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Transplante pâncreas-rim: o que todo radiologista deve saber

Resumo

O transplante de pâncreas representa uma terapia bem estabelecida no tratamento de pacientes com diabetes mellitus complicada com insuficiência renal em estágios avançados. A maior parte ocorre em associação ao transplante renal (transplante simultâneo de pâncreas e rim), no qual se posiciona o enxerto pancreático na região pélvica direita e o enxerto renal na fossa ilíaca esquerda. Diversos métodos de imagem são utilizados para avaliação parenquimatosa dos enxertos, bem como a anatomia vascular e as possíveis complicações. A compreensão do procedimento cirúrgico, das técnicas utilizadas e da anatomia pós-cirúrgica é fundamental à medida que o número de casos aumenta, assim como conhecer as possíveis complicações associadas e seus aspectos de imagem, com a finalidade de proporcionar o melhor direcionamento no manejo pós-operatório de receptores de transplantes.

Unitermos:
Transplante de pâncreas; Transplante de rim; Transplante de órgãos; Diabetes mellitus; Complicações pós-operatórias

Abstract

Pancreas transplantation is a well-established treatment for patients with complicated diabetes mellitus and advanced renal failure. The most common procedure is simultaneous pancreas-kidney transplantation, in which the pancreas graft is positioned in the right pelvic region and the kidney graft is positioned in the left iliac fossa. Various imaging methods are used for the post-transplantation evaluation of the graft parenchyma and vascular anatomy, as well as for the identification of possible complications. As the number of cases increases, it is fundamental that radiologists understand the surgical procedure and the postoperative anatomy, as well as to recognize the possible postoperative complications and their imaging aspects, with the aim of providing the best guidance in the postoperative management of transplant recipients.

Keywords:
Pancreas transplantation; Kidney transplantation; Organ transplantation; Diabetes mellitus; Postoperative complications

INTRODUÇÃO

O transplante de pâncreas é uma terapia bem estabelecida no tratamento de pacientes com diabetes mellitus complicada com insuficiência renal em estágios avançados(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.). O procedimento mais comum é o transplante simultâneo de pâncreas e rim (TSPR), que proporcionou aumento da expectativa de vida desses pacientes(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.

3 Redfield RR, Scalea JR, Odorico JS. Simultaneous pancreas and kidney transplantation: current trends and future directions. Curr Opin Organ Transplant. 2015;20:94-102.
-44 Meirelles Júnior RF, Salvalaggio P, Pacheco-Silva A. Pancreas transplantation: review. Einstein (Sao Paulo). 2015;13:305-9.). Além do TSPR, podem ser realizados o transplante de pâncreas isolado ou o transplante de pâncreas após o transplante renal, em diferentes momentos(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,44 Meirelles Júnior RF, Salvalaggio P, Pacheco-Silva A. Pancreas transplantation: review. Einstein (Sao Paulo). 2015;13:305-9.). Atualmente, o TSPR é a forma mais comum de transplante de pâncreas, representando 75% de todos os transplantes de pâncreas no Brasil(44 Meirelles Júnior RF, Salvalaggio P, Pacheco-Silva A. Pancreas transplantation: review. Einstein (Sao Paulo). 2015;13:305-9.,55 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dados numéricos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período: janeiro/setembro - 2019. Registro Brasileiro de Transplantes. 2019. [acessado em: 30 junho 2020]. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2019/RBT-2019-jan-set-leitura.pdf.
http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/fi...
).

Várias técnicas de imagem podem ser utilizadas para detectar complicações pós-transplante precoces e tardias(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). As mais utilizadas incluem a ultrassonografia (US), a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM).

ANATOMIA E TÉCNICA CIRÚRGICA

A técnica mais usada no TSPR consiste em colocar o enxerto pancreático na região pélvica direita e o enxerto renal na fossa ilíaca esquerda em único ato cirúrgico(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,66 Papachristos S, Tavakoli A, Dhanda R, et al. Comparison of ipsilateral and contralateral simultaneous pancreas and kidney transplantation: a single-center analysis with 5-year outcome. Ann Transplant. 2019;24:298-303.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). O aloenxerto pancreático é retirado com o duodeno e o suporte vascular do doador (Figuras 1A e 1B). Seu suporte vascular arterial provém de duas artérias principais: artéria mesentérica superior e artéria esplênica(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). As artérias ilíacas do doador também são retiradas para formar um enxerto em “Y”, no qual são anastomosadas às artérias esplênica e mesentérica superior, de forma término-terminal (Figuras 2A e 2B)(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). No receptor, realiza-se uma anastomose término-lateral entre o enxerto arterial em “Y” à artéria ilíaca comum ou à artéria ilíaca externa do receptor (Figura 3).

Figura 1
A: Desenho esquemático (vista anterior) demonstrando a aquisição do enxerto pancreático (EP), retirado em conjunto com seu suporte vascular e um segmento duodenal (dI) do doador (d). Para fins de transplante, várias estruturas vasculares (arteriais e venosas) devem ser ligadas e seccionadas, sendo essas as artérias gastroduodenal (dAGD), esplênica (dAE) e mesentérica superior (dAMS), as veias mesentéricas superior (dVMS) e inferior (dVMI), esplênica (dVE), além do segmento proximal da veia porta. B: Fotografia mostrando a aquisição do bloco pancreatoduodenal, com aloenxerto pancreático (tracejado preto) retirado junto com um segmento duodenal (tracejado branco) do doador, antes da excisão do baço (asterisco). TC, tronco celíaco.

Figura 2
A: Desenho esquemático demonstrando o enxerto pancreático (EP) e o segmento duodenal (dI) do doador (d) em uma vista posterior, com ênfase nas anastomoses vasculares. Realiza-se a anastomose término-terminal da artéria ilíaca externa do doador (dAIE) com a artéria mesentérica superior do doador (dAMS) e da artéria ilíaca interna do doador (dAII) com a artéria esplênica do doador (dAE), formando o enxerto em “Y”. A artéria ilíaca comum do doador (dAIC) serve como canal arterial comum do enxerto pancreático. As veias são ressecadas em conjunto com um segmento curto da veia porta (dVP), que é usualmente utilizado para a anastomose venosa no receptor. B: Bloco pancreatoduodenal com enxerto pancreático (seta preta) e um segmento duodenal (ponta de seta) após a anastomose do enxerto arterial em “Y”, formado pelas artérias ilíaca comum (seta branca), ilíaca externa (asterisco branco) e ilíaca interna (asterisco preto) do doador.

Figura 3
Desenho esquemático mostrando as anastomoses vasculares após revascularização do enxerto pancreático (EP) no receptor (r). Realiza-se uma anastomose término-lateral entre o enxerto arterial em “Y” (pela artéria ilíaca comum do doador - dAIC) à artéria ilíaca comum ou à artéria ilíaca externa (rAIE) do receptor. Anastomose término-lateral também é usada para conectar a veia porta do doador (dVP) à veia ilíaca comum direita do receptor (rVIC). VCI, veia cava inferior; dAMS, artéria mesentérica superior; dAII, artéria ilíaca interna; dAE, artéria esplênica.

A drenagem venosa do aloenxerto consiste nos tributários venosos intrapancreáticos, que drenam para as veias esplênica, mesentérica superior e, posteriormente, veia porta, esta utilizada para a anastomose venosa no receptor (Figura 2A), permitindo a drenagem para o sistema venoso sistêmico (anastomose na veia ilíaca comum ou cava inferior) ou portal (anastomose na veia mesentérica superior)(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.) (Figura 3).

As secreções pancreáticas exócrinas podem ser drenadas para o trato gastrointestinal (Figuras 4A e 4B) ou para a bexiga do receptor(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). Os transplantes com drenagem entérica são mais realizados atualmente e consistem na anastomose entre o coto duodenal do doador e o intestino delgado do receptor(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,66 Papachristos S, Tavakoli A, Dhanda R, et al. Comparison of ipsilateral and contralateral simultaneous pancreas and kidney transplantation: a single-center analysis with 5-year outcome. Ann Transplant. 2019;24:298-303.).

Figura 4
A: Desenho esquemático ilustrando a aparência intraoperatória do enxerto pancreático colocado na pelve mediante anastomose laterolateral duodenojejunal (setas) ligando o segmento duodenal do doador (dI) ao jejuno do receptor. O duodeno do doador é fechado nas duas extremidades usando suturas ou grampos (pontas de setas). O pâncreas nativo do receptor permanece no abdome superior. B: Aspecto intraoperatório do transplante simultâneo de pâncreas e rim com drenagem entérica das secreções pancreáticas exócrinas, mediante anastomose entre o coto duodenal do doador (asterisco preto) e o intestino delgado do receptor (asterisco branco), a aproximadamente 25 cm da válvula ileocecal. dVMI, veia mesentérica inferior; dVMS, veia mesentérica superior.

Em relação ao transplante renal, geralmente realiza-se uma anastomose término-lateral entre a artéria renal do doador e a artéria ilíaca externa ou comum do receptor e uma anastomose entre a veia renal e a veia ilíaca externa do receptor(66 Papachristos S, Tavakoli A, Dhanda R, et al. Comparison of ipsilateral and contralateral simultaneous pancreas and kidney transplantation: a single-center analysis with 5-year outcome. Ann Transplant. 2019;24:298-303.,88 Sugi MD, Joshi G, Maddu KK, et al. Imaging of renal transplant complications throughout the life of the allograft: comprehensive multimodality review. Radiographics. 2019;39:1327-55.).

ASPECTOS DE IMAGEM NORMAIS NO PÓS-TRANSPLANTE

Na US, a aparência normal do enxerto pancreático consiste em uma estrutura homogênea hipoecoica, e ao Doppler pode demonstrar a perfusão do enxerto, bem como a anatomia vascular(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). As ondas de velocidade de fluxo espectral podem ser obtidas das artérias mesentérica superior, esplênica e arcada intrapancreática e caracterizam-se por rápida elevação sistólica e fluxo diastólico anterógrado. A resistência vascular é baixa, geralmente com índice de resistência entre 0,5 e 0,7(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). As estruturas venosas demonstram onda monofásica em um lúmen anecoico(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.).

A TC sem uso de meio de contraste iodado demonstra o aloenxerto pancreático como uma estrutura homogênea isoatenuante, e a administração de contraste deve ocasionar realce parenquimatoso uniforme, maior durante a fase arterial (Figura 5), permitindo melhor avaliação da anatomia do transplante(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). Ressaltam-se o enxerto arterial em “Y”, a vasculatura arterial peripancreática e intrapancreática, bem como a veia porta doadora e sua anastomose (Figura 6)(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.). Na RM, o enxerto pancreático normal mostra-se isointenso em ponderações em T1 e hiperintenso em T2(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.).

Figura 5
Reformatação coronal de TC com contraste mostrando realce parenquimatoso normal do corpo e cauda do enxerto pancreático (seta branca) na fossa ilíaca direita. Um segmento não dilatado do ducto pancreático é visualizado (ponta de seta). Na fossa ilíaca esquerda também se observa enxerto renal com realce parenquimatoso normal (seta preta).

Figura 6
Imagem em projeção de intensidade máxima na fase arterial de TC (reconstrução coronal) mostrando enxerto em “Y” pérvio (seta) anastomosado à artéria ilíaca externa direita. Observar a anastomose do enxerto em “Y” aos ramos da artéria esplênica (ponta de seta branca) e artéria mesentérica superior (ponta de seta preta), notando-se um estreitamento no lúmen da artéria mesentérica superior.

O duodeno doador geralmente é colapsado e possui paredes espessadas, mas pode ser mal interpretado como uma coleção de fluidos quando distendido(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). Os grampos cirúrgicos de ambos os lados do coto duodenal podem ser úteis para sua localização e diferenciação (Figura 7).

Figura 7
Reformatação sagital de TC com contraste de enxerto pancreático com drenagem entérica na fossa ilíaca direita (seta branca), com grampos cirúrgicos (pontas de setas) ao longo do coto duodenal (seta preta), que se encontra parcialmente distendido, podendo simular uma coleção. Os grampos cirúrgicos facilitam essa diferenciação, bem como ajudam a localizar o enxerto pancreático.

Outros achados do pós-operatório precoce, como pequena quantidade de líquido peripancreático (Figura 8), ectasia do ducto pancreático principal e leve borramento da gordura peripancreática, geralmente são autolimitados e não determinam repercussões clínicas(77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.).

Figura 8
Corte axial de TC na fase portal de paciente no pós-operatório de transplante simultâneo de pâncreas (ponta de seta branca) e rim (ponta de seta preta) apresentando pequena quantidade de líquido peripancreático (seta), além de linfonodos adjacentes (asteriscos) usualmente sem significado clínico, os quais podem eventualmente simular alguma anormalidade.

IMAGEM DAS COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSPLANTE

Entre as complicações pós-operatórias precoces e tardias destacam-se: complicações vasculares como trombose arterial e venosa; estenose arterial; fistulas arteriovenosas e pseudoaneurismas; coleções intra-abdominais; complicações intestinais como obstrução, deiscência e colite; complicações do enxerto pancreático, incluindo pancreatite e rejeição; doença linfoproliferativa pós-transplante(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.).

COMPLICAÇÕES VASCULARES

A trombose aguda do enxerto é a mais frequente causa de falha precoce do transplante (2% a 10%), sendo mais comum a de origem venosa(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). Aumento volumétrico do enxerto com redução de sua atenuação e/ou heterogeneidade parenquimatosa podem ser observados (Figuras 9A e 9B). O exame Doppler pode revelar ausência de fluxo no vaso (Figura 10A) e, ocasionalmente, em todo o parênquima(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). Na TC ou na RM com contraste pode ser demonstrado trombo endoluminal com falha de enchimento (Figura 10B), associado ou não a diminuição/ausência de realce parenquimatoso(77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.).

Figura 9
A: TC de abdome em paciente submetido a transplante pâncreasrim mostrando imagem linear espontaneamente hiperatenuante na fase précontraste (seta) sugestiva de trombose. Além disso, o enxerto pancreático apresenta-se heterogêneo, com áreas hipoatenuantes de permeio (elipse). B: Fase venosa da TC de abdome do mesmo paciente mostrando opacificação arterial (seta preta) e ausência de opacificação venosa (seta branca), confirmando a trombose venosa vista nas fases anteriores.

Figura 10
A: Imagem transversal obtida de US ao modo power Doppler mostrando interrupção abrupta do fluxo no segmento distal da artéria mesentérica superior (seta) do enxerto pancreático, com circulação colateral adjacente (ponta de seta), achado consistente com trombose arterial. B: Correlação tomográfica do mesmo paciente, com técnica de projeção de intensidade máxima na fase arterial, identificando a mesma interrupção abrupta e falha de enchimento do segmento distal da artéria mesentérica superior do enxerto pancreático (seta), confirmando a trombose arterial vista na US.

As estenoses ocorrem em qualquer local anastomótico e são incomuns, caracterizando-se por alta velocidade/turbulência na US, geralmente confirmadas com angio-TC ou angio-RM(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). Pseudoaneurismas associam-se a trauma cirúrgico, biópsias, pancreatite grave ou infecção(77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). Na US observam-se estruturas anecoicas, arredondadas, adjacentes aos vasos, com aspecto de yin-yang no Doppler. A TC ou RM com contraste identifica dilatação sacular com realce semelhante ao vaso adjacente(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). A fístula arteriovenosa é outra complicação incomum, usualmente relacionada a iatrogenia (pós-cirurgia ou biópsia). O Doppler revela alta velocidade/fluxo turbulento de baixa resistência em um lúmen arterial que se comunica com uma veia, a qual apresenta fluxo pulsátil(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.).

COLEÇÕES INTRA-ABDOMINAIS

Representam as complicações mais frequentes associadas ao transplante pancreático(77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). A maioria surge no primeiro mês após o procedimento e pode representar seromas, hematomas, urinomas, abscessos, pseudocisto ou linfocele (Figura 11A). A natureza do fluido usualmente não pode ser determinado apenas pela imagem, e assim, a drenagem percutânea pode ser essencial para a condução do caso (Figura 11B)(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.).

Figura 11
A: TC de abdome sem contraste mostrando coleções fluidas (pontas de setas) adjacentes ao enxerto pancreático (elipse). Observar também pequena quantidade de líquido junto ao enxerto renal à esquerda (seta preta). B: Coleção fluida (seta branca) na fossa ilíaca direita de paciente submetido a transplante de pâncreas-rim, com drenagem por via percutânea (seta preta) vista em TC de abdome com contraste oral.

COMPLICAÇÕES INTESTINAIS

As complicações intestinais mais comuns são deiscência ou obstrução (Figura 12)(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). A obstrução, geralmente, ocorre em consequência a aderência ou hérnia interna, e a TC é importante para definir o local da obstrução(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). A deiscência ocorre comumente na anastomose intestinal e pode causar extravasamento do suco pancreático, predispondo a infecção intra-abdominal(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). Fístulas enterocutâneas podem surgir se uma deiscência não for diagnosticada e tratada(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.). Nesse contexto, a administração de contraste oral pode ser útil, revelando sinais diretos ou indiretos de extravasamento(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.).

Figura 12
Imagem axial de TC com contraste oral de paciente no pós-operatório precoce de transplante de pâncreas-rim, com deiscência da anastomose entre o coto duodenal do doador e o intestino delgado do receptor, identificando coleção com focos gasosos de permeio adjacente ao sítio dessa anastomose (seta).

COMPLICAÇÕES DO ENXERTO PANCREÁTICO

Estima-se que ocorra pancreatite no pós-operatório em aproximadamente 35% dos casos(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). A US pode demonstrar aumento volumétrico do enxerto, heterogeneidade textural ou complicações, como coleções, pseudocistos ou necrose(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). A TC e a RM com contraste são fundamentais na avaliação da ausência de realce parenquimatoso regional ou difuso em casos de pancreatite necrosante, bem como eventuais complicações(11 Tolat PP, Foley WD, Johnson C, et al. Pancreas transplant imaging: how I do it. Radiology. 2015;275:14-27.,22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.).

A rejeição (aguda, subaguda ou crônica) representa a principal causa da perda do enxerto(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). Alguns achados de imagem podem ser sugestivos, tais como alteração dimensional glandular, alterações no sinal e no padrão de realce, porém não são específicos, podendo ocorrer também nas pancreatites e isquemias(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.,77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.). Assim, o estudo histopatológico continua sendo o padrão ouro(77 Antunes N, Santos R, Almeida FG, et al. Pancreatic transplantation: what the radiologist needs to know. Acta Radiol Port. 2017;29:13-8.).

DOENÇA LINFOPROLIFERATIVA PÓS-TRANSPLANTE

Consiste em uma complicação rara e tardia, variando de hiperplasia linfoide benigna a linfoma agressivo, maligno e predominantemente de células B. O espectro de imagem inclui massas focais e/ou aumento volumétrico do enxerto, associado a linfadenopatias(22 Vandermeer FQ, Manning MA, Frazier AA, et al. Imaging of whole-organ pancreas transplants. Radiographics. 2012;32:411-35.) (Figura 13).

Figura 13
Corte axial de TC do abdome na fase arterial demonstrando, ao nível do enxerto renal, massa sólida, discretamente heterogênea e hipodensa em relação ao parênquima renal (asterisco), que se tratava de doença linfoproliferativa pós-transplante.

CONCLUSÃO

O TSPR representa uma opção terapêutica em casos avançados de diabetes. A técnica cirúrgica mais utilizada envolve a confecção de anastomoses vasculares e entéricas cujas características o radiologista deve ter conhecimento, assim como sua avaliação por imagem, fundamental no direcionamento do manejo pós-operatório de receptores de transplantes.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2020
  • Aceito
    18 Set 2020
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