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Método potenciométrico para determinação de cobre em cachaça

Potentiometric method for copper determination in sugarcane spirit

Resumo

'Cachaça' is the Brazilian name for the spirit obtained from sugarcane. According to Brazilian regulations, it may be sold raw or with addition of sugar and may contain up to 5 mg/L of copper. Copper in "cachaça" was determined by titration with EDTA, using a homemade copper membrane electrode for end-point detection. It was found a pooled standard deviation of 0,057 mg/L and there was no significant difference between the results obtained by the potentiometric method and by flame atomic absorption spectrometry with standard addition. Among the 21 'cachaça' samples from 16 different brands analyzed, three overpassed the legal copper limit. For its characteristics of accuracy, precision, and speed, the potentiometric method may be employed advantageously in routine analysis, specially when low cost is a major concern.

copper electrode; EDTA titration; sugarcane spirit


copper electrode; EDTA titration; sugarcane spirit

ARTIGO

Método potenciométrico para determinação de cobre em cachaça

Ivo L. Küchler* e Fernando Antônio M. Silva

Instituto de Química - Universidade Federal Fluminense - 24020-150 - Niterói - RJ

Recebido em 5/5/98; aceito em 3/9/98

Potentiometric method for copper determination in sugarcane spirit. 'Cachaça' is the Brazilian name for the spirit obtained from sugarcane. According to Brazilian regulations, it may be sold raw or with addition of sugar and may contain up to 5 mg/L of copper. Copper in "cachaça" was determined by titration with EDTA, using a homemade copper membrane electrode for end-point detection. It was found a pooled standard deviation of 0,057 mg/L and there was no significant difference between the results obtained by the potentiometric method and by flame atomic absorption spectrometry with standard addition. Among the 21 'cachaça' samples from 16 different brands analyzed, three overpassed the legal copper limit. For its characteristics of accuracy, precision, and speed, the potentiometric method may be employed advantageously in routine analysis, specially when low cost is a major concern.

Keywords: copper electrode; EDTA titration; sugarcane spirit.

INTRODUÇÃO

Apesar do cobre ser um dos principais metais de transição presentes no corpo humano, seu excesso no organismo é nocivo, pela interferência nas atividades catalíticas normais de algumas enzimas1. O controle eficiente do teor de cobre em aguardente de cana é muito importante, pois o consumo per capita desta bebida no Brasil é elevado, e o teor máximo de cobre permitido pela legislação brasileira2 (5 mg/L) é relativamente alto. O método oficialmente aceito no Brasil para a determinação de cobre em aguardente é a quantificação espectrofotométrica com dietilditiocarbamato em álcool amílico3. Nos Estados Unidos a AOAC4 recomenda a espectrometria de absorção atômica em chama (EAA), com os padrões preparados numa mistura 50% v/v de etanol e água. Métodos voltamétricos também tem sido empregados em análises de rotina5. A potenciometria com eletrodo seletivo de cobre já foi utilizada para determinar cobre em álcool hidratado6, mas não em aguardente. Levando-se em conta que a potenciometria utiliza instrumental mais simples e de custo menor que os outros métodos mencionados, além de prescindir de solventes orgânicos, foi proposto como objetivo deste trabalho estudar a viabilidade do emprego de um método potenciométrico para a determinação de cobre em aguardente de cana, com utilização de um eletrodo íon-seletivo de cobre construído em laboratório. Foram testadas tanto a potenciometria direta como a titulação potenciométrica, e os resultados foram comparados com os da espectrometria de absorção atômica em chama.

PARTE EXPERIMENTAL

Instrumentação: As medidas potenciométricas foram realizadas com um analisador de íons ANALION, modelo IA-601, usando como indicador um eletrodo de membrana de cobre construído no laboratório, e como referência um eletrodo de prata/cloreto de prata de junção dupla (DIGIMED). As análises por EAA foram realizadas nos espectrômetros de absorção atômica VARIAN AA-175 e Perkin Elmer 3100, nas condições recomendadas pelos manuais dos instrumentos.

Eletrodo de membrana de cobre: A construção da membrana de sulfeto de cobre seguiu os procedimentos de Oliveira Neto et al.6. Durante a prensagem adicionou-se cobre metálico a uma das faces da membrana, para facilitar o contato elétrico. A membrana foi soldada com solda de estanho/chumbo a um fio de prata de 0,5 mm de diâmetro e colada com borracha de silicone à extremidade de um tubo de vidro de diâmetro apropriado (Figura 1). A extremidade livre do fio de prata foi ligada ao fio central de um cabo coaxial, com auxílio de um conector elétrico.


Potenciometria direta com adição de padrão7: Adicionou-se KNO3 na proporção de 0,01 mol/L às amostras de cachaça e mediu-se o potencial com o eletrodo de cobre. Em seguida foram feitas adições de 25 µL de Cu(NO3)2 5,0 x 10-2 mol/L, medindo-se o potencial após cada adição.

Titulações potenciométricas: Adicionaram-se 1 mL de KNO3 1 mol/L e 50 mL de água desmineralizada a 50,0 mL de amostra, e titulou-se com EDTA 1,00 x 10-3 mol/L em incrementos de 50 µL, medindo-se o potencial com o eletrodo de cobre.

Espectrometriade absorção atômica em chama: No método da curva analítica, foram preparadas soluções de cobre na faixa de 0,50 a 7,50 mg/L em etanol 50% v/v. As soluções analíticas de cobre foram preparadas a partir do padrão Titrisol MERCK. No método de adição de padrão, três alíquotas de 10,00 mL de amostra receberam adições de 25, 50 e 75 µL de cobre 1000 mg/L.

Amostras: No período de setembro/96 a maio/97 foram adquiridas, em supermercados da região metropolitana do Rio de Janeiro, 21 amostras de cachaça, das seguintes marcas: Caninha da Roça (Rio das Pedras/SP), Chacarinha (Paraíba do Sul/RJ), Chaleira (Paraíba do Sul/RJ), Chave de Ouro (Acarape/CE), Jacutinga (Nova Friburgo/RJ), Paduana (Sto. Antônio de Pádua/RJ), Pirassununga 51(Chácara do Taboão/SP), Pitú (Vitória de Sto. Antão/PE), Praianinha (S. João da Barra/RJ), São Francisco (Resende/RJ), Sapucaiense (Sapucaia/RJ), Uma Pinga (Sapucaia/RJ), Velha Trianon (Rio de Janeiro/RJ), Velha Guarda (Paraíba do Sul/RJ), Velho Barreiro (Rio Claro/SP) e Ypióca (Maranguape/CE). As amostras, cujas características se encontram na Tabela 1, foram escolhidas por serem facilmente encontradas em supermercados, indicando seu amplo consumo na região. Algumas marcas tiveram mais de uma amostra analisada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As curvas analíticas dos eletrodos de membrana de cobre apresentam linearidade na faixa de 10-2 a 10-6 mol/L de cobre, tanto em água como em soluções alcoólicas. A inclinação da curva analítica é aproximadamente constante, mas a interseção com o eixo das ordenadas (E*) depende da proporção de etanol na mistura (Figura 2). A partir destes resultados preliminares, foi feita a determinação potenciométrica de cobre em cachaça com o método de adição de padrão, como uma forma de eliminar uma eventual interferência de matriz. No entanto, a maioria das 20 amostras testadas com este procedimento apresentou erros elevados, tomando-se como referência a EAA. Adicionalmente, em algumas amostras ocorreu falta de reprodutibilidade dos resultados.


Estes problemas devem ser atribuídos à diferença de composição entre as diversas marcas de cachaça, assim como à presença de compostos orgânicos potencialmente interferentes (açúcares, ácidos, etc.). Para tentar reduzir a eventual interferência causada por compostos orgânicos, algumas amostras foram digeridas com ácido sulfúrico3 antes da medida potenciométrica. Este procedimento, no entanto, aumentou muito o tempo de análise, sem melhorar a reprodutibilidade.

Em seguida foi feita a titulação potenciométrica com EDTA, usando como indicador o eletrodo de membrana de cobre. Não houve diferença entre os volumes finais das titulações feitas em meio tamponado (pH 5,0)8 e das conduzidas somente em meio de eletrólito. A provável explicação para este resultado, é que a presença de ácidos orgânicos e seus sais nas amostras já estabiliza suficientemente o pH numa faixa adequada para a determinação de cobre.

Os resultados das determinações de cobre em cachaça estão representados na Tabela 1. A precisão do método foi avaliada através do desvio-padrão combinado (sc) de 21 amostras: 0,057 mg/L. A partir deste desvio-padrão, calculou-se um limite de confiança de ± 0,14 mg/L para os resultados, ao nível de 95% de confiança. Estes valores são idênticos aos obtidos por espectrometria de absorção atômica em chama. O limite de detecção (LD) da titulação potenciométrica foi estimado em 0,03 mg/L, equivalente a 1 gota do titulante. A técnica de EAA forneceu praticamente o mesmo resultado: 0,02 mg/L (LD = 3 sB).

Para avaliar a exatidão, os resultados da titulação potenciométrica foram comparados com os da EAA com adição de padrão (Tabela 2). O método de adição de padrão (EAA-Adição) foi escolhido como referência, por ser pouco suscetível às variações do teor de álcool e de açúcar entre as amostras9. A regressão linear do método potenciométrico versus o método de EAA-Adição (Figura 3) fornece coeficiente angular a = 0,963 ± 0,041 e coeficiente linear b = 0,046 ± 0,122 ; estes coeficientes não diferem significativamente dos valores ideais de 1 e 0, respectivamente. Portanto não há evidência de diferença entre os 2 conjuntos de resultados, ao nível de 95% de confiança10. O coeficiente de correlação, r2 = 0,9924, fundamenta esta conclusão.


As mesmas amostras foram determinadas por espectrometria de absorção atômica com o método da curva analítica (EAA-Curva) e os resultados comparados com os da EAA-Adição (Tabela 2). Neste caso os coeficientes, a = 0,905 ± 0,036 e b = 0,158 ± 0,100, não permitem excluir a hipótese de que a inclinação e a interseção sejam diferentes dos valores ideais de 1 e 0, respectivamente10. Por outro lado, o valor do coeficiente de correlação, r2 = 0,9931, indica concordância entre os resultados dos dois métodos.

De acordo com o método potenciométrico, as amostras C11, C16 e C20 apresentaram teores de cobre acima do limite permitido: respectivamente 5,86 ; 5,74 e 5,34 mg/L. O método EAA-Adição também reprovou as amostras C11 e C16, enquanto para amostra C20 o intervalo de confiança (5,14 ± 0,14 mg/L) inclui o valor limite. Isto indica claramente que alguns produtores não fazem um controle adequado do teor de cobre na cachaça, e que a fiscalização pelos órgãos governamentais responsáveis precisa ser mais frequente. O alto índice de amostras reprovadas realça a importância de se desenvolver e implantar métodos simples, confiáveis e de custo relativamente baixo, de modo que até pequenos fabricantes possam garantir a qualidade de seu produto.

CONCLUSÕES

O eletrodo seletivo de cobre de membrana foi aplicado na titulação potenciométrica de cobre com EDTA em amostras de aguardente de cana, obtendo-se precisão (sc = 0,057 mg/L) e limite de detecção (LD = 0,03 mg/L) equivalentes aos da espectrometria de absorção atômica em chama com adição de padrão. A comparação entre os dois métodos mostrou que os resultados obtidos não diferem significativamente a nível de 95% de confiança. Das 21 amostras analisadas, três ultrapassaram o limite de 5 mg/L de cobre. O método mostrou-se simples e rápido, com um consumo de reagentes muito reduzido e um equipamento de custo relativamente baixo, sendo portanto indicado ao controle rotineiro do teor de cobre em cachaça nos locais de produção.

AGRADECIMENTOS

À Profa. Silvia Serrano (IQ/USP), pelas valiosas informações sobre o eletrodo de membrana; ao Prof. Ricardo Santelli (IQ/UFF), pela utilização do espectrômetro Perkin Elmer; à Profa. Soly Moreira (IQ/UFF), pelas inestimáveis contribuições ao texto; e ao CNPq, pela concessão das bolsas.

REFERÊNCIAS

1. Sargentelli, V.; Mauro, A. E. e Massabni, A. C.; Quím. Nova 1996, 19, 290.

2. Ministério da Agricultura; Complementação de Padrões de Identidade e Qualidade para Destilados Alcóolicos; Portaria n 371; Brasília 1974.

3. Instituto Adolfo Lutz; Normas Analíticas do Instituto Adolfo Lutz Vol. 1; São Paulo 1976. p. 270-271.

4. AOAC; Official Methods of Analysis 15th Ed.; Association of Official Analytical Chemists; Arlington 1990.

5. Barbeira, P. J. S.; Mazo L.H.; Stradiotto, N. R.; Analyst 1995, 120, 1647.

6. Oliveira Neto, G.; Serrano, S. H. P.; Neves, E. F.A.; Anal. Let. 1987, 20, 1363.

7. NBS; Ion-Selective Electrodes. NBS Special Publ. No. 314; R. A. Durst Ed.; Washington, 1969.

8. Flaschka, H. A.; EDTA Titrations; Compton Printing; London, 1967.

9. Lima Neto, B. S., Bezerra, C. W. B.; Polastro, l. R.; Campos, P.; Nascimento, R. F.; Franco, D. W.; Quím. Nova 1994, 17, 220.

10. Miller, J. C.; Miller, J. N.; Statistics For Analytical Chemistry. 3rd. Ed.; Ellis Horwood; N. York, 1993. p. 120.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 1999

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 1998
  • Aceito
    03 Set 1998
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