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Teores elevados de Polônio-210 em plantas aquáticas da restinga de Carapebus, RJ

High levels of Polonium-210 in aquatic plants of the Carapebus restinga (RJ)

Resumo

210Po concentrations have been determined in one green alga and in five freshwater plants grown in a pond of the Carapebus restinga (State of Rio de Janeiro). The alga Chara sp showed elevated concentration of 210Po, similar to that observed for marine algae. All the other plants had the lowest concentration of 210Po in the stems and the highest in the roots. Intermediate values were observed in the leaves. The unexpected high concentration of 210Po in the roots, even superior to reported values for roots of plants from high radioactive background areas, must be due to the elevated levels of this radionuclide in associated soils that are known to be rich in humic organic material. There seem to have been no translocation of this radionuclide from the roots to the other parts of the plants.

210Po; bioconcentration; aquatic plants


210Po; bioconcentration; aquatic plants

ARTIGO

Teores elevados de Polônio-210 em plantas aquáticas da restinga de Carapebus, RJ

Alphonse Kelecom*, Pedro Lopes dos Santos, Rita de Cássia S. Gouvea, Iedo Ramos Dutra e Paulo Cesar Ayres Fevereiro

Departamento de Biologia Geral - Universidade Federal Fluminense - CP 100 436 - 24001-970 - Niterói - RJ

Recebido em 1/7/98; aceito em 17/12/98

High levels of Polonium-210 in aquatic plants of the carapebus restinga (RJ). 210Po concentrations have been determined in one green alga and in five freshwater plants grown in a pond of the Carapebus restinga (State of Rio de Janeiro). The alga Chara sp showed elevated concentration of 210Po, similar to that observed for marine algae. All the other plants had the lowest concentration of 210Po in the stems and the highest in the roots. Intermediate values were observed in the leaves. The unexpected high concentration of 210Po in the roots, even superior to reported values for roots of plants from high radioactive background areas, must be due to the elevated levels of this radionuclide in associated soils that are known to be rich in humic organic material. There seem to have been no translocation of this radionuclide from the roots to the other parts of the plants.

Keywords: 210Po; bioconcentration; aquatic plants.

INTRODUÇÃO

As restingas se formaram ao longo da costa brasileira durante o holoceno, em consequência de seguidas transgressões e regressões marinhas. Elas se caracterizam por extensas planícies sedimentares arenosas, cortadas por cordões litorâneos de areia que isolam lagunas, lagoas, charcos e brejos. Essa grande diversidade de condições físicas gera uma pluralidade de habitats, os quais abrigam comunidades vegetais muito variadas. Isto confere às restingas estruturas complexas e de equilíbrio muito frágil1,2. Existem numerosos trabalhos que abordam aspectos geomorfológicos, limnológicos, botânicos e ecológicos de restingas brasileiras e, particularmente, daquelas do Estado do Rio de Janeiro2-4. A Restinga de Carapebus situada no Norte Fluminense é, no entanto, menos conhecida. Ela apresenta uma rica vegetação bem preservada, com ocorrência de espécies endêmicas e em extinção. Este ambiente sofreu, até aqui, poucos danos devidos à ação antrópica, o que o torna ideal para estudos radioecológicos.

Como parte integrante dos nossos trabalhos sobre radioatividade ambiental e visando um melhor conhecimento das comunidades vegetais de restinga, determinamos a concentração de polônio-210 (210Po) em plantas aquáticas encontradas numa pequena lagoa desta restinga.

O 210Po é o último nuclídeo radioativo da família do urânio-238. Sua presença na biosfera desperta grande interesse, não só pela facilidade de bioacumulação em uma larga variedade de espécies vegetais e animais, como também, pela sua alta energia transferida através da partícula alfa que emite (E=5,4 MeV). O 210Po, presente na atmosfera, deriva do gás radônio emanado de rochas contendo urânio (e seus descendentes); ele se encontra principalmente associado a partículas de Aitken formando aerossóis. Por deposição gravimétrica (deposição seca) ou arrastados pela chuva ou pela neve (deposição úmida), esses aerossóis atingem o solo, as plantas e o meio aquático5. As plantas podem absorver o polônio do solo via raiz, mas seu transporte para outras partes do vegetal é praticamente nulo6. A contaminação maior das plantas ocorre, no entanto, nas folhas sobretudo nas pubescentes, por deposição seca e menos intensamente por deposição úmida. No meio aquático o 210Po é acumulado diretamente da água7, como acontece com as algas marinhas.

A ocorrência de 210Po tanto na fauna quanto nas floras terrestre e marinha vem sendo estudada há pelo menos vinte e cinco anos5,8. Apesar disto, estudos com plantas aquáticas são raros e trabalhos enfocando especificamente a vegetação de restinga são inexistentes. Tais ecossistemas possuem uma flora rica e diversificada, bem adaptada às suas condições edáficas que a tornam muito peculiar e por isso mesmo de grande interesse para estudos de botânica em geral2 e de radioecologia em particular.

MATERIAL E MÉTODOS

A Restinga de Carapebus está situada ao norte do Estado do Rio de Janeiro, a 250 km da capital, no Município de Carapebus (de 22o 15' até 22o 20' latitude S e de 41o 35' até 41o 45' longitude W), tendo sido formada pelo recuo do nível do mar durante o quaternário.

Os vegetais foram coletados na Lagoa dita do "Blau-Blau" e parcialmente secos ao ar livre, à sombra, sendo transportados em sacos de plástico para o laboratório, onde foram separadas as principais partes das plantas: raiz, caule e folhas. O substrato associado foi separado das raízes para análise em separado.

As plantas foram identificadas por um de nós (PCAF) como sendo: Chara sp (Chlorophyceae), Ceratopteris thalictroides (L.) Brongn. (Parkeriaceae), Hedyotis thessifolia St.-Hil. (Rubiaceae), Nymphaea ampla (Salisbury) DC. (Nymphaeaceae), Nymphoides humboldtianum (H.B.K.) O.Kunt (Menyanthaceae) e uma espécie não identificada de Cyperaceae. Diversas excicatas de cada planta foram depositadas no herbário do Setor de Botânica da Universidade Federal Fluminense sob os números 148, e 364 (C. thalictroides), 71 e 157 (H. thessifolia), 398 e 497 (N. ampla) e 69, 155 e 511 (N. humboldtianum).

Todas as amostras foram secas em estufa sob temperatura entre 80-100oC e mineralizadas pela ação de uma mistura de HNO3 concentrado (12 ml) e HClO4 (1ml), à temperatura de 100oC, durante 10-15h. O resíduo mineral foi então aquecido em HCl 12 mol/l, a fim de produzir cloretos.

A eletrodeposição do 210Po em discos de aço inoxidável foi feita de acordo com a técnica já otimizada no nosso laboratório9. O resíduo úmido foi, então, tratado com 100 ml de HCl 0,5 mol/l e 250 mg de ácido L-ascórbico, à temperatura de 80oC, sob agitação constante durante 2,5h. A seguir, os discos foram lavados com água destilada, secos e submetidos à radiometria alfa usando-se um cintilador de ZnS(Ag). O mesmo procedimento foi aplicado ao substrato. Para o cálculo das concentrações de 210Po levou-se em consideração o rendimento radioquímico (98%), a eficiência radiométrica (31,4%), o equivalente de conversão d.p.h./mBq e o tempo decorrido desde o dia da coleta9. O desvio radiométrico das medições é da ordem de 5 a 25%. Os resultados são expressos em mBq/g de peso seco.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados contidos na Tabela 1 mostram que a distribuição do 210Po acumulado pelas espécies vegetais estudadas é análoga àquela que se observa nas plantas superiores terrestres, nas quais o caule apresenta a menor concentração do radionuclídeo6. No entanto, as concentrações radioativas das raízes e das folhas das plantas aquáticas são inversas daquelas detectadas nos espécimes terrestres, nos quais as folhas acumulam mais o polônio10. A Cyperacea ilustra bem esta situação.

O fato das raízes apresentarem valores surpreendentemente elevados pode ser atribuído ao contato direto com o substrato, o qual possui maior concentração de polônio comparado à concentração existente nos solos terrestres, mesmo naqueles onde o "fallout" natural é alto10. Nas proximidades da mina de urânio do Complexo Industrial de Poços de Caldas (CIPC), por exemplo, os valores médios das concentrações de polônio-210 no solo foram de 68,00 mBq/g11, enquanto que os substratos associados aos vegetais aquáticos chegam a concentrações de 210Po maiores que o dobro (Tabela 1). Já o substrato de H. thessifolia possui uma concentração de 210Po bem mais baixa (~60 mBq/g) e isto se reflete no teor de 210Po na raiz (41,32 mBq/g), mostrando uma nítida relação entre a concentração de 210Po nas raízes e nos solos associados. Presume-se que a alta radioatividade dos substratos seja decorrente da grande quantidade de matéria orgânica em decomposição (humus, turfa), normalmente presente nos brejos e nas lagoas de restingas1 e provavelmente rica em sulfetos, o que facilita o acúmulo de polônio nos mesmos. Essa natureza do substrato contribui para a retenção de metais pesados12.

A acumulação de 210Po pela espécie C. thalictroides é superior à acumulação das demais plantas superiores aqui analisadas, tanto nas raízes como nas folhas. Este vegetal também suplanta a radioatividade de plantas terrestres, inclusive aquelas oriundas de regiões de alto nível de radioatividade, como no CIPC : a concentração de 210Po na raiz de C. thalictroides é 22 vezes mais alta do que para raiz ou tubérculo de plantas do CIPC e a concentração em folhas de C. thalictroides 7 vezes mais alta do que para folhas de beterraba do CIPC12.

A alga Chara sp apresentou altas concentrações de 210Po quando comparadas às das plantas superiores do mesmo ambiente. A concentração de 210Po nesta alga se equipara, em valor absoluto, à das algas marinhas bentônicas, p.ex. Plocamium brasiliensis coletada em Ponta Negra, RJ (136,2 mBq/g)13. Porém, como a concentração do 210Po disponível na água do mar14 é em média de 0,74 mBq/l e como a mesma nas águas doces15, fora das regiões com anomalias radioativas, é inferior a 30 mBq/l, pode-se concluir que a alga marinha apresenta fator de concentração c.a. 40 vezes maior do que a alga da lagoa em questão.

Finalmente, o mecanismo que rege a distribuição do polônio nas diferentes partes das plantas aquáticas é semelhante ao que ocorre nas plantas terrestres no que concerne a absorção pela raiz, a qual retira o radionuclídeo direto do substrato, sem no entanto haver transporte do mesmo para as outras partes da planta, à semelhança do que foi descrito por Tso e Fisenne em Nicotiana tabacum6. A espécie N. ampla é um exemplo típico disto por possuir um alto teor de 210Po na raiz, superior ao da folha e de acordo com o alto teor verificado no substrato associado, ao passo que o caule acumula pouco 210Po. N. humboldtianum segue um padrão semelhante, embora com concentração de 210Po ligeiramente mais alta no caule. Tudo indica que a acumulação deste radionuclídeo no caule e nas folhas seja análoga à que se observa nas algas marinhas e que ela ocorra diretamente através da interface água/vegetal.

A dosagem de chumbo-210 nestes vegetais aquáticos, bem como a de polônio-210 e chumbo-210 nas principais espécies terrestres desta restinga serão objeto de um próximo trabalho.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) pelo apoio, à Universidade Federal Fluminense pelo transporte mensal até Carapebus e pela compra de um espectrômetro-alfa e ao biólogo Marcelo Guerra Santos pela ajuda nas coletas. AK agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de uma bolsa de produtividade em pesquisa.

e-mail: egbakel@vm.uff.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2000
  • Data do Fascículo
    Set 1999

Histórico

  • Aceito
    17 Dez 1998
  • Recebido
    01 Jul 1998
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