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Adsorção de zinco e cádmio em colunas de turfa

Adsorption of zinc and cadmium on peat columns

Resumo

The aim of this work was to evaluate the adsorption conditions of zinc and cadmium ions from aqueous solutions using a comercially available peat from Balneário Arroio do Silva, Santa Catarina State, Brazil. Adsorption studies were carried out in column experiments using radiotracers of the studied metals (65Zn and 115Cd). The pH influence and the interference of other ions, such as Na+, Ca2+, Fe3+ and Al3+on the adsorption process were investigated. The results showed that peat columns are able to retain more than 99% of metal ions in solution in a range of pH from 3,7 to 6,5. Ca2+ and Al3+ ions were the main interferent on adsorption of Zn and Cd ions in solution.

peat columns; adsorption; zinc and cadmium


peat columns; adsorption; zinc and cadmium

ARTIGO

Adsorção de zinco e cádmio em colunas de turfa

Sérgio Luis Graciano Petroni e Maria Aparecida Faustino Pires

Divisão de Diagnóstico Ambiental - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - Travessa R - 400 - Cidade Universitária - 05508-900 - São Paulo - SP

Casimiro Sepúlveda Munita

Supervisão de Radioquímica - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - Travessa R - 400 - Cidade Universitária - 05508-900 - São Paulo - SP

Recebido em 5/7/99; aceito em 25/11/99

Adsorption of zinc and cadmium on peat columns. The aim of this work was to evaluate the adsorption conditions of zinc and cadmium ions from aqueous solutions using a comercially available peat from Balneário Arroio do Silva, Santa Catarina State, Brazil. Adsorption studies were carried out in column experiments using radiotracers of the studied metals (65Zn and 115Cd). The pH influence and the interference of other ions, such as Na+, Ca2+, Fe3+ and Al3+on the adsorption process were investigated. The results showed that peat columns are able to retain more than 99% of metal ions in solution in a range of pH from 3,7 to 6,5. Ca2+ and Al3+ ions were the main interferent on adsorption of Zn and Cd ions in solution.

Keywords:peat columns; adsorption; zinc and cadmium.

INTRODUÇÃO

A turfa é um sedimento orgânico recente, formado a partir da decomposição parcial da matéria vegetal em um ambiente úmido, ácido e de pouca oxigenação. Sob o ponto de vista físico-químico, é um material poroso, altamente polar, com elevada capacidade de adsorção para metais de transição e moléculas orgânicas polares1. A forte atração da turfa pela maioria dos cátions metálicos em solução deve-se, principalmente, ao elevado teor de substâncias húmicas (ácidos húmico e fúlvico) na sua matéria orgânica. Essas substâncias, também conhecidas como polímeros naturais, são ricas em grupos funcionais com cargas negativas, tais como ácidos carboxílicos e hidroxilas fenólicas e alcoólicas, que são justamente os sítios de adsorção dos metais em solução. A Figura 1 apresenta um modelo da estrutura de uma molécula de ácido húmico, onde podem ser observados os grupos funcionais oxigenados distribuídos nos anéis aromáticos2.


Nos últimos vinte anos, a turfa tem sido muito estudada, principalmente no Canadá, Estados Unidos e Europa, como alternativa tecnológica de utilização de um adsorvedor natural de baixo custo, aplicado ao tratamento de águas e efluentes contaminados por metais pesados e outras substâncias tóxicas1. No Brasil, esse material tem a sua aplicação voltada à agricultura3 ou como material combustível, dado o seu elevado teor de carbono4. Entretanto, poucos trabalhos foram publicados referentes à utilização de turfas nacionais aplicadas ao tratamento de águas e efluentes contaminados5,6.

Este trabalho tem como objetivo principal verificar as melhores condicões de retenção dos metais zinco e cádmio em colunas de turfas nacionais, visando a aplicação desse material em sistemas de tratamento de águas e efluentes contaminados por metais pesados, visto que o Brasil possui uma reserva estimada em 1,6 bilhões de metros cúbicos de material turfeiro distribuídos em mais de duzentas turfeiras ao longo do seu território7.

Neste trabalho, inicialmente, a turfa foi caracterizada segundo técnicas apropriadas de análise de solos. Nos experimentos de adsorção foram estudadas as influências do pH e dos íons Na+, Ca2+, Fe3+ e Al3+ como interferentes no processo de retenção dos metais nas colunas. O critério de escolha dos interferentes foi baseado na ocorrência comum desses íons nas águas e efluentes, aparecendo geralmente como constituintes de sais inorgânicos dissolvidos. Para o estudo do comportamento dos íons metálicos nas soluções submetidas ao contato com a turfa, foram utilizadas soluções contendo 65Zn e 115Cd como traçadores radioativos. O zinco e o cádmio foram escolhidos pela disponibilidade e facilidade de trabalhar com seus traçadores radioativos, além do interesse toxicológico8,9 dessas espécies no meio ambiente.

PARTE EXPERIMENTAL

A turfa utilizada neste trabalho foi coletada úmida a uma profundidade entre 10 e 50 cm de uma turfeira situada no município de Balneário Arroio do Silva, a 3 km da costa litorânea próximo à cidade de Araranguá, ao sul do Estado de Santa Catarina. Atualmente, a produção da turfa no local destina-se exclusivamente ao uso agrícola.

No laboratório, a amostra foi homogeneizada e acondicionada em saco plástico devidamente lacrado mantido sob refrigeração a 4oC. Todos os reagentes utilizados foram de grau analítico.

Tratamento da Turfa

A turfa foi submetida a tratamento ácido de acordo com o procedimento indicado por Gosset, Trancart e Thévenot10, com a finalidade de disponibilizar os seus sítios de adsorção, além de eliminar os cátions metálicos que poderiam estar fixados à sua estrutura.

O procedimento consistiu da secagem da turfa ao ar até peso constante, onde foram separadas manualmente raízes e pequenos galhos. Em seguida realizou-se a lavagem da amostra com água deionizada em funil de separação, sob agitação, por 2 horas. A porção decantada foi seca em estufa a 70oC por 24 horas e separada em peneiras na granulometria entre 0,074 mm-1,000 mm.

A acidificação da turfa foi feita com solução de HCl 1 mol.L-1, na proporção de 10 mL de solução ácida por grama de turfa, sob agitação em funil de separação por 2 horas, seguida da lavagem das amostras em funil com água deionizada até o filtrado atingir pH 5. Para a turfa utilizada in natura, esta etapa foi omitida.

Caracterização da Turfa

Foram determinadas algumas características físicas e químicas da turfa a fim de identificar o material de acordo com procedimentos de caracterização de amostras de solo. Determinou-se o grau de humificação, umidade, pH, porcentagem de carbono orgânico e matéria orgânica para a turfa in natura; capacidade de troca catiônica para turfa in natura e tratada; e área de superfície específica para a turfa tratada.

O grau de humificação da turfa foi determinado segundo o método proposto por Van Post11, espremendo-se a turfa úmida recém coletada entre os dedos, observando as características do material pressionado e classificando-o em uma escala de H1 a H10 segundo uma estimativa do seu estágio de decomposição. A umidade foi determinada por secagem do material ao ar até peso constante. O método utilizado para a medida do pH da turfa foi o de potenciometria com eletrodo de vidro utilizando solução de cloreto de cálcio 0,01 mol.L-1, normalmente aplicado para amostras de solo12.

A determinação da porcentagem de carbono orgânico foi feita por titulação do excesso de solução de dicromato de potássio empregada na oxidação dos compostos orgânicos da turfa, com solução de sulfato ferroso amoniacal. A porcentagem de matéria orgânica foi obtida multiplicando-se a porcentagem de carbono orgânico por 1,725 (fator de Van Bemmelen)13. O teor de cinzas foi determinado por análise gravimétrica, por queima da amostra a 1.100oC por 2 horas.

A capacidade de troca catiônica da turfa foi determinada pelo método que utiliza o Ba2+ como íon indexador, adequado para amostras de solos com elevado teor de matéria orgânica14. O procedimento consiste em saturar a amostra de turfa com o cátion Ba2+ e, em seguida realizar a troca com o Mg2+, de forma a se quantificar esse processo através da titulação do excesso de Mg2+ com solução de EDTA em presença de uma solução indicadora de violeta de pirocatecol.

A determinação da área de superfície específica da turfa foi feita de acordo com o método BET (Brunauer, Emmett e Teller)15, utilizando-se o equipamento Quantachrome Nova 1200, versão 3.11.

Ensaios de Adsorção

Preparação dos Traçadores Radioativos

Foram utilizadas soluções de 65Zn (T1/2 = 243,9 d, Eg = 527,91 keV) e 115Cd (T1/2 = 53,46 h, Eg = 1.115,55 keV)16 como traçadores radioativos, obtidos por meio das reações 64Zn(n,g)65Zn e 114Cd(n,g)115Cd, irradiando-se massa conhecida de óxido de zinco e uma alíquota da solução padrão de nitrato de cádmio (MERCK), por 8 horas no reator IEA-R1m do IPEN-CNEN/SP sob um fluxo de neutrons térmicos de 1x1012 n.cm-2.s-1. As medidas das atividades das soluções submetidas ao contato com a turfa foram feitas utilizando-se detector monocanal Nuclear Chicago de NaI(Tl) tipo poço de 3,7 x 6,2 cm.

Influência do pH

Para os experimentos de adsorção foram utilizados aproximadamente 200 mg de turfa empacotados no interior de colunas de vidro de 5 cm de altura e 5 mm de diâmetro interno acopladas a reservatórios, por onde foram percoladas as soluções dos metais a uma vazão de 1 mL.min-1.

O estudo da influência do pH foi feito por meio da determinação da porcentagem de metal retido nas colunas em função do pH. Para isso foram percoladas individualmente nas colunas, 25 mL das soluções dos metais contendo seus respectivos traçadores radioativos, em concentrações da ordem de 1 mg.L-1 em diferentes valores de pH, variando de 2 a 6,5. O ajuste do pH das soluções foi feito com auxílio de soluções diluídas de ácido nítrico e hidróxido de amônio.

Interferentes

Foi estudada a influência de concentrações variáveis dos íons Na+, Ca2+, Fe3+ e Al3+ sobre as porcentagens de retenção dos metais nas colunas de turfa em pH 4,5. Para isso foram utilizadas soluções dos íons interferentes preparadas a partir das soluções padrão (MERCK) de cloreto de sódio, nitrato de cálcio, nitrato de ferro (III) e nitrato de alumínio. O procedimento adotado foi semelhante ao realizado nos ensaios de influência do pH, onde foram percoladas soluções dos metais sob as mesmas condições, na presença de elementos interferentes em concentrações de até 800 mg.L-1 Na+ ; 40 mg.L-1 Ca2+ ; 80 mg.L-1 Fe3+ e 40 mg.L-1 Al3+.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O conhecimento de algumas características relacionadas às propriedades adsorptivas da turfa, contribui de forma relevante ao entendimento do fenômeno de adsorção dos metais, além de fornecer informações importantes sobre o tipo de turfa utilizada no estudo realizado. A Tabela 1 apresenta os resultados obtidos a partir da caracterização física e química da turfa.

De acordo com a classificação criada por Van Post11, a turfa pouco decomposta, H1 a H3, é denominada turfa fibrosa, ou turfa branca. A turfa medianamente decomposta, H4 a H6, turfa escura ou turfa hêmica, apresenta-se com suas estruturas vegetais em fase de dissolução. A turfa muito decomposta, classes H7 a H10, denominada turfa preta ou sáprica, apresenta-se como uma massa gelatinosa de cor marrom-preta e com poucas fibras. Avaliando-se os resultados obtidos na Tabela 1, pode-se observar que, pelo grau de humificação apresentado (H6 a H8), trata-se de uma turfa decomposta, de coloração marrom-escurecida e estrutura gelatinosa, onde ainda são identificadas no seu conteúdo porções lenhosas em decomposição e resíduos de plantas em pequena quantidade.

A porcentagem de umidade encontrada por secagem da amostra ao ar demonstra que a turfa possui uma grande capacidade de retenção de água, característica que favorece a aplicação deste material como condicionador de solos. O elevado teor de matéria orgânica associado ao grande volume de água retido nesse tipo de solo, permite a infiltração e a retenção de grande quantidade de nutrientes por mais tempo nas vizinhanças das partículas da turfa, próximo à região radicular das plantas17. O processo de adsorção dos íons metálicos em solução nas colunas de turfa segue o mesmo princípio, onde esses íons são adsorvidos sobre sua superfície pelos grupos funcionais das substâncias húmicas.

Com relação ao pH, normalmente as turfas apresentam pH ácido, de aproximadamente 4, devido à presença dos ácido húmicos e fúlvicos na sua estrutura1. De acordo com a classificação proposta por Lucas, Riecke e Farnham18, o valor de pH encontrado para a turfa estudada neste trabalho, classifica-a na condição de turfa muito ácida. Essa característica, associada ao seu elevado teor de matéria orgânica, bem como ao estágio de decomposição estimado pelo grau de humificação encontrado (H6 a H8), indica a presença das substâncias húmicas em alta concentração na sua composição.

Na maioria dos solos, a capacidade de troca catiônica aumenta com o pH. Em valores muito baixos de pH, apenas as cargas associadas às argilas e aos colóides orgânicos retêm os íons que podem ser substituídos mediante troca catiônica. Em solos ricos em matéria orgânica como a turfa, apesar de sua acidez, são esperados valores de capacidade de troca catiônica acima de 90 meq.10-2 g19. Valores de capacidade de troca catiônica entre 183 e 230 meq.10-2 g foram obtidos por D'Avila, Figueredo e Sampaio16 em um estudo realizado com turfas tratadas da região de Sergipe, utilizando metodologia analítica semelhante à adotada neste trabalho. Inicialmente, o tratamento foi aplicado somente com o intuito de eliminar impurezas que poderiam estar fixadas à superfície da turfa. No entanto, evidências de mudanças no comportamento da adsorção dos metais foram apontadas por alguns autores5,10,20. A eficiência do tratamento aplicado à turfa pode ser verificada no presente trabalho pelo aumento de 92% na capacidade de troca catiônica para a turfa tratada em relação à turfa in natura. Por esse motivo, foi utilizada a turfa tratada nos ensaios de adsorção.

O resultado obtido a partir da medida da área de superfície específica é considerado baixo quando comparado a valores encontrados na literatura1. A explicação para essa diferença deve-se, em grande parte, à faixa granulométrica utilizada. O tamanho de partícula adotado para realização dos ensaios de adsorção (0,074 mm-1,000 mm), foi escolhido de forma a satisfazer às características necessárias de vazão das soluções percoladas nas colunas de turfa, bem como aproveitar ao máximo a quantidade de material para essa utilização.

Estudos de Adsorção

A capacidade natural de adsorção de cátions metálicos pela turfa está diretamente relacionada com o pH da solução. Em pH acima de 9, a turfa não é estável, ou seja, a sua estrutura se degrada. Em pH abaixo de 3, a maioria dos metais é fracamente adsorvido. Entre esses valores, sabe-se que a turfa pode adsorver muitos metais de forma bastante eficiente1. A Figura 2 apresenta a variação das porcentagens de retenção dos metais nas colunas em função do pH inicial das soluções percoladas. Pode-se observar que o fenômeno de adsorção dos metais é dependente do pH. O comportamento da adsorção dos íons metálicos nas colunas foi bastante similar para a faixa de pH estudada. Porcentagens de retenção de aproximadamente 99% foram verificadas na faixa de pH de 3,7 a 6,5. Abaixo desses valores, a retenção foi fortemente prejudicada e, em pH 2, praticamente nula. É importante ressaltar que as soluções percoladas foram preparadas de forma a estudar a influência do pH na retenção do íons Zn2+ e Cd2+ na forma solúvel, ou seja, foi estudada a faixa de pH correspondente a um valor inferior ao pH de hidrólise dos metais nas suas respectivas concentrações. Um único experimento foi realizado em pH 8,5, onde foi obtida uma porcentagem de retenção de 99%. Este resultado nos conduz a afirmar que a turfa continua funcionando como um excelente adsorvedor dos metais em solução mesmo na forma hidrolisada ou complexada. Contudo, sob estas condições, seria necessário desenvolver um estudo a parte para que se pudesse compreender o fenômeno de adsorção dessas formas sobre a superfície da turfa.


A degradação da estrutura da turfa foi verificada em valores de pH acima de 9, pela solubilização parcial das substâncias húmicas observada pela coloração amarelo-escurecida nas soluções efluentes coletadas das colunas nessas condições.

A maior afinidade da turfa pelo cádmio em relação ao zinco pode ser observada pela diferença nos valores de retenção na faixa de pH entre 2 e 3,5. Em pH 3, por exemplo, foram obtidas porcentagens de retenção de aproximadamente 49% para o zinco e 82% para o cádmio.

Nas Figuras 3, 4, 5 e 6 são apresentadas as porcentagens de retenção dos metais nas colunas em função da concentração inicial do íon interferente nas soluções carga em pH 4,5. Pode-se constatar que a adsorção dos metais pela turfa foi afetada pela presença de concentrações variáveis dos íons Na+, Ca2+, Fe3+ e Al3+. A retenção quantitativa do Zn2+ e do Cd2+ foi observada nas concentrações de até 200 mg.L-1 Na+; 8 mg.L-1 Ca2+; 40 mg.L-1 Fe3+ e 5 mg.L-1 Al3+ para o zinco e 400 mg.L-1 Na+; 20 mg.L-1 Ca2+; 80 mg.L-1 Fe3+ e 15 mg.L-1 Al3+ para o cádmio. Tendo esses valores como referência, pode-se estabelecer uma ordem decrescente destes íons de acordo com a sua interferência no processo, como sendo Al3+ > Ca2+ > Fe3+ >> Na+. Apesar de o Al3+ aparentar exercer maior influência sobre a retenção de ambos os metais, em concentrações acima de 20 mg.L-1 no caso do zinco e acima de 40 mg.L-1 no caso do cádmio, o Ca2+ apresentou-se como mais interferente no processo.





Para todos os casos, a retenção do zinco foi mais prejudicada em relação ao cádmio. Esse aspecto constitui mais uma evidência da maior afinidade da turfa pelo cádmio com relação ao zinco, podendo ser sustentada pela tendência verificada a partir da interpretação do estudo da influência do pH.

Pires, Dantas e Munita21, determinaram as concentrações médias de sódio (2,4 mg.L-1) e cálcio (8,3 mg.L-1) em amostras de águas tratadas, coletadas de diferentes localidades da cidade de São Paulo. Relacionando essas concentrações ao comportamento observado nas Figuras 3 e 4, verifica-se que, com relação ao Na+, a concentração a partir da qual esse elemento começa a agir como interferente na adsorção dos metais é aproximadamente 100 vezes maior que a concentração média do elemento encontrada nessas águas. No caso do Ca2+, observa-se que níveis de concentrações do elemento da mesma ordem de grandeza dos encontrados em águas tratadas são suficientes para que a retenção dos metais pela turfa seja comprometida. Esse aspecto pode restringir a aplicação da turfa em sistemas de tratamento águas ou efluentes onde, para que se obtenha um processo eficiente, talvez sejam necessários tratamentos prévios de abrandamento para redução da concentração de Ca2+.

Em um estudo empírico de troca iônica realizado por Wolf, Bunzl, Dierl e Schmidt22, a seletividade relativa da turfa foi investigada para os íons H+, Ca2+ e alguns íons de metais pesados (Pb2+, Cu2+, Zn2+ e Cd2+).Em um dos experimentos realizados, foram verificados os conceitos de seletividade de troca iônica ou exclusão competitiva utilizando-se a turfa tratada com solução de ácido clorídrico, saturada com Ca2+, em contato com soluções contendo pequenas quantidades de íons metálicos e quantidades variáveis de íons Ca2+. Os resultados revelaram que quanto maior a quantidade de Ca2+ adicionada ao sistema, menor a quantidade de sítios de troca disponíveis para a adsorção dos metais. Na verdade, o que ocorre é a competição entre os íons metálicos e o Ca2+, em que adição de Ca2+ provoca o deslocamento do equilíbrio no sentido do aumento da concentração deste elemento na turfa. Ainda nesse estudo, foi verificada a maior afinidade da turfa pelos íons H+ comparativamente ao Ca2+, onde a troca entre os íons H+ e os íons metálicos pode ser observada nesses sistemas, indicando a maior afinidade da turfa pelos metais em relação ao Ca2+. O mesmo comportamento foi verificado por Bunzl, Schmidt e Sansoni23 em um estudo semelhante, onde os autores observaram que os íons H+ ligados, que não haviam sido trocados pelo Ca2+ durante a etapa de saturação, eram trocados por íons dos metais presentes nas soluções submetidas ao contato com a turfa. No presente trabalho, a competição pelos sítios ativos da turfa pode ser observada pela diminuição das porcentagens de retenção dos metais em função do aumento da concentração dos íons interferentes nas soluções carga. Da mesma forma foi verificado para os íons H+ no estudo de influência do pH em pH < 3,5. A Tabela 2 ilustra o que foi dito por meio das porcentagens de retenção dos metais em função das variação da concentração de H+ nas soluções percoladas mantendo-se fixas as concentrações dos metais. Observa-se que a retenção mostra-se prejudicada a partir de concentrações de H+ da ordem das concentrações dos metais nas soluções. Além disso, é importante ressaltar que estes níveis de concentração correspondem à uma faixa bem inferior àquela em que os íons Na+, Ca2+, Fe3+ e Al3+ passam a agir como interferentes no processo, ou seja, a maior afinidade da turfa pelos íons H+ pode ser comprovada pela comparação entre os estudos realizados.

CONCLUSÕES

Este trabalho teve como principal objetivo verificar as melhores condições de adsorção dos íons Zn2+ e Cd2+ em colunas de turfa. Os resultados mostraram que a turfa é capaz de adsorver aproximadamente 99% dos metais estudados em solução em uma faixa de pH de 3,7 a 6,5. As concentrações dos íons interferentes a partir das quais a retenção de metais deixou de ser quantitativa foram estimadas em: 200 mg.L-1 Na+; 8 mg.L-1 Ca2+; 40 mg.L-1 Fe3+ e 5 mg.L-1 Al3+ para o zinco e 400 mg.L-1 Na+; 20 mg.L-1 Ca2+; 80 mg.L-1 Fe3+ e 15 mg.L-1 Al3+ para o cádmio.

A pesquisa realizada permitiu a determinação de parâmetros importantes necessários ao desenvolvimento de estudos de equilíbrio de adsorção em batelada para avaliação da capacidade adsorptiva da turfa visando o dimensionamento de sistemas de tratamento de águas e efluentes contaminados por metais pesados.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 2000

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 1999
  • Aceito
    25 Nov 1999
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