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Estudo químico-computacional da reatividade de aziridinona e diaziridinona através de cálculos semi-empíricos

A semiempirical computational study of aziridinone and diaziridinone reactivity

Resumo

The results of semiempirical molecular orbital calculations performed on aziridinone and diaziridinone employing the MNDO, AM1, and PM3 molecular models are presented. The AM1 method, which best reproduces ground-state molecular properties, is used to calculate electronic parameters and the use of these parameters for the evaluation of reactivity is discussed.

aziridinone; diaziridinone; reactivity; semiempirical


aziridinone; diaziridinone; reactivity; semiempirical

ARTIGO

Estudo químico-computacional da reatividade de aziridinona e diaziridinona através de cálculos semi-empíricos

Silvio do Desterro Cunha*

Instituto de Química - Universidade Federal de Goiás - Campus Samambaia - CP 131 - 74001-970 - Goiânia - GO

Melchior Antônio Momesso# # Endereço atual: Depto. de Química - UFSCar - Via Washington Luis, Km. 235 - CP 276 - 13565-905 - São Carlos - SP

Instituto de Química - Universidade Estadual de Campinas - CP 6154 - 13081-970 - Campinas - SP

* e-mail:silvio@quimica.ufg.br

Recebido em 3/10/97; aceito em 24/3/98

A semiempirical computational study of aziridinone and diaziridinone reactivity. The results of semiempirical molecular orbital calculations performed on aziridinone and diaziridinone employing the MNDO, AM1, and PM3 molecular models are presented. The AM1 method, which best reproduces ground-state molecular properties, is used to calculate electronic parameters and the use of these parameters for the evaluation of reactivity is discussed.

Keywords: aziridinone; diaziridinone; reactivity; semiempirical.

INTRODUÇÃO

A compreensão do comportamento químico de moléculas orgânicas polifuncionais apresenta-se como um desafio ao químico. Mesmo em moléculas relativamente simples, muitas vezes, o conhecimento da química dos grupos funcionais presentes não é suficiente, sozinho, para esclarecer todos os aspectos relacionados ao padrão de reatividade encontrado, e em moléculas polifuncionais que associam tensão anelar esta situação é ainda mais complexa. O emprego do tratamento típico da teoria de ligação de valência, com ligações localizadas e deslocamento de pares de elétrons, é infrutífero em moléculas com este grau de complexidade estrutural1, 2.

Por outro lado, o estudo de moléculas polifuncionais pode ser adequadamente abordado empregando-se os métodos baseados na teoria dos orbitais moleculares. Tais métodos fornecem dados estruturais e eletrônicos extremamente úteis na compreensão da reatividade química1, 2, 3.

Aziridinonas (1, a-lactamas) e diaziridinonas (2) são heterocíclos de três membros, tensionados e densamente funcionalizados, que apresentam em comum uma carbonila e um nitrogênio no anel, e têm sido empregados como intermediários em síntese orgânica4,5. Entretanto, comparados a outros compostos cíclicos de três membros como, por exemplo, trans-di-tert-butilciclopropanona, 1 e 2 são pouco reativos frente a nucleófilos. As reações com álcoois e aminas requerem refluxo prolongado e os rendimentos são baixos ou moderados4. Estas mesmas reações são consideravelmente aceleradas quando catalisadas por metais de transição, e os produtos sugerem coordenação através do átomo de nitrogênio de 1 e 2 , mesmo com metais duros4.

Para racionalizar estes fatos, procurou-se lançar mão de dados estruturais e eletrônicos descritos na literatura, mas nenhum dos cálculos disponíveis6 apresenta propriedades eletrônicas tais como coeficientes dos orbitais de fronteira, cargas, etc., necessários no estudo da reatividade química1,2,3. Além disso, não há nenhum cálculo para diaziridinona, e para aziridinona os cálculos são, na sua maioria, cálculos ab initio para moléculas modelos, sem existência real.

Nosso interesse pela reatividade de anéis de três membros7 motivou o presente trabalho, onde estuda-se teoricamente a aziridinona e a diaziridinona, avaliando-se qual método semi-empírico representa melhor as propriedades moleculares de 1 e 2 , empregando-se os parâmetros eletrônicos assim obtidos para racionalizar suas reatividades.

Detalhes Computacionais

Todos os cálculos foram realizados usando os métodos semi-empíricos AM18, PM39 e MNDO10 implementados no pacote de cálculos SPARTAN 4.011, em uma estação de trabalho IBM RISC System/6000. Todas as geometrias foram otimizadas sem nenhuma restrição, usando-se o método BFGS12-15, e representam mínimos de energia pela análise de suas matrizes de Hess.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na busca do método semi-empírico mais adequado para estudar os sistemas aziridinona e diaziridinona, procurou-se avaliar qual método (MNDO, AM1, PM3) reproduz melhor os parâmetros estruturais experimentais de 1 e 2 , validando-se, assim, o método semi-empírico mais adequado para calcular as propriedades eletrônicas. Os dados de raio X da 1,3-diadamantilaziridinona (3)16 e da bis-(p-bromo,a,a-dimetilbenzil)-diaziridinona (4)17 são apresentados nas Tabelas 1 e 2, respectivamente, e comparados com os resultados obtidos nos cálculos semi-empíricos.

Os três métodos apresentam uma boa concordância na reprodução dos parâmetros estruturais experimentais, mas os dados dos cálculos AM1 e PM3 são, em geral, ligeiramente superiores aos dados do cálculo MNDO, e quando se compara os potenciais de ionização de 1 (Tabela 3)18, a mesma tendência é observada. A análise dos erros médios na reprodução dos parâmetros estruturais e eletrônicos (ver Tabelas 1, 2 e 3) favorece o emprego dos métodos AM1 e PM3, mas como o método AM1 apresentou a maioria de erros médios menores, foi o selecionado para calcular as propriedades eletrônicas de 1 e 2, corroborando nosso estudo anterior que demostrou a melhor adequação do método AM1 para anéis de três membros densamente funcionalizados7. Para simular a interação dessas moléculas com ácidos de Lewis, as propriedades estruturais e eletrônicas das moléculas protonadas (1a, 1b, 1c, 2a e 2b) foram calculadas, e os resultados são apresentados conjuntamente na Tabela 4.

Aziridinona (1) e diaziridinona (2) são moléculas bidentadas cuja coordenação à espécies catalíticas pode ocorrer no oxigênio ou no nitrogênio. Aplicando-se o princípio de dureza/moleza1, a protonação destas espécies deve ocorrer preferencialmente no oxigênio (a aziridinona admite duas formas de protonação no oxigênio de igual estabilidade, 1b, com o proton cis ao nitrogênio, e 1c, com o hidrogênio trans, Tabela 4); todavia, o cálculo da estabilidade relativa revela que as espécies N-protonadas (1a, 2a) são cerca de 20 Kcal/mol mais estáveis que as espécies O-protonadas (1b, 1c, 2b). Os valores dos coeficientes de funções atômicas no HOMO de 1 e 2 também favorecem a N-protonação, pois é sobre os átomos de nitrogênio que se encontram os maiores valores (Tabela 4), o que leva a interações mais estabilizantes.

O grau de pirimidização, que refere-se à geometria tetraédrica do átomo central com relação aos seus ligantes, no átomo de nitrogênio de 1 e 2 é evidenciado pelos cálculos e sugere um forte caráter de hibridação sp3. Nas espécies N-protonadas de 1, o ângulo de pirimidização j permanece praticamente inalterado quando comparado à espécie neutra, mas nas espécies O-protonadas este ângulo tende a zero (Fig. 1). A ordem de ligação N_C carbonílico também aumenta de 1,00 para 1,53 (1®1b, Tabela 4), evidenciando conjugação do nitrogênio com a carbonila. Estes dados sugerem hibridação sp2 para o nitrogênio na espécie O-protonada (1b e 1c), o que proporciona um aumento considerável da tensão anelar no anel da aziridinona, sendo que este é o fator responsável pela pequena energia de ressonância de 1 (12,5 Kcal/mol)6c, Figura 2. Para a diaziridinona, a pirimidização dos dois átomos de nitrogênio é significativa tanto na molécula neutra como nas formas protonadas. Aqui, nem mesmo a O-protonação hibridiza o nitrogênio a sp2, uma vez que o ângulo de pirimidização j de 2b é 46,8 e a ordem de ligação N-C carbonílico praticamente não se altera quando comparado à espécie neutra (Tabela 4, 2®2b, de 0,94 para 1,09). Esta resistência à hibridação sp2 do nitrogênio nas espécies O-protonadas deve relacionar-se à presença de quatro elétrons p no anel, o que levaria a um núcleo antiaromático.



Dessa forma, os argumentos cinéticos, termodinâmicos e estruturais acima discutidos favorecem a coordenação de 1 e 2 com ácidos de Lewis no nitrogênio do anel, em detrimento à O-coordenação, independente de sua natureza duro/mole, o que vem ao encontro dos dados experimentais. Esta N-coordenação aumenta a reatividade de 1 e 2 frente a nucleófilos pois, além de abaixar a energia do LUMO dessas espécies, elimina a repulsão entre o par de elétrons do nitrogênio e o nucleófilo que se aproxima. A racionalização aqui apresentada, da forma como esta catálise ocorre, proporcionando reações rápidas e seletivas, aumenta o potencial de aziridinonas e diaziridinonas como intermédiários em síntese orgânica.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas de doutorado concedidas, ao Instituto de Química da UNICAMP pelas facilidades computacionais, onde todos os cálculos foram realizados, e ao Dr. Marcus César Mandolesi Sá, pela leitura e comentários criteriosos.

REFERÊNCIAS

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3. Para um excelente artigo sobre o assunto ver: Barreiro, E. J.; Rodrigues, C. R.; Albuquerque, M. G.; Sant'Anna, C. M. R.; Alencastro, R. B.; Quím. Nova 1997, 20, 300.

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  • 2. Pross, A.; Theoretical and Physical Principles of Organic Reactivity; John Wiley & Sons; New York, 1995.
  • 3. Para um excelente artigo sobre o assunto ver: Barreiro, E. J.; Rodrigues, C. R.; Albuquerque, M. G.; Sant'Anna, C. M. R.; Alencastro, R. B.; Quím. Nova 1997, 20, 300.
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  • 18. Treschanke, L.; Rademacher, P.; J. Mol. Struct. (Theochem) 1985, 23, 47.
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    Endereço atual: Depto. de Química - UFSCar - Via Washington Luis, Km. 235 - CP 276 - 13565-905 - São Carlos - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2000
    • Data do Fascículo
      Fev 1999

    Histórico

    • Aceito
      24 Mar 1998
    • Recebido
      03 Out 1997
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