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Influência da acidez do meio sobre a síntese e o comportamento redox do polipirrol

Influence of the medium acidity on the synthesis and redox behavior of polypyrrole

Resumo

The influence of acidity on the synthesis and redox behavior of polypyrrole films was studied using galvanostatic and potentiodynamic techniques employing aqueous solutions formed by H2SO4/Na2SO4 , HCl/NaCl and HCl/CsCl. The chemical structure of the films were investigated using the FTIR technique. The polymer behavior as a function of the pH used in the cyclic voltammetric measurements is explained in terms of the mechanism responsible for the charge compensation formed during the polymer chain oxidation. From the FTIR measurements, it is seen that the water nucleophilic attack during the synthesis, does not occur under the experimental conditions employed in this work.

conducting polymers; polypyrrole; redox behavior


conducting polymers; polypyrrole; redox behavior

ARTIGO

Influência da acidez do meio sobre a síntese e o comportamento redox do polipirrol

Márcia T. Giacomini e Edson A. Ticianelli

Instituto de Química de São Carlos - USP - CP 780 - 13560-970 - São Carlos - SP

Recebido em 1/6/98; aceito em 16/1/99

Influence of the medium acidity on the synthesis and redox behavior of polypyrrole. The influence of acidity on the synthesis and redox behavior of polypyrrole films was studied using galvanostatic and potentiodynamic techniques employing aqueous solutions formed by H2SO4/Na2SO4 , HCl/NaCl and HCl/CsCl. The chemical structure of the films were investigated using the FTIR technique. The polymer behavior as a function of the pH used in the cyclic voltammetric measurements is explained in terms of the mechanism responsible for the charge compensation formed during the polymer chain oxidation. From the FTIR measurements, it is seen that the water nucleophilic attack during the synthesis, does not occur under the experimental conditions employed in this work.

Keywords: conducting polymers; polypyrrole; redox behavior.

INTRODUÇÃO

Com a descoberta, na década de 70, de que alguns polímeros tornavam-se condutores intrinsecamente eletrônicos quando dopados1, o interesse por polímeros condutores aumentou muito, visto que apresentam elevado grau de combinação, condutividade elétrica modulável, baixa densidade, facilidade de fabricação e são derivados de elementos abundantes na natureza, o que possibilita sua utilização para fins tecnológicos. Como estes polímeros se formam com incorporação de ânions (denominados "dopantes"), a natureza dos mesmos influencia as propriedades físicas, mecânicas e eletrônicas dos materiais resultantes2. Em suas aplicações atuais, estes polímeros têm apresentado bons resultados quando utilizados como eletrodos em baterias e em sensores, como materiais eletrocrômicos em "displays" e em janelas para filtragem da radiação solar, como recobrimentos anti-corrosivos, como substituinte de condutores metálicos, membranas biomédicas, dispositivos de troca-iônica e uma infinidade de outras aplicações2.

A linha geral na qual se focaliza o presente trabalho está relacionada com a utilização dos polímeros condutores como suporte de certos eletrocatalisadores, como por exemplo, pó de platina e macrociclos de metais de transição3-7. Tais compósitos são depositados em eletrodos formados por materiais eletroquimicamente inertes e investigados como agentes catalíticos para diversas reações, como por exemplo, a reação de oxidação de hidrogênio e de pequenas moléculas orgânicas, tais como ácido fórmico e metanol, e a redução de oxigênio, água e gás carbônico3-7. A matriz polimérica condutora permite criar uma estrutura tridimensional para a ancoragem dos eletrocatalisadores, propiciando aumentos consideráveis da área efetiva reacional. Resulta claro, portanto, que as propriedades dos filmes poliméricos utilizados bem como o seu comportamento redox são fatores bastante importantes na definição do efeito eletrocatalítico.

O polipirrol tem sido um dos polímeros mais freqüentemente estudados nos últimos anos8, tendo sido empregado com sucesso como suporte de diversos eletrocatalisadores7. Mesmo havendo um consenso geral sobre vários fenômenos que ocorrem durante o seu processo redox8, pouco tem sido mencionado sobre o efeito do controle da acidez nos mesmos, em particular para o polipirrol em meios fortemente ácidos, os quais são os mais indicados para estudo envolvendo eletrocatalisadores dispersos7. Neste trabalho é feito um estudo da influência da acidez do meio sobre a síntese e o comportamento redox de filmes de polipirrol em soluções aquosas contendo eletrólitos de suporte formados por diferentes ânions e cátions. Os estudos eletroquímicos da síntese e do comportamento redox foram realizados utilizando-se técnicas galvanostáticas e potenciodinâmicas e as propriedades químicas dos filmes foram investigadas com a técnica de FTIR.

PARTE EXPERIMENTAL

Os reagentes H2SO4, Na2SO4, HCl, NaCl (Merck, PA) e CsCl (Vetec, PA) foram utilizados como recebidos. O monômero de pirrol (Aldrich) foi destilado sob pressão reduzida na presença de zinco sólido e armazenado em baixas temperaturas (aproximadamente 0oC) em atmosfera inerte e na ausência de luminosidade. As soluções eletrolíticas de H2SO4, H2SO4/Na2SO4, HCl, HCl/NaCl e HCl/CsCl, nos vários pH foram preparadas com água obtida de sistema de purificação do tipo Milli-Q. As concentrações destas soluções foram estabelecidas de forma a se manter a força iônica constante.

Para os estudos eletroquímicos e as medidas de FTIR, o eletrodo de trabalho consistiu de uma lâmina de platina policristalina retangular. Como eletrodo auxiliar, utilizou-se um eletrodo de placa de platina e, em todos os casos, utilizou-se o eletrodo de referência de calomelano saturado (ECS). Os experimentos foram realizados em uma célula convencional de um compartimento utilizando-se um Potenciostato/Galvanostato Mod. 273 da Princeton Applied Research.

Os filmes de polipirrol foram preparados a partir de soluções aquosas de pirrol dissolvido em H2SO4, H2SO4/Na2SO4 , HCl, HCl/NaCl e HCl/CsCl em vários pH (intervalo de 0,3 a 5,0 aproximadamente) e em temperatura ambiente (~25oC). A solução de eletrólito suporte era agitada por 20 min com o gás inerte (N2 super seco, White Martins) antes da adição do monômero pirrol para a remoção de todo o oxigênio dissolvido, o que garantia a não oxidação química do monômero. A concentração de pirrol nestas soluções foi de 0,05 M. O processo de deposição do filme sobre a superfície eletródica foi efetuado utilizando-se a técnica de eletrólise a corrente controlada, aplicando-se densidade de corrente igual a 400 µAcm-2. O tempo de crescimento dos filmes foi de 150 s para todos os ensaios voltamétricos e de 600 s para todas as análises de FTIR. Após o crescimento, era realizada uma varredura linear do potencial final de crescimento até o potencial igual a 0,0 V. O eletrodo contendo filme era então retirado da solução que continha monômero, lavado com água purificada em abundância e, posteriormente, lavado na solução onde se realizariam os outros estudos (no caso das medidas voltamétricas). Tem sido observado9 que o polipirrol pode ser oxidado pelo ar quando removido da solução no estado reduzido, porém, estudos elipsométricos realizados anteriormente para a obtenção de espectros e cálculo do coeficiente de extinção10 mostraram que o material polimérico recupera suas propriedades redox quando é reintroduzido na célula eletroquímica e o controle do potencial eletródico reestabelecido.

As voltametrias foram realizadas em temperatura ambiente (~25oC) em soluções de H2SO4 pH=0,4; H2SO4/Na2SO4 pH=0,7; 1,4; 2,5; 3,5 e 4,4; HCl pH=0,3; HCl/NaCl pH=0,4; 0,8; 1,8; 3,8 e 4,7; HCl/ CsCl pH=0,7; 1,2; 2,1; 4,1 e 5,0. Em todos os eletrólitos a força iônica foi mantida constante para cada conjunto de pH (µ= 0,5; 0,9; 1,3; 1,44; e 1,50, respectivamente). As velocidades de varredura empregadas foram de 5, 10, 20, 50, 75 e 100 mVs-1. O filme sintetizado em determinada solução foi ciclado nas outras soluções correspondentes ao mesmo sal, em todas as velocidades de varredura. Após terminar as experiências de voltametria cíclica em uma solução, o filme era lavado com água e com a solução na qual seria estudado na próxima etapa.

Para as medidas de FTIR, os filmes foram crescidos em eletrodo de placa de platina em soluções de H2SO4 pH=0,4; H2SO4/Na2SOv pH=4,4; HCl pH=0,3; HCl/NaCl pH=4,7 e HCl/CsCl pH=5,0. Após o crescimento, o filme era reduzido até o potencial 0,0 V, lavado com água, seco em estufa a 60oC por aproximadamente 12 horas, resfriado até temperatura ambiente e então colocado sob o orifício do sistema óptico utilizado para as medidas de FTIR por reflectância. As medidas foram realizadas sob vácuo para remoção de água residual e gás carbônico do seu interior em um aparelho do tipo BOMEM DA8 equipado com detector de Telureto de Mercúrio e Cádmio (MCT) resfriado com nitrogênio líquido. As medidas foram realizadas com 256 varreduras e 4 cm-1 de resolução. Os dados de reflectância foram obtidos tendo-se como referência o "single beam" (espectro) do eletrodo de platina lisa. Assim, a razão R/Ro, onde R é o espectro obtido para o eletrodo modificado (Pt/polipirrol) e Ro o espectro de platina lisa, é o espectro resultante dos fenômenos que acontecem no filme polimérico.

RESULTADOS

Medidas espectroscópicas de FTIR foram realizadas para verificar a estrutura química do polímero. Os resultados obtidos estão apresentados na Figura 1. Observa-se que as bandas encontradas nestas medidas estão de acordo com as apresentadas para medidas "in situ" em diversas outras condições experimentais11-14, conforme mostram as Tabelas 1 e 2.


Na Figura 2 são apresentados três conjuntos de voltamogramas estacionários (v=50 mVs-1) de polipirrol sintetizado em H2SO4/Na2SO4 pH=1,4 e ciclado em H2SO4/Na2SO4 pH=4,4; sintetizado em HCl/NaCl pH=1,8 e ciclado em HCl/NaCl pH=4,7 e sintetizado em HCl/CsCl pH=2,1 e ciclado em HCl/CsCl pH=5,0. Estes resultados ilustram o efeito do potencial de limite catódico de inversão de varredura para filmes sintetizados e ciclados em soluções contendo íons de diferentes tamanhos e valências, mas com pH próximos. Observa-se que, independentemente do limite catódico de potenciais, os perfis voltamétricos são qualitativamente semelhantes àqueles tipicamente apresentados para o polipirrol tanto em meios aquosos como não-aquosos15. Em todos os casos nota-se que no intervalo entre 0,1 a 0,4 V as magnitudes das correntes envolvidas nos processos anódico e catódico são praticamente independentes do limite catódico de inversão da varredura. Por outro lado, comparando-se os resultados da Figura 2, observa-se que o comportamento voltamétrico do polipirrol altera-se dependendo do íon que se utiliza para sua síntese ou no eletrólito empregado durante a obtenção do voltamograma. Para a solução que contém sulfato como ânion (Figura 2.A), os potenciais dos picos voltamétricos de oxidação e redução estão deslocados em aproximadamente 0,2 V na direção anódica em relação àquelas que contêm os ânions cloreto (Figuras 2.B e 2.C). Nenhum efeito significativo é observado quando se comparam os resultados onde se alterou o cátion utilizado (Figuras 2.B e 2.C).


Nas Figuras 3 e 4, estão apresentados os voltamogramas cíclicos (v=50 mVs-1) do polipirrol nos três eletrólitos em diferentes pH, para os polímeros sintetizados em diversas condições experimentais. Observa-se que em todas as condições praticamente não existem diferenças na forma dos voltamogramas dos polímeros sintetizados e ciclados em HCl/NaCl e HCl/CsCl. As diferenças entre os voltamogramas do polipirrol nestes dois eletrólitos e aqueles correspondentes a soluções de sulfato são muito pequenas para o polímero ciclado nos ácidos puros, independentemente das condições de síntese (Figura 3), porém estas se acentuam quando a ciclagem é feita em pH mais elevados (Figura 4).



A análise dos vários fenômenos mencionados acima também foi feita em termos da capacidade diferencial aparente da interface polímero/solução, uma vez que os mesmos resultaram equivalentes aos associados à corrente e à carga voltamétrica. A capacidade elétrica aparente foi obtida através dos coeficientes angulares das retas dos gráficos da corrente capacitiva em função da velocidade de varredura, de acordo com a equação

onde, C: capacidade elétrica aparente, Q: quantidade de carga acumulada na interface polímero/solução, V: diferença de potencial na interface polímero/solução, i: corrente capacitiva de carga da interface, t: tempo e v = ¶V/¶t : velocidade de varredura. Deve também ser notado que a relação acima é aproximada pois não toma em conta eventuais efeitos resistivos presentes entre o eletrodo de trabalho e a ponta do eletrodo de referência, razão pela qual a capacidade elétrica obtida é designada de "aparente".

Os voltamogramas apresentados nas Figuras 2 a 4 mostram que as correntes anódicas de carga da interface polímero/solução praticamente não dependem do potencial, para E acima de aproximadamente -0,2 V, o que indica que a capacidade é também praticamente independente do potencial. Os resultados desta análise são apresentados nas Figuras 5 e 6 onde são considerados os valores de capacidade obtidos no potencial de E = 0,4 V, para os experimentos nos diversos pH de ciclagem voltamétrica e de síntese dos polímeros, e para os vários meios considerados neste trabalho.



Observado-se os resultados das Figuras 5A e 5B, em termos gerais, nota-se que para os meios de H2SO4/Na2SO4 e HCl/NaCl, a capacidade é maior quando os polímeros são oxidados nos meios mais ácidos. O comportamento se estabiliza nos pH intermediários e decresce nos pH menos ácidos. No caso do HCl/CsCl (Figura 5.C) há um pequeno aumento da capacidade nos pH intermediários.

Por outro lado, comparando-se os resultados das Figuras 5 e 6, observa-se que o polímero sintetizado em H2SO4/Na2SO4 é o que apresenta a maior dependência das curvas de capacidade com o pH da síntese, além do que, os valores de capacidade são, no geral, menores que nos outros dois casos. Já os polímeros sintetizados em HCl/NaCl apresentaram valores de capacidade praticamente independentes do pH de síntese enquanto que no caso do HCl/CsCl a capacidade decresce lentamente em função do pH (de 5,2x103 a 4,8x103 µFcm-2). Finalmente, observa-se que os maiores valores de capacidade foram obtidos para os filmes sintetizados e oxidados nas soluções de HCl/NaCl.

DISCUSSÃO

Analisando os resultados das Figuras 1 e das Tabelas 1 e 2, observa-se que os polímeros possuem bandas no infra-vermelho posicionadas em números de ondas muito semelhantes independentemente do eletrólito e do pH no qual foram sintetizados, sendo que as mesmas são consistentes com as atribuições apresentadas na literatura11-14. Entretanto, algumas observações são distintas no presente trabalho em comparação com resultados já publicados. Estas podem ser resumidas da seguinte forma:

i) Espectros de FTIR obtidos para o polipirrol preparado em acetonitrila na presença de pequenas quantidades de água mostram uma intensa banda em 1115 cm-1, a qual foi atribuída à vibração da ligação C-O16 de polihidroxipirrol formado pelo ataque nucleofílico da água durante a síntese. Os espectros da Figura 1 mostram que esta banda não aparece para os filmes investigados neste trabalho, o que é uma indicação de que o ataque nucleofílico da água durante a síntese não ocorre nas condições de pH empregadas.

ii) Os meios ácidos fortes empregados na síntese17 ou o tratamento dado ao polímero após a síntese (exposição ao ar a 60oC) podem gerar grupos carbonila na cadeia polimérica18,19 resultando no aparecimento de uma banda intensa em torno de 1720 cm-1. Neste trabalho, o pequeno ombro observado em torno de 1700 cm-1 pode indicar a presença residual de grupos carbonila19 formados pela degradação termo-oxidativa do polímero devido ao tratamento dado aos filmes previamente às medidas de FTIR.

iii) O espectro obtido para o polímero sintetizado em presença de sulfato não mostra nenhuma evidência da presença deste íon na estrutura do polímero, já que nenhuma banda específica é encontrada em torno de 1100 cm-1 que é a região ativa para as vibrações do íon20. Este resultado mostra que a possibilidade de que o polímero reduzido protona-se em meios fortemente ácidos21, aprisionando sulfato ou hidrogênio sulfato para a compensação da carga gerada, não pode ser confirmada com os experimentos realizados. Isto deve-se ao fato de que antes da medida de FTIR o polímero foi extensivamente lavado com água pura (pH@7,0), o que deve ter ocasionado a desprotonação das cadeias. Tais conclusões aplicam-se também aos polímeros sintetizados nos outros meios eletrolíticos, já que os fenômenos abordados são em princípio dependentes apenas do pH de tratamento final dos polímeros.

Em resumo, através dos resultados de FTIR pode-se concluir que o perfil dos espectros obtidos são típicos de polímeros não-dopados16. A banda atribuída à ligação C-O por vários autores16-19 não foi observada neste trabalho, o que permite propor que nos meios ácidos empregados não há degradação do polímero durante o processo de síntese. Devido à pouca intensidade da banda encontrada por volta de 1700 cm-1 (provavelmente indicativa da presença de C=O16,19), conclui-se também que o tratamento dado aos filmes previamente à medida de FTIR (lavagem com água seguida por exposição ao ar a 60 oC) não introduz modificações químicas apreciáveis na estrutura das cadeias poliméricas.

Comparando-se os resultados do estudo do comportamento voltamétrico (Figuras 2 a 4) e da capacidade aparente (Figura 6) apresentados para os filmes de polipirrol sintetizados em HCl/NaCl e HCl/CsCl observa-se que os comportamentos de ambos são bastante similares, sendo que a capacidade permanece aproximadamente constante com o aumento do pH das soluções. As curvas que apresentam maiores diferenças em termos dos valores de capacidade e das tendências de variação em função do pH são as dos filmes obtidos em H2SO4/Na2SO4 .

Uma vez que todos os polímeros foram preparados utilizando a mesma carga de síntese, pode-se afirmar que estas diferenças são decorrentes das diferenças existentes entre os tamanhos e as cargas das espécies que compõem os eletrólitos. Os vários fenômenos observados para o comportamento voltamétrico (Figuras 2 a 4) e para as curvas de capacidade (Figura 6) em função das condições de síntese devem estar associados a um ou mais dos seguintes fatores: (i) à mudanças na densidade dos filmes; (ii) à mudanças na eficiência das sínteses que podem ocorrer em função da natureza do eletrólito empregado e/ou; (iii) às mudanças no número de sítios que participam no processo de oxi-redução, resultantes da eventual presença de defeitos estruturais na cadeia como, por exemplo, ligações cruzadas ou substituintes que levam a uma mudança na ressonância das ligações químicas.

Através dos resultados voltamétricos foi observado que o comportamento redox dos polímeros sintetizados em todas as condições experimentais é bastante influenciado pela natureza dos íons e pela acidez do meio empregado no seu estudo. Entre outros fatores, este fato está também relacionado com o mecanismo de compensação de cargas que se verifica durante a oxi-redução. Por este mecanismo, um contra-íon (íon dopante) estabiliza a carga no polímero gerada pela oxidação, porém sua mobilidade é geralmente muito menor que a da vacância existente na rede polimérica, fazendo com que o processo redox seja controlado pelo transporte de massa em solução.

Nos voltamogramas da Figura 3 nota-se que nos meios mais ácidos há uma grande similaridade de comportamento do polímero nos três eletrólitos, independentemente das condições de síntese. Nota-se também que a capacidade aparente (Figura 5) decresce em função do pH na região mais ácida (pH entre 0,3 e 1,0) para os três eletrólitos e para todos os polímeros preparados nas diversas condições de síntese. Tais efeitos podem ser explicados considerando que nos menores pH a saída de prótons do interior do filme deve corresponder ao fenômeno principal responsável pela compensação das cargas formadas durante o processo eletroquímico de oxidação da cadeia polimérica o que explica a similaridade dos voltamogramas da Figura 3. Nos menores pH (0,3-1,0), o decréscimo da capacidade diferencial em função do pH (Figura 5) deve ser resultante da diminuição da participação do próton (que apresenta maior mobilidade) no processo de compensação de cargas e da protonação da cadeia polimérica (ver mais adiante) a qual é decorrente da diminuição de sua concentração no meio eletrolítico.

Na faixa de pH subsequente (entre 1,0 e 3,5-4,0), a compensação de cargas deve ser promovida pela movimentação conjunta dos cátions e dos ânions que estão presentes em concentrações elevadas e praticamente constantes na solução. Este fato explica o comportamento aproximadamente constante das curvas de capacidade diferencial (correspondentes a pH de síntese constante) neste intervalo de pH para os três eletrólitos empregados.

Genies e Syed22 e Li e Qian21 propuseram que o polipirrol em meio ácido apresenta dois sítios diferentes de dopagem. Um dos sítios, designado sítio 1, é o sítio tradicional de dopagem, ou seja, a cadeia conjugada neutra:

O outro sítio de dopagem, designado sítio 2, é uma unidade protonada de pirrol na cadeia do polímero, a qual é completamente desprotonada em contato com uma solução a pH•7. Uma proposta21 de protonação b-C da unidade de pirrol foi dada como:

De acordo com a proposta de Li e Qian, em pH < 3 o polímero deve apresentar sítios protonados sendo que as respostas voltamétricas obtidas no presente trabalho seriam também determinadas por este fator. De acordo com Genies e Syed, em pH < 1 os sítios protonados oxidados contêm duas cargas positivas deslocalizadas, o que explica os valores maiores da capacidade diferencial aparente nesta região. Entre pH 1 e 7 a fração de sítios protonados diminui, ao mesmo tempo em que estes desprotonam-se após sofrer oxidação22. Isto resulta na presença de apenas uma carga deslocalizada no polímero oxidado e leva a um decréscimo da capacidade diferencial aparente. Entretanto, os resultados obtidos neste trabalho em soluções com pH acima de 4 permitem propor que somente acima deste pH a desprotonação é mais intensa, o que torna o polímero menos ativo eletroquimicamente e que resulta na diminuição da capacidade elétrica observada experimentalmente nos gráficos da Figura 5.

Apesar de o Na+ possuir raio iônico menor que o Cs+, em solução aquosa esse íon apresenta-se hidratado e então seu volume está bastante aumentado. No caso de cátions hidratados e ânions monovalentes (como Na+Cl- e Cs+Cl-), ocorre a predominância da entrada de ânions (Cl-) para a compensação de carga à medida que o mesmo é oxidado, devido à maior mobilidade do ânion (Cl-) em relação ao cátion hidratado8,12. Isto explica o fato de não haver diferenças grandes no comportamento do polipirrol nos meios NaCl e CsCl. O polipirrol na presença de Na2SO4 apresenta somente saída de cátions no início da oxidação. Ao longo da oxidação, passa a ocorrer cada vez mais entrada de ânions e, assim, no final da oxidação, somente ânions entram na cadeia polimérica8,12. Este fato explica o comportamento diferenciado do H2SO4/Na2SO4 em relação aos outros eletrólitos e com respeito ao perfil voltamétrico e às curvas de capacidade.

CONCLUSÃO

As medidas de espectroscopia de reflectância na região do infravermelho mostram que a possibilidade de que o polímero reduzido protona-se em meios fortemente ácidos de H2SO4/Na2SO4 21, aprisionando sulfato ou hidrogêniosulfato para a compensação da carga gerada, não pode ser confirmada. Isto deve-se ao fato de que antes da medida de FTIR o polímero foi extensivamente lavado com água pura, o que deve ter ocasionado a desprotonação das cadeias. Tais conclusões aplicam-se também aos polímeros sintetizados nos outros meios eletrolíticos, já que os fenômenos abordados são em princípio dependentes apenas do pH de tratamento final dos polímeros. Como também não foram encontradas as bandas atribuídas às ligações C-O, conclui-se que em meios fortemente ácidos não há degradação do polímero durante o processo de síntese por ataque nucleofílico da água, conforme tem sido proposto por vários autores16-19.

Através de estudos voltamétricos, concluiu-se que nos menores pH de ciclagem (independente da condição de síntese), a saída de prótons do interior do filme protonado deve corresponder ao fenômeno principal responsável pela compensação das cargas formadas durante o processo eletroquímico de oxidação da cadeia polimérica. Há um decréscimo da capacidade diferencial em função do pH nos menores pH, que é resultante da diminuição da protonação do filme e da participação do próton no processo de compensação de cargas. Na faixa de pH subsequente que se estende desde pH=0,7 até 3,5-4,0, a compensação de cargas é promovida pela movimentação conjunta dos cátions e ânions que estão presentes em concentrações elevadas e praticamente constantes na solução. Em soluções com pH acima de 4,0 o polímero sofre maior desprotonação, tornando-se menos ativo eletroquimicamente e resultando em uma diminuição da capacidade elétrica.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq pela bolsa de mestrado concedida a Márcia T. Giacomini durante a realização deste trabalho e à FAPESP pelos auxílios financeiros recebidos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2000
  • Data do Fascículo
    Set 1999

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 1998
  • Aceito
    16 Jan 1999
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