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Achados de ressonância magnética de encéfalo neonatal: correlação com fatores de risco pré-natais e ultrassonografia transfontanelar

Resumo

Objetivo:

Avaliar alterações encontradas nas ressonâncias magnéticas (RMs) encefálicas neonatais, correlacionando com a ultrassonografia transfontanelar (USTF), e descrever os principais fatores de risco encontrados.

Materiais e Métodos:

Foram avaliados exames de 51 pacientes que realizaram RM utilizando protocolo neonatal durante internação hospitalar, correlacionando com resultados da USTF prévia, sendo utilizada, para minimizar as chances de viés, a última USTF realizada. Os dados foram obtidos de prontuário médico e as imagens foram revisadas por médico radiologista especialista em neuroimagem.

Resultados:

A população foi composta majoritariamente de recém-nascidos prematuros extremos (21; 41,2%) e de extremo baixo peso (22; 43,1%). Foram encontradas alterações em 16 (31,4%) das USTFs e em 30 (58,8%) das RMs, sendo a hemorragia da matriz germinativa o achado mais frequente. Os valores preditivos positivo e negativo da USTF em relação à RM foram de 87% e 54%, respectivamente.

Conclusão:

A USTF mostrou-se importante na distinção entre os graus de hemorragia da matriz germinativa leve e moderada (I e II) dos graus acentuados (III e IV), sendo considerada um bom exame de rastreio e acompanhamento, principalmente em pacientes mais graves e com fatores de risco.

Unitermos:
Neuroimagem; Ultrassonografia; Ressonância magnética; Doenças do recém-nascido

Abstract

Objective:

To describe the alterations seen on magnetic resonance imaging (MRI) of the brain in newborns, correlating those alterations with the transfontanellar ultrasound (TFUS) findings, and to describe the main risk factors identified.

Materials and Methods:

We evaluated the examinations of 51 patients who were submitted to brain MRI with a neonatal protocol during hospitalization. We evaluated the MRI findings and correlated them with previous TFUS findings, using the last TFUS performed in order to minimize the risk of bias. Data were obtained from medical records, and the images were reviewed by a radiologist specializing in neuroimaging.

Results:

Of the 51 patients evaluated, 21 (41.2%) were extremely preterm infants and 22 (43.1%) were extremely-low-birth-weight infants. Alterations were seen on 16 (31.4%) of the TFUS examinations and on 30 (58.8%) of the brain MRI scans, the most common finding being germinal matrix hemorrhage. The positive and negative predictive values of TFUS in relation to MRI were 87% and 54%, respectively.

Conclusion:

Because TFUS proved to be capable of distinguishing mild and moderate (grade I and II) germinal matrix hemorrhage from the severe forms (grades III and IV), it can be considered a good tool for screening and follow-up, especially in infants with severe disease and risk factors.

Keywords:
Neuroimaging; Ultrasonography; Magnetic resonance imaging; Infant; newborn; diseases

INTRODUÇÃO

Os avanços da medicina possibilitam a viabilidade de recém-nascidos com idades gestacionais cada vez menores, o que vem acompanhado de diversas complicações, entre elas, a hemorragia intracraniana neonatal, a qual é considerada a lesão estrutural adquirida mais comum nesse contexto(11 Leite CC, Lucato LT, Amaro Júnior E. Neurorradiologia: diagnóstico por imagem das alterações encefálicas. 2ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan; 2011.), sendo uma importante causa de morbidade neurológica, principalmente em prematuros(22 Silva CIS, D’Ippolito G, Rocha AJ. Encéfalo. Série Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier; 2012.).

Anualmente, aproximadamente 15 milhões de bebês nascem prematuros no mundo todo, representando 11,1% dos nascimentos. O Brasil é o décimo país com maior número de partos prematuros, sendo responsável por 279.300 nascimentos em 2010. As complicações relacionadas ao parto pré-termo são a principal causa de mortalidade em crianças menores de cinco anos, e a maioria dessas mortes poderia ser evitada com a melhora do suporte neonatal, principalmente em países não desenvolvidos(33 World Health Organization. Preterm birth. [updated 2018 Feb 19; cited 2021 Dec 1]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/preterm-birth.
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
,44 Hackbarth BB, Ferreira JA, Carstens HP, et al. Suscetibilidade à prematuridade: investigação de fatores comportamentais, genéticos, médicos e sociodemográficos. Rev Bras Ginecol Obstet. 2015;37:353-8.)
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A matriz germinativa apresenta pico de maior desenvolvimento entre a 8ª e 28ª semanas de gestação, com tendência a involução a partir de então, sendo o local de origem de aproximadamente 90% das hemorragias intracranianas no período neonatal. O sulco caudotalâmico é a última área da matriz germinativa a involuir, sendo o local mais comum de hemorragia na matriz germinativa(44 Hackbarth BB, Ferreira JA, Carstens HP, et al. Suscetibilidade à prematuridade: investigação de fatores comportamentais, genéticos, médicos e sociodemográficos. Rev Bras Ginecol Obstet. 2015;37:353-8.).

Entre as consequências das hemorragias intracranianas neonatais, destacam-se leucomalácia periventricular, encefalomalácia, hemorragia na substância branca, ventriculomegalia pós-hemorrágica, dilatação ventricular, porencefalia e alteração do volume cerebral, sendo causas importantes de desenvolvimento de déficits neurológicos persistentes, exibindo correlação com dificuldade de aprendizagem, paralisia cerebral, epilepsia, entre outros(55 Egwu CC, Ogala WN, Farouk ZL, et al. Factors associated with intraventricular hemorrhage among preterm neonates in Aminu Kano teaching hospital. Niger J Clin Pract. 2019;22:298-304.,66 Petrova A, Reddy S, Mehta R. Pattern of intracranial findings detected on magnetic resonance imaging in surviving infants born before 29 weeks of gestation. PLoS One. 2019;14:e0214683.).

Os riscos para o desenvolvimento de lesões intracranianas estão associados a condições inerentes à gestação, ao parto e ao próprio concepto. Entre os principais fatores destacam-se baixa idade gestacional, baixo peso ao nascer, baixos índices de Apgar, sexo masculino, dificuldade respiratória, necessidade de ressuscitação e intubação orotraqueal pós-natal, acidose metabólica, sepse e ruptura prematura de membranas(55 Egwu CC, Ogala WN, Farouk ZL, et al. Factors associated with intraventricular hemorrhage among preterm neonates in Aminu Kano teaching hospital. Niger J Clin Pract. 2019;22:298-304.). A patogênese é complexa e provavelmente está relacionada a alterações de isquemia/reperfusão cerebral, regulação prejudicada do fluxo sanguíneo cerebral, bem como mecanismos inflamatórios associados a infecção materna e/ou fetal(77 Haynes RL, Baud O, Li J, et al. Oxidative and nitrative injury in periventricular leukomalacia: a review. Brain Pathol. 2005;15:225-33.).

A classificação de Papile é a mais utilizada para a graduação das hemorragias da matriz germinativa (e outros tipos de hemorragia intracraniana), classificadas de I (menos grave) a IV (mais grave). O grau I compreende a hemorragia da matriz germinativa sem extensão ou com mínima extensão ventricular. O grau II corresponde à hemorragia da matriz germinativa com extensão ventricular, mas sem alteração nas dimensões dos ventrículos. O grau III compreende a hemorragia da matriz germinativa com extensão e dilatação ventricular. No grau IV há hemorragia intraventricular com hemorragia intraparenquimatosa(88 Papile LA, Burstein J, Burstein R, et al. Incidence and evolution of subependymal and intraventricular hemorrhage: a study of infants with birth weights less than 1,500 gm. J Pediatr. 1978;92:529-34.). As hemorragias classificadas como I ou II costumam apresentar resolução espontânea, enquanto nos graus III ou IV há maior risco do desenvolvimento de hidrocefalia progressiva, sequelas permanentes e morte. Além disso, a avaliação e o reconhecimento adequado das demais hemorragias neonatais, como as extra-axiais e intraparenquimatosas, também são essenciais(11 Leite CC, Lucato LT, Amaro Júnior E. Neurorradiologia: diagnóstico por imagem das alterações encefálicas. 2ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan; 2011.).

A ultrassonografia transfontanelar (USTF) é amplamente utilizada para identificar alterações em recém-nascidos prematuros com risco de lesão cerebral e defeitos no desenvolvimento neurológico(99 Perlman JM, Rollins N. Surveillance protocol for the detection of intracranial abnormalities in premature neonates. Arch Pediatr Adolesc Med. 2000;154:822-6.), ressaltando-se que a maioria das alterações em prematuros é encontrada em recém-nascidos assintomáticos. Portanto, o rastreamento realizado com USTF mostra-se importante, principalmente nos subgrupos de maior vulnerabilidade(1010 Brezan F, Ritivoiu M, Drăgan A, et al. Preterm screening by transfontanelar ultrasound - results of a 5 years cohort study. Med Ultrason. 2012;14:204-10.).

A utilização da ressonância magnética (RM) nos recém-nascidos ainda é objeto de discussão, sendo principalmente utilizada para a detecção precisa de lesões na substância branca nos casos em que há dúvida quanto ao diagnóstico após a realização de USTF(66 Petrova A, Reddy S, Mehta R. Pattern of intracranial findings detected on magnetic resonance imaging in surviving infants born before 29 weeks of gestation. PLoS One. 2019;14:e0214683.). A RM é mais sensível na detecção de anormalidades na substância branca, a qual tem sido associada a distúrbios na maturação cerebral, bem como comprometimentos neuromotores e do desenvolvimento. Além disso, pela RM é possível avaliar lesões cerebelares, que também podem estar associadas a um maior risco de anormalidades neurológicas(1111 Hintz SR, Barnes PD, Bulas D, et al. Neuroimaging and neurodevelopmental outcome in extremely preterm infants. Pediatrics. 2015;135:e32-42.). Apesar de a RM apresentar algumas vantagens sobre a USTF, ainda existem controvérsias sobre qual exame de neuroimagem deve ser realizado, quando executá-lo e o seu valor no prognóstico(1111 Hintz SR, Barnes PD, Bulas D, et al. Neuroimaging and neurodevelopmental outcome in extremely preterm infants. Pediatrics. 2015;135:e32-42.

12 Oliveira Júnior RE, Teixeira SR, Santana EFM, et al. Magnetic resonance imaging of skull and brain parameters in fetuses with intrauterine growth restriction. Radiol Bras. 2021;54:141-7.

13 Giuffrida A, Peixoto AB, Araujo Júnior E. MV-Flow and LumiFlow: new Doppler tools for evaluating the microvasculature of the fetal head. Radiol Bras. 2021;54:348-9.

14 Malho AS, Ximenes R, Ferri A, et al. MV-Flow and LumiFlow: new Doppler tools for the visualization of fetal blood vessels. Radiol Bras. 2021;54:277-8.
-1515 Oyekale OI, Bello TO, Ayoola O, et al. The cerebroplacental ratio: association with maternal hypertension and proteinuria. Radiol Bras 2021;54:381-7.)
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O presente estudo teve como objetivo principal avaliar o valor preditivo positivo (VPP) e o valor preditivo negativo (VPN) da USTF neonatal na detecção de hemorragia intracraniana, hidrocefalia e leucomalácia em recém-nascidos em um hospital terciário referência em gestação de alto risco, em comparação com a RM de encéfalo neonatal, bem como descrever os principais fatores de risco encontrados na população em estudo.

MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo transversal, retrospectivo, realizado em um hospital terciário referência em gestação de alto risco, baseado em coleta de dados clínicos de prontuários médicos de pacientes de zero a seis meses, no período de janeiro de 2016 a março de 2019, que foram submetidos a RM do encéfalo utilizando protocolo neonatal durante internação hospitalar e que tinham nascido ou que foram transferidos para a instituição logo após o nascimento. Foram excluídos do estudo pacientes com exames subótimos que não permitiam adequada avaliação e pacientes com prontuário médico incompleto. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da instituição e registrado na Plataforma Brasil pelo CAAE 28628820.4.0000.5342.

Os dados dos pacientes foram obtidos exclusivamente do prontuário médico. O protocolo de RM neonatal utilizado foi composto das sequências sagital T1, axial T1, axial T2, axial FLAIR, axial suscetibilidade magnética, axial difusão e axial mapa ADC.

Os pacientes selecionados foram avaliados quanto aos fatores de risco para hemorragia intracraniana neonatal, sendo considerados: fatores de risco prévios da mãe, assistência pré-natal, intercorrências durante o período pré-natal, assistência ao parto e pós-parto, bem como os fatores de risco próprios da criança.

Os dados das USTFs foram obtidos do laudo médico. Já os dados das RMs foram extraídos do laudo médico, associados a revisão das imagens por médico radiologista especialista em neuroimagem. O intervalo de tempo médio entre a realização da USTF e da RM foi de 19,5 dias, com mínimo de zero dia e máximo de 63 dias.

Os exames de USTF e os achados de RM neonatal foram classificados quanto à presença ou não de hemorragia, leucoencefalomalácia, hidrocefalia e outras alterações com significado patológico, sendo a hemorragia subclassificada de acordo com os graus de Papile em I, II, III e IV. Como a USTF é exame realizado de rotina em recém-nascidos prematuros, foi considerado para fins de avaliação o resultado da última USTF realizada previamente à RM.

A tabela de dados foi construída na planilha Microsoft Excel e a análise estatística foi realizada utilizando-se o software SPSS versão 22 para Windows (IBM Corp., Armonk, NY, EUA).

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 52 pacientes, porém um foi excluído por ter sido transferido à instituição após 30 dias do nascimento. Em todos os pacientes incluídos foi adotado o protocolo de RM neonatal com uso de anestesia. Trinta e cinco exames foram realizados em aparelho de 1.5 tesla e 16, em aparelho de 3.0 tesla.

Dos binômios materno-fetais estudados, a idade gestacional média foi 205,4 dias, que corresponde a 29 semanas e 3 dias, 25 (49%) pacientes eram do sexo feminino e 26 (51%) eram do sexo masculino, e do total, 9 (17,6%) eram gemelares. A Tabela 1 descreve as características materno- fetais no estudo.

Tabela 1
Características materno-fetais.

Os pacientes foram subclassificados de acordo com a idade gestacional e o peso de nascimento(1616 American Academy of Pediatrics, The American College of Obstetricians and Gynecologists. Care of the newborn. In: Guidelines for perinatal care. 8th ed. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics; 2017. p. 347-408.), conforme apresentado na Tabela 2. A maioria da população em estudo foi composta de recém-nascidos pré-termo extremo e de extremo baixo peso, não tendo nenhum recém-nascido acima do peso e pós-termo.

Tabela 2
Classificação dos recém-nascidos.

De acordo com os dados descritos na Tabela 3, o trabalho de parto prematuro foi a intercorrência gestacional mais incidente, tendo ocorrido em 21 (41,2%) casos. Em relação às intercorrências neonatais, foi realizada reanimação em sala de parto em 42 dos 51 recém-nascidos (82,4%). Apenas um dos pacientes em estudo (2,0%) teve alteração morfológica detectada durante o pré-natal, apresentando diagnóstico de hidrocefalia com história de infecção por toxoplasmose no segundo trimestre de gestação.

Tabela 3
Intercorrências gestacionais e neonatais.

A análise dos dados obtidos nos exames de imagem (Tabela 4) mostrou que a hemorragia intracraniana foi o achado mais encontrado, presente em 8 USTFs e 22 RMs. As hemorragias intraparenquimatosas encontradas na RM em três pacientes não foram detectadas pela USTF.

Tabela 4
Achados radiológicos.

Ao considerarmos somente a hemorragia da matriz germinativa e sua graduação de acordo com a classificação de Papile (Tabela 5), observamos que em 32 (62,8%) pacientes a classificação da USTF e da RM foi concordante.

Tabela 5
Correlação do grau de hemorragia de acordo com a classificação de Papile.

O VPP e o VPN da USTF para detecção de alterações foram de 87% e 54%, respectivamente, estando a subclassificação dos achados mais prevalente detalhada na Tabela 6.

Tabela 6
VPP e VPN das alterações encontradas na USTF em relação à RM.

DISCUSSÃO

A realização de USTF de rastreio na beira do leito foi iniciada para garantir a vigilância dos achados intracranianos em bebês nascidos muito prematuros durante suas hospitalizações(66 Petrova A, Reddy S, Mehta R. Pattern of intracranial findings detected on magnetic resonance imaging in surviving infants born before 29 weeks of gestation. PLoS One. 2019;14:e0214683.), fazendo parte da prática diária de muitas unidades de terapia intensiva neonatal. Embora a USTF seja uma ferramenta muito segura e acessível, a aquisição de imagem depende do aparelho, do transdutor e do operador, sendo limitada pelo tamanho da fontanela, o ângulo de insonação e a atenuação do sinal com a distância(1717 Maalouf EF, Duggan PJ, Counsell SJ, et al. Comparison of findings on cranial ultrasound and magnetic resonance imaging in preterm infants. Pediatrics. 2001;107:719-27.). Esses empecilhos são muitas vezes responsáveis pela dificuldade em se detectar anormalidades, sobretudo as mais sutis, aspecto reproduzido no presente trabalho, pelo registro de um VPN de 67% para hemorragias intracranianas, observando-se maior número absoluto de erro em hemorragias mais sutis (graus I e II). Ainda mais, algumas alterações como as mostrada na Figura 1 não são possíveis de serem caracterizadas na USTF, e sim detectadas apenas em estudo de RM utilizando técnica de difusão.

Figura 1
Leucomalácia periventricular aguda. Recém-nascida prematura, com 32 semanas de idade gestacional, apresentando história de parada cardiorrespiratória e crises convulsivas, com USTF sem alterações, apresentou sinais de leucomalácia periventricular aguda na RM, demonstrada por ausência de alteração nas sequências ponderadas em T2 (A) e FLAIR (B), com restrição à difusão das moléculas de água na sequência em difusão (C), confirmada pelo mapa ADC (D).

De acordo com a maioria dos dados relatados, as hemorragias da matriz germinativa graus I e II tendem a ter baixo/moderado impacto no desenvolvimento cognitivo e motor do bebê em longo prazo, sendo a hemorragia grau I considerada um achado incidental na maioria dos exames, sem nenhuma consequência no médio/longo prazo para a maioria dos pacientes(1010 Brezan F, Ritivoiu M, Drăgan A, et al. Preterm screening by transfontanelar ultrasound - results of a 5 years cohort study. Med Ultrason. 2012;14:204-10.,1818 Volpe JJ. Neurobiology of periventricular leukomalacia in the premature infant. Pediatr Res. 2001;50:553-62.,1919 Gardner MR. Outcomes in children experiencing neurologic insults as preterm neonates. Pediatr Nurs. 2005;31:448, 451-6.). Ao correlacionarmos essa informação com os dados obtidos no nosso estudo, observamos que a maioria dos erros nas USTFs foi referente à classificação equivocada entre hemorragias graus I e II, bem como entre hemorragias graus III e IV.

O menor VPN encontrado para hemorragias foi a de grau II, em que dois pacientes haviam sido classificados como grau I pela USTF e oito pacientes com USTF normal. Ainda, ao considerarmos que dos 19 pacientes erroneamente classificados, 17 (89,5%) foram incluídos em categorias inferiores na USTF em relação à RM, uma das hipóteses para esta diferença é a possibilidade de evolução da hemorragia no intervalo entre os dois exames.

Apenas dois dos 51 pacientes (3,9%) foram superdiagnosticados pela USTF - ambos foram classificados como grau I e com RM normal -, resultando em um VPP baixo (33%) para esse tipo de hemorragia. Esse achado também é encontrado em outros estudos, podendo estar relacionado à confusão com a ecogenicidade do plexo coroide, bem como ao aparecimento de área hiperecogênica não hemorrágica na matriz germinativa(1717 Maalouf EF, Duggan PJ, Counsell SJ, et al. Comparison of findings on cranial ultrasound and magnetic resonance imaging in preterm infants. Pediatrics. 2001;107:719-27.).

De acordo com um estudo recente que acompanhou pacientes com hemorragia intracraniana neonatal no período de cinco anos(1010 Brezan F, Ritivoiu M, Drăgan A, et al. Preterm screening by transfontanelar ultrasound - results of a 5 years cohort study. Med Ultrason. 2012;14:204-10.), os pacientes diagnosticados com hemorragias graus I e II não apresentaram nenhuma sequela neurológica grave, como paralisia cerebral, disfunções sensoriais (visuais e/ou auditivas), retardo mental, retardo motor ou epilepsia no período em estudo. Apenas 8,8% dos pacientes com hemorragia grau I e 14,2% dos pacientes com hemorragia grau II apresentaram sequelas neurológicas mínimas, consideradas pelos autores como retardo motor leve ou leve atraso na fala e linguagem. Já nos grupos de hemorragia graus III e IV, 22,5% e 20,6%, respectivamente, apresentaram sequelas leves, e 17,5% e 68,9% apresentaram sequelas neurológicas graves(1010 Brezan F, Ritivoiu M, Drăgan A, et al. Preterm screening by transfontanelar ultrasound - results of a 5 years cohort study. Med Ultrason. 2012;14:204-10.). Desse modo, consideramos ser de extrema importância o diagnóstico correto das hemorragias intracranianas, bem como a adequada classificação delas, principalmente as hemorragias de graus mais elevados (III e IV), uma vez que alteram significativamente o prognóstico dos pacientes.

A análise do presente artigo também mostrou três casos de hemorragia intraparenquimatosa detectadas pela RM, sendo um associado a hemorragia da matriz germinativa, porém, nenhum desses casos foi detectado pela USTF, confirmando a dificuldade encontrada em avaliar anormalidades em substâncias profundas e periféricas(1717 Maalouf EF, Duggan PJ, Counsell SJ, et al. Comparison of findings on cranial ultrasound and magnetic resonance imaging in preterm infants. Pediatrics. 2001;107:719-27.). Destaca-se também que se obteve um VPN de 100% para hemorragia grau III, além de VPP e VPN de 100% para hidrocefalia. Os fatores associados a esses resultados estão provavelmente no número amostral pequeno, associado a prevalência inferior dessas alterações em relação às demais. O número de pacientes também limitou o cálculo do VPP para hemorragias graus III e IV.

Ao considerarmos todas as alterações de significado patológico encontradas tanto na USTF quanto na RM, obtivemos um alto VPP (87%). Entretanto, o VPN foi baixo (54%), resultado que pode, novamente, ser atribuído à limitação da USTF, bem como à piora do quadro clínico do paciente no intervalo entre os exames. O alto VPP reforça a importância de se prosseguir a investigação com RM nos pacientes com USTF alterada, uma vez que apresenta maior sensibilidade, permitindo melhor definição das lesões em termos de localização, extensão e tipo de doença em relação à USTF e à tomografia computadorizada(2020 Battin MR, Maalouf EF, Counsell SJ, et al. Magnetic resonance imaging of the brain in very preterm infants: visualization of the germinal matrix, early myelination, and cortical folding. Pediatrics. 1998;101:957-62.,2121 Childs AM, Ramenghi LA, Evans DJ, et al. MR features of developing periventricular white matter in preterm infants: evidence of glial cell migration. AJNR Am J Neuroradiol. 1998;19:971-6.).

Deve-se destacar que a população em estudo foi composta majoritariamente de recém-nascidos prematuros, entre eles os prematuros extremos e os de extremo baixo peso, constituindo os fatores de risco de maior relevância ao considerarmos a prevalência de hemorragia intracraniana neonatal(1010 Brezan F, Ritivoiu M, Drăgan A, et al. Preterm screening by transfontanelar ultrasound - results of a 5 years cohort study. Med Ultrason. 2012;14:204-10.), o que condiz com a realidade encontrada em muitas unidades de terapia intensiva neonatal, sobretudo em hospitais de nível terciário.

CONCLUSÃO

A adequada caracterização e classificação de hemorragias intracranianas no período neonatal é de extrema importância no que tange aos cuidados com os recém-nascidos, sobremaneira em prematuros e de baixo peso. Ao considerarmos a distinção entre os graus de hemorragia da matriz germinativa leve e moderado (I e II) dos graus acentuados (III e IV), a USTF cumpre bem o seu papel como exame de rastreio e acompanhamento, principalmente em caso de pacientes mais graves, sem condição clínica de serem submetidos a RM, bem como nos pacientes com fatores de risco preexistentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2021
  • Aceito
    15 Dez 2021
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