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A nova química do estanho

The new chemistry of tin

Resumo

The organometallic chemistry of tin has experienced a phenomenal growth in the last decades. From virtually no important research or applications 50 years ago it has blossomed into a vigorous branch of the chemical sciences. This article aims at reviewing its characteristics and the reasons for this growth, concentrating on the current trends and the latest research in the area.

organotin chemistry; tin organometallics; main group chemistry


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A NOVA QUÍMICA DO ESTANHO ** Conferência proferida na 20ª Reunião Anual da SBQ - Poços de Caldas - MG - maio/97

Carlos A. L. Filgueiras#* Conferência proferida na 20ª Reunião Anual da SBQ - Poços de Caldas - MG - maio/97

Departamento de Química - UFMG - 31.270-901 - Belo Horizonte - MG

Recebido em 7/7/97

THE NEW CHEMISTRY OF TIN. The organometallic chemistry of tin has experienced a phenomenal growth in the last decades. From virtually no important research or applications 50 years ago it has blossomed into a vigorous branch of the chemical sciences. This article aims at reviewing its characteristics and the reasons for this growth, concentrating on the current trends and the latest research in the area.

Keywords: organotin chemistry; tin organometallics; main group chemistry.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A teoria de Coordenação de Werner, surgida ao final do século passado, teve um êxito enorme ao sistematizar, explicar e prever um grande número de fenômenos químicos, originando uma nova vertente na Química Inorgânica1. A importância dos trabalhos de Werner foi reconhecida pela concessão a seu autor do Prêmio Nobel de Química em 1913. Após Werner, todavia, a Química Inorgânica só veio a ter um novo florescimento de grande magnitude a partir da segunda guerra mundial. Isso pode ser percebido pelo fato de que a concessão seguinte de um Prêmio Nobel em Química Inorgânica só ocorreu em 1973, a Wilkinson e Fischer, por seu trabalho pioneiro em Organometálicos, particularmente na Química dos Metalocenos2.

Esta última premiação e outras que se seguiram retratam o extraordinário desenvolvimento da nova Química de Coordenação e de Organometálicos ocorrida nos últimos cinqüenta anos. Os novos paradigmas teóricos calcados na Mecânica Quântica, e um vigoroso trabalho experimental, impulsionado por inúmeros métodos novos de investigação, assim como uma miríade de aplicações práticas, promoveram um salto espetacular no desenvolvimento da Química Inorgânica e num número expressivo de áreas de pesquisa afins, como Ciência de Materiais, Catálise, Química Bioinorgânica, Química Medicinal, Polímeros, etc. Todo esse progresso permitiu uma extensa racionalização da Química dos compostos inorgânicos e a preparação de milhares de substâncias sintéticas, sobretudo compostos de metais de transição. O êxito foi tão fenomenal que a Química dos metais representativos passou, numa primeira etapa, para um plano bastante secundário, apesar das crescentes aplicações práticas de compostos desses elementos.

Nas últimas décadas, contudo, assistiu-se a um renascimento dessa Química, e hoje a Química de Coordenação e de Organometálicos abrange com grande ênfase todos os metais da classificação periódica.

É auspicioso poder escrever este trabalho quando a Sociedade Brasileira de Química completa vinte anos. Foi aproximadamente à época da fundação da SBQ que comecei a interessar-me mais de perto pela Química dos Organometálicos do Estanho, ramo científico então ainda era sua juventude.

O ESTANHO E SUA QUÍMICA

A família 14 da classificação periódica é de importância sem par: três de seus membros, o carbono, o estanho e o chumbo, são conhecidos da humanidade desde a antigüidade mais remota em sua forma elementar. O estanho em particular, teve papel fundamental, juntamente com o cobre, na transição do neolítico à idade do bronze e no desenvolvimento civilizatório que se seguiu. O estanho também esteve presente sob a forma de compostos inorgânicos, nas tecnologias mais antigas. O óxido de estanho (IV), SnO2, tem sido usado há milênios como opacificador em cerâmicas e em esmaltes vítreos. A figura 1 mostra um exemplo dessa tecnologia, que até hoje ainda se usa.


Outros compostos inorgânicos de estanho têm tido uso prolongado, como, por exemplo, vários pigmentos. Um desses, de grande importância, é o azul cerúleo, nome tradicional do estanato de cobalto(II), CoSnO3, mostrado na figura 2. Naturalmente, a fonte de cor do pigmento se deve às transições eletrônicas do íon de cobalto, que é estabilizado pelo contra-íon estanato


Outra aplicação interessante do SnO2, é o recobrimento de vidro com películas finas do óxido. Essas películas podem ser obtidas pela pirólise de SnCl4 ou de um cloreto organoestânico passando em contato com a superfície do vidro, em contra-corrente com ar aquecido. A espessura do filme produzido pode ser controlada e vai determinar as características finais do material. Películas com até 100 nm de espessura tornam o vidro mais resistente a choques mecânicos e são usadas em copos e pratos de vidro de uso freqüente como em restaurantes e cafeterias. Entre 100 e 1000 nm de espessura, efeitos de interferência luminosa nas películas produzem um aspecto iridescente, já que aí está a faixa visível do espectro. Acima de 1000 nm, a película é transparente, mas pode conduzir a corrente elétrica, sobretudo associada a óxido de índio. O vidro tratado dessa maneira tem inúmeras aplicações, entre as quais as janelas anti-congelantes de aviões e as telas eletroluminescentes, como em monitores de computadores3.

Muitas outras aplicações existem para compostos inorgânicos de estanho. Um deles é o SnF2, largamente utilizado na fluoretação dentária. Embora o mecanismo de ação do SnF2 na proteção contra as cáries e na supressão das placas dentárias ainda seja objeto de controvérsia4, sua ação protetora é plenamente aceita. Um dos maiores problemas associados ao uso de SnF2 em formulações dentárias é a instabilidade de suas soluções aquosas, já que o íon Sn(II) pode oxidar-se facilmente a Sn(IV). No entanto, o encapsulamento do SnF2 sob a forma de compostos de inclusão parece resolver em grande parte este problema. Nesse sentido, os compostos de inclusão de SnF2 com b-ciclodextrina parecem bastante promissores5.

Os compostos organometálicos de estanho são de uso bem mais recente que os compostos Inorgânicos. No entanto, sua utilização tem tido um crescimento vertiginoso. A produção mundial de estanho no início da década de 90 foi de 160.000 toneladas. Deste total, 24.000 toneladas estavam presentes em compostos inorgânicos e orgânicos, e a massa total de compostos organometáicos já atingia 40.000 toneladas3. Considerando que em 1950 o uso de organoestânicos era praticamente zero, pode-se aquilatar o desenvolvimento da área.

O primeiro composto organoestânico produzido em laboratório foi o diiodeto de dietilestanho, obtido por Frankland em 1849, a partir de seu trabalho com compostos de etilzinco6,7.Este e outros compostos análogos passaram quase desapercebidos no início, e mais tarde constituíram meras curiosidades químicas8. Só um século após a descoberta original de Frankland foi que o aparecimento de aplicações industriais para os organometálicos de estanho veio a originar um esforço intenso de pesquisa nesse campo.

Essas aplicações são de natureza variada, mas derivam principalmente de duas características fundamentais dos organoestânicos. Em primeiro lugar, a grande afinidade do estanho por um doador de Lewis tal como um átomo de oxigênio, nitrogênio, fósforo ou enxofre. Em segundo, as propriedades biocidas dos organoestânicos contra bactérias, fungos, insetos, moluscos e pequenos animais9. Os estudos de aplicações biológicas de compostos organoestânicos têm, contudo, sofrido uma mudança radical nos últimos anos, tendendo a concentrar-se mais na possível ação terapêutica dessas substâncias, como se verá adiante.

A mais importante aplicação comercial dos organoestânicos ocorre nos estabilizadores de PVC, de que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais9. O PVC pode sofrer reações de degradação térmica ou fotodegradação. Os processos degradativos envolvem desidrocloração ou autooxidação. O primeiro caso leva à eliminação de HCl e o segundo à oxidação pelo O2, seguida de eliminação de H2O. Ambos os processos conduzem a espécies insaturadas, cujo grau de insaturação aumenta ao longo da molécula polimérica, em virtude de eliminações sucessivas. Esta é a chamada "reação de zíper", que provoca coloração e eventualmente o rompimento da cadeia de PVC, como se fosse a abertura de um zíper de roupa. A possibilidade de se complexar aos átomos de cloro torna compostos do tipo R2SnX2 importantes aditivos estabilizadores na formulação do PVC10, pois opõem-se à reação de zíper.

Um outro largo espectro de aplicações de organoestânicos, resultante de suas características biocidas, tem sido muito utilizado mas hoje está sendo visto sob uma óptica bem mais severa.

Apesar de o estanho ser um metal pesado, ele ocorre na natureza sobretudo na forma de SnO2, um composto insolúvel no pH fisiológico e, em conseqüência, praticamente não tóxico11. Se a degradação de organoestânicos levar rapidamente a SnO2, então o uso de pesticidas baseados nessas substâncias seria bem mais interessante que compostos de mercúrio ou vários compostos orgânicos tóxicos, por exemplo. Por muito tempo trabalhou-se com essa hipótese; ademais, a toxicidade do estanho requer doses bem diminutas nas aplicações mencionadas.

A proliferação do uso de organoestânicos, contudo, tem causado problemas ecológicos significativos nos últimos anos. Os mais importantes desses problemas estão relacionados ao uso generalizado desses compostos em cascos de embarcações. Dois tipos principais de películas protetoras têm sido utilizados nos últimos 20 anos para prevenir o crescimento de colônias de moluscos, por exemplo, nos cascos de navios. A primeira dessas películas consiste num copolímero de acrilato e metacrilato de tributilestanho, que sofre hidrólise pela água do mar, liberando lentamente a espécie tribultilestanho, especialmente tóxica contra animais marinhos. À medida que o barco navega, a liberação de camadas sucessivas do polímero torna a superfície "auto-polidora", garantindo sempre a liberação de mais material tóxico e mantendo o casco livre da aderência de animais, o que retardaria o deslocamento da embarcação, obrigando ao consumo de mais combustível. O segundo tipo de película usado nesta situação foi introduzido na década de 80 e consiste numa espécie triorganoestânica ancorada a um polissiloxano, formando uma estrutura tridimensional rígida, mais resistente que aquela do tipo anterior3.

No entanto, a concentração desordenada de compostos tóxicos triorganoestânicos em particular, em locais onde o tráfego marítimo é grande, tem levado a sérios problemas ambientais sobre a população de animais marinhos em geral12.

Muitas outras aplicações biológicas de compostos organoestânicos são largamente utilizadas, na área de preservação de madeira e papel, controle de fungos e bactérias, aplicações médicas, etc.

Como em qualquer outra área, o uso de compostos químicos pode ser importante e benéfico, desde que não seja indiscriminado e inconsequente13,14.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO ESTANHO E DE SEUS COMPOSTOS

O estanho é o 48º elemento em ordem de abundância na terra, ocorrendo na concentração média de 2.1 ppm. Sua principal fonte é o mineral cassiterita, SnO2, que pode ser facilmente reduzido pelo carvão, o que explica a antigüidade do conhecimento e uso do metal. Este é usado em várias aplicações, a principal delas sendo o estanhamento da folha de Flandres, usada em latas de conservas e bebidas. O estanhamento pode ser feito com o metal líquido ou por meio eletroquímico, e dá à folha de aço (mais barato que o estanho) um revestimento resistente à corrosão e não tóxico. As outras aplicações importantes do metal são principalmente as soldas (ligas contando Sn e Pb), os bronzes (com Sn e Cu), o "estanho" (pewter) para uso doméstico e decorativo (em geral com mais de 90% de estanho, além de outros metais), e outras ligas especiais15.

A tabela 1 apresenta várias propriedades químicas e físicas do estanho.

Muitos métodos físicos são rotineiramente usados no estudo de compostos organoestânicos. Entre estes estão a espectroscopia Mössbauer de 119Sn, a ressonância magnética nuclear de 119Sn, 1H e 13C, a difração de raios X, a espectroscopia no infravermelho, a espectrometria de massas e os métodos termogravimétricos. Dois desses méodos físicos serão destacados a seguir, em razão de sua importância e talvez menor familiaridade em geral.

A ESPECTROSCOPIA MÖSSBAUER DE 119SN

A espectroscopia Mössbauer, ou espectroscopia ressonante nuclear, consiste na excitação de um núcleo do estudo fundamental a um estado excitado, pela energia de um fóton g emitido por uma fonte radioativa daquele núcleo. Movendo-se a fonte com relação à amostra, a energia do fóton g, por efeito Doppler, poderá atingir o valor necessário quanticamente para promover a absorção no núcleo da amostra. Por isso os resultados são dados em intensidade versus velocidade (em mms-1).Dos núcleos que apresentam efeito Mössbauer, o 119Sn é dos mais notáveis18. Os dois parâmetros mais importantes na espectroscopia Mössbauer são o desvio isomérico, d, e o desdobramento quadrupolar, D. Os valores de d caem na baixa de 0 a 4.0 mms-1 em relação a SnO2, tomado como valor 0, e dependem da densidade eletrônica s no núcleo de estanho. Assim, um valor de d > 0 significa um aumento na densidade eletrônica s em relação à referência. Valores de d variando de 0 a @ 2.0 mms-1 estão relacionados a espécies de Sn (IV), ao passo que valores de d maiores que 2.0 mms-1 correspondem a Sn (II). A polaridade da ligação Sn-ligante será inversamente dependente do caráter s da ligação; em conseqüência, d também depende inversamente da eletronegatividade dos ligantes. Já o desdobramento quadrupolar, D, está relacionado à assimetria na distribuição eletrônica no átomo de Sn. Uma espécie de distribuição eletrônica esférica, como SnCl4, tem D= 0. O aparecimento de um quadrupolo nuclear, que pode ser causado por uma inequivalência nos elétrons 5p do Sn, isto é, pelos arranjos espaciais dos grupos ligados ao Sn, gera um desdobramento D¹019. Assim sendo, a formação de um aduto do tipo [SnCl4L], por exemplo, faz aparecer um desdobramento quadrupolar, que será devido à remoção da distribuição eletrônica perfeitamente esférica do SnCl4. Vários exemplos de aplicações de espectroscopia Mössbauer a compostos de estanho serão vistos no decorrer deste artigo.

A ESPECTROSCOPIA DE RMN DE 119SN

O estanho é o elemento com o maior número de isótopos naturais, dez ao todo (Tabela 1). Desses isótopos, três apresentam spin nuclear igual a 1/2, 115Sn, 117Sn e 119Sn. Suas abundâncias relativas, dadas na tabela 1, mostram que o 115Sn não é importante espectroscopicamente, e que, dos outros dois, o 119Sn, que é o mais abundante (8.58%), é também o mais interessante para estudos de RMN. O sinal observado em RMN de 119Sn é geralmente simples, não apresenta efeitos de solvente a não ser que este se coordene ao estanho, e os deslocamentos químicos são grandes. Pequenas variações na densidade eletrônica em torno do Sn podem provocar grandes variações no deslocamento químico. Um aumento no número de coordenação do estanho ou a presença de ligações Sn-Sn tendem a deslocar d para maiores valores absolutos20. Os deslocamentos químicos são medidos usando-se Me4Sn como referência interna, para o qual d = 0. Também neste caso vários exemplos serão vistos ao longo deste artigo.

MÉTODOS GERAIS DE PREPARACÃO DE COMPOSTOS ORGANOESTÂNICOS E SUAS GEOMETRIAS

Pode-se mostrar de maneira bastante genérica a preparação de compostos organoestânicos por meio do esquema 1 mostrado abaixo21:

O esquema acima mostra como se pode preparar um número enorme de compostos organoestânicos a partir de SnCl4 e reagentes de Grignard. O SnCl4, por outro lado, é obtido da reação direta do metal com cloro gasoso. Por meio de procedimentos adequados, indicados de forma extremamente sucinta no esquema apresentado, podem-se obter os compostos-padrão que servirão de precursores à enorme diversidade de derivados conhecidos hoje.

Os compostos de coordenação de estanho se apresentam numa grande variedade de números de coordenação e de geometrias, desde a monocoordenação no SnO (isolado em matriz) até a octacoordenação do Sn(NO3)4 ou do Sn(OAc)422. A facilidade de expandir seu número de coordenação é uma característica notável do estanho. No caso de compostos organoestânicos, o número de coordenação varia de 2 a 7, como se verá adiante. As possibilidades estruturais desses compostos são muito variadas e existem boas revisões na literatura a esse respeito. Além das várias obras já citadas aqui anteriormente, são de particular interesse as referências 23 a 27, que mostram pormenorizadamente a riqueza estrutural presente na Química organometálica do estanho.

O número de estruturas conhecidas de compostos de estanho, tanto inorgânicos como organometálicos, já é bastante extenso e continua a crescer.

Desta maneira, estão disponíveis na literatura inúmeros dados precisos de distâncias de ligação Já os valores das energias de ligação são em menor número e os resultados tabelados podem variar em até 50 ou 100 kJ mol-1,dependendo da substância estudada e do método computacional utilizado. A tabela 2 mostra dados coletados em quatro fontes diferentes. Embora haja discrepâncias em valores individuais de energias de dissociação, deve-se atentar mais às tendências nas variações dessas energias, que apontam para uma certa coerência.

A QUÍMICA ORGANOESTÂNICA HOJE

Várias vertentes podem ser reconhecidas na Química dos Organoestânicos na atualidade, seja no que diz respeito a aspectos fundamentais como aplicados. Essas vertentes serão analisadas a seguir.

1. Estruturas, Reatividade e Mecanismos de Reação de Novos Compostos Organoestânicos

Muito ainda há por fazer para aumentar o conhecimento da Química do estanho, se comparada à de seus dois congêneres mais leves, o carbono e o silício. A preparação de compostos pouco comuns, seja em relação à geometria ou a coordenação. a catenação do estanho, a obtenção de compostos de estanho insaturados, são alguns dos itens encontrados com freqüencia na literatura recente. O uso crescente nos últimos anos de compostos organoestânicos como reagentes ou intermediários em sínteses orgânicas tem também contribuído bastante para esse desenvolvimento.

Grande interesse têm despertado recentemente os compostos pentacoordenados de Sn(IV) em virtude de seu papel em reações de substituição nucleofílica e pelo interesse no tipo e natureza de ligações exibidas por essas espécies. No caso de substância desse tipo que constituem adutos entre um composto tetracoordenado de estanho e um ligante neutro, os exemplos são raros na literatura. Um desses exemplos, é o do aduto obtido pela reação de Ph2SnCl2, e o dissulfóxido 2-fenil-1,3-ditianotrans-1, trans-3-dióxido, cuja estrutura é mostrada na figura 328.


A figura 3 mostra que o dissulfóxido só se complexa por uma das funções SO, fomando um aduto de estanho pentacoordenado, de geometria bipiramidal trigonal (BPT).

Um composto de estrutura semelhante, constituindo, porém, um complexo aniônico, é o triclorodifenilestanato(IV) de tetraetilamônio, [Et4N][SnPh2Cl3], mostrado na figura 429.


Bem mais comum é a pseudo-pentacoordenação, muito observada em adutos 1:1 de di-haletos de diorganoestanho(IV), em que o produto é dimérico ou polimérico, com monômeros (originalmente pentacoordenados) que se ligam por meio de pontes de halogênio, resultando em átomos de estanho hexacoordenados, como mostra a figura 530.


Este caso de coordenação "expandida" no estado sólido pode também ser visto num outro composto descrito recentemente, o [MePhSn(dmit)], em que dmit é o ligante dianiônico 1,3-ditiol-2-tiona-4,5-ditiolato. O monômero é tetraédrico, como mostra a figura 6, mas sua cela unitária evidencia a presença de associação intermolecular, em que as moléculas se unem principalmente por ligações Sn-S(tiona), dando a cada unidade de Sn uma geometria BPT distorcida31.


A acidez de Lewis do estanho em seus compostos organometálico mostra grande sensibilidade aos substituintes presentes. Assim, a menor acidez de MeSnCI2, comparada a MeSnCl3 influencia notavelmente a formação de complexo dessas espécies. Nos adutos formados entre MeSnCl3 e ImSOMe e PySOPr, onde os ligantes são, respectivamente, 1-metil-2-(metilsulfinil)imidazol e 2-(n-propilsulfinil)piridina, os ligantes se comportam de forma bidentada, ligando-se ao estanho pelos átomos de N e O, como mostra a figura 732.Já o adulo Me2SnCl2.ImSOMe é pentacoordenado e o ligante apresenta-se monodentado, como também pode ser visto na fïgura 732.


É interessante, porém, ressaltar que neste último complexo a distância Sn-O = 2.75 Å, bem maior que a distância de uma ligação covalente. Nos dois casos anteriores, as distâncias Sn-0 são, respectivamente, 2.262(2) e 2.191(4) Å. No entanto, a distância Sn-O no composto pentacoordenado é também menor que a soma dos raios de van der Waals dos dois átomos envolvidos (3.7 Å). Este dado, mais o ângulo Me-Sn-Me muito expandido (de 120º para 154.5º), sugerem o tipo de contato descrito como interação por transferência de carga ou ligação secundária32.

A complexação de um ligante com o estanho é bastante sensível a pequenas variações na acidez do metal, como se acabou de exemplificar. Outro caso interessante é dado pelos dissulfóxidos do tipo RSO(CH2)2SOR. Ligantes deste tipo podem complexar-se em ponte, formando um derivado 1:2 com Ph3SnCl, em que a molécula discreta apresenta dois átomos de Sn pentacoordenados33, ou cadeias poliméricas infinitas com Me2SnCl2, em que todos os átomos de Sn são hexacoordenados34,35. A figura 8 mostra um exemplo do primeiro tipo e dois do segundo33-35.


Um outro tipo bastante interessante de composto organodiestânico é dado pelos ácidos bidentados de Lewis do tipo bis(halodifenilestanil)alcano, como Ph2FSn(CH2)nSnFPh 2, onde n = 1, 2 ou 3. Estes diácidos podem complexar-se a uma base, como um íon haleto, originando um complexo aniônico com um anel de tamanho variável no centro, e o átomo de Sn ocupando o centro de uma BPT distorcida. A figura 9 mostra a estrutura do complexo em que n = 1 e a base é F-, obtida na forma do sal de tetraetilamônio36.


O diácido precursor do complexo mostrado na figura 9 não é solúvel em solventes usuais para permitir a obtenção de seu espectro de RMN. Todavia, a adição de uma quantidade equimolar de um sal do tipo R4NF permite a dissolução do produto em CH2Cl2. O espectro de RMN de 119Sn dessa solução, obtido a -100ºC consiste num dupleto de dupleto de dupleto, em -184.8 d, acompanhado dos satélites de 117Sn. O espectro correspondente de RMN de 19F apresenta um dupleto e um tripleto de intensidades relativas 2:1, a -172.1 e -97.4 d, respectivamente. Estes dados estão de acordo com a formação do complexo [(Ph2FSn)2CH2F] -. Experimentos de RMN em temperatura variável mostram que o complexo é lábil em solução acima de -100ºC. A -30ºC torna-se difícil estimar o acoplamento (F-F), embora o acoplamento (Sn-F) seja ainda visível. Uma maior temperatura aumenta ainda mais a coalescência dos picos. Uma situação semelhante évista nos espectros de RMN de 119Sn, mostrados na figura 1036.


Os dados dos espectros de RMN sugerem uma troca intramolecular do átomo de flúor, que se torna mais importante à medida que se eleva a temperatura, como mostrado no esquema da figura 1136.


Complexos monoméricos de organoestanho(II) são relativamente raros. A classe mais importante desses complexos é a dos derivados de ciclopentadienila. Quase todos os compostos de tipo Sn(h5-C5R5)2 apresentam uma estrutura de sanduíche angular, em decorrência do par de elétrons estereoativos no átomo de Sn37. Esses compostos são em geral bastante reativos, pela possibilidade de coordenação adicional do estanho. O único desses estanocenos que não é angular, mas apresenta os anéis ciclopentadienila paralelos e alternados é o bis(pentafenilciclopentadienil)estanho, mostrado na figura 1238.


A extraordinária reatividade dos complexos ciclopentadienílicos de estanho levou à preparação e ao estudo de estanocenos encapsulados, a fim de verificar as conseqüências do encapsulamento sobre a reatividade dos compostos. Recentemente foram preparados dois metalocenos desse tipo, o [(i-C3H7)4C5 H]2Sn ou [(cp4i)2Sn] e o [(i-C3H7)3C5 H2]2Sn ou [(cp3i)2Sn], obtidos como um sólido de p.f. = 162-163ºC e um óleo sensível ao ar, de p.f. @ -18ºC, respectivamente39. A enorme diferença entre os pontos de fusão dos dois compostos parece estar ligada à maior liberdade de movimento dos grupos isopropila no ligante [cp3i]- comparado ao ligante [cp4i]-. Ademais, a estabilidade ao ar dos dois estanocenos é dramaticamente diferente. O sólido [cp4i]2Sn pode ser armazenado por várias semanas ao ar sem qualquer decomposição perceptível, e suas soluções em benzeno, expostas ao ar, não começam a sofrer alteração senão em 2-4h, verificada por monitoramento com 1H RMN. Mesmo após 24h, mais de 90% do metaloceno pode ser recuperado. Em contraste, o [cp3i]2Sn começa a decompor-se minutos depois de ser exposto ao ar. A figura 13 mostra a estrutura do sólido [cp4i]2Sn. É interessante chamar a atenção para os ângulos [centro do anel(1)-Sn-centro do anel(2)] (165.0°), ou [normal ao anel(1)-Sn-normal ao anel(2)] (152.2°). Ambos os ângulos são os maiores conhecidos para um estanoceno angular, já que o único valor maior, para ambos os ângulos, é de 180º, no caso de composto linear (Ph5C5)2Sn descrito anteriormente. A figura 13 mostra a estrutura do complexo [cp4i]2Sn39.


Em marcante contraste com o carbono, para o qual as ligações insaturadas são corriqueiras, os elementos mais pesados da família 14 da classificação periódica não exibem o fenômeno da insaturação com tanta facilidade. No entanto, nos últimos anos têm surgido evidências para a existência de compostos organoestânicos contendo ligações múltiplas, dos tipos Sn=C, Sn=N, Sn=P, Sn=Sn, etc., como mostrado nas formulações 1 a 5 a seguir40.

Além dos compostos diestanilados insaturados, foram também preparados em anos recentes várias substâncias cíclicas tensionadas, como o ciclotriestanano, (R2Sn)3, onde R = 2,6-dietilfenil41.

Ainda mais raros são os "dimetalalquenos assimétricos", do tipo >M=M'<, contendo dois elementos diferentes da família 14 mais pesados que o carbono. Recentemente foi produzido o primeiro composto contendo uma ligação dupla Sn=Ge, o dimesitil(diisitilestana)germeno, (Is)2Sn=Ge(Mes)2, em que isitil, Is = 2,4,6-triisopropilfenil, e mesitil, Mes = 2,4,6-trimetilfenil42.

O estanagermeno foi sintetizado de acordo com o esquema 2, por desidrofluoração do (fluoroestanil)germano (1) com t-BuLi em baixa temperatura. O espectro de RMN de 119Sn, obtido a -20ºC, mostrou um sinal em d + 360, atribuído ao estanagermeno. Este deslocamento químico está de acordo com a faixa de valores de outros derivados insaturados de estanho42. O estanagermeno é muito sensível ao ar e à umidade, mas pôde ser caracterizado pelas reações descritas sumariamente no esquema 242.

Mencionou-se anteriormente que a espectroscopia Mössbauer de 119Sn é uma ferramenta valiosa na Química do estanho. Por isso serão descritos aqui alguns exemplos de aplicações recentes dessa técnica, à guisa de ilustração.

O esquema 3 mostra as fórmulas estruturais de uma série de ligantes utilizados na preparação de adutos com os tetra-haletos de estanho SnX4 (X = Cl, Br, I), originando os 13 derivados mostrados na tabela 343.

A tabela 3 também mostra os parâmetros da espectroscopia Mössbauer dos compostos43. Os complexos contendo ligantes carbonilados são bidentados e N,O-ligados (como mostra a diminuição da freqüência da banda CO no I.V.) e, consequentemente, hexacoordenados. Todos os outros complexos são monodentados e N-ligados (vê-se claramente o aparecimento da banda Sn-N no I.V.). O parâmetro mais importante da espectroscopia Mössbauer neste caso foi o desvio isomérico, d.

Os valores de d dos complexos são sempre menores que aqueles dos tetra-haletos livres, em decorrência da expansão do número de coordenação do estanho na complexação (de quatro a cinco ou seis). Como se viu anteriormente, d é linearmente dependente do caráter s exibido pelo estanho em suas ligações. Nos tetra-haletos esse caráter é 25%, correspondendo a uma hibridação sp3. Com a complexação o caráter s do estanho passa para 20% (pentacoordenação, dsp3) ou 17% (hexacoordenação, (d2sp3). Essas variações são vistas claramente nos dados da tabela 3. Desta forma a espectroscopia Mössbauer auxilia na identificação precisa de duas categorias de adutos para cada tetra-haleto de estanho, cada categoria com seu número de coordenação.

O desvio isomérico também varia inversamente com as eletronegatividades dos ligantes. Isto pode ser visto ao locar em gráfico valores de d para SnX4 contra as eletronegatividades dos halogênios. Fazendo o mesmo para os adutos, obtêm-se também relações lineares inversas, como mostra a figura 1443.


As reações descritas pelas equações a seguir mostram o comportamento de pseudo-haleto do íon complexo [cpMo(CO)3]-, que é capaz de substituir o cloro num cloreto organoestânico:

Pelo esquema acima foi possível preparar complexos a partir de PhnSnCI4-n (n variando de 3 a 0), resultando nos compostos caracterizados como [Ph3Sn{Mocp(CO)3}], [Ph2Sn{Mocp(CO)3}2 ], [PhSn{Mocp(CO)3}3] e [CI3SnMocp(CO)3]2.THF 44. Os espectros Mössbauer desses compostos mostraram em cada complexo a existência de dois sítios distintos de Sn no estado sólido, o que sugere algum tipo de associação intermolecular, tão comum em compostos de estanho. Esta suposição é reforçada pela ausência de qualquer evidência de auto-associação em solução, como mostram os espectros de 1H RMN.

Locando-se num gráfico os valores dos desvios isoméricos dos quatro precursores PhnSnCl4-n contra a somatória das eletronegatividades de Pauling dos ligantes no estanho (por exemplo, no PhSnCl3, Sci = 3cCl+cPh, onde c é o símbolo de eletronegatividade), obtém-se uma reta, mostrada na figura 1544.


Na figura 15 ocorre uma aparente contradição na posição do composto Ph3SnCl, que se esperava ficar acima de todos, já que cPh < cCl (3.0 versus 3.16). No entanto, embora Ph3SnCl seja tetraédrico à temperatura ambiente, como seus outros congêneres, à temperatura de nitrogênio líquido, à qual são realizados os ensaios de Mössbauer, ele se auto-associa, formando polímeros BPT45. Esta é a razão da posição aparentemente anômala de Ph3SnCl no gráfico.

Levando ao gráfico os valores dos desvios isoméricos determinados para os complexos heterobimetálicos, obtêm-se dois conjuntos de equações lineares (um conjunto para cada sítio de estanho) que, resolvidas, dão os valores de 2.89 e 2.87 para a eletronegatividade do grupo [cpMo(CO)3] como um todo, ou o valor médio c[cpMo(CO)3]=2.88. Deste modo, a espectroscopia Mössbauer de 119Sn se presta também a estimar parâmetros fundamentais de grupos organometálicos, como a eletronegatividade.

Um campo bastante vigoroso e promissor de pesquisa na àrea de organoestânicos é o que diz respeito aos mecanismos de reação. Alguns exemplos serão discutidos a seguir.

Podem-se obter compostos da classe dos Z-1,2-bis(trimetilestanil)-1-alquenos pela adição de hexaalquildiestanho a alquinos terminais, catalisada por complexos de paládio (0)46-47. O método pode ser também estendido a alquinos não-terminais. Os Z-isômeros obtidos podem ser convertidos nos E-isômeros correspondentes por uma reação fotoquímica:

Os Z-1,2-bis(trimetilestanil)-1-alquenos são importantes não apenas na Química organoestânica mas também em sínteses orgânicas. Eles têm sido usados, por exemplo, em rearranjos de Wittig48-49, epoxidações com ácido metacloroperbenzóico50 e hidrogenação da ligação dupla51. Outro aspecto é a síntese de vinilestanhos não acessíveis por outros meios em conseqüência da troca estanho-lítio52.

Os vinilestanhos podem ser usados em reações de substituição eletrofílica, em razão da fraca energia de ligação C-Sn. Várias reações deste tipo podem ser efetuadas em presença de AlCl3 como catalisador. Um exemplo é a reação de vinilestanhos com 1,1-diclorometilmetil éter (DCME), a -78ºC para formar aldeídos a,b-insaturados52.

A reação resulta numa mistura de isômeros, logo envolve uma isomerização parcial da dupla ligação. Desta maneira, a seqüência de reações deve envolver adição e eliminação. Este mecanismo deve ser preferido porque o cátion formado na reação é estabilizado pelo grupo trialquilestanila. Os aldeídos a,b-insaturados obtidos na reação são bastante interessantes, já que o grupo estanila remanescente é muito reativo. Como exemplo, sua reação com um reagente de Grignard, seguida de hidrólise, gera um álcool alílico secundário:

Com SO2 e SO3 os vinilestanhos podem sofrer reação de inserção dos óxidos de enxofre nas ligações Sn-C52:

Menos estudada é a reatividade de espécies nucleofílicas de estanho, do tipo R3Sn-, onde R = alquila ou arila. Estas espécies nucleofílicas são bastante reativas, mas é possível produzi-las e manuseá-las convenientemente em atmosfera inerte53. Esses nucleófilos podem ser usados, por exemplo, na preparação de tetraorganoestananos assimétricos53:

Essas reações, que se passam rapidamente num meio pouco polar, sugerem que o mecanismo seja do tipo SN2:

Outro tipo de reação de espécies nucleofílicas de estanho é aquela que se dá com sulfetos. A reação se processa com sulfetos organoestânicos ou mistos (com um grupo orgânico e outro organoestânico)53:

As reações 3 e 4 poderiam também ser explicadas por um mecanismo bimolecular, seguido de um rearranjo simbiótico:

As reações 1 e 2 dão mais de um produto, sugerindo um caminho mais complexo. Essas reações mostram uma troca entre R3Sn- e o resíduo organoestânico ligado ao enxofre. A formação de (Ph3Sn)2S na reação 1 envolve o trímero cíclico (n-Bu2SnS)3, o qual dificilmente se poderia conceber como fonte de uma espécie eletrofílica. Uma comparação com as reações 3 e 4 mostra que nestas o sítio eletrofílico é o Sn, e não o S. Como conseqüência, as reações 1 e 2 devem envolver um outro tipo de mecanismo. Este poderia ser do tipo radicalar:

É claro que um mecanismo desta natureza também explicaria as reações 3 e 4.

A situação não está totalmente resolvida. Pode-se concluir que nas reações 3 e 4 qualquer um dos processos (SN2 ou radicalar), ou uma combinação deles, conduz ao mesmo resultado, ao passo que nas reações 1 e 2 é preciso supor a formação de radicais livres para explicar a obtenção dos produtos observados, como se vê no exemplo a seguir:

Um outro caso bastante interessante de mecanismo de reação envolvendo compostos organoestânicos diz respeito à reação de sequestração de ligastes contendo o grupo sulfinila de vários de seus adutos com espécies de Sn(IV)54. Esta seqüestração é efetuada por Pt(II) do complexo trans-[PtCl(m-CI)(PEt3)]2 e leva à formação de complexos de Pt(II) com os ligantes retirados do Sn(IV). A reação é observada com os complexos [Ph2SnCl2.(Pr(SOCH2 )2] e [Ph2SnCl2.(PhSOCH2 )2], em que os dissulfóxidos constituem pontes entre dois estanhos, formando polímeros infinitos com os estanhos hexacoordenados (Fig. 8), bem como com o complexo [Ph2SnCl2.ImSOMe], semelhante aos complexos mostrados na figura 5. A reação pode ser generalizada como:

As estruturas de dois dos produtos obtidos estão mostradas na figura 1654.


As reações aqui descritas são à primeira vista surpreendentes, já que fortes ligações Sn(IV)-O e Sn(IV)-N são quebradas e a base de Lewis anteriormente ligada a Sn(IV) é transferida para a espécie Pt(II), resultando em ligações Pt(II)-S ou Pt(II)-N. Só o aduto fortemente ligado [MeSnCl3.ImSOMe] (estrutura na Fig. 5) não reage.

O fenômeno observado nessas reações é o rompimento de ligações do tipo duro-duro e sua substituição por ligações do tipo macio-macio ou macio-duro, numa aparente violação da regra de Pearson.

Contudo, as reações se passam com tal facilidade que parecem ser de caráter genérico.

O paradoxo aparente se deve a que a regra de Pearson só se aplica quando a força das interações ácido-base é aproximadamente a mesma nos produtos e reagentes. No caso em pauta, as pontes de cloro do complexo de platina labilizam-se com facilidade, em decorrência da influência trans das fosfinas, e a platina pode estabelecer uma forte interação com os ligantes dos complexos de Sn(IV). De qualquer maneira, as reações são de grande interesse, já que complexos de Sn e Pt, bem como heterobimetálicos envolvendo os dois metais se têm mostrado bastante importantes nos últimos anos, em particular na área de catálise.

CADEIAS E CLUSTERS

O estanho, particularmente em espécies organometálicas, pode fazer parte de cadeias hetero- ou homoelementares, bem como constituir clusters, também com ou sem outros metais. Alguns exemplos recentes serão descritos nesta seção.

A seguinte reação foi observada a partir do cloreto cianúrico e da tris(trimetilestanil)amina55:

A estrutura do produto da reação, determinada cristalograficamente, está mostrada na figura 1755. A cada molécula estão associadas três unidades de THF. A estrutura mostra um anel central plano de três Sn e três N alternados, isto é, um anel plano (Me2SnN)3 com três grupos C3N3Cl2 coplanares ligados aos átomos de N do mel central.


A heterocatenação do estanho pode ocorrer com seus homólogos da coluna 14, como no composto mostrado na figura 18, cote uma cadeia Sn-Ge-Si56.


A partir de estanilfosfinas ou seus derivados litiados também é possível obter compostos heterocatenados do tipo P-Sn57 (esquema 4):

Os 2-piridinosselenatos de estanho(II) e de estanho (IV), Sn(2-SeNC5H4)2 e Sn(2-SeNC5H4)4 são compostos que podem ser preparados por metátese ou por inserção do metal na ligação Se-Se do disseleneto de 2-piridila. Os compostos podem ser sublimados e, a temperaturas elevadas, produzem SnSe e SnSe2, respectivamente, que são importantes semicondutores do tipo [grupo IV-grupo VI]. A estrutura do complexo de Sn(Il) mostra que o complexo é um dímero heterocatenado Sn-Se, em que os átomos de estanho ocupam posições octaédricas, em decorrência de interações fracas entre as unidades diméricas, como mostra a figura 1957.


Outro composto de estanho e selênio preparado recentemente é o cluster aniônico [Sn4Se10]4-, isolado como o sal [2,2,2-crypt-K+]4[Sn4 Se10]4-. A estrutura do cluster mostra que ele é do tipo adamantanóide, com os átomos de SnIV nas posições de cabeça de ponte, enquanto os átomos de Se ocupam os sítios em ponte e terminais. A equivalência dos 4 átomos de estanho é mostrada também em solução de amônia líquida (-50ºC), no espectro de RMN de 119Sn, que apresenta um único pico em -350.1 d, flanqueado por dois conjuntos de satélites de 77Se. O espectro em etilenodiamina a 0ºC apresenta igualmente uma única absorção de 119Sn, mas a d -359.3. A estrutura do cluster Sn4Se104- está apresentada na figura 2059.


Clusters organoestânicos são raros. Um desses exemplos, obtido recentemente, é o complexo bipy.Sn(SnPh3)460. A espectroscopia Mössbauer de 119Sn mostra 2 sítios de Sn(IV) com valores de d respectivamente iguais a 1.22 e 1.53 mms-1.

Além disso, a abundância relativa dos dois sítios corresponde a 21 e 79%. Ora, se o complexo for octaédrico, o estanho central terá uma hibridação d2sp3 (17% de caráter s) e os quatro estanhos "terminais" serão do tipo sp3 (25% de caráter s). Estes dados estão perfeitamente de acordo com a abundância relativa do tipo 1:4 dos dois sítios. No entanto, os dados de Mössbauer não distinguem no complexo octaédrico os átomos de Sn trans a outro Sn, daqueles trans a um átomo de N. O espectro de RMN de 119Sn mostrou três absorções em -58.5, -141.1 e -1212.4 d. A partir de dados da literatura que mostram um forte deslocamento para valores absolutos altos quando aumenta o número de coordenação do estanho e quando ocorrem ligações Sn-Sn, é possível atribuir o pico em -1212.4 d ao estanho octaédrico. As outras absorções correspondem aos átomos de Sn terminais. 0 valor em -141.1 d está muito próximo àquele dos Sn terminais em Ph3SnSn(i-Bu)2SnPh3 , que é -138.2 d e, como no composto em discução, apresenta uma cadeia Sn3. Logo, absorção em - 58.5 d corresponde aos Sn terminais trans a N. O menor deslocamento químico pode estar associado a uma maior desproteção desses átomos de Sn trans aos átomos de N da bipiridina, que estão mais bem coordenados, como, aliás, mostram as energias de dissociação. (DSn-N > DSn-Sn).

Também com metais de transição são conhecidos clusters heterometálicos contendo estanho, seja sob forma inorgânica ou organometálica. Um exemplo destes é o cluster [Fe2(CO)8(m-SnR2)], onde R = 2,6-dietilfenil, obtido pela reação de Fe3(CO)12 e SnR2, cuja estrutura está mostrada na figura 21. Vários outros clusters semelhantes são conhecidos, exibindo o triângulo central com dois átomos de Fe e um de Sn61.


Um outro cluster bastante interessante é o ânion [Mo3(SnCl3)S 4(NCS)9]6-, que forma um cubo, mostrado na figura 22, onde 2 átomos de Mo ocupam vértices opostos de uma face, e um átomo de Mo e outro de Sn estão em posições diametralmente opostas na face paralela à primeira62.


Um cluster inusitado produzido muito recentemente é o [Os(CO4(SnPh2)]6, um composto que apresenta um anel dodecatômico praticamente plano, com átomos alternados de estanho e ósmio. A figura 23 mostra a estrutura molecular do cluster, que tem uma simetria aproximadamente D6h. Numa simetria exatamente D6h seriam esperadas duas bandas ativas no infravermelho para os estiramentos CO. No caso presente, observam-se quatro bandas, das quais duas são intensas. Isto significa que a espectroscopia no infravermelho é capaz. de distinguir as diferentes vizinhanças dos ligantes carbonila e que a troca entre os dois sítios é lenta na escala de tempo do infravermelho.


Além do aspecto estético e surpreendente do cluster, sua química poderá também trazer muitas surpresas, como, por exemplo, no tocante à substituição de carbonilas, à possibilidade de funcionamento como um ligante de tipo coroa, e aos produtos que podem resultar de reações de descarbonilação63.

COMPOSTOS ORGANO-HETEROBIMETÁLICOS E SUPRAMOLECULARES

O estanho exibe uma notável facilidade em formar compostos heterobimetálicos, seja mediante uma ponte de ligante entre os metais ou por uma ligação direta metal-metal. A ligação direta com metais de transição ricos em elétrons d resulta em grande parte da alta acidez p do estanho, cujos orbitais 5d não estão ocupados.

Complexos quadráticos de metais d8 com as fosfinas dppen [cis-1,2-bis(difenilfosfino)eteno e tdpme [1,1,1-tris(difenilfosfinometil)etano, MeC(CH2PPh2)3], de formulação geral onde M = Ni , Pd ou Pt, formam derivados estanilados por reação com Ph3SnH ou SnCl2. Com o hidreto os cloro, são substituídos por Ph3Sn, dando compostos do tipo [(fosfina)M(SnPh3)2], ao passo que com SnCl2 dois tipos de produto são obtidos: um deles é do tipo inserido, [(fosfina)M(Cl)SnCl3], enquanto o outro apresenta pontes de cloro 64-65 entre os dois metais: [(fosfina)M(m-Cl)2SnCl2].

Este tipo de comportamento parece ser genérico, e é também observado em sistemas mais complexos, gerando compostos trimetálicos. Derivados do ligante 1,1'-bis(difenilfosfino)ferroceno também formam sistemas com ligação M-Sn ou M(m-Cl)2Sn (onde M = Pd ou Pt), do tipo

Nesta situação o parâmetro desdobramento quadrupolar (D) da espectroscopia Mössbauer diferencia muito bem as duas estruturas. Enquanto II apresenta um átomo de Sn muito próximo da geometria tetraédrica do SnCl4, I já mostra um Sn de simetria local C3V. Conseqüentemente, o valor de D é muito pequeno em II (D @ 0.50 mms-1), mas alcança valores consideráveis em I (D > 1.80mms-1)66-67.

A inserção de SnCl2 em ligações Pt-Cl pode ter conseqüências práticas bastante interessantes.

Complexos de Pt(II) contendo cloreto e fosfina coordenados ao metal constituem, na presença de SnCl2, sistemas catalíticos bastante eficazes na hidroformilação e ciclização de olefinas, como o limoneno, de grande importância na indústria de cosméticos68.

O sulfeto de 2,2'-dipiridila, DPS, forma um complexo metálico com a platina, formulado como trans,trans-[(Et3P)PtCl2{m-(BPS)}Cl 2Pt(PEt3)]. Este complexo, após a adição de SnCl2in situ. constitui um excelente sistema catalítico na hidroformilação de 1-hexeno. Fazendo-se a inserção de SnCl2 em duas terminações Pt-Cl do complexo, obtém-se o derivado bis(heterobimetálico) [(Et3P)Pt(SnCl3)Cl{m-(BPS)}Cl(Cl 3Sn)Pt(Pet3)]. Este novo complexo é um melhor catalisador, apresentando um aumento notável na taxa de conversão de olefina a aldeído, e sugerindo que no experimento em que SnCl2 foi adicionado in situ haja ocorrido inicialmente uma inserção de SnCl2nas terminações Pt-Cl69.

A questão da acidez p do estanho pode ser vista com facilidade a partir dos dados elctroquímicos mostrados na tabela 4, relativos à oxidação do FeII do sistema ferroceno70.

A tabela 4 mostra que a presença de grupos mercurados ligados a um ou a ambos os anéis ciclopentadienila do ferroceno torna o potencial de oxidação do derivado menor que aquele do ferroceno. Já a presença de grupos estanilados provoca o efeito contrário, isto é, faz crescer o potencial. Como o mercúrio é um excelente doador p e o estanho, ao contrário, é um receptor, no primeiro caso o sistema ferroceno estará com excesso de densidade eletrônica, facilitando, assim, a oxidação do ferro. O oposto ocorre com os compostos estanilados, onde a retirada de elétrons p pelo estanho acarreta um empobrecimento eletrônico do metaloceno, fazendo então aumentar o potencial de oxidação do FeII.

Os polímeros de coordenação com cianocomplexos metálicos são importantes em razão de seu potencial como ferromagnetos moleculares porosos. Um composto bastante interessante desta classe é o complexo (Ph3Sn)3Fe(CN)6.H 2O.2MeCN, formado a partir de Ph3SnCl e K3Fe(CN)6. As figuras 24 e 2571 mostram respectivamente a coordenação local em torno do átomo de Fe e o polímero visto ao longo do eixo a, mostrando dois tipos dos canais existentes.


A figura 24 mostra o núcleo de Fe(CN)6 em que cinco dos nitrogênios estão coordenados a átomos de Sn. Assim, um dos grupos CN não está coordenado a Sn. Ao contrário, o N forma ligação de hidrogênio com a molécula de água ligada ao átomo de Sn [O(1)...N(5) = 2.82 Å]. Existem três tipos de cadeias infinitas na estrutura. Uma cadeia quase linear A, [-Sn(2)-N(1)-C(1)-Fe(1)-C(4)-N(4)-]¥ , estende-se pelo eixo b. Uma outra cadeia. B, [-Sn(3)-N(2)-C(2)-Fe(1)-C(3)-N(3)-]¥ , estende-se em ziguezague, formando uma camada também em ziguezague. A terceira cadeia, C, resulta das ligações de hidrogênio, e forma um ziguezague [-Sn(1)-N(6)-C(6)-Fe(1)-C(5)-N(5)... O(1)-]¥. A cadeia C conecta as camadas numa estrutura tridimensional, mostrada na figura 25.


Outro tipo de polímero linear infinito heterometálico pode ser obtido pela reação a seguir72:

Um caso notável de composto heterobimetálico de Sn e metal de transição é o dos hidridoestanilcomplexos contendo uma ligação tricêntrica de dois elétrons, em que o ligante H está h2-coordenado ao cromo e ao estanho. O composto [h6-mesitileno)Cr(CO)2H(Snph 3)] pode ser obtido de mais de uma maneira73-74, e sua estrutura está mostrada na figura 2673.


Os estanatos (II) são importantes nucleófilos, que podem gerar os estananos correspondentes por simples reações de substituição nucleofílica ou adição. Os compostos onganoestânicos são tão versáteis em sínteses orgânicas que se têm procurado obter estananos quirais com o fim de usá-los em transformações enantiosseletivas. Embora todas as espécies relatadas até recentemente fossem de Sn(IV), publicou-se recentemente o primeiro exemplo de um composto quiral de Sn(II), enantiomericamente puro, assim como do complexo heterobimetálico do tipo Sn-Ni dele derivado. O triamidoeslanato produzido é o HC{SiMe2N[(S)-CH(Me)Ph]}3SnLi(THF). Sua estrutura e a do complexo resultante de sua reação com Ni(CO)4 estão mostradas na figura 2775.


O desenvolvimento da Química Supramolecular nos últimos anos, como uma forma de gerar estruturas reticulares com características bem definidas, provocou um verdadeiro renascimento na Química de Coordenação76. Um exemplo recente de trabalho nessa área é o das estruturas supramoleculares baseadas em tetrazóis organoestânicos polifuncionais. Estes compostos produzem arranjos bi- ou tridimensionais, dependendo dos grupos orgânicos no estanho. Um destes bis(organoestanil)tetrazóis com ponte de fenileno é o composto 2,2'-bis(tributilestanil)-5-5'-m-fenilenobis(tetrazol), mostrado na figura 28, onde cada átomo de Sn ocupa o centro de uma BPT distorcida, e complexa uma molécula de MeOH, além de se ligar ao tetrazol e a três grupos n-butila77.


Uma família interessante do compostos supramoleculares estanilados foi preparada a partir de semicarbazonas e tiossemicarbazonas derivadas do ferroceno. Um exemplo de um desses compostos está apresentado na figura 29, que mostra que os ligantes estão monodentados e complexados em posição cis78.


O POTENCIAL TERAPÊUTICO DA QUÍMICA DO ESTANHO

Assim como muitos compostos de estanho, sobretudo os organometálicos, apresentam notável ação biológica, como se mencionou no início deste artigo, há hoje um vivo desejo de associar essas substâncias com compostos orgânicos biologicamente ativos, especialmente na área oncológica, a fim de estudar um possível sinergismo de efeitos. Desta maneira, duas facetas diferentes podem ser reconhecidas neste campo. Em primeiro lugar, a preparação de novos compostos, associando as duas classes mencionadas acima, e seu estudo químico sob os mais variados aspectos. Uma segunda vertente é o ensaio biológico e clínico, bem como o planejamento de novas substâncias a partir de objetivos de ação farmacológica pré-estudadas.

As tiossemicarbazonas são drogas muito importantes como agentes antitumorais e antivirais79. A capacidade de complexação ao estanho desses compostos e de vários outros a eles relacionados tem impulcionado muitos trabalhos, gerando uma Química bastante profícua. Um exemplo deste tipo já foi relatado anteriormente78.

A 2-formilpiridinatiossemicarbazona (HFPT) reage com os tetra-haletos de estanho, eliminando HX e produzindo complexos hexacoordenados do tipo [SnX3(FPT)]. A estrutura do complexo em que X = Cl está mostrada na figura3080.


Os valores dos desvios isoméricos dos compostos estudados estão mostrados na tabela 5, juntamente com aqueles de seus precursores.

Os valores da tabela 5 ilustram admiravelmente a variação do desvio isomérico com a hibridação do estanho. Em todos os casos, ocorre uma variação relativa de 33%, no caráter s do estanho, que passa de 25% (sp3) nos precursores, para 16.67% (d2sp3)nos complexos. Os dados da tabela 5 oscilam próximo ao valor esperado de 33%, sendo 29(Cl), 33(Br) e 35%(I), respectivamente.

Quando se dispõe de duas cadeias orgânicas ligadas ao anel aromático, como na 2,6-diacetilpiridinabis(tiossemicarbazona), H2daptsc, ou em seu análogo oxigenado H2dapsc, cujas fórmulas moleculares estão dadas abaixo,

é possível preparar complexos heptacoordenados de geometria bipiramidal pentagonal (BPP). Assim, reagindo-se o ligante adequado com MeSnCl3, foram obtidos os compostos [MeSnCl(Hdaptsc)]Cl.MeOH e [MeSnCl(H2dapsc)]Cl2.2H2 O, respectivamente. Ambos apresentam estruturas de tipo BPP, como mostra a figura 3181.


Um complexo análogo preparado a partir de H2daptsc e SnCl4 apresenta a composição [ClSnCl(Hdaptsc)]Cl. Presume-se que sua estrutura também seja BPP. Já o complexo obtido de H2dapsc e Me2SnCl2 apresenta a formulação [(Me2SnCl2)2(H 2dapsc)]. Embora não tenha sido possível determinar sua estrutura, os dados de Mössbauer sugerem fortemente que ele seja um complexo bimetálico com a fórmula molecular mostrada na figura 3281-82.


Resultado análogo àquele descrito acima81 verifica-se também na complexação de H2daptsc com R2SnO (R = Me, Ph), produzindo os complexos [R2Sn(daptsc)]83 O composto com R = Ph apresenta duas unidades de DMF por molécula de complexo e sua estrutura, de tipo BPP, é bastante semelhante àquelas anteriores.

O grupo imidazol é importante em várias enzimas, na fosforilação e, como parte da histidina, na fixação de oxigênio pela hemoglobina e pela mioglobina. Em virtude disso a coordenação de tioamidas heterocíclicas é um tópico de grande interesse, por causa da relevância das interações entre metais e moléculas biológicas84, Ligantesdo tipo 1-metil-imidazolina-2(3H)-tiona (Hmimt) e imidazolina-2(1,3H)-tiona (Himt), são importantes agentes terapêuticos em desordens tiroidianas85. Os dois ligantes assim como as tiossemicarbazonas discutidas antes, apresentam tautomerismo:

Em 10 complexos preparados com os dois ligantes e MeSnCl3, BuSnCl3, Me2SnCl2, MeSnCl3, SnCl4, SnBr4 e SnCl2, a evidência espectroscópica por I.V., 1H RMN, 13C RMN e Mössbauer aponta para uma coordenação pelo átomo de enxofre exocíclico86, ao contrário do que é geralmente observado em inúmeros casos relatados anteriormente no presente artigo. Os dados de espectroscopia também levam a crer que os derivados de Sn(IV), tanto organometálicos como inorgânicos, são hexacoordenados, em forma monomérica ou dimérica, no estado sólido, Testes realizados contra seis cepas de células de tumores humanos revelaram baixa atividade dos complexos com ligações Sn-S em comparação com aqueles contendo ligações Sn-O.

Apesar de sua nefrotoxicidade, a cisplatina é um importante agente terapêutico no tratamento de câncer testicular. No entanto, seu efeito é nulo ou desprezível no combate a tumores mais comuns, como os pulmonares ou gastrointestinais. A excelente atividade da cisplatina é um forte indutor à busca de novas drogas antitumorais baseadas em compostos de coordenação. Um número considerável de carboxilatos organoestânicos têm sido preparados e testados com algum sucesso contra vários tipos de tumores. Embora esses trabalhos sejam ainda muito recentes, já existem indícios promissores. Por exemplo, vários compostos de condensação entre óxido de bis(n-butilestanho), [(n-C4H9)2SnO] 2, e ácidos n-fluorobenzóicos (n = 1-5) foram preparados, gerando compostos diméricos. A estrutura do dímero do bis(perfluorobenzoato)tetra-n-butilestanoxano está mostrada na figura 3387.


Os fluorobenzoatos foram testados contra o tumor MCF-7 (um tumor mamário) e os compostos difluorados mostraram-se extremamente ativos in vitro, com valores de ID50 comparáveis àqueles da mitomicina C. Infelizmente, os testes in vivo, aplicados em camundongos, não tiveram o mesmo êxito, em razão da pronunciada toxicidade dos compostos.

Paralelamente a trabalhos como os últimos relatados acima, outro aspecto importante que vem sendo tratado recentemente é a aplicação de relações quantitativas entre estrutura e atividade (QSAR) de organoestânicos com respeito a sua possível ação antitumoral84. A atividade de uma longa série de complexos organoestânicos (IV) contra a leucemia P388 foi correlacionada com as lipofilia dos grupos orgânicos ligados ao metal, bem como dos grupos mais os ligantes em complexos de tiolato. Váias correlações foram obtidas, como os organoestânicos em séries congenéricas que são transportadas por diferentes classes de membranas celulares. No caso de complexos dos tipos Et2SnX2.L2 e Et2Sn(SR'), onde X = halogênio, OAc-, e L = ligante com átomo doador N ou O, a suposição de que os ligantes têm um papel no aumento da atividade antitumoral dos organoestânicos parece validada. Levando em conta a insolubilidade em água desses complexos no pH fisiológico, sua atividade deve depender de alguma interação direta dos complexos no estado sólido com sítios lipofílicos no ambiente biológico. De qualquer forma, é difícil aceitar que isto só se passa para derivados etilados, e não para outros complexos R2Sn (IV), que também formam suspensões em fase aquosa88.

A fototerapia utiliza radiação visível ou no ultravioleta próximo em tratamentos clínicos. No tratamento fototerápico direto não se usa qualquer fotossensibilizador, como, por exemplo, no tratamento da icterícia neonatal por luz azul ou branca. Já na fototerapia indireta, injeta-se no paciente um fotossensibilizador, e este é o absorvedor efetivo da luz. Uma das áreas mais ativas hoje nessa pesquisa é a fototerapia oncológica, conhecida pela sigla PDT (photodynamic therapy). Neste tipo de tratamento, deve-se primeiramente escolher um fotossensibilizador seletivo quanto à fotodanificação do tecido do tumor. Em seguida, ele é injetado no paciente, e aguarda-se por um tempo que vai depender da droga e do tipo de tumor — neste estágio o tumor fluorescerá com radiação UV, caso o fotossensibilizador seja uma porfirina. Finalmente, irradia-se o tumor com luz visível por meio de libra ópticas. Com certos tipos de fotossensibilizadores, poderá, por exemplo, ser gerado oxigênio singuleto dentro do tumor, o qual será destruído preferencialmente. O mais ativo desses compostos é um derivado estanilado de uma purpurina, uma porfirina denominada coloquialmente de "etiopurpurina" ("SnEt2"), contendo uma espécie de Sn (II) como o metal central da porfirina89.

10. Ref. 9, pp. 297-321.

15. Ref. 11, p. 430.

20. Ref. 9, pp. 269-272.

21. Ref. 19, p. 521.

35. Idem; Acta Cryst. 1996, C 52, 1629.

37. Ref. 22, p. 217.

40. Ref. 12, p. 4172.

# Endereço atual: Departamento de Química Inorgânica, Instituto de Química - UFRJ - CP 68563 - 21945-970 - Rio de Janeiro - RJ

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    Conferência proferida na 20ª Reunião Anual da SBQ - Poços de Caldas - MG - maio/97
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 1998

    Histórico

    • Recebido
      07 Jul 1997
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