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Discriminação quiral por CLAE em carbamatos de polissacarídeos: desenvolvimento, aplicações e perspectivas

Polysaccharide carbamate as chiral stationary phases for HPLC: development, applications and perspectives

Resumo

The importance of chromatographic separation of enantiomers has been acknowledged. This review surveys the development, application and perspectives of polysaccharide carbamates as chiral stationary phase for HPLC.

polysaccharide carbamates; microporous silica; flash chromatography


polysaccharide carbamates; microporous silica; flash chromatography

Discriminação quiral por CLAE em carbamatos de polissacarídeos: desenvolvimento, aplicações e perspectivas

Quezia B. Cass*, M. Elizabeth Tiritan, Ana Lúcia Bassi, Silvana A. Calafatti e Ana Luiza G. Degani

Departamento de Química - Universidade Federal de São Carlos - CP 676 - 13565-905 - São Carlos - SP

Recebido em 27/2/96; aceito em 13/6/96

Polysaccharide carbamate as chiral stationary phases for hplc: development, applications and perspectives. The importance of chromatographic separation of enantiomers has been acknowledged. This review surveys the development, application and perspectives of polysaccharide carbamates as chiral stationary phase for HPLC.

Keywords: polysaccharide carbamates; microporous silica; flash chromatography.

INTRODUÇÃO

Pasteur, após separar com o auxílio de uma pinça e de uma lente de aumento os enantiômeros de um sal de ácido tartárico, propôs que a atividade óptica era causada pela assimetria molecular, que tornava as moléculas não superponíveis às suas imagens especulares. Só no final do século XVIII Van't Hoff e Le Bel reforçaram a proposta de Pasteur com a explicação de que o fato do carbono apresentar uma configuração tetraédrica é que conferia a certos compostos natureza quiral1.

As configurações absolutas do (+) e (-)-ácido tartárico só foram determinadas em 1951 por J. M. Bijvoet, por difração de raios X1.

Há uma grande gama de compostos quirais em que sua assimetria não é devida a um átomo de carbono, como, por exemplo, compostos com átomos de enxofre, fósforo e nitrogênio quirais2.

Os sulfóxidos não são planares e se forem assimetricamente substituídos, devido a altas barreiras de racemização, irão existir como enantiômeros, estáveis à temperatura ambiente3. Aminas com diferentes substituintes também são quirais, embora não sejam estáveis à temperatura ambiente por possuirem baixas barreiras de racemização. Amidas e imidas, dependendo do tamanho de seus substituintes, podem existir como enantiômeros estáveis à temperatura ambiente4.

O conhecimento de que grande parte das drogas naturais existe na forma opticamente ativa, além de estudos feitos nas últimas décadas2,5, que demonstraram diferenças nas atividades biológicas entre pares de enantiômeros levaram à conscientização da necessidade de que as drogas sintéticas sejam produzidas em sua forma enantiomericamente pura6.

Receptores e enzimas interagem seletivamente às diferenças configuracionais. Prometazina é um exemplo raro de uma droga que apresenta a mesma atividade biológica e potência para ambos enantiômeros, no que concerne à sua atividade anti-histamínica7.

É comum a existência de drogas que apresentam a mesma atividade biológica, mas com potências diferentes para cada enantiômero. O uso de tais drogas na forma racêmica é preocupante, uma vez que as drogas normalmente possuem mais de uma atividade biológica e a presença de efeitos colaterais não é desejada8.

Drogas como a cetamida e ciclofosfamida são usadas na forma de seus racematos, embora seus enantiômeros apresentem atividades farmacológicas e toxicológicas bem diferentes7. O desenvolvimento de tais compostos na forma enantiomericamente pura se faz necessário para a obtenção da potência adequada e redução dos efeitos colaterais.

A enantiosseletividade em farmacodinâmica9 não resulta apenas das diferenças qualitativas e quantitativas nas atividades dos enantiômeros, mas de uma série de outros fatores como absorção, distribuição e excreção, tornando o seu entendimento complexo. O estudo de novas e já existentes drogas deve incluir investigações com o intuito de esclarecer as diferenças enantioseletivas, levando-se em consideração também relações custo-benefício7.

Um dos métodos mais utilizados para a resolução de enantiômeros é a Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE)10-14. Enantiômeros não são separados por métodos convencionais, uma vez que apresentam propriedades físicas similares. Raros são os enantiômeros que formam cristais diferentes, podendo ser separados do mesmo modo que o ácido tartárico.

Enantiômeros podem ser resolvidos por CLAE tanto pelo método indireto, clássico, de derivação dos enantiômeros com um reagente quiral12, levando à formação de um par diastereoisomérico que pode ser separado em colunas aquirais, quanto pelo método direto. O método direto baseia-se no uso de aditivos quirais à fase móvel ou no uso de fases estacionárias quirais. Entretanto, o método preferido para a separação de misturas enantioméricas envolve o uso de colunas quirais13-14. A razão disto é que não se tem os inconvenientes que o método indireto apresenta e não há desperdício de reagentes quirais, como no caso de adição à fase móvel15.

A separação de uma mistura enantiomérica em colunas quirais é devida a um conjunto de interações que levam à formação de um complexo diastereoisomérico transitório. As fases quirais são agrupadas de acordo com estas interações5,13, 16.

Nesta revisão, o desenvolvimento, aplicações e perspectivas do uso de carbamatos de polissacarídeos como fases estacionárias quirais em CLAE são discutidos.

DESENVOLVIMENTO

Hesse e Hagel observaram que triacetato de celulose, sintetizado sob condições heterogêneas, perdia o poder de discriminação quiral após dissolução e re-precipitação17.Entretanto, Okamoto e colaboradores observaram que o triacetato de celulose adsorvido em sílica gel mostrava uma capacidade de discriminação quiral completamente diferente do triacetato de celulose microcristalino18 quando não adsorvido.

Os trabalhos do grupo de Okamoto18-23 levaram a uma grande variedade de derivados de polissacarídeos tais como: tris-benzoatos, tris-cinamatos e tris(aril ou benzilcarbamato)s de polissacarídeos adsorvidos em sílica gel.

Entre os derivados de polissacarídeos, os carbamatos de celulose e amilose são os mais empregados como fases estacionárias quirais em CLAE. A grande vantagem destas fases quirais, quando comparadas com as fases quirais dos outros tipos13, é que uma maior variedade de classes de compostos quirais pode ser eficientemente resolvida.

As reações de preparação destes derivados normalmente são simples20 e as colunas obtidas apresentam boa eficiência, sendo atualmente comercializadas pela DIACEL Chem. Ind. (Japão) (Fig. 1).


A capacidade de discriminação quiral dos arilcarbamatos depende da posição e dos substituintes do grupo fenila20,21, assim como do polissacarídeo18. No caso da troca de celulose por amilose, foi observada discriminação quiral completamente distinta e em alguns casos, inversão da ordem de eluição dos enantiômeros22-23.

Okamoto e Kaida23 descrevem em revisão recente que uma grande variedade de tris(arilcarbamato)s de celulose com diferentes substituintes no anel aromático ( mono e disubstituídos) foram examinados e grandes diferenças no poder de discriminação quiral foram notadas.

Embora os tris(arilcarbamato)s de celulose com substituintes elétron doadores, tais como grupos alquila, ou com substituintes retiradores de elétrons, como o cloro, tenham mostrado uma maior capacidade de discriminação quiral que os não substituídos, quando estes substituintes são grupos metóxi ou nitro há um decréscimo no poder de discriminação quiral23.

Grandes diferenças em k e em α foram observadas entre dimetil, dicloro e difluoro tris(arilcarbamato)s de celulose. O derivado dicloro, embora tenha apresentado um alto poder de discriminação quiral, não tem valor prático devido à alta solubilidade do carbamato nos solventes usuais de CLAE. O 3,5-dimetil derivado é o que apresenta maior poder de discriminação quiral e, conseqüentemente, tem sido o mais usado23.

Tris(arilcarbamato)s de amilose têm tido também muitas aplicações24. A influência dos substituintes no grupo arila no poder de discriminação quiral tem sido análoga à observada com os derivados de celulose19,23.

A fim de elucidar a influência dos substituintes na discriminação quiral, Okamoto e colaboradores prepararam25-26 uma série de dimetil-, dicloro- e clorometilfenil-carbamatos de celulose e amilose. Contrariamente aos resultados observados para os carbamatos orto-substituídos de celulose, os derivados orto-substituídos de amilose mostraram alto poder de discriminação quiral. O tris(5-cloro-2-metilfenilcarbamato) de amilose apresentou maior poder de resolução quiral quando comparado com os dimetil e dicloro derivados correspondentes. A influência destes substituintes no grupo NH do carbamato para a discriminação quiral foi demonstrada por espectrometria no infra-vermelho e ressonância magnética de hidrogênio.

Devido à solubilidade dos tris(carbamato)s de polissacarídeos nos solventes usuais de cromatografia líquida, limitando assim os eluentes que podem ser usados com estas fases23, mecanicamente adsorvidas, Okamoto e colaboradores prepararam27-28 as fases tris-(3,5-dimetil- e 3,5-diclorofenilcarbamato)s de celulose e amilose quimicamente ligadas à 3-aminopropilsílica (APS). A enantiosseletividade destas fases27, no entanto, mostrou ser inferior às obtidas com as fases mecanicamente adsorvidas. A enantiosseletividade das fases regioseletivamente imobilizadas à APS foi maior quando comparada com as não regioseletivamente ligadas28. Para os derivados de amilose, a habilidade de resolução óptica das fases ligadas pela posição 6- foi ligeiramente superior às ligadas pelas posições 2- e 3-. Entretanto, em derivados de celulose a imobilização regioseletiva não teve influência na enantiosseletividade.

Recentemente, o derivado misto 3,5-dimetilfenilcarbamato/10-undecenoato de celulose29 foi ancorado a vários suportes cromatográficos tais como sílica gel, alumina e grafite, através de reações radicalares envolvendo o grupo 10-undecenoato. As fases preparadas desta maneira mostraram-se resistentes às condições usuais de CLAE com moderada enantiosseletividade29.

A vantagem de se ter as fases quirais quimicamente ligadas ao suporte é que elas podem ser usadas com uma maior variedade de solventes que as adsorvidas mecanicamente.

A diferença no poder de discriminação quiral entre os polissacarídeos é claramente observada quando se examinam30 as resoluções obtidas para uma série de sulfóxidos quirais (Fig. 2) nas fases tris(fenil- e 3,5-dimetilfenilcarbamato)s de celulose e as resoluções obtidas com os mesmos derivados de amilose (Tabela 1). Surpreendente é a discriminação quiral observada para esta mesma série de sulfóxidos quirais em tris(3,5-dimetóxifenilcarbamato) de amilose. Com a fase quiral correspondente de celulose não se obteve resolução para estes compostos.


Tris(benzilcarbamato)s de celulose e amilose têm sido também usados com bastante sucesso31. Os derivados de amilose, em geral, têm demonstrado um maior poder de discriminação quiral que os trisbenzilcarbamatos de celulose. A fase tris-[(S)-1-etilfenilcarbamato] de amilose tem se mostrado muito eficiente na resolução de diversas classes de compostos31-33. Polissacarídeos tais como xilan, curdlan, dextran, inulina e amilo-pectina foram investigados com sucesso e alguns deles mostram ser boa alternativa à celulose e amilose18, 34-37. Derivados quirais de diidropiridina, como nivaldipina e nicarardipina, antagonistas de cálcio, mostram boas resoluções em bis(3,5-dimetilfenilcarbamato) de xilan36-37.

Os trabalhos desenvolvidos pelo grupo de Okamoto23, 37-38 têm sido feitos usando-se sílica gel macroporosa (1000-4000Å) com partículas de diâmetro de 7 ou 10 μm e, embora estas fases apresentem uma excelente enantiosseletividade, o uso desta sílica possui uma séria limitação por ser frágil39,40 e muito mais dispendiosa que sílica microporosa.

Embora sílica macroporosa tenha sido usada como suporte para as fases quirais derivadas de polissacarídeos18-23, nenhuma justificativa foi apresentada para o uso deste suporte. O uso de sílica com poros menores (500 Å, 7 μm) foi investigado e esta mostrou-se bastante efetiva na separação de sulfóxidos quirais30. Trabalho desenvolvido no grupo de Matlin41 demostrou que sílicas microporosas (120 Å), com partículas de 2,5 e 5 μm podem ser usadas com sucesso, permitindo o uso de colunas curtas, com 15, 10 ou 3 cm de comprimento. Estas colunas com partículas menores apresentaram grandes vantagens sobre as de partículas maiores, uma vez que grande eficiência, com colunas mais curtas e fluxos altos, pode ser conseguida.

A influência na discriminação quiral da proporção carbamato/suporte g/g na cobertura foi examinada para sílica microporosa. Com sílica macroporosa20,37 como suporte, a proporção usada tem sido 20-25%g/g, enquanto com sílica microporosa (120 Å) foi evidenciado que o percentual ótimo de cobertura depende do polissacarídeo usado41-44. Com celulose Sigma Cell41-42, a proporção ótima encontrada foi de 15%g/g, enquanto com celulose dos tipos Sigma Fibrosa e Avicel Merck, a proporção ideal de cobertura foi de 20%g/g43.

A importância das propriedades físico-químicas do polis-sacarídeo para a discriminação quiral foi claramente observada quando se compararam as resoluções obtidas com o tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de celulose partindo-se de celulose dos tipos Sigma Fibrosa e Avicel Merck43. A influência da natureza do polissacarídeo e a importância da determinação da proporção carbamato/suporte (g/g) na discriminação quiral foram também observadas, quando se investigou o uso de bis(arilcarbamato)s de quitina44.

A 3-aminopropil sílica tem sido aceita como o suporte ideal para estas fases. Este suporte decresce as interações não estereoseletivas e aumenta a estabilidade da cobertura, por fornecer condições para a formação de pontes de hidrogênio. Recentemente, Matlin e colaboradores demonstraram42 que, em muitos casos, o uso de sílica não derivada e octadecil sílica oferece vantagens quando comparado com a APS. Para a resolução de sulfóxidos quirais, entretanto, a APS mostrou melhores resultados33 quando comparada à sílica não derivada. Isto deve-se provavelmente a interações não esteroseletivas dos sulfóxidos com os grupos silanóis livres.

A fim de demonstrar que o tamanho do poro do suporte não influi na enantiosseletividade33, sílicas não derivadas (Exsil, Exmere Ltd) com as seguintes características: tamanho de poro: 100Å, 300Å, 500Å e 1000Å; área superficial de 200 m2/g,100 m2/g, 80 m2/g, e 50 m2/g e volume de poro de 0,51 mL/g, 0,78 mL/g 1,0 mL/g e 1,15 mL/g, respectivamente, foram avaliadas como suporte para a fase tris-[(S)-1-etilfenilcarbamato] de amilose com os seguintes racematos: (±)-1-(antril)-2,2,2-trifluoroetanol, base de Trogers, p-bromofenil-p-toluil sulfóxido e benzil-cicloexil sulfóxido.

As resoluções dos quatro racematos analisados foram muito similares nos quatro suportes utilizados mostrando que o tamanho do poro tem pouco efeito na discriminação quiral. O p-bromofenil-p-toluil sulfóxido apresentou uma resolução ligeiramente inferior em 1000 Å (Fig. 3)33.


O fato de ter se usado sílica da mesma procedência e não derivada para a determinação da influência do tamanho do poro é de grande importância45-46. Sabe-se que a derivação da sílica não só altera suas propriedades químicas, como também afeta a estrutura do poro, e sílicas de diferentes manufatores apresentam diferentes propriedades químicas47.

O estudo da influência do tamanho do poro e da superfície do suporte na discriminação quiral levou ao desenvolvimento de colunas de derivados polissacarídeos do tipo flash48, um marco no desenvolvimento destas colunas, uma vez que possibilitam separações preparativas de enantiômeros com baixo custo.

APLICAÇÕES

Embora síntese assimétrica seja útil para a preparação de grandes quantidades de material, o tempo requerido no seu desenvolvimento pode torná-la impraticável e não atrativa, especialmente quando se necessita de apenas pequenas quantidades do enantiômero24. Neste caso, a resolução de uma mistura enantiomérica é preferível e tem-se ainda como vantagem a produção dos dois enantiômeros, enquanto a síntese assimétrica produz apenas um. Mesmo quando a síntese assimétrica é a opção, faz-se necessário um método analítico preciso para a determinação do excesso enantiomérico obtido49-50.

Dos métodos atuais de separação de enantiômeros, o uso de colunas quirais em CLAE é o que tem encontrado maior aplicabilidade13-14.

O desenvolvimento da cromatografia quiral tem permitido que o metabolismo e a bio-disponibilidade dos enantiômeros em separado, de uma droga quiral, possam ser seguidos rotineiramente e assim procedimentos padrão para o desenvolvimento e teste de novas drogas quirais têm sido estabelecidos8.

Após a liberação de guia para a comercialização de drogas quirais pelo FDA ( Food & Drug Administration, EUA), um grande avanço foi feito neste campo, uma vez que as companhias Farmacêuticas e Químicas necessitam de completa justificativa para comercializar o racemato51.

As colunas de carbamatos de polissacarídeos foram classificadas por Wainer13 como colunas quirais do tipo II, e embora o mecanismo de reconhecimento quiral destas colunas ainda não seja completamente elucidado, acredita-se que a discriminação quiral se dê por interações atrativas37,52 do soluto com os carbamatos das unidades glicosídicas25-26 e também por inclusão dentro das cavidades ou canais do polissacarídeo14.

Uma das características importantes destas fases estacionárias quirais (FEQs) é que elas têm sido úteis na resolução de uma grande variedade de compostos, incluindo os alifáticos. A presença de grupos aromáticos, embora facilite a resolução, não tem sido, neste caso, essencial2,53, como pode ser exemplificado pelas discriminações quirais obtidas para derivados de α-pineno54, derivados da 4-hidróxi-2-ciclopentanona22,55, ciclobutanonas56, β-lactamas57, e prostaglandinas58.

Estas fases têm apresentado excelente discriminação quiral para compostos que apresentam heteroátomos como centros assimétricos: enxofre19,30,33,59-61 e fósforo19,62 , por exemplo.

O tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de celulose é a fase que tem tido maior aplicabilidade. Okamoto e Kaida23destacam que dos 510 racematos analisados nesta fase, 229 foram completamente resolvidos.

Embora as colunas quirais de carbamatos de polissacarídeos sejam comumente usadas no modo normal52,63, com misturas de um solvente alifático (hexano, pentano ou heptano) e álcoois, tais como etanol, 2-propanol e tert-butanol como eluentes2,43,64-68, elas têm sido usadas também no modo reverso69-73 com água/acetonitrila ou água/metanol, geralmente tamponados com ácido perclórico ou fosfato. Solventes clorados, THF, DHF e DMSO não são usados, uma vez que estes solventes removem a fase estacionária do suporte23, 63.

N,N-dimetilamina e ácido trifluoro acético têm sido usados como aditivos aos solventes, tanto no modo normal quanto no reverso, para bloquear interações silanofílicas não desejadas32,42,74-76. O tipo do álcool usado como eluente, no modo normal, tem tido, em alguns casos, um efeito bastante pronunciado32,43,53,77, assim como adição de água em concentrações próximas de 0,1-1,0 g/L53,77. Efeito da temperatura na discriminação quiral tem sido também explorado32,70,76.

Determinação de Excesso Enantiomérico

A importância da existência de um método analítico simples, reprodutível e sensível em síntese assimétrica é amplamente reconhecida, pois faz-se necessário não só a determinação, como o controle da pureza óptica dos reagentes, intermediários e produtos49-50,56.

As colunas tris(carbamato)s de polissacarídeos têm sido muito usadas na determinação da composição enantiomérica de uma grande variedade de compostos6,70,76,78-81.

Rustum78, em publicação recente, mostra que em coluna tris-(metilfenilcarbamato) de celulose o limite de quantificação do S-(+)-nipecotato de etila (Fig. 4) foi de ca. 0,2% da área do pico do enantiômero R-(-), com uma relação de três vezes o sinal versus o ruído do detector.


Desde que a concentração do soluto permaneça dentro da faixa linear do sinal versus a curva de calibração padrão, a determinação do excesso enantiomérico é feita a partir da proporção da área percentual dos picos. Dingenen32 aconselha o método de calibração externa para a determinação de um enantiômero em pequeníssima proporção em relação ao outro. O uso de baixas temperaturas tem sido explorado para a determinação de excesso enantiomérico quando se trabalha a baixos níveis de detecção70.

Exemplos de Separações Importantes de Drogas Comerciais

Entre os β-bloqueadores comerciais, o timolol é encontrado na forma enantiomericamente pura82, enquanto o nadolol é comercializado como uma mistura de quatro estereoisômeros, decorrentes de uma mistura de dois diastereoisômeros, classificados genericamente como racematos A e B. O racemato B é a mistura do estereoisômero mais ativo: 2R,3S,2'S(-)-anel,(-)-cadeia lateral (Fig. 5) com o seu enantiômero.


O nadolol foi separado por McCarthy83 em coluna de tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de amilose, tanto no modo normal quanto reverso com resolução para os quatro estereoisômeros. A validação do método foi feita, usando o modo normal, em misturas sintéticas dos racematos e mostrou-se eficiente para a determinação dos quatro estereoisômeros presentes no nadolol comercial, assim como para a determinação a nível de traços do enantiômero corespondente a cada estereoisômero, quando sintetizado individualmente.

A fase tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de celulose, usando sílica microporosa (APS-2 Hypersil)43 como suporte e hexano/2-propanol (90:10 v/v) como fase móvel, mostrou uma excelente separação quiral para o propanolol (α = 1,9 Rs = 4,1), resultado este bem superior aos descritos na literatura utilizando outros métodos32,65, sem necessidade de uso de dimetilamina, aditivo comum para a separação de compostos desta classe75,83.

Este método foi também aplicado para a resolução enantiomérica do tetramisol e mostrou-se útil para a análise da droga em tabletes e em suspensões comerciais. O tetramisol é o (±)-6-fenil-2,3,5,6-tetraidroimidazol[2,1-b]tiazol, sendo usado em várias formulações farmacêuticas como anti-helmítico, mas a forma terapêutica ativa é o (-)-enantiômero: o levamisol43.

A fase tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de amilose foi usada com sucesso para a separação dos estereoisômeros da oxima do hexametil-propilenoamina, usado como ligante para o tectenesil-99, complexo que tem grande aplicação em medicina nuclear, enquanto a fase tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de celulose se mostrou eficiente para a separação do complexo84.

Omeprazol e lansoprasol pertencem a uma nova classe de compostos altamente potentes e usados clinicamente como inibidores da secreção gástrica. Eles são benzoimidazóis substituídos contendo um grupo sulfóxido como único centro quiral e comercializados como misturas racêmicas. As colunas de carbamatos de amilose33, 85 têm se mostrado muito eficientes nas separações enantioseletivas destas drogas, embora carbamatos de celulose também sejam empregados com sucesso15,30,86.

Compostos como mefobarbital, metaquolona, metil fenil succimida, indapamida, verapamil, trimepramina, aminotetralinas, etc, têm sido separados com sucesso nas fases de carbamatos de polissacarídeos72, 73, 87, sendo estas as mais adequadas para análises de rotina, da matéria-prima ao produto acabado.

Metabolismo

A farmacodinâmica de uma droga é determinada pelo metabolismo enantiosseletivo e por outros fatores como absorção, distribuição e excreção. Wainer e colaboradores8 chamam atenção para o fato de que como as propriedades físico-químicas dos enantiômeros são semelhantes, uma diferença na distribuição, em decorrência da enantiosseletividade, pode ser usada para a investigação de interações específicas de ligantes-biopolímeros ou um padrão metabólico distinto, permitindo assim a identificação de sistemas enzimáticos múltiplos.

O acompanhamento do metabolismo e disponibilidade de uma droga quiral é de fundamental importância para a determinação de suas propriedades farmacológicas e métodos analíticos que sirvam para fazer estas determinações têm sido investigados. As fases de carbamatos de polissacarídeos têm sido muito utilizadas em estudos de metabolismos8,9.

Oxcarbazepina (10,11-diidro-10-oxo-5H dibens (b,f) azepina-5-carboxamida) é uma droga antiepiléptica, estruturalmente relacionada à carbamazepina. Seu principal metabólito, 10,11-dihidro-10-hidroxicarbamazepina, é quiral e é eliminado pela urina com um conjugado glucurônico. O derivado trans 10,11-diidroxilado é também um dos metabólitos obtidos. A fase tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de celulose foi usada para a determinação da oxcarbazepina simultaneamente com os estereoisômeros dos seus metabólitos mono e diidroxilados. A validação do método e o limite de detecção foram determinados. A curva de calibração mostrou-se linear na faixa de 5-200 ng/mL88.

A fase tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de celulose foi usada com sucesso, tanto no modo normal quanto no modo reverso, para a determinação dos enantiômeros do bevantolol (Fig. 6), empregado como mistura racêmica para o tratamento de hipertensão e angina peitoral. O método descrito para a separação enantiomérica do bevantolol é simples e pode ser usado no acompanhamento farmacocinético da droga (especialmente excreção)89.


Embora o enantiômero farmacologicamente mais ativo como antagonista de cálcio, S-(-)-verapamil, seja preferencialmente eliminado, é a mistura racêmica do verapamil que tem sido usada terapeuticamente. Seus principais metabólitos são verapamil e galopamil (Fig. 7). O excesso enantiomérico de verapamil e norverapamil em amostras de plasma pode ser determinado simultaneamente usando-se a coluna tris-3,5-dimetilfenilcarbamato de amilose. Galopamil foi também separado com sucesso90.


Almokalant, 4-(3-{etil[3-propilsulfinil)propil]amino}- 2 -hidroxipropoxi) benzonitrila, é uma droga em fase inicial de investigação clínica como antiarrítimica, sendo usada como mistura diastereoisomérica, decorrente da presença de um carbono quiral e, de um sulfóxido quiral. Para os estudos farmacocinéticos, um método analítico preciso e reprodutível foi desenvolvido com sucesso para a separação dos quatro estereoisômeros de almokalant, tanto em urina como no plasma, empregando-se as colunas de tris-3,5(dimetilfenilcarbamato) de celulose e amilose, respectivamente91.

O uso de colunas de polissacarídeos com amostras biológicas tem se mostrado atrativo, não só pela sensibilidade e reprodutibilidade que estas fases têm demonstrado, como também pela durabilidade que tem sido destacada por alguns autores80,91.

Separações Preparativas

Apesar dos métodos analíticos de separação direta de enantiômeros terem tido um avanço muito grande nos últimos dez anos9-11,13, as separações enantioméricas em escala preparativa ainda são consideradas difíceis, caras e demoradas92. Isto deve-se especialmente ao fato de que nem toda fase quiral com boa performance a nível analítico apresentar um comportamento satisfatório em escala preparativa.

As fases de derivados de polissacarídeos têm se mostrado muito eficientes, especialmente porque elas são hábeis em separar uma grande variedade de classes de compostos e exemplos de separações preparativas importantes podem ser encontradas na literatura15,24.Compostos como verapamil e norverapamil foram eficientemente resolvidos em escala preparativa73 com tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de celulose e precursores de prostaglandinas foram eficientemente resolvidos com trisfenilcarbamato de celulose58. Derivados de amilose têm sido também empregados em importantes separações na indústria farmacêutica24.

O uso de reciclo em Cromatografia Líquida de Alta Eficiência em escala preparativa tem sido amplamente explorado24, para diminuir custos e aumentar o limite de carga da coluna. A fase OD foi eficientemente empregada na separação enantiomérica de γ-arilcetoéster, usando reciclo. Após a optimização do método, 4g do racemato dissolvidos em 100 mL de metanol foram injetados na coluna, que continha aproximadamente 200g de material empacotado. Um total de nove ciclos foi necessário para a separação dos enantiômeros em forma pura. Com esta técnica foi possível resolver 80g de racemato (20 injeções de 4g), de forma automatizada, em um processo contínuo durante quatro dias93.

A limitação para estas fases em cromatografia preparativa é a mesma de outras fases estacionárias: o alto preço. Os custos de preparo destas colunas com sílica microporosa decaíram bastante e, em conseqüência, espera-se que um maior número de separações preparativas com estas fases venha a ocorrer41-43,94.

PERSPECTIVAS

O uso de carbamatos de polissacarídeos como fases estacionárias quirais em Cromatografia Líquida de Alta Eficiência já é amplamente reconhecido, tanto em escala analítica quanto preparativa. O trabalho recente de Matline colaboradores48 mostra a pontencialidade destas fases em cromatografia do tipo flash e abre novas perspectivas para o uso das mesmas. A conexão da coluna flash a um detector de CLAE torna a eficiência e facilidade de coleta dos enantiômeros puros ainda maior95. A coluna flash pode ser reutilizada várias vezes para o mesmo ou outros compostos, sem uma perda considerável de resolução. Como o suporte neste caso é barato, o carbamato de polissacarídeo é o fator mais dispendioso na preparação da coluna, e pode ser, se necessário, convenientemente extraído do suporte, armazenado e reutilizado quando preciso. O limite de carga em uma coluna flash depende grandemente da resolução e de k, e assim como em CLAE preparativa, recomenda-se boas resoluções (Rs acima de 1.5) e ks inferiores a 5.

Visando uma maior facilidade de uso de colunas quirais em geral, tem-se o programa CHIRBASE96, do Roussel, um banco de dados para a separação de enantiômeros por cromatografia. O uso rotineiro de um banco de dados desta natureza, que fornece além de informações estruturais, bibliografia e dados cromatográficos, facilita a escolha das condições iniciais adequadas a uma separação enantiomérica. Como o CHIRBASE é baseado nos softwares padrão de bancos de dados é de se esperar que um maior número de usuários passe a se beneficiar de tais informações.

O uso de fases quirais de carbamatos de polissacarídeos em cromatografia do tipo contra-corrente contínua (Simulated Moving Bed, em inglês) cria também novas opções para a purificação de enantiômeros. Por este método, a injeção do racemato e o isolamento dos enantiômeros puros são feitos simultaneamente e continuamente. O movimento do sólido pode ser simulado por movimento contínuo da linha de entrada e saída entre secções de uma área fixa estacionária. A separação de (±)-1α,2,7,7α-tetraidro-3-metóxinaft-(2,3b)-oxirano, com fase tris(3,5-dimetilfenilcarbamato) de celulose, por este método, mostra a potencialidade da técnica97.

O conhecimento do mecanismo de reconhecimento quiral é de extrema importância para se planejar adequadamente uma separação enantiomérica e se, para alguns tipos de colunas, o mecanismo de separação enantiomérica é facilmente entendido e demonstrado, para as colunas do tipo II13 o mecanismo de discriminação quiral é ainda relativamente obscuro. Os estudos do mecanismo de discriminação quiral das fases de carbamatos de polissacarídeos envolvendo métodos computacionais e de RMN cria novos rumos no entendimento do reconhecimento quiral destas fases e conseqüentemente abrirão novas perspectivas e aplicações25-26,98.

CONCLUSÃO

As fases de carbamatos de polissacarídeos têm demonstrado grande versatilidade e aplicabilidade e desde a sua introdução pelo grupo de Okamoto, grandes desenvolvimentos foram feitos. As colunas de carbamatos de polissacarídeos, por apresentarem um alto poder de discriminação quiral, aliado a uma alta sensibilidade, reprodutibilidade e resistência, têm sido as fases preferencialmente escolhidas para separações enantioméricas, tanto no modo analítico quanto preparativo. O uso destas fases em cromatografia do tipo flash, sem dúvida, foi um marco importante no desenvolvimento e aplicação destas fases.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP, pelo apoio financeiro ao projeto "Polissacarídeos Modificados para Uso em Cromatografia Líquida de Alta Eficiência" e as bolsas de estudos de A. L. B. e M. E. T. Ao CNPq e CAPES, pelas bolsas de M. E. T., A. L. G. D. e S. A. C.. Ao Prof. Stephen Matlin, pelo carinho e incentivo recebido no desenvolvimento de projetos em CLAE. Ao Prof. Massami Yonashiro, pelas críticas e sugestões dadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Fev 1997

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 1996
  • Aceito
    13 Jun 1996
Sociedade Brasileira de Química Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), CP6154, 13083-0970 - Campinas - SP - Brazil
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