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Algumas Considerações sobre a Regra de Hund e a Estrutura Eletrônica de Átomos no Ensino de Química

Some considerations on the hund's rule and electronic structure of atoms in the teaching of chemistry

Resumo

Hund's maximum multiplicity rule as stated in most elementary and intermediate level textbooks on general and inorganic chemistry and usually taught at the college and undergraduate level is incorrect. It is true that electrons entering a subshell of an atom tend to occupy the orbitals singly as far as possible but not necessarily with parallel spins. Also, proper definitions and correct use of terms like configuration, microstate, spectroscopic term, level and state are essential if confusion on the part of the student, especially the beginner, is to be avoided.

eletronic configuration of atoms; microstate; vector model of the atom; spectroscopic term


eletronic configuration of atoms; microstate; vector model of the atom; spectroscopic term

Algumas Considerações sobre a Regra de Hund e a Estrutura Eletrônica de Átomos no Ensino de Química

Natarajan Subramanian e Severino Francisco de Oliveira

Departamento de Química - CCEN - UFPB - Cidade Universitária - 58059-900 - João Pessoa - PB

Recebido em 27/2/96; aceito em 23/9/96

Some considerations on the hund's rule and electronic structure of atoms in the teaching of chemistry. Hund's maximum multiplicity rule as stated in most elementary and intermediate level textbooks on general and inorganic chemistry and usually taught at the college and undergraduate level is incorrect. It is true that electrons entering a subshell of an atom tend to occupy the orbitals singly as far as possible but not necessarily with parallel spins. Also, proper definitions and correct use of terms like configuration, microstate, spectroscopic term, level and state are essential if confusion on the part of the student, especially the beginner, is to be avoided.

Keywords: eletronic configuration of atoms; microstate; vector model of the atom; spectroscopic term.

INTRODUÇÃO

As propriedades físicas e químicas dos elementos dependem da natureza dos seus átomos - a carga nuclear (Z), a massa atômica (A) e a distribuição dos Z elétrons ao redor do núcleo. A estrutura eletrônica de átomos fornece a base para a estequiometria, para as propriedades periódicas e para a ligação química. Estrutura Atômica, portanto, forma uma parte importante nos currículos de cursos de química em todos os níveis.

Infelizmente, ensinar Estrutura Atômica, especialmente para estudantes iniciantes, não é tarefa fácil. Os problemas envolvidos são bem mais sérios do que geralmente é reconhecido. Na comunidade do ensino ainda não há consenso a respeito de quando e em que nível o assunto deveria ser abordado aos estudantes do colegial e iniciantes da graduação.

Seguindo o tratamento adotado na maioria dos livros textos1-8, a configuração eletrônica de átomos é apresentada começando pela introdução: (i) dos quatro números quânticos - principal (n), azimutal (l), magnético orbital (m1) e de spin (ms); (ii) do diagrama de energias relativas de orbitais atômicos; (iii) do método de 'Aufbau'; (iv) do princípio de Pauli; e (v) da regra de Hund. Os ítens (i) e (ii) resultam da aplicação dos princípios da mecânica ondulatória ao movimento do elétron no átomo. O princípio de Pauli e a regra de Hund são resultados das observações de espectros atômicos. O primeiro é incluído na mecânica quântica mediante um postulado fundamental9, enquanto o último pode ser estabelecido na linguagem do modelo vetorial do átomo.

O correto entendimento de estrutura atômica de átomos requer uma forte fundamentação nos princípios e métodos de mecânica quântica e espectroscopia atômica. Reconhecidamente, esta condição não pode ser satisfeita para os estudantes do colegial e iniciantes dos cursos de graduação. Qualquer pessoa que tenha experiência em lidar com estudantes nos diferentes níveis concordará que é sempre mais difícil ensinar e escrever acerca de um assunto complexo num nível elementar do que num nível avançado. As simplificações frequentemente inevitáveis resultam na introdução de informações errôneas e considerações equivocadas. É verdade que há diversos e excelentes livros textos que tratam de estrutura e espectro atômico para o uso nos cursos avançados e intermediários10-14. Estudantes nestes níveis geralmente têm conhecimentos de mecânica quântica e espectroscopia. Porém, até mesmo aqui, existem uns poucos problemas. Parodiando Pilar15: "Qualquer um que tenha tentado ensinar a rigorosa base da mecânica quântica da aproximação do orbital molecular para estudantes de química concluintes de curso de graduação ou iniciantes de pós-graduação, sabe que tem muito o que desaprender. Termos tais como orbital, energia de orbital, nível de energia e função de ondas, ou têm sido empregados erroneamente ou de maneira um tanto vaga" nos primeiros cursos. Na realidade, o (equívoco) conceito de orbitais tem sido apresentado a eles no início do segundo grau, mais tarde, quando se falava que orbitais não existiam, eles pensavam que o professor estava brincando! Também, para eles, é quase um choque ficar sabendo que o orbital p1 não é o mesmo de px (ou py) e que o p-1 não é o mesmo de py (ou px). Uma situação similar acontece com as séries de orbitais d e f.

Um outro problema consiste nas várias contradições (não só aparente, mas também real) que encontram-se na literatura, incluindo livros textos especializados e artigos. Alguns exemplos:

Hochstrasser: "O exame detalhado de níveis espectroscópicos mostra que os orbitais 3d situam-se num nível de energia mais alto do que os orbitais 4s. Esta inversão não é peculiar aos metais de transição"16;

Pilar: "Cálculos precisos de Hartree-Fock mostram claramente que, para todos os elementos do terceiro período, a ε4s está acima da ε3d"15;

Hochstrasser: "Uma elevada e especial estabilidade pode ser esperada sempre que os elétrons mais externos no átomo estejam numa camada ou subcamada completa. Igualmente, estabilidade especial resulta de um camada ou subcamada completa, e também de uma subcamada preenchida pela metade17;

Blake: "Uma quantidade de livros textos refere-se a uma suposta "estabilidade especial" de camadas preenchidas pela metade. Este misterioso conceito foi admiravelmente arrasado (juntamente com a "estabilidade especial" as vezes atribuída à camadas completas) num recente artigo publicado por B. J. Duke18,19;

Rich and Suter: "Não há mágica em subcamadas desocupadas, preenchidas pela metade ou completas, ou em camadas completas ou preenchidas pela metade. As configurações d5 ocorrem com mais frequência que as d4,principalmente porque a ausência da repulsão de Coulomb em qualquer orbital desocupado ajuda-o à aceitar um elétron, talvez de um par s2. A energia de troca é um pequeno contribuidor"20;

Blake: "No que concerne à tendência da energia de ionização numa série de elementos, o efeito de troca emerge claramente como (um fator) dominante"19.

Junto a estas e muitas outras "contradições" existentes na literatura, é comum encontrar falha na distinção entre os números quânticos spin do elétron 's' e 'ms'. Diversos autores respeitados - Brady and Humiston1, Mortimer3, Hochstrasser17, para mencionar uns poucos - têm cometido pecados com relação à este assunto. Não é exagero afirmar que isto é uma fonte de muita confusão para os estudantes21. Principiantes devem ser categoricamente avisados que 's' é análogo à 'l' e pode ter somente um valor positivo de 1/2 enquanto 'ms' é análogo à ml e pode assumir os valores 1/2 e -1/2. Já um outro problema está relacionado ao ensino do significado de funções de onda angular e as 'formas' dos orbitais p, d e f22-24. Por exemplo, os livros textos apresentam o orbital pz em mais de uma maneira, tal como é apresentado na figura 1. Qual(is) desta(s) é (são) correta(s)? Novamente, os 5 orbitais d são todos equivalentes ou um deles (dz2) é diferente do resto25,26? Com relação à primeira questão, é importante reconhecer que as várias formas apresentadas na figura representam a parte angular da função. Se a forma contiver + num lóbulo e - no outro, ela representa ΨPz; se ambos os lóbulos contêm +, a forma representa Ψ2Pz. Deste modo, b e c representam ΨPz, enquanto que a, d e e, supostamente, Ψ2Pz. Além disso, é importante também esclarecer que: i) a forma que representa ΨPz tem os dois lóbulos esféricos; ii) a que representa Ψ2Pz tem dois lóbulos alongados; e iii) os dois lóbulos dessas formas não podem se tocar, pois tanto ΨPz,como Ψ2Pz são iguais a zero no plano xy. A respeito da segunda questão, é necessário ter em mente que, na realidade, todos os 5 orbitais d são equivalentes.


Estas são apenas algumas das mais variadas armadilhas encontradas no ensino (e aprendizado) de Estrutura Atômica. Os numerosos artigos sobre o assunto encontrados no Journal of Chemical Education e em outros periódicos dão uma clara noção do problema. A partir do esboço, fica claro que um cuidado especial deverá ser exercido no ensino de Estrutura Atômica para os novatos. O principal objetivo deste artigo é discutir um aspecto particular do assunto, isto é, alguns equívocos relacionados ao tratamento e 'explicação' da regra de Hund usualmente encontrado nos livros textos elementares. A nomenclatura e o significado correto, bem como o uso dos vários termos relacionados com a regra de Hund, também serão discutidos durante o desenvolvimento deste artigo.

MODELO VETORIAL DO ÁTOMO

Em primeiro lugar, não é possível obter nem as funções de onda nem os valores de energia exatos de estados eletrônicos para um sistema multieletrônico (átomo, molécula ou íon). O método largamente usado para determinar as funções de onda e energias faz uso do conceito 'orbital'. Neste modelo, a cada elétron num átomo é designado um 'spin-orbital' com uma função de onda caracterizada por um conjunto de valores para os quatro números quânticos - n, l, ml, e ms. Admite-se que, sendo partículas idênticas, elétrons não podem ser distinguidos e, portanto, individualmente rotulados. A função de onda total aproximada (para todos os elétrons) num certo estado eletrônico é escrita na forma de um determinante ("determinante de Slater"). O princípio de exclusão de Pauli, estabelecido na forma que "dois elétrons num átomo não podem ter os mesmos valores para os quatro números quânticos" é uma consequência direta deste modelo9.

Deveria ser reconhecido, contudo, que spin-orbitais e energias de elétrons individuais ocupando tais orbitais não tem significado real; pois estes 'orbitais' não existem no átomo polieletrônico real. Em outras palavras, o conjunto dos quatro números quânticos para o elétron individual, não tem significado físico. Um átomo existe num certo estado real, cada estado com uma autofunção e energia definida. Estes estados resultam da combinação das interações magnéticas e eletrostáticas envolvendo todos os elétrons e núcleos do átomo e podem ser descritos pelo uso de certos números quânticos que, coletivamente, incluem todos os elétrons presentes no átomo12,14,27. Os números quânticos em questão são conhecidos como "números quânticos de momento angular total" - L, ML, S, MS, J e MJ, que são análogos aos números quânticos de angular orbital e de momento angular spin de elétrons individuais - l, ml, s, ms„ j e mj.. São os diferentes conjuntos de números quânticos de momento angular total - (L, S, ML, Ms) e (L, S, J, MJ) - que caracterizam o estado do átomo nos diferentes níveis de aproximação12. A razão para isto é que os operadores correspondentes aos momentos angulares totais — — comutam com o operador para a energia eletrônica total, H^ (o hamiltoniano). [Entretanto, deveria ser mencionado que, se o acoplamento spin-órbita está incluído no modelo, somente e comutam com 12]. Isto significa que autofunções de quaisquer destes operadores também são autofunções de H^ . Uma vez que os estados eletrônicos permitidos de um átomo podem ser descritos pelos números quânticos de momento angular total, estes podem ser usados para interpretar os espectros de átomos. O modelo vetorial do átomo que usa as propriedades vetoriais do momento angular orbital e do momento angular spin de elétrons (energia, ao contrário, é escalar) é bem adequado para esta finalidade. As combinações resultantes de todas as interações que ocorrem num átomo podem ser encontradas através de dois diferentes esquemas - acoplamento L-S (também conhecido como Russell-Saunders) e acoplamento j-j. Para a maioria dos elementos na tabela periódica, o primeiro esquema é adequado ou ao menos uma boa aproximação. O segundo é indicado apenas para átomos com valores de Z elevados, onde a interação spin-órbita do elétron individual é mais acentuada do que as interações intereletrônicas. Também, é mais fácil trabalhar com o acoplamento L-S do que com o j-j.

Neste ponto, é importante notar, claramente e indubitavelmente, as definições de certos termos chaves empregados no contexto do modelo vetorial do átomo. A tabela 1 lista estes termos juntamente com os números quânticos associados a cada um deles.

Uma certa configuração eletrônica pode originar um ou mais termos, níveis e estados espectroscópicos. Os termos correspondentes à L = 0, 1, 2, 3,..., são denotados pelas letras S, P, D, F,..., respectivamente. O número de níveis associados com um certo termo é dado por (2S+1) se L>S ou por (2L+1) se L< S (Cuidado deve ser tomado para não confundir a letra S para L=0 com o número quântico S). Por exemplo, o termo para L=3, S=1, é 3F. Há excelentes referências que descrevem adequadamente os diferentes métodos para encontrar os termos de uma dada configuração28,29. Cada nível é caracterizado por um valor J e inclui (2J + 1) estados, que são degenerados na ausência de campo magnético externo. Uma das vantagens do modelo vetorial do átomo é que uma camada ou subcamada completa não contribui para o momento angular total (L=S=J=0) e pode, portanto, ser convenientemente ignorada na aplicação do modelo. Então, é necessário considerar apenas os elétrons na "camada incompleta"30. O correto ordenamento dos termos e níveis relacionados a uma configuração fundamental pode ser encontrado por meio de uma série de regras propostas primeiramente por Hund31.

AFIRMAÇÕES DAS REGRAS DE HUND

As regras de Hund tiveram origem nas diversas observações experimentais e nos cálculos teóricos sobre os espectros atômicos. Uma enunciação formal da série de três regras é apresentada abaixo:

1ª regra: Dentre os diversos termos espectroscópicos originados de uma dada configuração, aquele com o mais alto S e, portanto, mais alto (2S + 1) (multiplicidade) corresponde à mais baixa energia. (Esta regra é geralmente conhecida como a "regra de multiplicidade máxima").

2ª regra: Para uma certa configuração, se dois ou mais termos têm o mesmo S, aquele com o maior L, terá a energia mais baixa.

3ª regra: Para um determinado termo (i.e., para um determinado valor de L e de S), o nível com o menor valor de J é o mais estável se a subcamada estiver com menos da metade preenchida e o nível com o mais elevado valor de J é o mais estável se a subcamada estiver com mais da metade preenchida.

Usando as regras acima, num átomo polieletrônico, os diferentes níveis correspondendo à configuração fundamental podem ser arrumados na ordem correta de acordo com suas energias sem análises detalhadas das interações magnéticas e eletrostáticas.

A versão das regras de Hund encontrada nos livros textos introdutórios de química é supostamente baseada na regra de multiplicidade máxima. Na maioria dos livros, a regra, de fato, é exposta como a seguir: "Quando elétrons entram num subnível tal como p, d ou f, eles tendem, tanto quanto possível, a ocupar os orbitais individualmente com seus spins paralelos". A não validade desta afirmativa é o principal objeto da seguinte discussão.

DISCUSSÃO

Boro (Z=5)

Primeiramente discutiremos o átomo de boro, cuja configuração eletrônica fundamental, é 1s22S22p1. Ignorando o nível (1s) e o subnível (2s) completos, nós necessitamos considerar somente o elétron isolado em 2p. O único termo resultante desta configuração é 2P (L=1; S=1/2). Os níveis e os estados relacionados a este termo são mostrados na figura 2.


Há seis possíveis microestados para este caso. Usando a convenção que indica ms=1/2 e a que indica ms= -1/2, construímos a tabela 2.

Da Figura 2 e tabela 2 é fácil verificar que todos os seis microestados contribuem para o termo 2P. Os microestados (b), (c), (d) e (e) contribuem para o nível 2P1/2, que tem uma energia menor do que o nível 2P3/2 (3ª regra de Hund). Na linguagem de mecânica quântica, a função de onda do nível mais baixo é uma combinação linear de quatro funções, cada uma das quais descreve um testes quatro microestados. Também pode ser observado que todos os seis microestados contribuem para o nível 2P3/2 de maior energia. Finalmente, os microestados (c) e (e) contribuem para os estados (I) e (IV); (b) e (d) para (II) e (V); (f) para (III); e (a) para (VI).

Atenção deverá ser dada agora para os seguintes fatos:

(i) Com raras exceções, muitos dos livros textos indicam a "configuração" fundamental de B como

Primeiro, isto é uma representação de um único microestado [(a) na tabela 2] e não da configuração como definido na tabela 1. Segundo, este não é o único microestado que contribui para 2P;

(ii) Se interação spin-órbita é considerada, o microestado (a) é relacionado com o nível de maior energia 2P3/2 e não contribui para o de menor energia 2P1/2;

(iii)É possível que um dado microestado contribua para mais que um estado ou nível; e

(iv)Um único microestado pode, de fato, ser equivalente a um (real) estado que existe na presença de um (fraco) campo magnético externo. Neste sentido, (f) é equivalente ao (III) e (a) ao (VI).

Carbono (Z=6)

A seguir consideraremos o átomo de carbono. Este é o primeiro exemplo na tabela periódica onde mais que um elétron está presente numa subcamada degenerada. É também o caso onde a regra de Hund é, pela primeira vez, introduzida aos estudantes. A configuração fundamental do carbono é 1s22s22p2. Os dois elétrons em 2p são 'equivalentes' e, de acordo com o princípio de Pauli, 15 microestados podem ser escritos para este caso (tabela 3).

Pode ser demonstrado que os termos para a configuração fundamental do carbono são 3P, 1D e 1S. Segundo a 1ª regra de Hund, o 3P tem a menor energia. De acordo com as 1ª e 2ª regras de Hund, a ordem dos termos e níveis são como mostra a figura 3.


Procedimentos têm sido descritos nos livros textos sobre mecânica quântica10,32,33 para determinar as combinações de funções de onda adequadas dos microestados, de modo que cada uma das funções resultantes corresponda a um dos estados permitidos do átomo. São 15 os tais estados para o átomo de carbono na configuração 2p2 (9 no 3P, 5 no 1D e 1 no 1S). As 15 autofunções representando os microestados podem ser combinadas linearmente para produzir 15 novas autofunções para descrever cada um destes estados. Os resultados, em sua íntegra, são dados nas referências 33 e 34. As combinações lineares adequadas para os 9 estados do termo 3P são indicadas na tabela 4. Os símbolos (a) até (1), na tabela 4, referem-se aos microestados mostrados na tabela 3.

Baseado nestes resultados, algumas importantes e relevantes conclusões podem ser tiradas:

(i) 12 dos 15 microestados pertencem ao termo de menor energia, 3P;

(ii) Cada um dos vários microestados contribuem para mais que um estado;

(iii) O nível mais baixo, 3P0, o qual, sendo um singlete, é também o estado com a menor energia, tem contribuições de 4 diferentes microestados; em dois destes, [(c) e (d)], os spins dos dois elétrons são anti-paralelos;

(iv) A seguinte "configuração" dada pela maioria dos livros de Química Geral

como estando de acordo com a regra de multiplicidade máxima de Hund, é, de fato, apenas um microestado. Também, como pode ser verificado da tabela 4, este microestado só contribui para o nível mais alto (3P2) do 3P;

(v) os microestados com spins paralelos para os dois elétrons têm participação somente na formação do termo 3P, enquanto aqueles nos quais os spins são anti-paralelos também contribuem para os singletes de maior energia, 1D e 1S;

(vi) os três microestados onde os dois elétrons estão emparelhados num único orbital p [(m), (n), e (o)] não têm participação no termo de menor energia, mas, apenas, contribuem para os dois termos de maior energia; e

(vii)finalmente, os 4 microestados [(k), (l), (m) e (n)] também ocorrem como estados puros; isto é, eles não contribuem para qualquer outro estado.

NITROGÊNIO (Z=7)

Nosso exemplo final será o átomo de nitrogênio, cuja configuração fundamental é 1s22s22p3. O leitor pode verificar que são 20 microestados possíveis para o caso p3 com 3 elé-trons equivalentes. Pode ser mostrado que os termos pertencentes à esta configuração são 4S, 2D e 2P10. De acordo com a 1ª regra de Hund, 4S tem a menor energia dos três. Uma vez que L=0 e S=3/2 e L sendo menor que S, o número de níveis associados a este termo é dado por 2L+1=1. O único nível pertencente ao 4S é o 4S3/2, o qual é quatro vezes degenerado (2J+1=4). Aplicando os mesmos procedimentos da mecânica quântica como no caso do carbono, é possível demonstrar que todos os 8 microestados listados na tabela 5 contribuem para 4S e 4S3/210. Exceto (a) e (h), os outros seis microestados também contribuem para os termos de maior energia 2D e 2P. Os 12 microestados remanescentes, todos do tipo

pertencem exclusivamente ao 2D e/ou 2P.

Deveria ser notado, mais uma vez, que os microestados (b) ao (f), todos com spins eletrônicos anti-paralelos, de fato contribuem para o nível e o termo de mais baixa energia; o estado fundamental, isto é, o nível de menor energia na ausência de campo magnético, não é representado somente por (a) ou (h). Como poderia ser esperado, emparelhamento de elétrons no mesmo orbital p levará ao aumento em energia e os microestados nos quais estes ocorrem não têm participação no estado fundamental.

Estes resultados são perfeitamente gerais e podem ser estendidos para outras configurações fundamentais envolvendo as subcamadas d e f. Igualmente, poderia fazer uso de px, py, pz ao invés de p0, p1, p-1, uma vez que o primeiro conjunto de orbitais é obtido através de combinações lineares do segundo; o mesmo é válido para os conjuntos de orbitais d e f. Isto, contudo, não altera qualquer dos resultados gerais apresentados acima. Também é importante acrescentar que as três regras de Hund são estritamente válidas somente para configurações fundamentais. Diversas exceções são conhecidas para configurações excitadas. Exemplos específicos de tais casos podem ser encontrados na literatura11,35.

INTERPRETAÇÃO DA 1ª REGRA DE HUND

Será oportuno, neste ponto, dar atenção à outra concepção equivocada, desta feita, com referência à interpretação da regra de multiplicidade máxima de Hund. Com hase na afirmação que, quando ocupam os orbitais degenerados de uma mesma subcamada, de maneira isolada, os elétrons deverão ter spins paralelos de tal modo que o átomo possa ter a mais baixa energia - a do termo cuja multiplicidade é máxima - o seguiute argumento é convencionalmente usado para "explicar" a 1ª regral4: Se os elétrons têm spins paralelos, então, de acordo com princípio de Pauli, eles são forçados a ocupar diferentes orbitais espaciais com a consequência que a repulsão intereletrônica seria menor do que a daquela que tenha seus spins emparelhados; pois, no segundo caso, eles podem aproximar-se um do outro e, então, ocupar o mesmo orbital. Mas, diversos autores36,38 têm demonstrado categoricamente que, quando funções de onda de "qualidade superior" (isto é, funções mais complexas, realistas e confiáveis, e que fornecem resultados mais aproximados aos experimentais) são usadas nos cálculos, a distância intereletrônica média, r12, é menor e, consequentemente, a energia de repulsão é maior para o tripleto (spins paralelos) do que para o singleto (spins emparelhados). Também tem sido mostrado que, a despeito disto, o tripleto tem uma energia menor do que o singleto, devido à maior atração elétron-núcleo no primeiro. Do que foi dito acima fica claro que, se a primeira regra de Hund, em primeiro lugar, não estivesse mal formulada, o equívoco referido acima não teria acontecido. As explicações para as 2ª e 3ª regras são dadas em vários livros textos de mecânica quântica10-12,39.

CONCLUSÕES

Das secções anteriores fica evidente que o familiar enunciado da regra de multiplicidade máxima de Hund para o nível elementar está claramente equivocado. É perfeitamente verdadeiro que quando elétrons estão nos diferentes orbitais de uma dada subcamada a energia é menor do que quando eles estão juntos no mesmo orbital. Mas, quando eles estão em diferentes orbitais seus spins não devem ser necessariamente paralelos. Dos microestados que contribuem para o termo, nível ou estado de menor energia, os elétrons isolados podem ter spins paralelos ou anti-paralelos. Campbell34, recentemente, chamou a atenção para a má formulação da 1ª regra de Hund. Vários livros textos até incluem exercícios baseados no enunciado incorreto da regra40,41. A formulação correta da regra obviamente seria: "sempre que possível, os elétrons preferirão ocupar os orbitais disponíveis numa subcamada, isoladamente". Isto evita qualquer referência aos spins relativos dos elétrons em questão. Outros-sim, esta afirmação está de acordo com o modelo "orbital" (aproximado) mecânico-quântico de átomos multieletrônicos. E, o mais importante, não confunde os estudantes.

Também, da discussão acima, deveria estar claro que, em átomos polieletrônicos, os números quânticos ml, e ms de elétrons individuais não são "bons" números quânticos; isto é, eles não têm significado físico. No modelo vetorial, somente os números quânticos de momento angular total são signifïcantes. Quando a interação spin-órbita é incluída no tratamento, apenas J e MJ são "bons" números quânticos, uma vez que e z comutam com ; L e S são números quânticos "quase bons" enquanto ML e Ms não são42. Portanto, é claramente errado pedir para estudantes dar os quatro números quânticos do 'elétron diferenciador' num átomo ou íon. Muitas questões deste gênero têm aparecido frequentemente nos exames de vestibular nos últimos anos. Citaremos três exemplos típicos:

"Determine os números quânticos do elétron de maior energia dos elementos boro e alumínio". (Universidade Federal do Rio Grande do Norte - 1993, 2a etapa).

"Sobre o átomo de níquel podemos dizer:

(1) Seu elétron mais externo tem os números quânticos n=4, l=0, m=0 e s= +1/2; etc..." ( Universidade Estadual de Santa Cruz - 1993).

"Identifique os quatro números quânticos do último elétron de 4f5:

O leitor, nas duas últimas questões, também deveria notar o uso de 'm' ao invés de 'ml' e 's' ao invés de 'ms'. Mais questões deste tipo ou com ele estreitamente relacionada podem ser encontradas, não só em exames de vestibular, mas também em exames de rotina em disciplinas de Química Geral. Assim, neste momento, há uma urgente necessidade para um consenso entre os profissionais e educadores influentes e reponsáveis sobre o quê e como melhor ensinar Estrututa Atômica para os iniciantes.

Para concluir, todo cuidado deveria ser exercido na própria definição e no emprego da terminologia relacionada ao assunto. O lapso mais frequente entre professores e autores está em usar "configuração" quando eles querem dizer "microestado" ou "diagrama de caixa", e empregar "estado" para termo ou nível sem explicitamente mencionar a aproximação que está implícita no uso. Do começo ao fim deste artigo, cuidados têm sido tomados para evitar confusão para os significados destes termos, sempre empregando expressão em negrito onde quer que eles ocorram. Finalmente, e mais importante, é a grande necessidade em distinguir entre 's' e 'ms'; A falta desta distinção tem levado à muita confusão e é parcialmente responsável pelo entendimento equivocado da regra de multiplicidade máxima.

AGRADECIMENTO

Ao Prof. Dr. Arthur Jabs do Departamento de Física do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da UFPB, pela contribuição dada na revisão e pelas sugestões apresentadas ao presente artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 1997

Histórico

  • Aceito
    23 Set 1996
  • Recebido
    27 Fev 1996
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