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Estimativa por infravermelho da concentração da unidade estrutural b-O-4 em ligninas de angiospermas tropicais

Infrared estimates of the concentration of the b-o-4 structural unit in lignins of tropical angiosperms

Resumo

Five Björkman lignins, codified as AM, LL, GG, PP and AP, were isolated from wood species of Aspidosperma macrocarpum Mart., Lophanthera lactescens Ducke, Gallesia gorazema (Vell.) Miq., Peltogyne paniculata Bth. and Aspidosperma polyneuron Muell. Arg., respectively. Analyses of the lignins were carried out by Fourier transformed infrared spectroscopy using an experimental technique, Diffusely Reflected Infrared Fourier Transformed (DRIFT), admitting in the original spectra a band at 1500 cm-1 as an internal reference. Application of a deconvolution technique made possible to estimate the percentage per mol of b-O-4 unit content around 65.5% to AM, 68.0% to LL, 71.0% to GG. 73.4% to PP and 75.0% to AP, toward AM<LL<GG<PP<AP sequence.

lignin; infrared; wood


lignin; infrared; wood

ARTIGO

Estimativa por infravermelho da concentração da unidade estrutural β-O-4 em ligninas de angiospermas tropicais

Infrared estimates of the concentration of the β-o-4 structural unit in lignins of tropical angiosperms

Heber dos Santos Abreu

Departamento de Produtos Florestais - Instituto de Florestas - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

SUMMARY

Five Björkman lignins, codified as AM, LL, GG, PP and AP, were isolated from wood species of Aspidosperma macrocarpum Mart., Lophanthera lactescens Ducke, Gallesia gorazema (Vell.) Miq., Peltogyne paniculata Bth. and Aspidosperma polyneuron Muell. Arg., respectively. Analyses of the lignins were carried out by Fourier transformed infrared spectroscopy using an experimental technique, Diffusely Reflected Infrared Fourier Transformed (DRIFT), admitting in the original spectra a band at 1500 cm-1 as an internal reference. Application of a deconvolution technique made possible to estimate the percentage per mol of β-O-4 unit content around 65.5% to AM, 68.0% to LL, 71.0% to GG. 73.4% to PP and 75.0% to AP, toward AM<LL<GG<PP<AP sequence.

Keywords: lignin; infrared; wood.

INTRODUÇÃO

Entende-se por ligninas de angiospermas as macromoléculas bioformadas através do acoplamento oxidativo de radicais fenóxidos, principalmente dos álcoois coniferílico e sinapílico. Nesse caso, ligninas desta natureza biossintética sustentam mais de um grupo metoxílico (OCH3) por unidade C9.

As ligninas têm sido tema de inúmeros artigos científicos, nos quais destacam-se: a elucidação da composição química da parede celular, a classificação e a evolução das ligninas nos vegetais superiores.1,2,3,4 Nesses termos, a espectroscopia por infravermelho constitui uma ferramenta de análise eficiente.5 Isso vem sendo observado desde algumas décadas atrás e ainda mantém-se em destaque, entre os mais modernos métodos físicos de análise para estudos sobre ligninas.

No presente trabalho, usou-se a espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier, adotando-se a técnica experimental conhecida como Reflectância Difusa e a técnica de deconvolução. Através dos espectros com deconvolução das ligninas (Björkman) das espécies Aspidosperma macrocarpum, Lophanthera lactescens, Gallesia gorazema, Peltogyne paniculata e Aspidosperma polyneuron, determinou-se a percentagem relativa da unidade estrutural β-O-4 por mol de C9, considerada unidade fundamental e de base estrutural das ligninas de angiospermas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As ligninas são substâncias tridimensionais, constituidas por unidades de estrutura de origem fenilpropanóidicas, diferenciando-se entre si pela composição e pela natureza das ligações intermonoméricas adquiridas durante o processo de polimerização. Entre várias modalidades de ligninas descritas na literatura, a lignina de Björkman destaca-se pela forte semelhança com as protoligninas. De maneira que, as atribuições no infravermelho indicadas nesse trabalho constituem base de discussão sobre a natureza estrutural das ligninas em plantas. Dados de teor de OCH3 (Tabela 1) e de infravermelho (Figura 1), das ligninas (Björkman) isoladas das madeiras das espécies Aspidosperma macrocarpum (representada por AM), Lophanthera lactescens (LL), Gallesia gorazema (GG), Peltogyne paniculata (PP) e A. polyneuron (AP) permitiram tecer considerações sobre a natureza constitucional, tomando como base a ocorrência desprezível da unidade p-hidroxifenilpropano em ligninas de angiospermas dicotiledôneas.5 Uma possível estrutura diferenciada foi avaliada de acordo com os valores da concentração da unidade estrutural b-O-4, determinados através dos espectros no infravermelho com deconvolução das ligninas isoladas.


INFRAVERMELHO

Análise no infravermelho de ligninas de Björkman de madeiras de algumas espécies de gimnospermas e angiospermas revelou a existência de uma relação direta entre a absorbância de cada sinal e o teor de metoxila das ligninas correspondentes6,7. Essa correspondência também foi observada nos espectros dos álcoois cumarílico, coniferílico e sinapílico5, basicamente com relação à variação das intensidades dos sinais em 1230, 1270 e 1325 cm-1. Outras análises com modelos de ligninas sintéticos8 permitiram tecer considerações sobre a feição espectral, a natureza constitucional dos polímeros e o teor de OCH3 presente, estabelecendo equações matemáticas oriundas da correlação entre a feição espectral e os dados analíticos correspondentes. Com base nessas considerações, estabeleceu-se um parâmetro de diagnose estrutural para as ligninas de Björkman, permitindo classificá-las de acordo com a sua natureza constitucional (G, GS e HGS). Neste contexto, adotou-se o sinal de absorção em 1500 cm-1 (vibração pura do anel aromático) como referência interna, atribuindo-lhe um valor unitário. Isso possibilitou a verificação de uma correlação positiva entre as intensidades e o teor de metoxila, referindo-se aos sinais em 1421 cm-1 (vibração do esqueleto aromático com deformação de C-H no plano) e 1329 cm-1 (vibração do anel siringílico mais vibração do anel guaiacílico condensado). Por outro lado, verificou-se uma correlação inversa entre as intensidades dos sinais em 1329 cm-1 e 1269 cm-1 (vibração do anel guaiacílico mais estiramento de C=O) (Tabela 2) (Figuras 1 e 2). As intensidades dos sinais foram determinadas através da técnica de linha base tangencial9 e as atribuições de acordo com a proposta elaborada por Faix (Tabela 3)10,11.


DECONVOLUÇÃO

Deconvolução é uma técnica matemática de resolução espectral que promove o desdobramento de sinais sobrepostos permitindo a redução da largura e, por conseguinte, o aumento do número de sinais de um determinado espectro, mantendo integralmente a intensidade dos sinais originais. A utilização desta técnica, através de meios computacionais, permitiu observar que: o sinal em 1593 cm-1 no infravermelho de ligninas sintéticas DHPs (Polímeros de oxidação desidrogenativa) desdobra por deconvolução em três componentes, 1616, 1602 e 1592 cm-1. O segundo componente é atribuído à vibração dos anéis aromáticos das formas estruturais β-β, β-5, 4-O-5. O último decorre exclusivamente das vibrações dos anéis aromáticos da forma estrutural β-O-410 (Figura 3).


Os espectros de AM, LL, GG, PP e AP, quando submetidos à deconvolução (Figura 4) na região de 1606-1592 cm-1, mostraram-se desdobrados em três componentes a saber: um componente 5a (ombro) e dois componentes 5b e 5 respectivamente em (1602 e 1592), (1600 e 1592), (1603 e 1592), (1606 e 1592) e (1604 e 1592) cm-1. O componente 5 apresentou uma intensidade relativa maior do que o componente 5b. Ao considerar a soma das intensidades de ambos sinais igual a 100%, foi possível definir uma ordem de aumento de concentração da unidade estrutural β-O-4 na seqüência AP>PP>GG>LL>AM (Tabela 4). Esses espectros também mostraram pares de absorções fraco/forte em 1512/1506, 1518/1505, 1513/1505, 1516/1504 e 1516/1503, comuns às ligninas do tipo GS (Guaiacílica-Siringílica)10,11 .


As intensidades dos componentes foram determinadas pelo método de absorbância máxima9. Entre as unidades estruturais citadas, a unidade β-O-4 destaque-se pela concentração mais alta em angiospermas do que em gimnospermas (Tabela 5).

A elevada concentração de β-O-4 permitiu tecer considerações sobre a complexidade estrutural das ligninas. Lignina que detém maior concentração de β-O-4 dispõe de menor número de hidroxilas fenólicas livres5. Esses parâmetros conferem às ligninas menores complexidades estruturais. Essas características são também observadas nos DHPs sintetizados através do processo de polimerização contínua. Os DHPs obtidos através do processo descontínuo possuem estruturas provavelmente mais complexas5.

Existe considerável interesse em desvendar o mecanismo de controle da composição das ligninas. Isso constitui um fator determinante na formação da unidade β-O-4 em relação à dificuldade de degradação química pelo processo Kraft na obtenção da polpa celulósica e, também, um grande interesse em relação a degradação biológica da madeira13. Isso leva à consideração de que ligninas de angiospermas são mais facilmentes removidas da parede celular do que as ligninas de gimnospermas.

CONCLUSÃO

A equação de KUBELKA-MUNK (K-M)11 define claramente a relação direta entre a intensidade da absorção espectral e a concentração da amostra examinada (no estado sólido), quando se aplica a técnica experimental de Reflectância Difusa. Sobre esse enfoque, concluiu-se que: as ligninas AM, LL, GG, PP e AP são tipicamente do tipo GS e que o aumento do grau de metoxilação dos anéis aromáticos, a partir dos precursores álcool coniferílico →álcool sinapílico, corresponde à diminuição do número de sítios reativos sobre o anel aromático. A posição 2 e 6 dos anéis aromáticos desses precursores não são reativos portanto, apenas os carbonos 4 e 5 e a cadeia lateral estão disponíveis para a formação das ligações cruzadas. Isso provavelmente, leva à várias formas de organização estrutural diferenciadas, variando na seqüência AM>LL>GG>PP>AP a partir da maior para a menor complexidade estrutural, referindo-se apenas à variação da concentração da unidade estrutural β-O-4 em relação ao teor de metoxila.

A existência de um provável controle biológico e enzimático, durante a formação da lignina em angiospermas, predispõe condições favoráveis à formação de unidade estrutural β-O-413,14,15. Provavelmente, essas variáveis levam às diferentes formas estruturais de ligninas em plantas de diferentes taxons. Neste sentido, a espectroscopia no infravermelho, associada a utilização da técnica de Reflectância Difusa e de deconvolução, permitiu realizar análises quali e quantitativas, de forma a dar suporte à discussão sobre a origem e as prováveis estruturas das ligninas AM, LL, GG, PP e AP.

EXPERIMENTAL

A partir das amostras de madeiras das espécies Aspidosperma macrocarpum Mart., Lophanthera lactescens Ducke, Gallesia gorazema (Vell) Miq., Peltogyne paniculata Bth. e Aspidosperma polyneuron Muell. Arg., isolaram-se cinco diferentes tipos de ligninas, representadas por AM, LL, GG, PP e AP, respectivamente, através do método original de Björkman14. As amostras de madeira (100g de pó de madeira seca, 0,177-0,420 mm de diâmetro de partículas) foram pré-extraídas em um extrator do tipo Soxhlet com acetona e, em seguida, com NaOH 1% a 90ºC, durante uma hora. O resíduo sólido pós-extração (livre de extrativos) foi submetido a moagem seca em um moinho de bolas do tipo planetário (marca Fritzch), durante 168 h ininterruptas. Em seguida, as madeiras moídas no moinho de bolas foram tratadas com dioxano/H2O, 95:5 (v/v) durante 96 horas ininterruptas sob agitação magnética, de acordo com o método original de Björkman16. A determinação do teor de metoxila foi realizada de acordo com o método de Seizel modificado por Vieböck e Schwappach17.

INFRAVERMELHO

Os espectros no infravermelho foram registrados a partir de 2 mg de amostra de lignina em 300 mg de KBr, sob 64 varreduras num aparelho Biorad Digilab FT 54 FTIR, com um detector do tipo DTGS/KBr (Sulfato de Glicina Deuterado), aplicando a técnica experimental de Reflectância Difusa, utilizando um reflectômetro com espelhos hemielipsoidais. O sinal de absorção em 1500 cm-1 foi usado como referência interna devido a sua independência das vibrações dos substituintes do anel aromático. O sinal de absorçãoem 1126 cm-1 foi considerado uma referência para a normalização dos espectros. As intensidades dos sinais foram determinadas pelo método de linha base tangencial9.

Para a determinação da concentração (porcentagem por mol) da unidade estrutural β-O-4, foi aplicada a técnica de deconvolução. Para tal, foi utilizado o programa BioRad fornecido pelo fabricante do espectômetro. Considerou-se, para a análise, os componentes de desdobramento 5b e 5 da absorção original em torno de 1600 cm-1. Uma resolução de 4 cm-1 e apodização triangular foram aplicadas. A faixa de resolução para deconvolução foi de 1800 a 700 cm-1com largura de sinal equivalente a 15 cm-1. Os espectros com deconvolução foram resolvidos a partir dos espectros originais adotando-se também o sinal em 1126 cm-1 para normalização espectral, atribuindo-se a ele um valor unitário. Portanto, resultando em aproximadamente 30 sinais nos espectros com deconvolução dos 15 a 18 sinais, registrados na região entre 1800 a 700 cm-1 nos espectros originais das ligninas AM, LL, GG, PP e AP. A eliminação de vapor residual presente no equipamento permitiu a supressão quase por completo de ruídos na região entre 1750 a 1660 cm-1 nos espectros com deconvolução. No caso de ligninas de Björkman de plantas da família Poácea (Graminácea), deve ser considerada a contribuição das carbonilas de éster dos ácidos cumárico e ferúlico sobre o sinal em 1600 cm-1. Esses ácidos são comuns às ligninas de plantas dessa família.

As atribuições dos sinais espectrais citados no texto foram descritos de acordo com os dados disponíveis na literatura. Entretanto, alguns sinais localizados nesta mesma região (1800-700 cm1) não foram ainda devidamente investigados. Neste contexto, foram considerados para comparação, alguns dados espectrais de ligninas de Björkman de algumas espécies vegetais e de DHPs de composição G, GS e HGS sintetizados através dos métodos contínuo e descontínuo de polimerização10.

AGRADECIMENTOS

CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Institut für Holzchemie und chemische Technologie des Holzes-Bundesforschungsanstalt für Forst- und Holzwirtschaft-Hamburgo-Alemanha.

Recebido em 3/7/96; aceito em 15/5/97

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 1997

Histórico

  • Aceito
    15 Maio 1997
  • Recebido
    03 Jul 1996
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