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Processo químico industrial de extração de óleo vegetal: um experimento de química geral

Chemical industrial process of vegetable oil extraction: an experiment for teaching general chemistry

Resumo

In this study we describe an experimental procedure based on a chemical industrial process of soya-bean oil extraction applied in general chemistry for undergraduate students. The experiment was planned according to the Science, Technology and Society (STS) approach to teach basic chemical concepts and provide grounding in the management of environmental care. The use of real life chemistry problems seems to salient the relevance of chemistry to our students and enhances their motivation to learn both the practical and theoretical components of the discipline.

STS experiment; chemical industrial process; experimental chemistry


STS experiment; chemical industrial process; experimental chemistry

EDUCAÇÃO

Processo químico industrial de extração de óleo vegetal: um experimento de química geral

José Francisco Vianna, Dario Xavier Pires e Luiz Henrique Viana

Departamento de Química (DQI) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - 79070-900 - Campo Grande - MS

Recebido em 6/4/98; aceito em 17/3/99

Chemical industrial process of vegetable oil extraction: an experiment for teaching general chemistry. In this study we describe an experimental procedure based on a chemical industrial process of soya-bean oil extraction applied in general chemistry for undergraduate students. The experiment was planned according to the Science, Technology and Society (STS) approach to teach basic chemical concepts and provide grounding in the management of environmental care. The use of real life chemistry problems seems to salient the relevance of chemistry to our students and enhances their motivation to learn both the practical and theoretical components of the discipline.

Keywords: STS experiment; chemical industrial process; experimental chemistry.

INTRODUÇÃO

O movimento Ciência - Tecnologia - Sociedade (CTS) é uma das mais recentes inovações na área de ensino de ciências e em particular no ensino da química. Para Yager1, o ensino de ciências, nesta perspectiva, envolve os alunos em experiências e assuntos que são pertinentes e relevantes ao seu dia-a-dia, possibilitando a interligação com outras disciplinas, contribuindo para despertar o interesse e motivar o aprendizado. As atividades desenvolvidas de acordo com a concepção CTS geram situações onde há necessidade da aprendizagem de conceitos e habilidades básicas.

O enfoque da concepção CTS não é propriamente os conceitos científicos básicos, mas sim, os problemas reais que envolvem ciência e tecnologia, que por isso passam a ser considerados importantes pelo aluno. Os alunos são encorajados a identificar, analisar e aplicar conceitos científicos em situações reais, ou seja, problemas do seu cotidiano. Na opinião de Johnstone2 e colaboradores, os alunos investem mais tempo e esforço em estudos de temas que lhes são úteis e pertinentes.

O ensino de química centrado nos conceitos científicos, sem o envolvimento de situações reais, torna a disciplina desmotivadora para o aluno. A concepção CTS constitui-se numa ferramenta importante para o professor destacar a relevância dos conceitos ensinados e preparar o aluno para elaborar considerações mais amplas das aplicações e implicações de ciência e tecnologia na nossa sociedade.

Hofstein3 e colaboradores complementam que a relevância pode ser aumentada pela seleção de problemas reais de química e que estes proporcionam oportunidade ímpar de diversificar conteúdos e estratégias de ensino, contribuindo significativamente para desenvolver a capacidade crítica e de tomada de decisão.

Através da concepção CTS é possível abordar aspectos ambientais da indústria química moderna de um modo interdisciplinar, contribuindo construtivamente para o debate sobre a relação entre desenvolvimento industrial e a sociedade em que está inserido, proporcionando assim uma visão global dos conceitos químicos e suas aplicações em nosso cotidiano.

Ressaltamos, porém, que esta concepção não constitui nenhuma panacéia a qual proverá soluções a todos os problemas de ensino e aprendizagem em ciências ou química, mas é uma ferramenta útil para despertar o interesse e motivar o aluno no aprendizado multidisciplinar da ciência.

METODOLOGIA

A experiência descrita neste trabalho baseia-se no processo químico industrial de produção de óleo de soja, aplicado na disciplina de Química Geral, oferecida para o primeiro ano do curso de graduação em Química — Licenciatura e Bacharelado. O experimento vem sendo usado no ensino de conceitos básicos de química envolvidos no processo industrial e suas implicações para o meio ambiente. Este experimento está sendo utilizado como parte do curso experimental de química geral, com 2 horas por semana, em 3 grupos de 20 alunos.

O roteiro experimental inclui uma descrição sucinta do processo químico, as proporções de reagentes químicos necessários, instruções sobre as técnicas de laboratório usadas no experimento e uma série de exercícios teóricos envolvendo conceitos básicos, cálculos, técnicas experimentais e segurança no laboratório. As quantidades de reagentes químicos usados variam de um grupo para outro, pois elas dependem da eficiência do procedimento elaborado pelo aluno e das variações do processo de extração. O roteiro experimental foi deliberadamente preparado sem os detalhes do procedimento, para incentivar os alunos a complementarem as informações necessárias através dos pré-exercícios de laboratório, os quais devem ser submetidos à avaliação do professor da disciplina uma semana antes do início do experimento.

Uma vez completada a parte experimental, os alunos são levados a visitar uma indústria local de produção de óleo de soja, acompanhados pelos professores envolvidos no curso e o gerente de produção.

Ao término do experimento, os alunos apresentam os resultados obtidos em seminários de 10 a 20 minutos, onde comentam as diferenças de metodologia, erros experimentais e metodológicos ocorridos durante a elaboração do experimento e também uma análise dos custos de produção.

O experimento procura reproduzir em sala de aula os principais estágios da produção industrial de óleo de soja, conforme mostrado na Figura 1, os quais descrevemos a seguir.


PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

Moagem da soja

Os alunos trazem para o laboratório 500g de soja que pode ser comprada em supermercado a um custo de R$1,00 por quilo. Eles pesam metade da amostra que é moída utilizando um moinho mecânico de martelos (forrageira marca Tigre). Os 250 g restantes são guardados para que, em caso de algum erro de procedimento, possam reiniciar o experimento.

Os alunos são divididos em três grupos, sendo que o grupo I tritura a soja utilizando um moinho mecânico de martelos e realiza a extração sem os procedimentos preliminares de preparação, que são: pré-cozimento, laminação e secagem.

Os grupos II e III beneficiam a soja de forma semelhante à efetuada na indústria, com pré-cozimento, laminação e secagem. O beneficiamento da soja é realizado utilizando um triturador manual caseiro, produzindo grânulos de aproximadamente 2 mm3. O Grupo II efetua a limpeza da soja, eliminando a casca, antes de proceder à extração (Tabela 1).

Preparação da amostra

No processo de moagem ou beneficiamento, os alunos determinam os rendimentos dessa etapa, calculando a porcentagem de perda.

O pré-cozimento da soja é realizado utilizando-se uma autoclave à temperatura de aproximadamente 140oC e pressão de 1,5 atm. A laminação é efetuada, utilizando um cilindro caseiro, com o objetivo de esmagar as células vegetais, seguido de secagem em estufa à temperatura de aproximadamente 70oC para reduzir a umidade a níveis inferiores a 10%. A soja é novamente passada por um triturador manual caseiro para aumentar a porosidade e melhorar o rendimento no processo de extração pelo hexano.

Extração do óleo

A extração do óleo é realizada, utilizando hexano como solvente, grau técnico da Reagen, em um extrator de soxhlet. O resíduo (farelo) é guardado, após secagem ao ar por 24 horas e depois em estufa a 60oC, para posterior determinação do índice de proteína.

Subproduto - farelo

O farelo obtido como um subproduto na extração do óleo é usado, principalmente, como ração animal, devido ao alto teor de proteína (43 - 48%). Embora o farelo seja considerado tecnicamente um subproduto, ele é a parte mais lucrativa da indústria de óleo de soja. O preço do farelo no mercado varia de acordo com o seu índice de proteína. Os alunos determinam o teor de proteína, analisando o conteúdo de nitrogênio total na amostra através de digestão de Kjeldahl4. O grupo II obtém, relativamente, maiores teores de proteína por efetuarem a limpeza da soja, eliminando a casca.

Os diferentes procedimentos usados no estágio de preparação proporcionam aos alunos a comparação do teor de proteína das amostras e avaliação das vantagens e desvantagens dos procedimentos utilizados.

Separação da mistura óleo/hexano

A mistura óleo/hexano, obtida no estágio de extração, é separada, utilizando um rotoevaporador. Devido ao número reduzido de rotoevaporadores em nossos laboratórios, alguns alunos fazem a separação através de destilação simples, com a mistura sendo aquecida com mantas elétricas/banhos de água. Neste estágio é importante eliminar completamente o solvente, pois a presença do hexano dificulta a separação da lecitina na fase de centrifugação. O hexano é recuperado e utilizado no ano seguinte.

Separação da lecitina

A separação da lecitina é realizada, adicionando-se água ao óleo, na proporção de 1:4, sob agitação constante, até a completa formação da emulsão. A separação é realizada por centrifugação da emulsão a 3000 rpm por aproximadamente 10 minutos. Este procedimento é repetido duas ou três vezes, até completa remoção da lecitina, obtendo-se o óleo de soja degomado.

Subproduto - lecitina

A lecitina é utilizada principalmente em indústrias de alimentos, farmacêuticas e de cosméticos. A lecitina disponível no mercado é obtida principalmente como um subproduto da fabricação do óleo de soja. A purificação é realizada, dissolvendo-se a amostra bruta em éter etílico (Reagen P. A.) e secagem com sulfato de magnésio anidro (MgSO4) seguida de filtração. Parte do éter é evaporado, utilizando-se um rotoevaporador, reduzindo-se o volume a um terço da amostra original. A solução é resfriada em um banho de gelo, clarificada pela adição de carvão ativo e novamente filtrada. O solvente restante é completamente removido em um rotoevaporador.

Precipitação dos sais de sódio dos ácidos carboxílicos

Os sais de sódio dos ácidos carboxílicos, denominados borra de soja, são precipitados, adicionando uma solução aquosa de hidróxido de sódio 5%, na proporção de 5 mL da solução de NaOH para cada 15 mL de óleo de soja. A mistura é aquecida em banho-maria (80oC), sob constante agitação, durante aproximadamente 30 minutos. Durante o procedimento ocorre a formação de uma massa amarela com odor desagradável, característico de ácidos graxos. Os sais dos ácidos carboxílicos são separados por centrifugação a 3000 rpm durante aproximadamente 15 minutos. Este procedimento deve ser repetido duas ou três vezes para a completa remoção dos sais dos ácidos carboxílicos. Devido à grande quantidade de hidróxido de sódio adicionada ao óleo, é necessário lavá-lo com água destilada, utilizando-se um funil de separação, até a obtenção de meio neutro. Adiciona-se ácido fosfórico para neutralizar o resíduo de hidróxido de sódio. O pH é controlado, utilizando papel indicador.

Subproduto - sabão

Os sais de ácidos carboxílicos são usados, principalmente, em indústrias de produção de sabão. Neste caso, a preparação de sabão com os sais de ácidos carboxílicos (borra de soja) é realizada, adicionando-se uma solução de hidróxido de sódio 5% na proporção de 10 mL de solução de NaOH para cada grama de borra. A mistura é aquecida a 80oC em um banho-maria, sob agitação constante, utilizando-se um bastão de vidro, durante aproximadamente 30 minutos. Em seguida a solução é resfriada em um banho de gelo e é adicionado um volume igual de solução saturada de cloreto de sódio, novamente sob constante agitação. A mistura é filtrada em funil de Bûchner grande. A alcalinidade do sabão obtido é corrigida, repetindo o processo de dissolução e floculação várias vezes com solução saturada de cloreto de sódio.

Desodorização

O óleo de soja produzido possui um odor forte e desagradável devido à presença substâncias voláteis. Essas substâncias podem ser eliminadas através de destilação por arraste de vapor de água sob pressão reduzida (250 mm Hg). Neste estágio do processo são eliminados o tocol (tocoferóis), ácidos graxos voláteis, acetona e aldeídos, que contribuem para o cheiro desagradável do óleo de soja. O controle da qualidade do óleo é realizado, determinando-se o teor máximo de fósforo (2,5 ppm), acidez (0,03%) e índice de saponificação (zero) permitido5.

Subproduto - tocoferol

O tocol e seus derivados (tocoferóis), obtidos no processo de desodorização, são valiosos no mercado por causa das suas propriedades vitamínicas (vitamina E) e antioxidantes. Devido à pequena quantidade de tocoferol na amostra, não é possível isolá-lo, portanto realizamos somente a sua identificação através de cromatografia de camada delgada, usando um padrão.

Tratamento da água residual

A água usada nos estágios de extração da lecitina, na precipitação dos sais de sódio de ácidos carboxílicos e lavagem do óleo para correção do pH é armazenada e tratada antes de ser descartada pelos alunos. O tratamento é realizado, adicionando uma solução aquosa de sulfato de alumínio (5%) até a completa floculação das partículas em suspensão. A alcalinidade da água é reduzida pela adição de solução aquosa de ácido clorídrico (5%), controlando-se com papel indicador universal até atingir pH=7. A coloração e o odor desagradável da água residual são eliminados pela adição de carvão ativo sob agitação seguida de filtração.

Visita à indústria

Uma vez encerrada a parte experimental em laboratório, os alunos são levados para visitar uma indústria local, acompanhados pelos professores envolvidos no curso experimental e pelo gerente de produção da indústria. Na indústria, o gerente profere uma palestra de aproximadamente 50 minutos sobre a política da indústria, normas de segurança, procedimentos a serem observados durante a visita, condições de mercado e a importância da produção de soja no contexto nacional e internacional. O objetivo da visita é proporcionar ao aluno um conhecimento mais amplo do processo produtivo e compará-lo com o desenvolvido no laboratório. Na visita os alunos interagem com profissionais que atuam na indústria e conhecem procedimentos de segurança, cuidados com o meio ambiente e aspectos econômicos.

Aspectos econômicos

Após a visita, os alunos utilizam os dados sobre os rendimentos dos produtos e subprodutos obtidos em laboratório e as informações sobre os preços no mercado nacional e internacional para determinar os custos e importância econômica de cada um deles. Os alunos apresentam seus resultados em um seminário onde discutem, comparam e identificam possíveis causas de erros no procedimento ou metodologia, suas vantagens e desvantagens.

CONCLUSÃO

A experiência descrita acima possibilita o ensino de uma variedade de conceitos básicos de química, que são parte da ementa da disciplina de química geral. Além disso, motiva o aluno para um aprendizado multidisciplinar, associado a aspectos tecnológicos, econômicos e ambientais da extração de óleo de soja. O experimento é uma alternativa efetiva e aplicada de ensino de química centrada em tema de interesse regional.

Através do desenvolvimento do processo de extração do óleo de soja, o aluno pode discutir técnicas de laboratório (extração com solventes, dois tipos de destilações, centrifugação, filtração, determinação de proteína, floculação, secagem de líquidos e adsorsão), conceitos químicos básicos (polaridade de substâncias, proteínas, gorduras, óleos, pressão de vapor, pressão parcial, diagrama de fase, fração molar, estequiometria, solubilidade, reações de saponificação e neutralização ácido-base), precauções e segurança em laboratório e na indústria (destilação de substâncias inflamáveis, corrosão por álcali e o uso correto de equipamentos e vidrarias), aspectos econômicos do processo químico industrial e cuidados que devem ser tomados na preservação do meio ambiente.

Além disso, os alunos são encorajados a se auto-organizarem no laboratório e planejarem o seu trabalho. O experimento proporciona a oportunidade de trabalhar de maneira independente e de acordo com o seu próprio ritmo, em um trabalho de laboratório mais próximo da forma como os químicos atuam no seu dia-a-dia. Os alunos são supervisionados ao longo do experimento e alertados para os perigos na manipulação de equipamentos, vidrarias e reagentes químicos, os quais fazem parte da instrução escrita e dos pré-exercícios de laboratório.

A opinião dos alunos, no ano letivo de 1996, foi coletada através de um questionário aplicado ao final do experimento. A maioria dos alunos considerou o experimento interessante (85%), agradável (91%) e muito importante (87%) para a sua futura profissão.

Estamos convencidos de que a abordagem CTS, usando problemas de química relacionados com situações reais e do cotidiano, salienta a relevância dos conceitos básicos de química, motivando e despertando maior interesse do aluno no processo de aprendizagem.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos alunos do curso de química que participaram deste experimento, deram opiniões e sugestões que contribuíram para o seu aperfeiçoamento. Agradecemos também o apoio financeiro do PADCT / SPEC / CAPES / CNPq e apoio da CEVAL Alimentos S/A.

5. Indíces fornecidos pela Ceval Alimentos S/A., Campo Grande - MS.

  • 1. Yager, R. E.; Science-Technology-Society as a Reform, in Yager R. S. (ed). The Status of Science-Technology-Society Reform Efforts Around the World; ICASE Yearbook; Arlington; Virginia - USA: Special Publications, NSTA 1992.
  • 2. Johnstone, A. H.; Percival, F. and Reid, N.; Studies in Higher Education 1981, 6, p.77-84.
  • 3. Hofstein, A.; Kesner, M. and Ben-Zvi, R.; Paper presented in the International Conference Partners in Chemical Education, York, UK. August 1995.
  • 4. Instituto Adolfo Lutz; Métodos Químicos e Físicos para Análise de Alimentos; Săo Paulo-SP, Brasil; Volume 1; 3a Ediçăo; D. D. E. Rebocho: 1985.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2000
  • Data do Fascículo
    Set 1999

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 1998
  • Aceito
    17 Mar 1999
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