos de inflamação do divertículo, a TC pode revelar espessamento parietal com realce nas fases contrastadas, densificação da gordura, coleções ou líquido livre adjacentes(33 Levy AD, Hobbs CM. From the archives of the AFIP. Meckel diverticulum: radiologic features with pathologic correlation. Radiographics. 2004;24: 565-87.).

O tratamento definitivo é cirúrgico, com indicação absoluta em pacientes sintomáticos. O acesso pode ser por videolaparoscopia ou por laparotomia, ambos com resultados igualmente satisfatórios(1212 Uppal K, Tubbs RS, Matusz P, et al. Meckel's diverticulum: a review. Clin Anat. 2011;24:416-22.).

Os dados aqui apresentados salientam a importância da suspeita diagnóstica e da familiarização do radiologista frente aos exames de imagem, em pacientes com sintomas abdominais inespecíficos.

REFERENCES

  • 1
    Satya R, O'Malley JP. Case 86: Meckel diverticulum with massive bleeding. Radiology. 2005;236:836-40.
  • 2
    Fink AM, Alexopoulou E, Carty H. Bleeding Meckel's diverticulum in infancy: unusual scintigraphic and ultrasound appearances. Pediatr Radiol. 1995;25:155-6.
  • 3
    Levy AD, Hobbs CM. From the archives of the AFIP. Meckel diverticulum: radiologic features with pathologic correlation. Radiographics. 2004;24: 565-87.
  • 4
    Arnold JF, Pellicane JV. Meckel's diverticulum: a ten-year experience. Am Surg. 1997;63:354-5.
  • 5
    Kotha VK, Khandelwal A, Saboo SS, et al. Radiologist's perspective for the Meckel's diverticulum and its complications. Br J Radiol. 2014;87: 20130743.
  • 6
    Naves AA, D'Ippolito G, Souza LRMF, et al. What radiologists should know about tomographic evaluation of acute diverticulitis of the colon. Radiol Bras. 2017;50:126-31.
  • 7
    Lapa CB, Freire EC, Indiani JMC, et al. Pseudocyst in ectopic pancreas: diagnosis and percutaneous treatment guided by MDCT. Radiol Bras. 2018;51:207-8.
  • 8
    Queiroz RM, Sampaio FDC, Marques PE, et al. Pylephlebitis and septic thrombosis of the inferior mesenteric vein secondary to diverticulitis. Radiol Bras. 2018;51:336-7.
  • 9
    Nery DR, Costa YB, Mussi TC, et al. Epidemiological and imaging features that can affect the detection of ureterolithiasis on ultrasound. Radiol Bras. 2018;51:287-92.
  • 10
    Mizerkowski MD, Spolidoro JVN, Epifanio M, et al. Color Doppler of Meckel's diverticulum: report of two cases. Radiol Bras. 2011;44:268-70.
  • 11
    Paulsen SR, Huprich JE, Fletcher JG, et al. CT enterography as a diagnostic tool in evaluating small bowel disorders: review of clinical experience with over 700 cases. Radiographics. 2006;26:641-57.
  • 12
    Uppal K, Tubbs RS, Matusz P, et al. Meckel's diverticulum: a review. Clin Anat. 2011;24:416-22.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2017
  • Aceito
    21 Nov 2017
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