Acessibilidade / Reportar erro

Transdutores potenciométricos a base de polímeros condutores: aplicações analíticas

Potentiometric transducers based in conducting polymers: analytical applications

Resumo

A review is given about the most relevant advances on the analytical applications of conducting polymers in potentiometric sensors. These organic polymers represent a new class of materials with conducting properties due to its doping by ions. Several polymers already were synthesized such as polypyrrole, polyaniline, polythiophene, among others. Particular attention is devoted to the main advantages supplied by ion selective electrodes and gas sensors using conducting polymers, as well as the incorporation of bioactive elements in these polymers for the construction of biosensors. The correlation between structure, stability and ability to ion exchange of some conducting polymers applied as potentiometric transducers, is discussed.

potentiometric sensors; conducting polymers; biosensors


potentiometric sensors; conducting polymers; biosensors

Transdutores potenciométricos a base de polímeros condutores: aplicações analíticas

Laércio Rover Júnior, Graciliano de Oliveira Neto e Lauro Tatsuo Kubota

Instituto de Química - UNICAMP - CP 6154 - 13083-970 - Campinas - SP

e-mail: rover@iqm.unicamp.br

Recebido em 22/11/96; aceito em 21/5/97

Potentiometric transducers based in conducting polymers: analytical applications.A review is given about the most relevant advances on the analytical applications of conducting polymers in potentiometric sensors. These organic polymers represent a new class of materials with conducting properties due to its doping by ions. Several polymers already were synthesized such as polypyrrole, polyaniline, polythiophene, among others. Particular attention is devoted to the main advantages supplied by ion selective electrodes and gas sensors using conducting polymers, as well as the incorporation of bioactive elements in these polymers for the construction of biosensors. The correlation between structure, stability and ability to ion exchange of some conducting polymers applied as potentiometric transducers, is discussed.

Keywords: potentiometric sensors; conducting polymers; biosensors.

1. INTRODUÇÃO

Um dos aspectos mais interessantes de polímeros orgânicos condutores é que podem sofrer alterações reversíveis entre estados eletronicamente isolantes e condutores. Esta reação envolve oxidação ou redução de espécies não iônicas e isolantes para formar espécies policatiônicas com propriedades condutoras. Polímeros orgânicos são normalmente materiais isolantes; já polímeros condutores contêm seqüências de ligações duplas conjugadas na estrutura e passam de isolantes a condutores por um processo de oxidação ou redução podendo ocorrer a incorporação de íons, processo este denominado de dopagem. Deve-se ressaltar que em alguns processos, a dopagem é simultaneamente protônica e oxidativa, como no caso de alguns polímeros como a polianilina. Essas reações redox proporcionam aumento da mobilidade dos elétrons e também da condutividade.

Por exemplo, a polimerização de acetileno, C2H2, produz filmes plásticos compostos de dois isômeros geométricos, sendo a forma trans a mais estável do ponto de vista termodinâmico. A dopagem deste polímero, (CH)x, é possível tanto por substâncias doadoras de elétrons (Br-,AsF5-) como por aceptoras (Na+, K+)1.

A reação de dopagem envolve um processo de transporte de carga no qual sítios do monômero (unidade que se repete na estrutura do polímero) no estado oxidado e contra-íons compensadores de carga se difundem através do filme polimérico. A reação de oxidação pode ser efetuada tanto por aplicação de potencial apropriado como também usando um agente químico oxidante, porém, neste caso é o agente oxidante que se difunde pelo polímero2.

A condutividade elétrica destes filmes origina-se a partir da estrutura eletrônica (delocalização de elétrons p) de sua cadeia polimérica. Em geral, a razão de transporte de carga num polímero eletroativo pode depender de alguns fatores como difusão e/ou migração de contra-íons no filme para manter a eletroneutralidade, tipo de solvente, morfologia da cadeia polimérica, concentração do monômero, potencial, carga ou corrente aplicados e duração. Além disso, mudanças nas propriedades dos polímeros podem ser induzidas pela alteração em várias funcionalidades do monômero antes da polimerização3.

Estes polímeros intrinsecamente condutores, desde que foram descobertos em 1977, têm tido inúmeras aplicações sobretudo em química analítica, voltadas à construção de novos sensores. Entre alguns exemplos de aplicação destes polímeros condutores4-12, estão a fabricação de baterias recarregáveis, dispositivos eletrocrômicos onde a reação direta de oxidação é responsável pela mudança na coloração das espécies em solução, diodos emissores de luz, proteção contra corrosão, recobrimento de materiais, além da construção de sensores químicos e térmicos voltados à monitoração analítica.

2. SÍNTESE DE POLÍMEROS CONDUTORES

Polímeros condutores podem ser sintetizados tanto por processos eletroquímicos quanto químicos. A síntese eletroquímica de polímeros condutores mais comuns envolve polipirrol, politiofeno (e seus análogos) e polianilina, via eletropolimerização; o polímero é formado como um filme fino sobre a superfície do eletrodo, útil na investigação das propriedades físicas e químicas do polímero2.

Poliacetileno é o polímero mais comumente sintetizado por processo químico via polimerização direta de acetileno sobre catalisador de Ziegler-Natta (preparados a partir de halogenetos de metais de transição e um agente redutor). Assim, pode-se produzir polímeros de cadeia linear com grande regularidade estereoquímica e no caso do poliacetileno (morfologia fibrosa), com baixa densidade volumétrica, cerca de 0,4 g.cm-3 (a densidade obtida por técnicas de flotação é da ordem de 1,2 g.cm-3)2.

Na figura 1 são mostradas as estruturas de alguns polímeros orgânicos2 que podem ser sintetizados quimicamente ou eletroquimicamente para utilização em química analítica, seja para a detecção direta de analitos ou para a inclusão de espécies bioativas com vistas à construção de biossensores.


Recentemente13, valores de condutividade da ordem de 104 S.cm-1 foram obtidos para polianilina, pela síntese eletroquímica de um polímero de elevado peso molecular, uniaxialmente orientado. O poliacetileno ainda é o polímero que tem alcançado o maior valor de condutividade14 igualando-se à do cobre, da ordem de 105 S.cm-1. No entanto, pela instabilidade térmica e ambiental, insolubilidade e infusibilidade do mesmo, outros polímeros condutores têm sido extensivamente estudados com o propósito de superar estes problemas.

Um critério importante na seleção destes polímeros é a facilidade com que o mesmo pode ser oxidado ou reduzido, levando à escolha de compostos com insaturações conjugadas que possuam baixo potencial de oxidação. Os elétrons de caráter p podem ser adicionados ou removidos para formar íons poliméricos sem a destruição das ligações necessárias à estabilidade da macromolécula15.

Os métodos eletroquímicos são mais usados para síntese destes polímeros condutores, com vistas à construção de sensores químicos, pela facilidade no controle das variáveis que influenciam na formação dos filmes levando a diferentes morfologias e propriedades condutoras. A polimerização eletroquímica dá-se pela oxidação anódica do monômero sobre eletrodos inertes como platina ou carbono vítreo; dois métodos bastante utilizados são o galvanostático e potenciostático para tal fim. O tipo e a concentração do eletrólito também são fundamentais nas propriedades finais do filme polimérico.

3.ELETRODOS ION-SELETIVOS E SENSORES GASOSOS

Dong et al.16 descrevem um eletrodo íon-seletivo para cloreto preparado pela polimerização de polipirrol em LiCl 0,1 mol.L-1. A polimerização foi feita pela ciclagem de potencial sobre eletrodo de carbono vítreo em faixa ótima de 0,5 a 1,0 V. Após a polimerização, o eletrodo foi mantido por 5 minutos a diferentes potenciais finais antes de ser usado como eletrodo seletivo a cloreto; os coeficientes angulares das curvas obtidas para o eletrodo, apresentaram valores nernstianos em todos os casos. O potencial padrão do eletrodo aumenta com o grau de oxidação do polipirrol. Quando a membrana está quase totalmente oxidada, o potencial padrão torna-se quase independente do potencial final.

O eletrodo exibiu estabilidade durante 3 dias, com medidas em diferentes concentrações de cloreto, sendo condicionado previamente em LiCl 0,1 mol.L-1 . Os principais interferentes para o eletrodo foram formiato e nitrato e em menor extensão (valores de coeficiente de seletividade entre 0,1 e 0,6) os ânions perclorato, periodato, sulfato, fluoreto, brometo e iodeto. Devido à natureza do processo de dopagem, o tamanho do íon dopante influencia diretamente a seletividade do sensor: íons de tamanhos próximos dopam o filme quase da mesma forma que o íon usado na preparação do polímero.

Lu et al.17 prepararam da mesma forma um eletrodo para perclorato. O procedimento foi similar ao utilizado para cloreto. Após polimerização o eletrodo foi ativado em diferentes tempos e em diferentes concentrações do analito. O coeficiente nernstiano foi de 54 mV/década [perclorato], encontrando-se uma dependência com o tempo de ativação. O coeficiente de seletividade para periodato foi superior a 1 (nota-se aqui que o eletrodo pode ser utilizado também para este íon), enquanto para outros ânions estudados o mesmo variou entre 0,1 e 0,6. Apenas sulfato apresentou baixo valor, cerca de 0,07. A faixa de resposta linear para ambos os eletrodos, cloreto e perclorato, situaram-se entre 10-4 e 10-1 mol.L-1.

Tanigushi et al.18 prepararam um sensor potenciométrico para imunoglobulina G (IgG) pela polimerização de pirrol na presença de glutaraldeído e (Bu)4NBF4 sobre eletrodo de platina. IgG foi então imobilizada na membrana pelo tratamento do eletrodo com o material bioativo em tampão fosfato; grupos amino da IgG reagem covalentemente com grupos aldeídicos do glutaraldeído ficando imobilizado na superfície do eletrodo. Quando o eletrodo (imunossensor) é colocado em solução contendo anti-IgG, o potencial de membrana desloca-se para valores negativos, efeito este observado apenas na presença de O2. Quando a solução foi mantida sob atmosfera de N2 , não houve nenhuma mudança no potencial. Porém, com íons ferricianeto em solução, mas sob atmosfera inerte, foi observada novamente uma alteração similar no potencial. Uma explicação coerente para o fenômeno é que ambos, O2 e ferricianeto, penetram na membrana e funcionam como mediadores da reação imunoquímica. A mudança no potencial da membrana apresentou-se linear com o logaritmo da concentração de anti-IgG na faixa de 0,01 a 5 mg.mL-1.

Ivaska19 apresenta uma revisão sobre polímeros condutores, voltados à monitoração analítica, empregando transdutores potenciométricos e amperométricos. Exemplos de métodos baseados na troca aniônica após dopagem polimérica e incorporação de componentes bioativos em polímeros são relatados, bem como parâmetros analíticos mais comuns obtidos, como sensibilidade e durabilidade.

A grande importância do polipirrol em relação a outros polímeros como politiofeno ou polianilina está na variedade de solventes, inclusive água (em meio neutro), que podem ser usados na síntese polimérica de polipirrol, com incorporação de grande variedade de contra-íons, afetando diretamente em suas propriedades como adesão, condutividade, morfologia, resistência mecânica e atividade química20.

Filmes de poli-(5-carboxi-indol)21 podem ser crescidos em solução de acetonitrila, produzindo filmes com um grupo carboxílico (COOH) em cada monômero da cadeia. Quando em solução aquosa, o grau de ionização desses grupos do polímero varia com o valor de pH, alterando a eletroquímica do filme. Os filmes são estáveis abaixo de pH=5, mas dissolvem-se vagarosamente em pH a partir de 7; assim, a dependência do pH com a eletroquímica deste polímero pode ser usada na construção de pequenos sensores de pH. Isto é feito por eletropolimerização do monômero em acetonitrila (pH=2) em fios de platina com 125 mm de diâmetro. O eletrodo é depositado com o filme a 0,8 V vs. ECS até a corrente estabilizar, indicando que o filme atingiu a forma oxidada. O sensor apresentou estabilidade entre valores de pH de 2 a 5.

Janata et al.22 ilustram o uso de semicondutores orgânicos em sensores a gás, pela modulação química da função trabalho, WF. A medida desta função responde à mudanças na afinidade eletrônica e mudanças na superfície dipolar entre dois eletrodos. Assumindo que um dos eletrodos não é sensível ao analito e, assim, pode ser visto como uma referência (Au, Aço inox), informação acerca de alterações na WF do outro eletrodo pode ser usada para detecção de gases e vapores. Se a afinidade eletrônica da matriz é baixa, elétrons são transferidos para o resto da molécula, ou em outras palavras, a matriz comporta-se como agente redutor com relação à molécula. Entretanto, se o valor de WF é elevado, elétrons movem-se do restante da molécula para a matriz: isto é, a molécula torna-se parcialmente oxidada. Quando a variação no valor de WF é essencialmente zero, a molécula não forma um complexo de transferência de carga. A valores altos, a molécula comporta-se como um doador de elétrons, enquanto que para valores baixos, como aceptor eletrônico, útil na monitoração potenciométrica de gases.

A função trabalho da polianilina, PANI, não é afetada por HCN. Porém, quando um sistema Ag-AgCN é incorporado ao polímero, a camada-matriz torna-se sensível ao HCN, com diminuição no valor de WF; glicerina na concentração de 1 mol.L-1, em meio de ácido sulfúrico, facilita transferência de prótons do aglomerado de prata para a cadeia polimérica. Quando o filme é preparado no estado oxidado e quando o complexo de prata está presente, a reação se dá de acordo com a representação:

A molécula de HCN dissocia-se formando um complexo forte Ag(CN)2- e o próton é novamente transferido para a cadeia polimérica. A eletroneutralidade da PANI é mantida pela inclusão de elétrons do sistema de referência o qual é equivalente ao aumento em WF. Se a matriz é reduzida (alto valor de WF) esta age como doador de elétrons e WF diminui; quando a matriz é oxidada (baixo valor de WF), a mesma age como aceptor de elétrons e WF aumenta. Para polipirrol e politiofeno esta reação de transferência de próton é ausente e a resposta à HCN é irreversível. A resposta para PANI é logarítmica na faixa de 5 a 50 ppm.

Um sistema análogo23 para monitoração de H2 é descrito com filme de PANI-Pd: este é preparado pela imersão do filme polimérico imediatamente após a polimerização (potencial final de -0,1 V) numa solução 2 x 10-3 mol.L-1 de PdSO4 em meio de ácido sulfúrico, por 3 dias. Em presença de H2, o complexo PANI-Pd é reduzido, agindo como doador de elétrons no processo redox e WF diminui proporcionalmente à concentração de H2, podendo ser monitorado potenciometricamente; na ausência de H2, nenhuma resposta é observada.

Um considerável interesse na aplicação de polímeros condutores24 em potenciometria reside no estudo de processos de transporte de carga por meios eletrônicos e iônicos entre polímeros e interfaces metal-polímero ou solução-polímero bem como polímero-gás. O transporte iônico dá-se mais ou menos seletivamente na camada sensora entre o eletrodo e a solução com analito; o transporte de carga eletrônico é controlado pelo rearranjo de elétrons p delocalizados pelo polímero, modulado durante eletropolimerização25.

Ânions, A-, podem ser introduzidos dentro do polímero condutor, P, durante eletropolimerização podendo ser trocados por outros ânions, B-, de tamanho menor ou comparáveis ao íon dopante sem perda da eletroatividade do polímero, como representado a seguir26:

(PAy)x + xyB-® (PBy)x + xyA-

A constante de equilíbrio de troca iônica pode ser calculada a partir da razão molar de B- e A-. Em princípio, a seletividade dada pela relação tamanho-exclusão do polímero, pode ser controlada pelas mudanças nas condições de eletropolimerização como tempo, concentração de monômero entre outras já citadas. Trocas iônicas similares em filmes de polipirrol dopados com PF6- (aumento da condutividade do polímero) mostraram seletividades apreciáveis para halogenetos com tempos de resposta rápidos (cerca de 1 minuto) e comportamentos nernstianos27.

Alguns filmes como politiofeno, PTP, poli(2,2'-bitiofeno), PBT, poli(3-metiltiofeno), PMT, poli(3-octiltiofeno), POT e poli(4,4'-dioctil-2,2'-bitiofeno), POTd, foram investigados para medidas potenciométricas (circuito aberto) em solução28 de diferentes íons. Estes compostos foram polimerizados em solução de carbonato de polipropileno com LiBF4 0,1 mol.L-1 (eletrodo de Pt). Filmes de PTP mostraram resposta tanto para cátions mono como bivalentes, usando solução de cloreto 0,1 mol.L-1 (Tab. 1). As respostas foram rápidas, porém pobres em seletividade; observou-se que filmes de POT, usando ânion dopante BF4-, apresentaram coeficientes não nernstianos para Li+ (14,3 mV/década) e Na+ (20,3 mV/década), em relação ao dopante cloreto. Isto mostra que o contra-íon influencia na resposta do sensor, via cadeia polimérica, contribuindo para um comportamento não nernstiano. Este comportamento é provavelmente governado pelas interações entre cátions e a cadeia dos polímeros de politiofeno e derivados estudados, sendo facilmente influenciadas pelo nível de oxidação do polímero.

Efeitos de protonação-desprotonação afetam a estrutura eletrônica do polímero levando a variações em sua condutividade. Estas alterações na condutividade também resultam numa mudança no potencial do eletrodo modificado com polímero. Em soluções neutras, o potencial decai pouco para valores mais negativos com o tempo até que um valor estável seja alcançado. Em soluções ácidas há um aumento inicial no potencial do eletrodo e um abaixamento em soluções básicas até novamente se atingir um valor estável. Uma inclinação de -45,0 mV/unidade de pH para filmes finos de polipirrol é obtida, utilizando eletrodos de platina; estas variações no potencial dependem da espessura do filme (150 minutos - 0,8 mm e 10 horas - 8 mm)29.

Observam-se ligeiras mudanças no potencial do eletrodo quando o íon nitrato está dopando o filme de polipirrol26, na faixa de pH de 4 a 8. Para solução muito ácida ou básica, os valores de inclinação são muito inferiores a 50 mV/década (Tab. 2). O movimento iônico na interface polímero-solução é compensado pela transferência eletrônica na interface eletrodo-polímero em ordem de satisfazer condições de eletroneutralidade. Em soluções básicas o ânion não está envolvido e, a reação redox para polipirrol, PPY, é dada por:

PPY + H2O + e-® PPY-H + OH-

Em soluções muito ácidas de PPY, como é depositado em seu estado oxidado, (PPY)n+(mX-), este será primeiro reduzido pela perda de um ânion e então protonado em certa extensão dependendo do valor de pH:

(PPY)n+(mX-) + ne-® PPY-H + mX-

Nota-se pela tabela 2 que o melhor coeficiente nernstiano para o eletrodo sensível a nitrato ocorre em valor de pH próximo a 7, indicando boa formação do polímero sobre a superfície do eletrodo. Isto se dá para pirrol, pois o ponto isoelétrico do íon polimérico ocorre também em pH próximo à neutralidade.

Analogamente à equação proposta por Nernst para eletrodos íon-seletivos, EIS, quando um polímero condutor é formado em solução contendo espécies redox e não-redox, um potencial resultante, Efinal, é estabelecido na interface eletrodo-solução, dependente das contribuições dos processos de transferência eletrônica e iônica, de acordo com a expressão:

Efinal = E' + {Sredox ln(aox/ared) + SEIS ln(ai + Skij.aj)}

onde E' é a soma dos potenciais formais dos processos redox e de troca iônica (E' = E0redox + E0EIS), S o coeficiente angular de Nernst (RT/nF), aox e ared as atividades das espécies oxidada e reduzida, ai e aj as atividades do analito e interferente(s), respectivamente, e kij o coeficiente de seletividade potenciométrico. Se as calibrações foram feitas em termos de aox e ared, com todas as atividades em solução mantidas constantes, o primeiro coeficiente nernstiano pode ser obtido, e o número de cargas por mol envolvido no processo redox do polímero calculado; a relação aox/ared pode ser determinada por meios ópticos. Tem sido demonstrado que no caso do politiofeno, a razão de transferência de elétrons é no mínimo 2 vezes mais rápida que a transferência iônica e Efinal é dominado pelo processo redox30.

Neste sentido, Toniolo et al.31 demonstraram que para filmes poliméricos recobertos com trocadores iônicos, Nafion para cátions e Tosflex para ânions, a carga e a concentração das espécies eletroativas são incapazes de afetar o potencial do eletrodo, desde que as quantidades do par redox incorporados na membrana de troca-iônica, representem menos que 5% da capacidade do filme. Assim, estas membranas seriam vantajosas quando aplicadas sobre polímeros condutores, porém o acoplamento resultante apresenta vida útil muito curta, cerca de 2 dias.

4. BIOSSENSORES EMPREGANDO POLÍMEROS CONDUTORES

A seguir, são discutidos alguns artigos recentes que evidenciam a grande versatilidade na construção de biossensores, utilizando-se matrizes poliméricas condutoras onde o material bioativo (enzima) é fixado ao transdutor potenciométrico tanto por oclusão como por ligação covalente entre determinados grupos da enzima e do polímero.

Wallace et al.32 descrevem um método para incorporação de urease em filme de polipirrol por polimerização galvanostática (corrente constante) sobre eletrodo de ouro. A presença da enzima foi verificada por espectroscopia de raios-X, análise de amino-ácidos, microscopia eletrônica de varredura e voltametria cíclica. A atividade da enzima no filme polipirrol-urease foi confirmada pela conversão catalítica de uréia a gás carbônico e íons amônio; o uso de métodos espectrofotométrico e potenciométrico foram utilizados para determinação de uréia, conforme a equação:

A eletropolimerização foi feita com densidade de corrente de 0,25 mA.cm-2 por 20 minutos em solução de pirrol 0,5 mol.L-1, livre de O2, com 0,5 mg.mL-1 de urease (Sigma, tipo III, 17.000-34.000 U.g-1) em NaNO3 0,1 mol.L-1; sem a adição de eletrólito à solução, obtinham-se potenciais muito elevados para polimerização, indicando alta resistência e baixa condutividade da enzima, com elevada queda ohmica. Voltamogramas cíclicos obtidos para os filmes preparados, mostraram picos do par redox do polipirrol, PPY, a 117 e 50 mV vs. Ag/AgCl (sem enzima) e dois picos de redução, a 2 e -530 mV (com enzima), respectivamente, redução do PPY e inserção de cátion, Na+, dentro do polímero, confirmado pela mudança do eletrólito - KNO3 0,1 mol.L-1. Por fim, usando o reagente de Nessler para detecção espectrofotométrica de amônia e a cronopotenciometria para avaliar o aumento no potencial do eletrodo (devido à geração de íons em solução) confirmou-se a presença de atividade catalítica da enzima, mostrando a potencialidade deste sensor. Uma otimização deste biossensor é descrita logo a seguir.

Vários parâmetros foram otimizados na construção de biossensor potenciométrico para uréia33. A eletropolimerização do filme foi conduzida no modo galvanostático com a oclusão da enzima na cadeia de polipirrol, usando densidade de corrente de 0,5 mA.cm-2 sobre eletrodo de platina (disco de 3mm de diâmetro) por 3 minutos em solução contendo pirrol 0,5 mol.L-1 e 4 mg.mL-1 de urease (Sigma, tipo III). O desempenho do biossensor foi analisado em tampão fosfato 1 mmol.L-1 (pH=7) e 35 ºC. Foi observada resposta nernstiana na faixa de concentrações de uréia de 0,5 a 100 mmol.L-1. Quantidades em níveis de traços de Hg2+ e K+ inibiram a resposta do biossensor, o qual apresentou tempo de vida pequeno.

Entre 3 eletrodos estudados, Pt, Au e Cvítreo, o de Pt mostrou melhor característica de recobrimento da superfície com filme de PPY-enzima; as concentrações de enzima e pirrol foram escolhidas por apresentar a melhor relação espessura do filme-mudança no potencial do eletrodo. Valores superiores a 0,6 mA.cm-2 produziram filmes com baixa incorporação enzimática devido ao processo rápido de polimerização, bem como tempos superiores a 3 minutos resultaram num decaimento na alteração de potencial. Influências do pH e temperatura relacionaram-se com a máxima atividade da urease no biossensor, devido à problemas de desnaturação protéica quando foram empregados valores diferentes.

Capacidades tamponantes elevadas, variando entre 1 e 10 mmol.L-1, dificultam o processo catalítico, daí o uso de um valor baixo de força iônica, 1 mmol.L-1. Um coeficiente angular de 17,5 mV/década foi obtido para o eletrodo (concentrações de uréia de 5,0 x 10-4 a 5,0 x 10-2 mol.L-1), devido à complexidade do processo, com a conversão de NH3 a íons NH4+, enquanto simultaneamente estabelecem-se equilíbrios entre CO2, HCO3- e CO32-, além das alterações de condutividade ocorrendo no filme eletroativo de polipirrol. Na realidade, uréia presente no microambiente adjacente à superfície do eletrodo, é hidrolisada pela enzima imobilizada, em íons NH4+, HCO3- e OH-. Este último produz uma mudança de pH localizada na interface eletrodo-solução, que o filme de polipirrol detecta de modo proporcional à concentração inicial de uréia.

Íons Hg2+ e K+ inibem a atividade da urease nas proporções de 25% ([Hg2+] = 20 mg.L-1) e 20% ([K+] = 250 mg.L-1) quando a concentração de uréia foi de 57 mmol.L-1. O uso deste biossensor mostrou-se adequado para determinações de uréia (padrões) entre 0 e 50 mg.L-1 com porcentagens de recuperação de 100 a 102% e estimativas de desvio-padrão entre 1 e 5% (média de 6 determinações). Esta variação acima de 100% encontrada nos testes de recuperação está dentro da precisão do próprio método proposto, que apresenta valores de desvio-padrão de até 5% para as medidas efetuadas.

Hernández et al.34 construíram biossensor para uréia imobilizando quimicamente a urease ao filme de polipirrol (PPY) funcionalizado. Primeiro, foi depositado filme de PPY eletroquimicamente sobre eletrodo de carbono vítreo, a partir de solução de pirrol 0,1 mol.L-1/KCl 1 mol.L-1 , livre de O2, a 0,9 V vs. Ag/AgCl, por 5 minutos. Em seguida, o eletrodo foi imerso em solução saturada de Cu(NO3)2 em anidrido acético por 30 minutos para nitração do anel pirrólico, com posterior redução dos grupos nitro através de voltametria cíclica: 5 ciclos de -2,5 a 0,5 V e 500 mV/s. Por fim, o eletrodo foi imerso em solução de urease (tipo III) em tampão fosfato 1 mmol.L-1 com EDTA 1 mmol.L-1 e KCl 0,1 mol.L-1 (pH=7) para reação de acoplamento (carbodiimida) a 4 0C com agitação suave por 4 h (Fig. 2).


A resposta às variações de pH, em filme de polipirrol após incorporação enzimática, foi avaliada potenciometricamente, resultando em inclinação de -54 mV/pH. Observou-se alteração no potencial do eletrodo na faixa de pH de 7 a 10, escolhendo-se o valor de pH=7. A enzima catalisa a hidrólise de uréia, causando mudança no pH da solução, sendo detectada pelo filme polimérico. Foram obtidos limites de detecção de 1,4 x 10-4 ± 1 x 10-5 mol.L-1 (n=3), em resposta às concentrações de uréia. O eletrodo não exibiu resposta ao inibidor não-competitivo, N-metil-uréia e baixa interferência em relação à hidroxi-uréia, típicos substratos e inibidores da urease.

Observa-se uma sensibilidade maior em relação a eletrodos baseados em oclusão enzimática junto a filmes de polipirrol33, com inclinação de -93 mV/década, em faixa de concentrações de uréia de 1,4 x 10-4 a 1,7 x 10-3 mol.L-1. Curvas de calibração diárias mostraram que o biossensor apresenta tempo de vida de 20 dias, após o que nota-se uma queda na sua sensibilidade. É comentada também, a possibilidade de interferência devido a ânions e pares redox, que afetam a resposta analítica, devido à natureza condutora do polímero, porém esta característica do sensor dependerá da natureza da matriz que se deseja analisar.

Trojanowicz et al.35 descrevem um biosensor para glicose baseado em oclusão de glicose-oxidase (GOD) tipo II-S, 18.800 U.g-1, em matriz de polipirrol (PPY) sobre eletrodo de platina (Pt). A sensibilidade do polímero eletroativo se dá pela variação no valor de pH devido à formação de ácido glicônico, segundo a equação:

Foi estudada a dinâmica de resposta do eletrodo Pt/PPY às variações no valor de pH. Pirrol 0,1 mol.L-1 em solução de KCl 0,1 mol.L-1 foi polimerizado potenciostaticamente por 2 minutos a 0,7 V vs. ECS. Variações de pH provocadas pela adição de NaOH à tampão fosfato 5 mmol.L-1, demonstraram respostas potenciométricas estabilizadas após 3 minutos em faixa de pH de 6 a 8, enquanto para valores maiores ou menores, o tempo foi de 6 minutos. A relação entre potencial do eletrodo e pH exibiu boa linearidade (r2 = 0.999) com inclinação de -48 mV/pH em faixa de 2 a 12 unidades.

Preparações galvanostáticas de polipirrol com enzima GOD usando densidade de corrente de 1,2 mA.cm-2, mostraram melhor sensibilidade em relação à técnica amperométrica (detecção de H2O2) com 130 s de eletropolimerização. Enquanto que, com 70 s para formação do filme, obteve-se melhor desempenho com a técnica potenciométrica. Aumentando-se a concentração de enzima de 150 para 750 U.mL-1, observa-se um aumento de 25% na resposta potenciométrica para glicose, e uma diminuição de 40% na sensibilidade à detecção amperométrica, devido às mudanças nas condições de transporte de H2O2 pelo polímero, com maior quantidade de proteína.

Medidas com eletrodo de Pt/PPY/GOD, preparado com densidade de corrente de 0,4 mA.cm-2 por 30 s (eletropolimerização galvanostática), apresentaram faixa linear de resposta com o logaritmo da concentração de glicose entre 1 e 10 mmol.L-1 (inclinação de -38,3 mV/década) com reprodutibilidade do sinal em ± 1 mV, comparativamente à mesma faixa obtida por amperometria. Esta faixa de concentrações corresponde ao conteúdo médio de glicose em fluidos fisiológicos, em análises clínicas, demonstrando a potencialidade do biossensor.

A comparação entre as técnicas potenciométrica e amperométrica, evidencia a vantagem da primeira com relação à sensibilidade e vida útil dos biossensores. Já para o eletrodo amperométrico, observam-se diminuições na sensibilidade de 50% após 3 dias de uso.

Tem sido mencionadas algumas bifuncionalidades para sensores químicos de PPY envolvendo sensibilidade à espécies iônicas e redox (interferências). Por exemplo, a dependência em relação à espécie de ânion dopante usado durante a eletropolimerização36, ou a presença de componentes redox, que pode tornar-se significante em concentrações maiores que 0,1 mmol.L-137, podem interferir em análises de amostras reais.

Um eletrodo potenciométrico similar para glicose38, usando filme de polianilina e glicose-oxidase ocluída no filme polimérico, mostrou um tempo de resposta entre 1 e 2 minutos para faixa de concentração de 1 a 5 mmol.L-1. O transdutor, sensível à variações de pH do meio, apresentou respostas potenciométricas de 70 mV/pH em soluções neutras e ácidas (pH=1-7) e 60-65 mV/pH em meio alcalino (pH=8-11): esta redução no valor da resposta em soluções básicas, ocorre devido à redução de O2 no filme em região de potencial negativo. As medidas foram efetuadas em tampão fosfato 0,05 mol.L-1 (pH=7). O filme foi feito por voltametria cíclica a 0,8V com anilina 0,1 mol.L-1 em meio de ácido sulfúrico 0,2 mol.L-1, dopado com ácido metanílico 0,1 mol.L-1; a enzima (40mg.mL-1, 50 UI) foi gotejada sobre o eletrodo, e uma membrana de NafionÒ (1%) foi também gotejada sobre este conjunto para melhorar a sensibilidade do método. A principal desvantagem da polianilina em biossensores é a perda de atividade eletroquímica em soluções de pH > 4, daí a dopagem com ácido metanílico.

Um biossensor para penicilina39, utilizando eletrodo de vidro, para medidas de pH, foi construído pelo recobrimento da sua superfície com fina camada de polipirrol e penicilinase (oclusão da enzima no filme polimérico). A reação enzimática acidifica a membrana de polipirrol, resultando um aumento na diferença de potencial do sistema, que pode ser usado na determinação de penicilina:

5. MISCELÂNEA

De Oliveira Neto et al.40 descrevem a construção de eletrodo íon-seletivo a periodato, baseado no complexo Aliquat,-Periodato incorporado em membrana de PVC dopada com polipirrol. O eletrodo responde de forma nernstiana entre concentrações de 10-1 a 10-5 mol.L-1, obtendo-se tempo de resposta de 5s, inferior ao dos eletrodos convencionais de membrana de PVC. O sensor apresentou coeficiente angular de Nernst de 61 mV/década de concentração, respondendo igualmente a ânions perclorato (Fig. 3).


Um sensor potenciométrico para O2 dissolvido baseado em polianilina, PANI, é descrito por Shim et al.41. Filmes de PANI foram depositados por voltametria cíclica sobre eletrodos de platina, sendo caracterizados por apresentarem cerca de 97 mV/década, vs. Ag/AgCl saturado com KCl, em concentração de O2, e sinal potenciométrico na faixa de 400 mV, representando no mínimo 3 ordens de magnitude para faixa linear de O2 dissolvido. O eletrodo mostrou tempo de resposta curto (45 s para filmes com 0,03 mm de espessura e solução saturada com O2 em meio de H2SO4 1 mol.L-1), excelente reprodutibilidade e boa estabilidade. Limites de detecção da ordem de 5 x 10-7 mol.L-1, em O2 dissolvido, foram calculados a partir das respostas potenciométricas do eletrodo Pt/PANI.

Eletrodos convencionais de Clark, monitoram O2 pela redução do mesmo em cátodos de Pt. Contudo, com avanços na área de polímeros condutores, propõe-se novos sensores eletroquímicos analíticos. PANI pode apresentar 4 estados de oxidação diferentes, dependendo do potencial aplicado vs. ECS15,42: estado reduzido abaixo de -0,2V, isolante (leucoesmeraldina - incolor); parcialmente oxidado de 0,3 a 0,4V, condutor com o polímero protonado (sal esmeraldina - verde); parcialmente oxidado a 0,7V, isolante (base esmeraldina - azul) e estado quinóide a 0,8V, totalmente oxidado (pernigranilina - púrpura). Assim, PANI foi usada como sensor potenciométrico para O2 em meio aquoso; o polímero é oxidado pelo O2 e restaurado ao seu estado reduzido inicial após tratamento em atmosfera inerte, N2.

O filme polimérico foi depositado sobre Pt por ciclagem de -0,1 a 0,9 V vs. Ag/AgCl, após limpeza química (HNO3 conc.) e mecânica (polimento com suspensão de alumina 0,3 mm) do eletrodo. O filme de PANI, reduzido a -0,1 V, foi então equilibrado com O2 (borbulhamento) na solução eletrolítica ácida, após o que deixou-se o circuito aberto, observando aumento no potencial do eletrodo até alcançar o estado de equilíbrio.

Foi observado que o tempo de resposta, tr, do eletrodo varia de maneira linear com a espessura do filme, ef, sugerindo que o processo de difusão de O2 pelo polímero é unidimensional. A velocidade de difusão calculada para o processo foi de 3,7 x 10-4 (±5,4%) cm.s-1, obtida através do coeficiente angular da curva tr x ef. Isto pode ser um fator limitante na utilização da PANI quando tempos de resposta rápidos são requeridos.

Para filmes finos (0,03 mm), o tempo de resposta varia pouco entre valores de pH de 1 a 7, enquanto para filmes mais espessos (0,11 mm), há um aumento significativo para valores de pH mais altos. Assim, verifica-se que a cinética de reação para oxidação de PANI por O2 é mais lenta para altos valores de pH, devido à passagem direta do polímero reduzido à forma quinóide, dificultando a interação de moléculas de O2 com o filme pela complexidade dos mecanismos envolvidos. Isto explicaria os tempos de respostas muito lentos para soluções com pH acima de 7, particularmente se o filme é espesso.

A concentração de O2 dissolvido, calculada a partir das faixas de pressões parciais, cerca de 0,35 a 7,0 ppm (1,0 x 10-5 a 2,2 x 10-4 mol.L-1) mostraram boa concordância com valores calculados por análise química, método Winkler43. Idealmente, a dependência da concentração com o potencial é obtida pela equação de Nernst:

E = E' + RT/nF ln (aPANIox/aPANIred )

onde aPANIox e aPANIred são as respectivas atividades do polímero nos estados oxidado e reduzido dentro do filme, gerados pela reação com O2. O valor de n=0,5/unidade de PANI, foi calculado por métodos espectroscópicos e coulométricos; a reação provável que ocorre na interface polímero-solução (omitindo a dependência de protonação da anilina pela variação de pH) é dada por41:

O íon superóxido produzido, O2*-, pode servir como contra-íon ao polímero inicialmente, desproporcionando-se em seguida em hidróxido e peróxido. O peróxido resultante seria reduzido à água pela oxidação de outra parte do PANI. Interferentes como NO2, MnO4-, Cl2 (agentes oxidantes fortes) podem interferir nas medidas, caso estejam presentes em solução. Respostas ópticas para o sensor foram também estudadas, porém apresentando menor região linear para detecção de O2 dissolvido, cerca de 50% da concentração obtida. O método utiliza medidas no aumento da banda de absorção a 800 nm, pela oxidação do PANI, sendo diretamente proporcional à concentração de O2 inicial presente na solução41.

Bobacka et al.44 mostram um novo conceito de eletrodos íon-seletivos (EIS) de membrana sólida, onde polímeros condutores, polioctiltiofeno (POT) e polianilina (PANI), são incorporados juntamente com membranas matrizes de cloreto de polivinila (PVC) e ionóforos para Li+ e Ca2+, respectivamente. Melhores desempenhos analíticos são observados em relação aos eletrodos comuns de membrana. O eletrodo para Li+ utilizando POT (15% na mistura) apresentou faixa linear de resposta entre concentrações de lítio de 10-1 a 10-3 mol.L-1 com inclinação de 57,8 mV/década (Tab. 3). Já o eletrodo para Ca2+, usando PANI (1% na mistura) mostrou boa correlação entre potencial e concentração de cálcio na faixa de 10-1 a 10-4 mol.L-1, com inclinação de 28,0 mV/década. Os eletrodos apresentaram seletividades a íons mais comuns próximas à EIS, com grande estabilidade potenciométrica (desvio de ± 1 mV/dia).

6. MICROSENSORES BASEADOS EM POLÍMEROS CONDUTORES

Técnicas de fabricação modernas desenvolvidas na indústria microeletrônica têm auxiliado a produção de novas configurações para eletrodos, sobretudo miniaturização. O estudo de novos materiais poliméricos condutores e a moderna instrumentação eletroquímica, levam à construção de microeletrodos com sensibilidade maior em relação aos macroeletrodos, além da possibilidade de reunir estes dispositivos num único conjunto ("microarrays")45.

Um microeletrodo é definido como um eletrodo com dimensão superficial característica menor do que a espessura da camada de difusão na escala de tempo do experimento eletroquímico. Entretanto, para propósitos de discussão destes microsensores, um eletrodo com dimensão menor que 50 mm pode ser considerado um microeletrodo46.

Em recente trabalho47, uma variedade de compostos aromáticos sulfonados foram incorporados em matrizes poliméricas de polipirrol. A habilidade destes corantes em complexar íons, como alumínio ou cobre, pode ser usada com vantagens. Walace et al48 mostraram que alguns compostos aromáticos (derivados de ácido sulfônico) também apresentam interações seletivas com proteínas, propriedade que vem sendo explorada em novos sensores químicos.

Microeletrodos oferecem algumas vantagens não apresentadas por eletrodos de tamanho convencional, como a condução de experimentos eletroanalíticos em pequenos volumes de amostra, da ordem de microlitros49,50 e a possibilidade de medidas in vivo, citando por exemplo, a determinação de neurotransmissores e compostos associados em cérebros de mamíferos51.

Um sistema utilizando microeletrodos recobertos com filme de polímero condutor, polipirrol, é usado para detecção de ânions em sistema por injeção em fluxo52. Potenciais de pulso de 0,40 e -1,0 V com intervalos de tempo de 60 ms são aplicados aos microeletrodos, reduzindo e oxidando o polímero. Usando glicina 1 mol.L-1 como eluente (1 mL.min-1), contendo diferentes cátions e ânions, verifica-se com que seletividade estes íons são incorporados dentro da matriz polimérica durante o processo de oxidação. O desempenho do sistema em fluxo (Tab. 4) mostra os limites de detecção para alguns ânions, comparativamente a eletrodos de tamanho convencional com melhores resultados obtidos no experimento. Isto pode ser atribuído a uma melhora no transporte de massa entre o analito e o microeletrodo devido ao uso de baixas concentrações dos íons no eluente, melhorando a relação sinal-ruído.

É descrito na literatura53 um conjunto de microbiossensores baseados em polianilina para quantificação enzimática de glicose, uréia e triglicéries. A polianilina é obtida eletroquimicamente sobre microeletrodos de ouro por ciclagem entre -0,2 e 0,8 V vs. ECS em solução 0,1 mol.L-1 de anilina e 0,5 mol.L-1 em ácido sulfúrico. Glucose oxidase foi imobilizada no polímero condutor por eletropolimerização em tampão ftalato, pH=4, contendo anilina 0,1 mol.L-1 e 250 U.I. de enzima/mL de solução, por ciclagem entre -0,2 e 1,2 V durante 2 h. Já as enzimas lipase e urease foram imobilizadas por adsorção em tampão acetato, pH=5,2, por 2 h. As respostas são obtidas por alterações de pH no microambiente da matriz polimérica devido às reações enzimáticas.

É possível notar melhores sensibilidades (Tab. 5) destes microsensores em relação aos macrosensores, devido principalmente à facilidade com que o substrato penetra na malha polimérica de baixa espessura (< 50 mm).

Um importante artigo de revisão acerca de elementos para construção de biossensores54, ressalta o crescimento na área da polímeros condutores como sensores químicos e suportes para vários elementos bioativos incorporados à matriz polimérica. Dentre os polímeros mais empregados estão o polipirrol (25,2%), poli-o-diamino-benzeno (6,8%), nylon (4,1%), policarbonato (3,6%), poli-vinil-piridina (3,2%) e polianilina (2,7%) de levantamento de 202 artigos examinados, no período entre 1980 e 1994. Desta forma, substanciais avanços têm ocorrido no desenvolvimento de novos polímeros condutores, bem como no estudo de suas propriedades eletroquímicas e que levarão à sensores químicos com melhores características de sensibilidade, tempo de resposta e vida útil.

7.CONSIDERAÇÕES GERAIS

Aplicações de polímeros orgânicos condutores para uso em sensores químicos foram revisadas dentro do contexto potenciométrico. A deposição eletroquímica destes polímeros garante uma boa adesão do filme ao substrato, controle do crescimento anódico e espessura polimérica, bem como a facilidade no processo de fabricação de sensores potenciométricos.

A limitada seletividade dos polímeros a vários íons, representa ainda, uma característica a ser melhorada na aplicação em eletrodos íon-seletivos. Além disso, quando um polímero condutor é colocado em solução de eletrólito contendo espécies redox e não-redox, um potencial final de mistura é estabelecido na interface com valor que depende das magnitudes relativas das contribuições dos processos eletrônicos e de troca iônica.

O controle voltamétrico das condições de formação de filmes poliméricos tem grande importância analítica, pois o comportamento uniforme e reprodutível destes compostos é fundamental na determinação de analitos com bons níveis de precisão e exatidão. Quando um eletrodo contendo polímero condutor como sensor é utilizado, deve-se prevenir superoxidação da camada polimérica durante as medidas (devido a agentes oxidantes fortes em solução) que resultariam em gradual degradação do polímero levando a baixas atividades eletroquímicas.

Eletrodeposições diretas de polímeros condutores em eletrodos, a fácil funcionalização, por incorporação de ânions dopantes ou por ataque químico direto à estrutura do polímero, tornam esses materiais atraentes para a construção de biossensores. Em particular, o estudo de novos tampões biocompatíveis com materiais catalíticos tem ajudado na incorporação de várias enzimas ao filme, melhorando a resposta analítica com aumento do número de determinações, principalmente em amostras de interesse clínico.

Devido à fácil preparação de polímeros condutores é possível reunir microsensores de tal forma que se possa monitorar simultaneamente vários analitos, principalmente em sistemas por injeção em fluxo.

A riqueza química do carbono, atestada pela grande variedade de produtos sintetizados pelas indústrias química e farmacêutica, oferece razões para acreditar-se, que uma vez compreendidos os mecanismos básicos responsáveis pela condutividade orgânica, será possível propor e sintetizar novos compostos, que combinem certo número de propriedades desejadas.

Provavelmente, os átomos das impurezas, por situarem-se no espaço vazio entre as cadeias, têm papel fundamental nesse processo de transferência iônica e eletrônica. Desta forma, substâncias que possam ser incorporadas em filmes poliméricos, desde íons até elementos bioativos, tem tido particular atenção na construção de sensores potenciométricos. Esta tendência tem se mostrado em vários artigos publicados nesta área da química analítica e outras correlatas, onde as "impurezas", associadas ao polímero condutor, têm merecido grande interesse no desenvolvimento de novos sensores químicos.

Atualmente no Brasil, vários grupos localizados principalmente em Recife55,56, São Carlos57 e Campinas12,40,58, utilizam polímeros condutores com finalidades eletroanalíticas, não necessariamente potenciométricas, contribuindo para o crescimento e formação de recursos humanos nesta área.

  • 1. Melo, C. P.; Ciência Hoje 1987, 6 , 41.
  • 2. Murray, R. W.; "Techniques of Chemistry - Molecular Design of Electrodes Surfaces" ; J. Wiley & Sons Inc., N.York, 1992, Vol. 22, cap. IX.
  • 3. Wang, J.; "Analytical Electrochemistry"; VCH Pub.Inc., N.York, 1994, cap. IV-V.
  • 4. Okabayashi, K.; Goto, F.; Abe, K.; Yoshida, T.; Synth. Met. 1987, 18, 365.
  • 5. Genies, E. M.; Lapkowski, M.; Santier, C.; Vieil, E.; Synth. Met. 1987, 18, 631.
  • 6. Watanabe, A.; Mori, K.; Ywasaki, Y.; Nakamura, Y.; Niizuma, S.; Macromelecules 1987, 20, 1793.
  • 7. Macdiarmid, A. G.; Yang, L. S.; Huang, W. S.; Humphrey, B. D.; Synth. Met. 1987, 18, 393.
  • 8. Roth, S.; Graupner, W.; Synth. Met. 1993, 55-57, 3623.
  • 9. Gustafsson, G.; Cao, Y.; Treacy, G. M.; Klavetter, F.; Colaneri, M.; Heeger, A. J.; Nature 1992, 357, 477.
  • 10. Parker, I. D.; J. Applied Physics 1994, 75, 1656.
  • 11. Deshpande, M. V.; Malnerkar, D. P.; Prog. Polym. Sci. 1993, 18, 623.
  • 12. Zoppi, R. A.; De Paoli, M. A.; Quím. Nova 1993, 16, 560.
  • 13. Adams, P. N.; Laughlin, P. J.; Monkman, A. P.; Solid State Comm. 1994, 91, 875.
  • 14. Kaner, R. B.; Macdiarmid, A. G.; Scient. Am. 1988, 60, Feb.
  • 15. Mattoso, L. H. C.; Quím. Nova 1996, 19, 388.
  • 16. Dong., S.; Sun, Z.; Lu, Z.; Analyst 1988, 113, 1525.
  • 17. Lu, Z.; Sun, Z.; Dong. S.; Electroanalysis 1989, 1, 271.
  • 18. Tanigushi, I.; Fujiyasu, T.; Tomimura, S.; Egushi, H.; Yasukoushi, K.; Tsuji, I.; Unoki, M.; Anal. Sci. 1986, 2, 587.
  • 19. Ivaska, A.; Electroanalysis; 1991, 3, 247.
  • 20. Adeloju, S. B.; Wallace, G. G.; Analyst 1996, 121, 699.
  • 21. Bartlett, P. N.; Anal. Proc. 1991, 28, 373.
  • 22. Janata, J.; Langmaier, J.; Anal. Chem. 1992, 64, 523.
  • 23. Li, H.-S.; Josowicz, M.; Baer, D.; Englehard, M.; Janata, J.; J. Electrochem. Soc. 1995, 142, 798.
  • 24. Josowicz, M.;Analyst; 1995, 120, 1019.
  • 25. Fletcher, S.; J. Chem. Soc., Faraday Trans. II 1993, 89, 311.
  • 26. Oei, Q.; Quian, R.; Electrochim. Acta 1992, 37, 1075.
  • 27. Yamamura, M.; Sato, K.; Hagiwara, T.; Iwata, K.; Synth. Met. 1992, 48, 337.
  • 28. Bobacka, J.; Lewenstam, A.; Ivaska, A.; Talanta 1993, 40, 1437.
  • 29. Pei, Q.; Qian, R.; Synth. Met. 1991, 45, 35.
  • 30. Duan-Fu Hsu, Gratzl, M.; Riley, A. M.; Janata, J.; J. Phys. Chem. 1990, 94, 5982.
  • 31. Toniolo, R., Comisso, N.; Bontempelli, G.; Schiavon, G.; Talanta 1994, 41, 473.
  • 32. Wallace, G. G.; Adeloju, S. B.; Shaw, S. J.; Anal. Chim. Acta 1993, 281, 611.
  • 33. Wallace, G. G.; Adeloju, S. B.; Shaw, S. J.; Anal. Chim. Acta 1993, 281, 621.
  • 34. Hernández, E. C.; Witkowski, A.; Daunert, S.; Bachas L. G.; Mikrochim. Acta 1995, 121, 63.
  • 35. Trojanowicz, M.; Hitchman, M. L.; Electroanalysis 1996, 8, 263.
  • 36. Bobacka, J.; Gao, Z.; Ivaska, A.; Lewenstam, A.; J. Electroanal. Chem. 1994, 368, 33.
  • 37. Hulanicki, A.; Michalska, A.; Lewenstam, A.; Talanta 1994, 41, 323.
  • 38. Karyakina, E. E.; Neftyakova, L. V.; Karyakin, A. A.; Anal. Lett. 1994, 27, 2871.
  • 39. Sukeerthi, S.; Contractor, A. O.; Indian J. Chem. 1994, 33, 565.
  • 40. De Oliveira Neto, G.; Pereira, R. C.; De Paoli, M. A.; Peres, R. C. D.; Anais do VI Simpósio Brasileiro de Eletroquímica e Eletroanalítica; S.Paulo 1988, 626.
  • 41. Shim, Y.-B.; Stilwell, D. E.; Park, S.-M.; Electroanalysis 1991, 3, 31.
  • 42. Sherman, B.C.; Euler, W.B.; Forcé, R.R.; J. Chem. Educ. 1994, 71, A95.
  • 43. Adad, J. M. T.; "Controle Químico de Qualidade" Ed. Guanabara Dois SA, R. Janeiro 1982, p 29-30.
  • 44. Bobacka, J.; Lindfors, T.; McCarrick, M.; Ivaska, A.; Lewenstam, A.; Anal. Chem. 1995, 67, 3819.
  • 45. Imisides, M. D.; John, R.; Wallace, G. G.; Chemtech 1996, 19.
  • 46. Dayton, M. A.; Brown, J. C.; Stutts, K. J.; Wightmann, R.M.; Anal. Chem. 1980, 52, 946.
  • 47. Shiu, K. K.; Pang, S. K.; Cheung, H. K.; J. Electroanal. Chem. 1994, 367, 115.
  • 48. Lu, W.; Zhao, H.; Wallace, G. G.; Anal. Chim. Acta 1995, 315, 27.
  • 49. Unwin, P. R.; Bard, A. J.; Anal. Chem. 1992, 64, 113.
  • 50. Vogal, G. L.; Carey, C. M.; Chow, L. C.; Brown, W. E.; J. Dent. Res. 1987, 66, 1691.
  • 51. Anatore, C.; Kelly, R. S.; Dristensen, E. W.; Kuhrand, W.G.; Wightmann, R. M.; J. Electroanal. Chem. 1986, 213, 31.
  • 52. Sadik, O. A.; Wallace, G. G.; Electroanalysis 1994, 6, 860.
  • 53. Sangodkar, H.; Sukeerthi, S.; Srinivasa, R. S.; Lai, R.; Contractor, A. Q.; Anal. Chem. 1996, 68, 779.
  • 54. Davis, J.; Vaughan, H.; Cardosi, M. F.; Enzyme Microb. Technol. 1995, 17, 1030.
  • 55. Freitas, K. C. S.; Diniz, F. B.; Azevedo, W. M.; Anais do X Simpósio Brasileiro de Eletroquímica e Eletroanalítica; S.Paulo 1996, 175.
  • 56. Parent, A. H.; Marques Jr., E. T. A.; Azevedo, W. M.; Diniz. F. B.; Melo, E. H. M.; Lima Filho, J. L.; Appl. Biochem. Biotech. 1992, 37, 267.
  • 57. Lindino, C. A.; Bulhões, L. O. S.; Anais do X Simpósio Brasileiro de Eletroquímica e Eletroanalítica; S.Paulo 1996, 172.
  • 58. Duek, E. A. R.; De Paoli, M. A.; Mastragostimo, G.; Anais do VIII Simpósio Brasileiro de Eletroquímica e Eletroanalítica; S.Paulo 1992, 581.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Out 1997

Histórico

  • Aceito
    21 Maio 1997
  • Recebido
    22 Nov 1996
Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: quimicanova@sbq.org.br