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Desenvolvimento e caracterização de recobrimentos de Ni-Co e de seus óxidos mistos para a produção de oxigênio por eletrólise alcalina da água

Development and characterisation of coatings of Ni-Co and their mixed oxides for oxygen production by alkaline water electrolysis

Resumo

This paper describes the development and characterisation of Ni-Co coatings to be used as anodes in water electrolysis. Chemical oxidation of the surface was performed through thermal treatment at 400ºC for 10 h. The resulting surfaces were analysed by X-ray diffraction, EDX, SEM, cyclic voltammetry and constant current electrolysis. The electrochemical oxidation occurring on bare surfaces during electrolysis promotes the formation of thick oxide layers resulting in loss of activity. In oxidised surfaces the chemical Ni-Co oxide grown during the thermal treatment prevents further oxidation thus retaining their activity towards oxygen evolution. An optimum condition for the growth of mixed oxide with high activity was found for the bath containing 50 g L-1 CoSO4.

Ni-Co oxides; spinel; water electrolysis; activated anodes


Ni-Co oxides; spinel; water electrolysis; activated anodes

ARTIGO

Desenvolvimento e caracterização de recobrimentos de Ni-Co e de seus óxidos mistos para a produção de oxigênio por eletrólise alcalina da água

Development and characterisation of coatings of Ni-Co and their mixed oxides for oxygen production by alkaline water electrolysis

Sergio A. S. Machado e Simone C. Gallani

Instituto de Química de São Carlos - Universidade de São Paulo - CP 780 - 13560-970 - São Carlos - SP

SUMMARY

This paper describes the development and characterisation of Ni-Co coatings to be used as anodes in water electrolysis. Chemical oxidation of the surface was performed through thermal treatment at 400ºC for 10 h. The resulting surfaces were analysed by X-ray diffraction, EDX, SEM, cyclic voltammetry and constant current electrolysis. The electrochemical oxidation occurring on bare surfaces during electrolysis promotes the formation of thick oxide layers resulting in loss of activity. In oxidised surfaces the chemical Ni-Co oxide grown during the thermal treatment prevents further oxidation thus retaining their activity towards oxygen evolution. An optimum condition for the growth of mixed oxide with high activity was found for the bath containing 50 g L-1 CoSO4.

Keywords: Ni-Co oxides; spinel; water electrolysis; activated anodes.

INTRODUÇÃO

A crescente demanda mundial por hidrogênio tem estimulado o crescimento, de forma intensa, das pesquisas de novos materiais com propriedades eletrocatalíticas para a decomposição eletroquímica da água. Nesta área, muito se tem avançado com o desenvolvimento de metais e ligas a serem utilizados como cátodos em um eletrolisador. Entretanto, em relação aos ânodos, relativamente pouco se tem produzido. Isto se deve principalmente ao fato de que, operando sob alta polarização anódica, as superfícies metálicas tendem a se recobrir com óxidos espessos, muitas vezes pouco condutores, e a perder qualquer atividade catalítica. Desta forma, uma das únicas possibilidades de superar esta característica é desenvolver uma superfície de óxidos estável sob as condições de polarização anódica.

Nesta área, algumas espécies de óxidos mistos interessantes têm sido propostas para diminuir o sobrepotencial da reação de desprendimento de oxigênio (RDO). A cinética e o mecanismo da RDO sobre óxidos mistos de níquel e cobalto, com estruturas cristalográficas do tipo espinélio ou peroviskita, tem sido analisados, a partir dos trabalhos pioneiros de Davidson et al.1, Tseung et al.2,3 e Trasatti et al.4. No primeiro trabalho desta série, Davidson et al.1 estudaram a dependência da cinética da reação de desprendimento de oxigênio sobre eletrodos de NiCo2O4 em KOH 30% com a temperatura (de 0 a 230ºC) assim como avaliaram o desempenho destes materiais em operações de longa duração em um eletrolisador de água unipolar. Dois valores de tangente de Tafel foram obtidos para todas as temperaturas. Em baixas densidades de corrente, observou-se que b era igual a RT/F, enquanto que em altas densidades de corrente este valor mudou para RT/2F. Esta mudança foi associada com a alteração no estado de valência dos óxidos superficiais. Já Tseung et al.2 estudaram a formação de óxidos superiores de NiCo2O4 em potenciais menos anódicos do que aqueles associados ao desprendimento de oxigênio por coulometria, voltametria cíclica e carregamento galvanostático. Os autores concluíram que a carga total transferida ao eletrodo para formar os óxidos superiores era 9,7% daquela necessária para oxidar todos os cátions para o estado de oxidação +4, sugerindo que a formação dos óxidos superiores era restrita à superfície do eletrodo. Posteriormente, Tseung et al.3 analisaram aspectos mecanístico da reação de desprendimento de oxigênio sobre NiCo2O4 em diferentes concentrações de KOH. Os autores observaram também a existência de dois valores distintos para a tangente de Tafel, sendo o primeiro, em regiões de baixas densidades de corrente, de 0,04 V dec-1 e o segundo de 0,120 V dec-1. Estes valores foram associados às atividades dos sítios ativos divalentes ou trivalentes da superfície em relação ao desprendimento de oxigênio, em concordância com Davidson et al.1. Finalmente, o efeito do pH da solução nas propriedades superficiais do NiCo2O4 foram analisados por Carugati et al.4 através de cálculos de cargas anódicas dos voltamogramas cíclicos obtidos na região de potenciais imediatamente prévia ao desprendimento de oxigênio. Os autores mostraram que tanto o pH como a temperatura de tratamento para obtenção dos óxidos influem na carga voltamétrica.

O efeito da temperatura nos parâmetros cinéticos da RDO sobre ânodos de Ni também foi investigado por Miles et al.5 em KOH 50% em massa a 80, 150, 208 e 264ºC. Os autores observaram mudança na tangente de Tafel em temperaturas intermediárias entre 150 e 204ºC, que foi atribuída a uma alteração no mecanismo da reação. Estes resultados também foram observados posteriormente por Ferreira et al.6 para eletrodepósitos e ligas eletrodepositadas de Ni. Hall7 obteve eletrodos para a eletrólise da água pelo recobrimento do substrato com Ni ou Ni-Fe de alta área. Os recobrimentos foram obtidos pela aplicação de uma tinta de polissilicatos contendo partículas do metal. Sobrepotenciais de aproximadamente 0,25 V foram obtidos em KOH a 80ºC e 400 mA cm-2 de densidade de corrente. Brossard8 estudou o efeito de íons ferro e vanádio sobre a RDO em eletrodos de Ni e Co. Uma diminuição de ~100 mV foi encontrada no sobrepotencial da reação para uma presença de 0,25 mM de Fe2+ em solução. Ligas metalúrgicas de Ni com Ti, Ir, Ru e W também foram investigadas como eletrocatalisadores eficientes para a RDO9. A maior atividade em 30% w/w KOH a 80ºC foi encontrada para a liga 75Ni-25Ru, isto é, um sobrepotencial de 0,28 V a 20 mA cm-2.

Fiori e Mari10 estudaram o comportamento de óxidos do tipo Ni0,2Co0,8LaO3 em KOH 30% a 80ºC. Um sobrepotencial de ~0,35 V foi observado a 0,5 A cm-2. Óxidos do tipo espinélio ou perovskita de Niforam investigados11 em KOH 10 M a 100ºC na faixa de 0,05 a 1,0 A cm-2. Sobrepotenciais tão baixos como 0,2 V foram observados para uma densidade de corrente de 1,0 A cm2. Finalmente, Ângelo12 desenvolveu e caracterizou eletrodos de óxidos mistos de Ni e Co para a utilização na eletrólise alcalina da água a partir de nitratos dos metais. Os óxidos foram obtidos por decomposição térmica e a sua estrutura cristalina determinada por difração de raios-X.

Levando em consideração a escassez de trabalhos disponíveis na literatura no que se refere ao desenvolvimento de ânodos ativos para a eletrólise da água, neste trabalho pretende-se desenvolver e caracterizar eletrodepósitos de Ni-Co e seus óxidos como recobrimentos catalíticos para a RDO. Propõe-se conseguir estruturas do tipo espinélio a partir da oxidação química das superfícies e verificar suas atividades perante a RDO.

PARTE EXPERIMENTAL

Os eletrodos de trabalho utilizados foram construídos a partir de tarugos de aço doce 1053 (composição em massa: C-0,508%, Mn-0,97%, P-0,027%, S-0,032%), embutidos em resina epóxi (Araldite 1109) de forma a expor um disco com área geométrica de 0,6 cm2. As superfícies destes eletrodos foram polidas com lixas (120, 320, 400, 600 - Wetordry Imperial Paper - 3M), sendo, em seguida, desengraxadas pela imersão em KOH alcoólico.

Para a deposição da camada catalítica sobre a base de açodoce utilizou-se um banho tipo Watts (para as eletrodeposições de níquel fosco) modificado pela adição de sulfato de cobalto hepta-hidratado (para as eletrodeposições de níquel/cobalto). Este banho apresenta a seguinte composição: NiSO4.6H2O 300 g L-1 + NiCl2.6H2O 45 g L-1 + H3BO3 30 g L-1, sendo modificado pela adição de CoSO4.7H2O em concentrações de 50, 100, 150, 200 g L-1. A temperatura utilizada foi de 50ºC, o tempo de duração foi de 30 minutos e o pH do banho foi mantido em torno de 4,5. Com o auxílio de um Potenciostato-Galvanostato EG&G PARC modelo 371 aplicou-se uma densidade de corrente constante de 20 mA cm-2.

Os eletrodepósitos obtidos foram modificados pela oxidação da superfície, visando a obtenção de estruturas do tipo espinélio. Esta oxidação foi feita por meio de um tratamento térmico em presença de oxigênio do ar, em um forno EDGCON 3P FV-2. Estes eletrodepósitos foram submetidos a uma temperatura de 400º C durante 10 horas.

A superfície das ligas Ni-Co e de seus óxidos foi analisada por voltametria cíclica na região anódica de potenciais, relativa ao desprendimento de oxigênio. Estas voltametrias cíclicas foram feitas em um Potenciostato-Galvanostato EG&G PARC modelo 273 acoplado a um microcomputador PC 386 controlado pelo "software" M270 da EG&G PARC em meio de NaOH 0,5 M. Utilizou-se um eletrodo de referência de Hg/HgO (NaOH 0,5 M) e como eletrodo auxiliar uma placa de Ni de 2 cm2 de área geométrica. As varreduras de potenciais foram feitas entre 0,0 e 0,65 V a 50 mV s-1.

A topologia superficial dos eletrodepósitos e óxidos mistos foi analisada por micrografias obtidas com um microscópio eletrônico de varredura Zeiss modelo DSM 960.

A composição química das ligas metálicas obtidas e de seus respectivos óxidos foi obtida por difração de raios-X de energia dispersa, executada em um equipamento EDX Microanalyzer Link Analytical modelo QX 2000.

As estruturas cristalográficas obtidas pela eletrodeposição das ligas de Ni-Co e de seus óxidos originados no processo de tratamento térmico, sobre um substrato de Cu, foram analisadas por difração de raios-X em um aparelho Rigaku Rotaflex modelo RU 200B usando radiação CuKa.

As células foram imersas em um banho com temperatura controlada por um banho- maria Tecnal modelo COEL. A aplicação da corrente foi feita por uma fonte estabilizada construída no próprio Grupo.

Os eletrodos utilizados foram os de Ni fosco e Ni-Co (com e sem tratamento térmico) obtidos com várias concentrações de Co no banho de eletrodeposição. Estas concentrações foram de 50, 100, 150 e 200 g L-1. A temperatura utilizada foi de 70ºC, sendo aplicada uma corrente anódica constante de 135 mA cm-2 em NaOH 0,5M.

Utilizaram-se, nestas operações, eletrodos de referência de Hg/HgO e eletrodos auxiliares de níquel.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

1) Análise Superficial por EDX

Para verificar a composição química relativa das ligas Ni-Co, foram feitas análises por difração de raios-X de energia dispersa nos eletrodepósitos sem tratamento térmico. Os resultados obtidos para as ligas eletrodepositadas com diferentes concentrações de Co no banho de deposição são apresentados na figura 1.





Conforme se pode observar a deposição da liga Ni-Co apresenta um caráter anômalo, em relação ao Co, para a densidade de corrente utilizada neste trabalho, em concordância com trabalhos anteriores13. Segundo Brener14o caráter anômalo se define, na área da eletrodeposição de ligas metálicas, como a deposição preferencial do componente menos nobre da liga. Assim, observa-se que, apesar do Co estar presente em quantidades menores nos banhos (de 50 até 200 g L-1 em relação às 375 g L-1 de Ni2+), nos eletrodepósitos ele sempre está em quantidades maiores que as de Ni.

A quantidade relativa de Co no eletrodepósito é proporcional à sua quantidade no banho, o que permite prever a composição da liga após a deposição. Assim, o eletrodepósito obtido a partir do banho contendo 100 g L-1 de Co2+ apresenta uma composição proporcional de Ni:Co de 1:2, condição desejável para a obtenção do óxido espinélio NiCo2O4 , conforme se pode inferir pela altura relativa dos picos correspondentes apresentados na figura 1B.

Um fenômeno interessante ocorre após o tratamento térmico das amostras. Como mostrado na figura 2, para o eletrodepósito de Ni-Co obtido do banho com 50 g L-1 do sal de cobalto submetido ao tratamento térmico a 400ºC durante 10 horas, a análise química da superfície mostrou um grande aumento da quantidade de Co. Resultados similares foram obtidos para todos os outros eletrodepósitos após o tratamento térmico. Aparentemente, a transformação ocorrida durante o tratamento térmico favorece a difusão dos átomos de Co para a superfície da liga. Este fenômeno deve ser investigado com mais profundidade, porém é um resultado comum a outros pesquisadores deste laboratório que trabalham com ligas Ni-Co submetidas a tratamento térmico.


2) Análise Superficial por Difração de Raios-X

Depósitos de Ni-Co apresentam geralmente um caráter amorfo, caracterizado pela ausência de picos nos difratogramas de raios-X15. Entretanto, os óxidos mistos de Ni-Co com atividade catalítica para a produção de oxigênio por eletrólise apresentam caráter cristalino, com um difratograma de raios-X bem definido16. A figura 3 apresenta exemplos de difratogramas de raios-X para os eletrodepósitos obtidos dos banhos com (A) 50 e (B) 150 g L-1 de CoSO4 sobre Cu, sem tratamento térmico.



Apesar de algumas diferenças nas linhas de base, devidas principalmente à ampliação de cinco vezes na escala da figura 3(B), todos os picos agudos observados nestes difratogramas podem ser identificados como relativos ao substrato de Cu15. Assim, a ausência de picos agudos referentes à liga nestes difratogramas aponta o seu caráter não cristalino.

Uma conseqüência do tratamento térmico é a cristalinização das amostras. Assim, a figura 4 mostra os difratogramas das ligas Ni-Co tratadas termicamente para depósitos obtidos de soluções contendo: (A) 50, (B) 100, (C) 150 e (D) 200 g L-1 de CoSO4.




Em contraste com os difratogramas anteriores, observa-se um número bastante significativo de picos agudos bem definidos. Segundo as normas do Powder Diffraction Files16, estão presentes picos relativos a Ni, Co e Cu, além de seus óxidos. Segundo esta referência, pode-se identificar os picos mostrados em 2θ igual a 35,3, 36,6, 38,5, 44,12 e 61,5 nos difratogramas da figura 4(C) e 4(D) como sendo associados ao óxido misto de estrutura do tipo espinélio. A maioria destes picos pode ser observada no difratograma da figura 4(C). Assim, aparentemente a concentração de 150 g L-1 de CoSO4 no banho favorece a formação do óxido tipo espinélio.

Desta forma, considerando-se os resultados obtidos por difração de raios-X, foi possível transformar as ligas amorfas de Ni-Co em óxidos cristalinos, inclusive aqueles do tipo espinélio. Entretanto, nos difratogramas das figuras 4(C) e (D) também se observam picos relativos a Ni e Co e a outras formas de óxidos destes metais. Assim, conclui-se que a transformação não foi total.

3) Análise Topológica da Superfície

As transformações ocorridas na superfície durante o processo de oxidação da liga, promovidas pelo tratamento térmico, causam uma variação muito grande no seu aspecto topológico. Assim, utilizou-se a microscopia eletrônica de varredura (MEV), com ampliação de 1000 vezes, para se obter micrografias da superfície e comparar a estrutura topológica superficial dos eletrodepósitos antes e após o tratamento térmico. Os resultados obtidos estão apresentados na figura 5.





As superfícies não oxidadas apresentam aspectos típicos de ligas Ni-Co. Com baixo teor de Co, forma-se estruturas globulares como aquelas apresentadas na figura 5(A) e já identificadas para ligas Ni-Co17. Estas estruturas são extremamente semelhantes àquelas obtidas por Conway et al. na eletrodeposição da liga Ni-Mo-Cd18, onde o conteúdo de níquel também é majoritário. Já as superfícies com alto teor de Co apresentam um aspecto fibrilar, característico de eletrodeposições de Co19, conforme apresentado na figura 5(B).

Após o tratamento térmico, as ligas perdem completamente qualquer geometria superficial. O aspecto torna-se bastante irregular, característico de óxidos metálicos.

4) Caracterização por Voltametria Cíclica

Para se caracterizar eletroquimicamente a superfície das ligas Ni-Co obtidas, foram feitos experimentos de voltametria cíclica, na região anódica de potenciais correspondente à transformação20:

(1)

(2)

Sobre Ni liso, nesta região de potenciais, deve-se observar um pico anódico e um catódico correspondentes à reação (1) e uma curva ascendente relativa à reação (2). Este perfil característico é alterado pela presença do Co, que não forma o par redox equivalente àquele mostrado na reação (1).

Os voltamogramas cíclicos de estado estacionário (após 90 ciclos) a 50 mV s-1, em meio de NaOH 0,5 M, equivalentes à varredura de potenciais sobre Ni fosco (A) e eletrodepósitos de Ni-Co sem tratamento térmico, obtidos de banhos com: (B) 50, (C) 100, (D) 150 e (E) 200 g L-1 de CoSO4 em solução, são apresentados na figura 6.


Observa-se que os picos voltamétricos relativos à reação (1) são muito bem definidos para a curva do Ni fosco e que a presença do Co na liga promove um deslocamento para valores menos anódicos dos potenciais de pico relativos ao par redox, porém inibe esta reação pela diminuição das correntes de pico a ela associadas. A presença de Co na superfície do eletrodo inibe também o início da reação de desprendimento de oxigênio, levando o potencial inicial desta reação para valores mais anódicos. Esta é uma primeira evidência sugerindo que as ligas Ni-Co formam óxidos superficiais cuja espessura da camada cresce significativamente com o aumento da polarização anódica.

Experimentos voltamétricos equivalentes foram conduzidos sobre as superfícies analisadas na figura 6, após submetê-las ao tratamento térmico. Os resultados estão apresentados na figura 7.


Nesta figura observa-se claramente o papel da estabilização do grau de oxidação superficial causado pela formação da camada de óxido químico (obtido pela reação química entre a superfície das ligas e o oxigênio do ar, durante o tratamento térmico). Apesar dos picos voltamétricos relacionados com a equação (1) não serem bem definidos, as correntes de pico observadas são praticamente constantes durante o processo de ciclização (90 ciclos) e independentes da quantidade de Co nos depósitos. Apenas a curva (A), com ligas obtidas a partir de soluções contendo 50 g L-1, apresentou correntes ligeiramente maiores que as outras. Isto pode ser associado com o maior conteúdo de Ni nestas superfícies.

Um aspecto interessante a ser discutido nestes voltamogramas é a região de início do aumento de corrente associado à evolução de oxigênio (reação (2)). Aparentemente, a atividade catalítica dos eletrodepósitos está associada tanto com o potencial de início da evolução de oxigênio como com a inclinação da parte ascendente da curva, na região de potenciais relativa ao desprendimento de oxigênio. Quanto mais inclinada for a curva ascendente, maior atividade catalítica a superfície deverá apresentar. Apesar de ser difícil esta comparação, pois os voltamogramas não exploraram de maneira adequada a região de evolução de oxigênio, a curva relativa ao depósito obtido com 50 g L-1 de CoSO4 em solução sugere que este é o mais ativo. Neste caso, o potencial relativo ao início da reação de desprendimento de oxigênio é ainda menos anódico que aquele observado para Ni liso na figura 6. Obviamente esta conclusão deverá ser confirmada por resultados de operação contínua, com os eletrodos polarizados nesta região de potenciais por longos períodos de tempo. Isto será discutido em detalhes no próximo item.

5) Desempenho dos Eletrodepósitos em Operações de Longa Duração

Para se avaliar a possibilidade de utilização de recobrimentos catalíticos na produção de oxigênio por eletrólise da água, é necessário, como primeiro passo, colocar em operação uma célula eletroquímica em micro-escala, sob condições próximas daquelas que serão utilizadas na indústria. Assim, os eletrodepósitos de Ni-Co obtidos foram testados em operações de mais de 200 horas, eletrolisando água a partir de uma solução de NaOH 0,5 M a 70ºC, operando com uma densidade de corrente anódica aplicada de 135 mA cm-2. Inicialmente, este experimento foi executado com as ligas obtidas sem tratamento térmico. As curvas de potencial vs. tempo estão apresentadas na figura 8.


Como se pode observar, nestas condições as superfícies eletródicas não apresentam uma atividade catalítica estável. Os valores de potencial sobem continuamente durante toda a operação, terminando, após 200 horas, em torno de 2,2 V. Este comportamento pode ser explicado assumindo que a oxidação eletroquímica obtida pela polarização anódica gera uma camada de óxido, principalmente de Co como evidenciado nas análises de EDX apresentadas na figura 2, que aumenta de espessura com o tempo. Como esta camada é menos ativa que os metais de base, o resultado observado é a perda da atividade catalítica, representada pelo aumento do potencial da reação.

O problema de se encontrar uma superfície catalítica parece estar então relacionado ao desenvolvimento de uma camada de óxido estável, ou seja, que não aumente de espessura com o tempo de polarização.

A figura 9 apresenta os resultados da operação de longa duração, em condições análogas àquelas utilizadas na figura 8, para os eletrodepósitos após tratamento térmico. Como comparação foi incluída a curva do Ni fosco.


Pode-se observar uma mudança bastante acentuada no comportamento das curvas em relação àquelas apresentadas na figura 8. Apesar dos valores iniciais de potenciais das curvas mostradas na figura 9 serem muito próximos aos da figura 8, os óxidos mistos de Ni-Co obtidos mantêm por muito tempo valores praticamente estáveis de potenciais. Para os depósitos obtidos de soluções com 100 e 200 g L-1 de CoSO4, observou-se uma desativação das superfícies, após 150 horas, com o potencial estabilizando-se novamente em 1,5 V, cerca de 400 mV menor que aquele observado para Ni fosco. Como recobrimentos com Ni fosco são usados em eletrolisadores comerciais, já se observa uma melhora no desempenho dos óxidos desenvolvidos aqui. Como discutido anteriormente, os óxidos obtidos com 150 e 200 g L-1 de CoSO4 foram aqueles cuja estrutura NiCoO4 espinélio pôde ser identificada por difração de raios-X.

Entretanto, desempenho ainda melhor foi obtido com o eletrodo de Ni-Co obtido de banhos com 50 g L-1 de CoSO4. Para estes, os potenciais medidos ficaram abaixo de 1,0 V, conforme observado na figura 9, curva B. Neste caso, não foi detectado nenhum pico de difração de raios-X relativos aos óxidos com estrutura tipo espinélio.

A relativa estabilidade dos potenciais nestas curvas parece indicar que a camada de óxido químico gerada é estável e não aumenta de espessura durante a operação.

A atividade catalítica de superfícies compostas por óxidos mistos foi discutida por Tseung e Jasem21, com base no potencial padrão do par óxido inferior/óxido superior dos metais em estudo, em conjunto com propriedades físicas como resistividade elétrica, microestruturas, resistência à corrosão, etc. Os autores analisaram diversos óxidos, concluindo que o óxido NiCo2O4 é de grande interesse. Eletrodos do tipo "Teflon bonded" deste material forneceu 13.000 A m-2 a 1,63 V vs eletrodo dinâmico de hidrogênio a 70ºC em KOH 5 N. Em um trabalho posterior, Tseung e Rasiyah22 discutiram o papel do par óxido inferior/óxido superior na reação de desprendimento de oxigênio. Estudos mecanísticos mostraram que existe duas possibilidades para a rdo ocorrer. No primeiro caso ocorre um aumento no estado de oxidação catiônica da superfície, em potenciais menos anódicos do que a rdo. Este processo gera intermediários quimissorvidos. Neste caso a rdo ocorre em sobrepotenciais menores, muito próximos àqueles do par redox óxido inferior/óxido superior. Os óxidos de Ni e Co se enquadram neste grupo. No outro caso, a reação ocorre em potenciais próximos ao do par OH-/HO2-, ou seja 1,77 V. Neste grupo estão os óxidos de configuração eletrônica estável como o PbO2 ou o PtO2. Aqui a reação ocorre através de intermediários absorvidos fisicamente.

Desta forma, o papel do potencial redox do par óxido inferior/óxido superior para os óxidos mistos de NiCo2O4 obtidos aqui pode ser fundamental para a atividade catalítica dos eletrodos. A transformação de óxido inferior para óxido superior deve ocorrer durante a operação contínua e pode determinar a variação do potencial dos óxidos em estudo. Assim, estudos cinéticos da rdo sobre estas superfícies devem ser feitos em trabalhos futuros para definir o mecanismo destas reações e o papel do substrato nas respectivas atividades catalíticas.

CONCLUSÕES

As análises de difração de raios-X para eletrodepósitos de Ni-Co mostraram que a estrutura tipo espinélio foi alcançada em alguns casos. Entretanto, surpreendentemente, esta estrutura não foi a que apresentou o melhor desempenho frente à RDO. Isto pode ser associado ao fato de que a formação do óxido tipo espinélio não foi completa, deixando na superfície regiões de óxidos de Ni e Co que, crescendo, desativaram os eletrodos. Estas fases de óxidos de Ni e Co também puderam ser identificadas por difração de raios-X.

Um óxido cristalino misto de Ni-Co, cujo difratograma não apresentou picos relacionados com a forma espinélio foi o mais ativo. Este óxido foi obtido a partir de banhos contendo 50 g L-1 de CoSO4.

O maior problema com a utilização de substratos metálicos para a RDO é que, sob intensa polarização anódica, a liga metálica gera uma camada de óxido cuja espessura aumenta continuamente com o tempo de operação. Este aumento de espessura produz uma queda ôhmica cada vez maior, o que vai desativando a superfície. Assim, uma superfície ativa deve ser composta por um óxido estável que não apresente variação de espessura durante a operação. Isto aparentemente foi conseguido no óxido gerado a partir da liga obtida do banho com 50g L-1 de CoSO4.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP (Proc. No. 95/4212-2) e ao CNPq pelos auxílios recebidos.

Recebido em 27/11/96; aceito em 14/4/97

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 1997

Histórico

  • Aceito
    14 Abr 1997
  • Recebido
    27 Nov 1996
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