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Vidros recobertos com camadas delgadas transparentes de SnO2

Glasses coated with transparent thin layers of SnO2

Resumo

SnO2 thin layers, prepared from aqueous colloidal suspensions by the sol-gel process, have been dip-coated on commercial borosilicate glasses. The effect of the conditions of deposition on the optical and structural characteristics of the thin layers was analysed by UV-Vis spectroscopy, x-ray reflectometry and electron scanning microscopy. Layers prepared with withdrawal speed in between 0.1 and 10cm/min show thickness smaller than 90nm, roughness of the order of 2nm and transmittance higher than 80%, resulting in good optical quality samples. The roughness increases from 2 to 11nm as the withdrawal speed increases from 10 to 80cm/min, what seems to be associated to the enlargement of the layers thickness (> 90nm). The measurements of mass loss, done after etching with fluoridric acid show that the coated samples are more corrosion resistant than the uncoated borosilicate glass.

SnO2 thin layers; corrosion resistant; coated borosilicate glass


SnO2 thin layers; corrosion resistant; coated borosilicate glass

ARTIGO

Vidros recobertos com camadas delgadas transparentes de Sno2

Alessandro P. Rizzato, Sandra H. Pulcinelli e Celso V. Santilli

Instituto de Química - UNESP - CP 355 - 14 801-970 - Araraquara - SP

Recebido em 2/12/96; aceito em 2/6/97

E-mail: sandrap@iq.uesp.br

Glasses coated with transparent thin layers of Sno2.SnO2 thin layers, prepared from aqueous colloidal suspensions by the sol-gel process, have been dip-coated on commercial borosilicate glasses. The effect of the conditions of deposition on the optical and structural characteristics of the thin layers was analysed by UV-Vis spectroscopy, x-ray reflectometry and electron scanning microscopy. Layers prepared with withdrawal speed in between 0.1 and 10cm/min show thickness smaller than 90nm, roughness of the order of 2nm and transmittance higher than 80%, resulting in good optical quality samples. The roughness increases from 2 to 11nm as the withdrawal speed increases from 10 to 80cm/min, what seems to be associated to the enlargement of the layers thickness (> 90nm). The measurements of mass loss, done after etching with fluoridric acid show that the coated samples are more corrosion resistant than the uncoated borosilicate glass.

Keywords: SnO2 thin layers; corrosion resistant; coated borosilicate glass.

INTRODUÇÃO

Vidros tradicionais recobertos com camadas delgadas (< l000nm) transparentes de SnO2 apresentam maior resistência mecânica à fratura e ao desgaste abrasivo e químico. Este comportamento é explorado comercialmente na fabricação de garrafas e embalagens descartáveis mais baratas e mais leves (paredes com espessura reduzida), e com resistência à fratura equivalente às tradicionais1. Outra aplicação destas camadas delgadas é em utensílios de vidro empregados em restaurantes e no transporte e condicionamento de alimentos, que geralmente são submetidos a condições extremas de desgaste abrasivo e químico. Além disto, peças de vidro de elevado valor decorativo, por apresentar brilho iridiscente, são fabricadas com depósitos superficiais de SnO2 com espessura da mesma ordem de grandeza do comprimento de onda da luz visível (400 a l000nm)2.

Por outro lado, o dióxido de estanho é praticamente insolúvel em pH entre 1 e l4, o que permite prever um aumento na resistência ao ataque hidrolítico dos vidros a base de borossilicato e soda cáustica recobertos com SnO2. Este tipo de ataque é frequente nos vidros destinados a embalagem de soluções ou suspensões farmacêuticas, limitando o período de validade destes produtos. Tradicionalmente, a resistência hidrolítica dos vidros de soda cáustica é promovida pelo tratamento de desalcalinização superficial efetuado em presença de SO2 a aproximadamente 600oC3.

As camadas delgadas de SnO2 são, usualmente, depositadas pela nebulização de solução aquosa de SnCl4 sobre a superfície do vidro aquecido entre 500 e 600oC1,2. Neste processo ocorre formação de vapores extremamente tóxicos e corrosivos (Cl2, HCl), exigindo instalações especiais para tratamento de rejeitos gasosos para evitar danos ao meio ambiente e à saúde. Este tipo de problema tem sido contornado, em parte, pela utilização de compostos organoclorados a base de estanho, que por sua vez são classificados como cancerígenos2.

Uma rota alternativa para a deposição de camadas delgadas é o emprego do processo de dip-coating, onde o vidro é emergido de uma suspensão coloidal a uma velocidade controlada. Durante o movimento de emersão a suspensão é arrastada com o substrato, causando um aumento na área de evaporação e na taxa de secagem, o que leva à formação de uma camada delgada constituída pelas partículas coloidais. Este método permite obter depósitos sobre substratos de grandes dimensões e de geometria complexa, com bom controle da espessura. Além disto, os equipamentos empregados são de simples manuseio e operam em condições próximas à ambiente4.

O objetivo deste trabalho é obter informações sobre os parâmetros experimentais que permitem controlar as características estruturais das camadas delgadas de SnO2 depositadas por dip-coating sobre vidros de borossilicato. A parte final do trabalho demonstra a eficiência das camadas delgadas de SnO2 na proteção contra o desgaste por dissolução hidrolítica dos vidros.

EXPERIMENTAL

As camadas delgadas foram depositadas sobre lâminas de vidro comercial (Corning) de borossilicato (2cm de largura por 4cm de comprimento) por dip-coating empregando-se suspensões coloidais aquosas de SnO2. As condições de preparação destas suspensões a partir do processo sol-gel, bem como suas características físico-químicas e estruturais foram descritas em publicações anteriores5-7. Visando estabelecer as condições de formação de depósitos homogêneos e com espessura controlada, as camadas delgadas foram preparadas com diferentes velocidades (0,1 £ v £ 90cm/min) e números (1 £ n £ 30) de emersões, usando-se suspensões coloidais com concentração de SnO2 e de íons cloreto de 1,3mol/L e l0-5mol/L, respectivamente. As amostras foram tratadas a 400oC por 2h.

A espessura, rugosidade e densidade aparente dos depósitos foram determinadas a partir das curvas de reflexão especular de raios x. Empregou-se uma câmara de reflexão especular acoplada ao difratômetro de pó convencional (Siemens, D5000). Para a aquisição dos dados foi utilizada fenda primária e no feixe refletido, de 2 e 0,6mm, respectivamente, e abertura do anteparo sobre a superfície da amostra de 0,01mm. O feixe refletido foi monocromatizado por filtro de Ni (CuKa, l=l,54l8Å). Para cada amostra o alinhamento da superfície do depósito foi efetuado por rotação do porta-amostras em q - 2q, entre 0,1 e 6o (2q) e ajuste da geometria de modo a obter o máximo de reflexão. Os parâmetros estruturais das amostras foram calculados usando-se o programa REFSIM, que ajusta a equação de refletividade8 às curvas experimentais, pelo método de mínimos quadrados.

A qualidade óptica das amostras foi avaliada a partir de medidas de transmitância na região do UV-Vis, usando-se um espectrofotômetro HP845l Diode Harray.

O efeito do recobrimento com SnO2 no aumento da resistência ao ataque químico foi avaliado a partir de medidas de perda de massa em função do tempo de imersão das amostras em 200mL de uma solução aquosa de ácido fluorídrico (2mol/L, pH<l). A superfície das amostras submetidas ao ataque químico foi observada por microscopia eletrônica de varredura empregando-se um equipamento Jeol JSM - T 330A.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

i) Características estruturais

As curvas de transmitância na região do visível e ultra-violeta próximo das amostras preparadas com 10 e 30 emersões, obtidas a partir da diferença entre os espectros do substrato com e sem depósito, são apresentadas na figura l. A transparência superior a 80% observada na região do visível ilustra a boa qualidade óptica das amostras. Na realidade, é impossível distinguir a olho nu uma lâmina de vidro com e sem recobrimento, o que evidencia a homogeneidade e a uniformidade da camada de SnO2 sobre toda a extensão do substrato. A forte absorção observada na região do ultra-violeta próximo (l<340nm) é típica da transição interbanda (valência-condução) em semi-condutores de banda larga9. No caso dos vidros de borossilicato a borda de absorção localiza-se em torno de 300nm, de modo que o recobrimento com as camadas delgadas de SnO2 praticamente não altera a transmitância do substrato na região do visível.


O efeito do número e da velocidade de emersão nas características estruturais das camadas delgadas pode ser avaliado a partir das curvas de reflexão especular de raios x apresentadas nas figuras 2 e 3, respectivamente. A reflectividade é máxima (total) a baixo ângulo, e diminue de cinco ordens de grandeza acima de um valor angular crítico (qc). Este valor permite calcular a densidade aparente (r) da camada delgada empregando-se a relação8:



onde C é uma constante que depende da natureza dos compostos e de parâmetros instrumentais. Os valores de densidade aparente calculados para as amostras preparadas em diferentes condições situam-se em torno de 3,6 ± 0,1g/cm3. Este valor é muito inferior à densidade teórica do SnO2 (7,0g/cm3), indicando que as camadas delgadas devem conter um grande volume de poros.

Acima do ângulo crítico observa-se claramente a presença de franjas de interferência, características da espessura regular da camada delgada. A diminuição gradual da amplitude das franjas com o aumento do ângulo de reflexão é indicativo da rugosidade da superfície da camada delgada. Além disto, é interessante notar que as amostras preparadas com cinco ou mais emersões e com velocidade elevada (v>10cm/min) não apresentam franjas de interferência. Este comportamento indica que nestas condições de preparação as camadas delgadas não são homogêneas, podendo apresentar falhas de deposição, regiões de desprendimento do substrato e variações consideráveis de espessura.

A tabela 1 agrupa os valores calculados para a espessura e rugosidade da superfície do depósito e da interface entre a camada delgada e o vidro de borossilicato das amostras preparadas em diferentes condições. Conforme previsto pelos modelos clássicos de deposição por emersão4, o aumento do arraste viscoso com a velocidade de emersão favorece o aumento da espessura do filme. Deste modo, é possível controlar facilmente a espessura da camada depositada ajustando-se o número ou a velocidade de emersão. É interessante observar que a rugosidade da camada depositada praticamente não varia com as condições de deposição. Entretanto, a rugosidade da interface substrato-depósito aumenta continuamente quando a velocidade de emersão cresce de 10 para 80cm/min; o mesmo comportamento é observado com o aumento do número de deposições. Isto sugere que a compatibilidade entre o depósito e o substrato diminue com a espessura da camada delgada.

As figuras 4a e 4b mostram as micrografias da superfície das camadas delgadas preparadas com 3 e 10 emersões, respectivamente. Não foi possível observar contrastes associados aos aspectos topográficos na maioria da superfície das amostras preparadas com número e velocidades de emersões inferiores a 5 e 10cm/min, respectivamente. Falhas de deposição semelhantes à observada na figura 4a são raras nas amostras preparadas nestas condições. Ao contrário, as nervuras e protuberâncias verificadas na fotomicrografia da figura 4b estão presentes em toda a superfície das amostras preparadas com número e velocidades de emersão superiores a 5 e 10cm/min, respectivamente. Esse tipo de defeito só é observado após o tratamento térmico a 400oC, e sua formação pode estar associada às tensões resultantes da diferença de coeficiente de expansão térmica entre o substrato e a camada delgada. Obviamente, este fenômeno torna-se mais importante a medida que a espessura da camada delgada aumenta, podendo inclusive causar o desprendimento do depósito.


ii) Resistência ao ataque por ácido

O desempenho das camadas delgadas de SnO2 como barreiras protetoras contra o ataque químico dos vidros de borossilicato pode ser avaliado a partir dos resultados de perda de massa em função do tempo de exposição à solução de ácido fluorídrico, mostrados na figura 5. Os resultados ilustram o efeito do aumento do número de emersões, de 0 para 5, na dissolução do vidro. A comparação entre as curvas do vidro com e sem depósito superficial (número de emersão = zero) mostra claramente uma diminuição significativa na taxa de dissolução das amostras recobertas. Além disto, a perda de massa diminue com a espessura da camada delgada, atingindo um mínimo para as amostras preparadas com 3 emersões.


As fotomicrografias apresentadas nas figuras 6a e 6b revelam, respectivamente, o aspecto da superfície do vidro de borossilicato comercial e da amostra recoberta com SnO2, ambas submetidas a 25min de ataque por ácido fluorídrico. O ataque do vidro comercial causa a formação de partículas e poros em toda a extensão da superfície. Apesar do mecanismo de ataque por ácido fluorídrico não ser conhecido com precisão, a presença destas partículas é, geralmente, atribuída à dissolução do hidróxido de silício e reprecipitação de fluoretos3. Estas partículas são observadas em menor quantidade nas amostras recobertas com SnO2, encontrando-se quase sempre agrupadas ao redor de certas cavidades. O conjunto formado por pequenas partículas agrupadas em torno de uma cratera central assemelha-se à morfologia resultante de um processo de erupção. Estas observações indicam que a solução de ácido fluorídrico penetra pelos poros da camada delgada resultando na dissolução e reprecipitação de pequenas partículas na interface. Como consequência, o depósito perde a aderência, o que resulta no desprendimento de pequenas porções da camada delgada.


CONCLUSÕES

· Camadas delgadas transparentes de SnO2 podem ser facilmente depositadas sobre vidros a partir da emersão do substrato em suspensões coloidais aquosas.

· A espessura dos depósitos aumenta de 21 para 90nm quando a velocidade de emersão cresce de 0,1 para 10cm/min. O emprego de velocidades de emersão superiores a 10cm/min resulta em depósitos com elevado nível de rugosidade.

· Os vidros recobertos com camadas delgadas de SnO2 apresentam maior resistência ao ataque por ácido fluorídrico.

AGRADECIMENTOS

Trabalho executado com auxílio financeiro da FAPESP e bolsa de incentivo à pesquisa do CNPq.

  • 1. Davis, M. W.; Smay, G. L.; Wasylyk, J. S.; Am. Ceram. Bull. 1987, 66, 1627.
  • 2. Blunden, S. J.; Cusak, P. A.; Hill, R.; "The Industrial Uses of Tin Chemicals"; Royal Society of Chemistry 1985, London, Chap. 9.
  • 3. Fosse, K. L., Verre 1996, 2, 11.
  • 4. Brinker, C. J.; Scherer, G. W.; "Sol-Gel Science", Academic Press 1990, San Diego, Cap. 8.
  • 5. Hiratsuka, R. S.; Pulcinelli, S. H.; Santilli, C. V.; J. Non. Cryst. Solids 1990, 121, 365.
  • 6. Pulcinelli, S. H.; Santilli, C. V.; Jolivet, J. P.; Tronc, E.; J. Non-Cryst. Solids1994, 170, 21.
  • 7. Briois, V.; Santilli, C. V.; Pulcinelli, S. H.; Brito, G. E. S.; J. Non-Cryst. Solids 1995, 191, 17.
  • 8. Brower, D. T.; Revay, R. E.; Huang, T. C.; Powder Diffraction 1996, 11, 114.
  • 9. Geoffroy, C.; Campet, G.; Menil, F.; Portier, J.; Salardenne, J.; Coutourier, G.; Active & Passive Elec. Comp. 1991, 14, 111.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2002
  • Data do Fascículo
    Jul 1998

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 1996
  • Aceito
    02 Jun 1997
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