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Efeito da adição de Na2O na viscosidade e devitrificação do vidro obtido a partir de cinzas volantes e Li2O

Influence of Na2O on the viscosity and devitrification behavior of glasses obtained from fly ashes and Li2O

Resumo

Glass-ceramic materials can be produced by the addition of LiO2 to fly ashes disposible in Southern Brazil. These glass-ceramics are based on the Al2O3-SiO2-Li 2O system. The high viscosity of the obtained glasses, however, makes forming useful articles with these materials difficult. In this study we investigate the effect of adding low cost Na2CO3 on the melt viscosity and on the nature of the developed crystalline phases. It was intended that the ultimate crystalline phase (LiAlSi3O8) should not be altered. With additions up to 3 wt. % Na2CO3, the viscosity was apparently lowered and no new crystalline phase were detected.

glass-ceramics; devitrification; fly ashes


glass-ceramics; devitrification; fly ashes

ARTIGO

Efeito da adição de Na2O na viscosidade e devitrificação do vidro obtido a partir de cinzas volantes e Li2O

Labmat - Departamento de Engenharia Mecância - UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina - CP 476 - Campus Universitário - 88040-900 - Florianópolis - SC

Recebido em 2/12/96; aceito em 21/5/98

E-mail: fredel@labmat.ufsc.br

Influence of Na2O on the viscosity and devitrification behavior of glasses obtained from fly ashes and Li2O. Glass-ceramic materials can be produced by the addition of LiO2 to fly ashes disposible in Southern Brazil. These glass-ceramics are based on the Al2O3-SiO2-Li 2O system. The high viscosity of the obtained glasses, however, makes forming useful articles with these materials difficult. In this study we investigate the effect of adding low cost Na2CO3 on the melt viscosity and on the nature of the developed crystalline phases. It was intended that the ultimate crystalline phase (LiAlSi3O8) should not be altered. With additions up to 3 wt. % Na2CO3, the viscosity was apparently lowered and no new crystalline phase were detected.

Keywords: glass-ceramics; devitrification; fly ashes.

INTRODUÇÃO

As cinzas volantes oriundas da queima de carvão mineral podem ser utilizadas como material base para a obtenção de vitro-cerâmicas. A cinza, isoladamente, forma uma massa vítrea quando submetida a altas temperaturas, próximas aos 1600oC. Os vidros assim formados são susceptíveis à nucleação interna, mesmo sem a adição de quaisquer agentes nucleantes.

Cioffi et al.1 mostraram que desta forma é possível obter-se materiais vitro-cerâmicos de granulometria fina, mas que a alta viscosidade do fundido prejudica a produção de componentes através das técnicas convencionais de fabricação, tornando-se difícil a utilização tecnológica de cinzas sem o emprego de aditivos adequados, que promovam uma redução na faixa de trabalhabilidade do vidro. Tampouco é interessante, no presente, obter-se um vidro que permita ser moldado, mas que não apresente uma composição passível de nucleação e crescimento de cristais. Assim, é importante que se determine os intervalos de temperatura correspondentes às taxas de nucleação e cristalização dos vidros produzidos. Buscando-se melhorar a moldabilidade do vidro de partida, obtido através de cinzas volantes e Li2O, para utilização como material vitro-cerâmico, estudou-se os efeitos causados pela adição de Na2O na viscosidade do vidro e na devitrificação posterior do mesmo. Três vidros foram obtidos a partir da fusão de cinzas com carbonato de lítio (Li2CO3), com percentuais crescentes de carbonato de sódio (Na2CO3).

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

A cinza volante foi classificada, inicialmente, com base na granulometria e composição química, conforme mostrado nas tabelas 1 e 2.

Adotou-se o critério de separação da fração de cinzas com teores de carvão não consumidos, visíveis macroscopicamente. A fração maior que 212 mm foi eliminada. Uma fração do teor de óxido de ferro presente foi retirado magneticamente (3,20% do peso).

O carbonato de lítio foi adicionado à cinza volante na proporção em massa de 8.10:100 (correspondendo a 3,2% Li2O), e homogeneizado a seco em moinho de bolas. A massa foi separada em três partes iguais adicionando-se 1%, 3% e 5% de Na2CO3 (equivalente a 0,60%, 1,75% e 2,92% em massa de Na2O), respectivamente, e submetida a uma nova homogeneização. As composições foram calcinadas por 2 horas a 1200oC e, posteriormente, fundidas a 1500oC pelo mesmo período de tempo, formando vidros macroscopicamente homogêneos.

Foram preparados corpos de prova para a realização de ensaios dilatométricos (dilatômetro Netzsch) dos vidros obtidos. Para o ensaio de botão de fusão, os corpos de prova foram apoiados sobre placas de alumina e levados à condição de meia-esfera, no mesmo equipamento, utilizando-se uma haste apropriada. A realização destes ensaios permitiu identificar pontos com valores fixos de viscosidade para cada vidro, correspondentes aos três pontos característicos (Magrini et al.2); conforme figura 1.


As temperaturas de nucleação e cristalização dos vidros foram obtidas com o auxílio da análise térmica diferencial (ATD - Netzsch, modelo 402), conforme indicado por Cioffi et al.1 e apresentado esquematicamente na figura 2. A taxa de aquecimento empregada nos experimentos foi de 10oC/min, utilizando-se como material padrão alumina. A granulometria dos pós utilizados foi sempre inferior a 20mm.


As amostras de vidro foram nucleadas por 4 horas, a temperaturas 50oC acima das suas respectivas temperaturas de transição vítrea (Tg) e, posteriomente, cristalizadas por 8 horas nas correspondentes temperaturas de pico de cristalização (figura 3).


Os corpos de prova tratados termicamente foram embutidos em resina, polidos, atacados em ácido fluorídrico (1 vol.%) durante 60s e, posteriormente, recobertos com uma fina camada de ouro.

A microestrutura resultante foi analisada em microscópio eletrônico de varredura (MEV, Philips, XL-30). As fases cristalinas formadas foram identificadas via difração de raios-X (DRX, Philips).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os vidros obtidos apresentaram uma viscosidade suficiente, após permanência por duas horas a 1500oC, para escorrerem em forma de gota, indicando uma visível redução da viscosidade, em especial, para os vidros contendo teores adicionados de 3% e 5% de Na2CO3. A natureza amorfa dos vidros foi confirmada por difratometria de raios-X (figura 4).


A partir dos resultados dos ensaios dilatométricos e dos botões de fusão obteve-se as curvas características de comportamento da viscosidade em função da temperatura, apresentadas na figura 5.


Os resultados indicam uma redução da viscosidade na faixa de temperaturas de interesse com a adição de Na2CO3, apresentando uma queda em torno de 100oC da temperatura de meia esfera, quando do aumento de 1% para 5% em massa de Na2CO3.

O valor da viscosidade para qualquer outra temperatura pode ser calculado utilizando-se a equação de Vogel-Fucher-Tamman (Magrini et al.2):

onde as constantes A, B e T0 são calculadas a partir dos valores de T1, T2 e T3 através das seguintes equações:

Navarro3 afirma que o comportamento visco-plástico, o qual os vidros apresentam a altas temperaturas permite que a trabalhabilidade destes seja adequada a um intervalo de temperaturas relativamente amplo, através do uso de diversos processos produtivos. O vidro é submetido a um tratamento térmico prévio na zona de trabalho com objetivo de estabilizar a sua viscosidade, uma vez que o valor desta propriedade limita não somente a utilização dos distintos processamentos de moldagem como também, o rendimento do processo de fabricação, variável fundamental nos sistemas automatizados. A tabela 3 indica os valores de viscosidade requeridos para algumas operações de conformação de vidros (Navarro3). O intervalo de moldabilidade de vidros está compreendido, aproximadamente, entre 103 e 107 dP.a.s.

Para o vidro obtido no presente estudo, com adição de 3% em massa de Na2CO3, obtém-se os seguintes valores de viscosidade para as temperaturas características:

Ponto de transformação: T1=680oC

Ponto de amolecimento: T2=720oC

Ponto de meia-esfera: T3=1310oC

Aplicando-se estes valores às equações (2), (3) e (4) determina-se os respectivos valores:

A=3,17

B=1013

T0=577

Substituídos na equação (1), resulta:

A partir da equação (5) é agora possível descrever a curva logarítmica viscosidade vs. temperatura, apresentada na figura 5. A equação de Vogel-Fulcher-Tamman para o sistema em questão, torna-se:

Aplicando-se os valores de viscosidade da tabela 3 na equação (6) pode-se estimar os intervalos de temperatura para os diferentes processos de conformação de vidros. No caso particular do processo de prensagem, os valores da temperatura de trabalho situam-se entre 840 e 1340oC.

Após os tratamentos térmicos de nucleação e cristalização os materiais analisados por DRX acusaram a presença do aluminossilicato de lítio (LiAlSi3O8), para as composições de 1% e 3% em massa de Na2CO3 (figura 6), enquanto que no caso da adição de 5% de Na2CO3, foi detectada a presença da fase nefelina (NaAlSiO4), além de outra fase cristalina não identificada.


A análise em MEV dos corpos de prova submetidos ao tratamento térmico de nucleação e crescimento de cristais revelou a presença de nanocristais de aluminossilicato de lítio (LiAlSi3O8), na forma de plaquetas aleatoriamente distribuídas no volume da matriz, para as composições de vidro contendo adições de 1% e 3% em massa de Na2CO3, conforme pode ser verificado na figura 7. O tamanho médio dos cristais situa-se em torno de 300 nm, indicando um grande potencial da vitro-cerâmica produzida no sentido de se alcançar elevado desempenho relativamente às propriedades mecânicas, visto que a tenacidade e a resistência à fratura e, por conseguinte, a confiabilidade estrutural de componentes frágeis são fortemente dependentes da microestrutura resultante, em especial do tamanho dos cristais e de sua homogeneidade quanto à distribuição de tamanhos, assim como do teor de fase vítrea residual (Schatt7, Danzer und Telle8 e Boccaccini9).


Os corpos de prova contendo 5% de Na2CO3 apresentaram uma distribuição de tamanho de cristais bi-modal composta de: (i) partículas de morfologia poligonal quadrática de tamanho micrométrico, identificadas como nefelina (NaAlSiO4) e (ii) partículas de forma esférica de dimensões nanométricas, como pode ser observado na figura 8 (a, b, c).


CONCLUSÕES

· A análise morfológica das composições com adições de 1% e 3% de Na2CO3 mostrou a presença de nanocristais de tamanho médio de 200nm na forma de plaquetas distribuídas aleatoriamente no volume da matriz, identificadas como aluminossilicato de lítio (LiAlSi3O8).

· A adição de 3% Na2CO3 à mistura cinza volante e Li2O produz uma redução significativa da viscosidade do vidro a altas temperaturas, sem inibir ou alterar o surgimento da fase final desejada (LiAlSi3O8), permitindo assim a obtenção de vitro- cerâmicas com grande potencial de interesse tecnológico.

· As propriedades mecânicas da vitro-cerâmica (LiAlSi3O8) derivado de cinza volante com adições de 8,10% Li2CO3 e 3% Na2CO3 (em massa) serão objeto de futuras investigações.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos órgãos de fomento à pesquisa CNPq e CAPES pelo apoio financeiro na forma de bolsas de estudo aos autores, e ao Laboratório de Materiais Vítreos da UFSCar/SP, pelo suporte técnico e disponibilização de equipamentos para realização de ensaios.

6. Zaro, M. A., et al. LMM/UFRGS e LABMAT/UFSC, 1994.

7. Schatt, W.; Springer Verlag Cap. 10, p. 332, 1992.

  • 1. Cioffi, R.; Pernice, P.; Arrone, A.; Catauro, M.; M. Journal of the European Ceramic Society 1994, 13, 143.
  • 2. Magrini, F.; Ferrari, R.; Brunetti, P.; Ceramica Informazione 1979, 171, 391.
  • 3. Fernandéz Navarro, J. Ma; Ed. Consejo Superior de Investigaciones Científicas 2a ed. Madrid, 1991.
  • 4. Vicente-Mingaro, I.; Callejas, P.; Rincon, J. Ma.; Boletin Sociedade Espanhola Ceramica e Vidro. 1993, 32, 157.
  • 5. Marotta, A.; Buri, A.; Branda, F.; Journal of Materials Science 1981, 16, 341.
  • 8. Danzer, R.; Telle, R.; Material-kundliche Technische Reihe 1990, Band 9., 463.
  • 9. Boccaccini, A.; Materials Science and Engineering 1996, 219, 26.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2002
  • Data do Fascículo
    Jul 1998

Histórico

  • Aceito
    21 Maio 1998
  • Recebido
    02 Dez 1996
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