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Sobre a aplicabilidade da termogravimetria para a estimativa de parâmetros termoquímicos de compostos de coordenação: os elementos lantanídicos

About the use of thermogravimetric data to estimate thermochemical parameters for coordination compounds: the lanthanide elements

Resumo

By using thermochemical data reported for a series of chelates of the type [Ln(thd)3], thd = 2, 2, 6, 6 tetramethyl- 3,5-heptanedione and Ln = La, Pr, Nd, Sm, Gd, Tb, Ho, Er, Tm and Yb, empirical correlations were found involving thermochemical parameters (e.g. dissociation enthalpy) and the thermodynamic temperatures of the beginning of thermal degradation of the chelates, t i. It is shown that t i values are of capital importance in the study of this all class of coordination compounds. Among others, the empirical equation is obtained: r3+ = (-0,013.Z + 1,36)/0,005, that relates the lanthanide cation radius (pm) with the atomic number of the element. The remarkable fact is that this equation is achieved by using thermogravimetric and calorimetric parameters. Is also shown that t i values are related with the P(M) function values, which are very close related with the energy difference, deltaE, between the lowest electronic energy level of the f n s²d¹ configuration and the lowest energy level of the f n+1s² configuration in the neutral gaseous atoms.

lanthanides; thermochemistry; thermogravimetry; empirical correlations


lanthanides; thermochemistry; thermogravimetry; empirical correlations

ARTIGO

Sobre a aplicabilidade da termogravimetria para a estimativa de parâmetros termoquímicos de compostos de coordenação: os elementos lantanídicos

Robson Fernandes de Farias

Departamento de Química - Universidade Federal de Roraima - UFRR - 69310-270 - Boa Vista - Roraima

Recebido em 2/2/99; aceito em 22/2/00

About the use of thermogravimetric data to estimate thermochemical parameters for coordination compounds: the lanthanide elements. By using thermochemical data reported for a series of chelates of the type [Ln(thd)3], thd = 2, 2, 6, 6 ­ tetramethyl- 3,5-heptanedione and Ln = La, Pr, Nd, Sm, Gd, Tb, Ho, Er, Tm and Yb, empirical correlations were found involving thermochemical parameters (e.g. dissociation enthalpy) and the thermodynamic temperatures of the beginning of thermal degradation of the chelates, ti. It is shown that ti values are of capital importance in the study of this all class of coordination compounds. Among others, the empirical equation is obtained: r3+ = (-0,013.Z + 1,36)/0,005, that relates the lanthanide cation radius (pm) with the atomic number of the element. The remarkable fact is that this equation is achieved by using thermogravimetric and calorimetric parameters. Is also shown that ti values are related with the P(M) function values, which are very close related with the energy difference, DE, between the lowest electronic energy level of the fns2d1 configuration and the lowest energy level of the fn+1s2 configuration in the neutral gaseous atoms.

Keywords: lanthanides; thermochemistry; thermogravimetry; empirical correlations.

INTRODUÇÃO

No estudo termoquímico de adutos1 costuma-se determinar os valores dos parâmetros: DrHmq; entalpia de reação ácido-base em fase consensada, DDHmq; entalpia de decomposição, DMHmq; entalpia reticular, DgHmq; entalpia de reação ácido-base em fase gasosa, DfHmq; entalpia de formação, em fase condensada e/ou gasosa e finalmente <D> (M-L), que se associa a entalpia média de ligação metal-ligante. Estes parâmetros encontram-se associados aos processos abaixo representados, onde MXm representa um haleto metálico e L é o ligante:

MXm (c) + nL (c) = MXm.nL (c) ; DrHmq

MXm.nL (c) = MXm (c) + nL (g) ; DDHmq

MXm.nL (c) = MXm (g) + nL (g) ; DMHmq

MXm.nL (g) = MXm (g) + nL (g) ; DgHmq

O valor de <D> (M-L) é calculado através da equação: <D> (M-L) = DgHmq/n, onde n é o número de ligantes, e o valor de DfHmq pode ser calculado utilizando-se a equação: DrHmq (ou DgHmq) = DHf MXm.nL (c,g) - DHf MXm (c,g) - nDHf L (c,g).

O valor de DrHmq é determinado calorimetricamente, utilizando-se ciclos termodinâmicos adequados, enquanto os demais parâmetros são calculados utilizando-se o valor de DrHmq e os valores das entalpias de sublimação (ou vaporização) e de formação, do ligante e do haleto metálico utilizados.

A termogravimetria tem se firmado como um técnica confiável para o estudo quantitativo da composição química de compostos inorgânicos, desde óxidos2,3 a fosfatos lamelares4,5, sendo também utilizada na determinação da força de interação metal-aminoácido6.

Com o intuito de obter equações empíricas que possibilitassem a estimativa dos parâmetros termoquímicos anteriormente citados, bem como de estudar, através das técnicas termoanalíticas, o comportamento físico-químico de adutos, foi estabelecida7-10 uma série de equações empíricas. As equações correlacionam um parâmetro termogravimétrico, a saber, a temperatura termodinâmica do início da degradação térmica do aduto, ti* * Podemos definir t i como sendo a temperatura em que uma variação de massa de 1% (em relação à massa inicial) possa ser observada na curva TG. , e os parâmetros termoquímicos. Adutos do grupo do zinco ou do arsênio com uma série de ligantes monodentados, cujo átomo doador é o oxigênio, nitrogênio ou enxôfre, foram utilizados para o estudo.

A presente publicação tem por objetivo verificar se as correlações estabelecidas entre o valor de ti e os parâmetros termoquímicos para adutos aplicam-se também a complexos, independentemente da natureza do metal considerado. Neste estudo são utilizados os quelatos do tipo [Ln (thd)3], onde thd = 2, 2, 6, 6­tetrametil-3,5­heptanodionato, um ligante bidentado, que apresenta o oxigênio como átomo doador e Ln = La, Pr, Nd, Sm, Gd, Tb, Ho, Er, Tm e Yb. Estes quelatos foram escolhidos por que um amplo estudo termoquímico envolvendo-os já foi efetuado11-12.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores de ti são 542, 499, 508, 493, 477, 464, 474, 459, 464 e 466 K para os quelatos de La, Pr, Nd, Sm, Gd, Tb, Ho, Er, Tm e Yb, respectivamente11, conforme obtido por termogravimetria. Na Figura 1 apresenta-se uma curva dos valores de ti como função do número atômico para os quelatos estudados.


Como pode ser observado, de um modo geral, ti diminui com o aumento do número atômico, com ligeiros aumentos observados ao passar-se de Pr para Nd, de Tb para Ho e de Er para Tm. A maior estabilidade térmica do quelato de La pode ser atribuída à configuração do íon La3+, idêntica à do Xe, uma vez que a decomposição térmica homolítica deste quelato: [La(thd)] (g) = Ln (g) + 3 tdh• (g), levaria à formação de La0. Assim, constata-se que os valores de ti encontram-se efetivamente associados às propriedades intrínsecas de cada quelato.

Os valores de temperatura de fusão para a mesma seqüência de quelatos apontada anteriormente são: 518, 489, 488, 469, 454, 451, 456, 453, 442 e 438 K, respectivamente11. Uma curva de tfus como função de ti é apresentada na Figura 2.


Como pode ser observado, a relação entre as duas grandezas é linear, sendo o coeficiente de correlação r, apresentado na própria curva. A curva obtida fornece a equação:

A relação linear obtida sugere que, no processo de termodegradação dos quelatos, estão envolvidos os mesmos fatores que afetam o valor das forças de interação intermoleculares, e que determinam portanto os valores de tfus.

Os valores da entalpia média de ligação Ln-O para os quelatos de La, Pr, Nd, Sm, Gd, Tb, Ho, Er, Tm e Yb são: 280, 265, 251, 234, 268, 267, 253, 254, 235 e 222 kJ mol-1, respectivamente11. Na Figura 3 apresenta-se a curva de D(Ln-O) como função de ti. Embora a curva obtida não aponte, ao menos aparentemente para a inexistência de alguma correlação entre estes dois parâmetros, na verdade a curva obtida adequa-se à chamada simetria do W inclinado13, a qual foi proposta como um parâmetro que sistematizasse as propriedades dos elementos lantanídicos e actinídicos. Tal simetria também é verificada na curva de <D> (Ln-O) como função do número atômico11,12. Comparando-se as correlações obtidas entre ti e <D>(M-O) para os quelatos aqui considerados com as equações obtidas para adutos do grupo do zinco e do fósforo10, verifica-se a não existência de similaridades entre os dois conjuntos de correlações.


Um gráfico do tipo W inclinado é também obtido na curva de valores de entalpia de dissociação como função de ti, conforme apresentado na Figura 4. A entalpia de dissociação homolítica associa-se ao processo: [Ln(thd)] (g) = Ln (g) + 3 tdh• (g), apresentando os valores 1679, 1587, 1505, 1405, 1606, 1599, 1516, 1526, 1409 e 1333 kJ mol-1, respectivamente, para a sequência de quelatos anteriormente apresentada. Assim, demonstra-se uma vez mais que ti constitui-se numa grandeza de considerável importância, associando-se às várias propriedades dos compostos de coordenação.


A relação entre ti e DHvapq, entalpia envolvida na transição de fase: Ln(thd)] (l) ® Ln(thd)] (g), mostra-se linear, conforme ilustrado na Figura 5, fornecendo a equação:


Utilizando-se os valores das entalpias e das temperaturas de vaporização11, as respectivas entropias de vaporização para a sequência de adutos considerada, podem ser calculadas como 0,27; 0,20; 0,18; 0,13; 0,13; 0,13; 0,17; 0,09; 0,16 e 0,16 kJ K-1 mol-1, respectivamente. Estes valores, quando colocados como função dos valores de ti fornecem o gráfico apresentado na Figura 6, exibindo uma relação apenas aproximadamente linear, obtendo-se a equação:


A correlação entre os valores de DSvap e o raio iônico, conforme mostrado na Figura 7, resulta numa curva linear. Igual procedimento é adotado na Figura 8, onde os valores de DSvap são plotados como função do número atômico. A partir destes dois últimos gráficos obtem-se as equações:

DSvap = -0,013 . Z + 0,98

(3)



Igualando as equações (4) e (5) temos:

que correlaciona o raio do cátion lantanídico 3+ com o seu número atômico.

A equação (6) termina por constituir-se num teste de consistência, uma vez que Z e r3+ são conhecidos, e uma vez que ambos relacionam-se com DSvap, que por sua vez se relaciona com ti. Para La, por exemplo14, Z= 57 e r3+ = 122.0 pm. Utilizando-se a equação (6), calcula-se r3+ = 123.2 pm. A excelente concordância com o valor tabelado demonstra a confiabilidade das realções obtidas a partir dos valotes de ti.

Igualando as equações (3) e (4) temos:

r3+ = (0,0016 .ti ­ 1,01)/0,005

(7)

e igualando as equações (3) e (5) temos:

ti = (-0,013. Z + 1,62)/ 0,0016

(8)

A equação (7) determina que, quanto maior for o valor de ti, maior será o valor do raio iônico do lantanídeo considerado, enquanto a equação (8) determina que, quanto maior o valor de Z, menor será o valor de ti. As conclusões obtidas a partir das duas equações estão em perfeita concordância, uma vez que, para íons de mesma carga, quanto maior o valor de Z, menor o valor do raio iônico.

Ainda como correlações empíricas possíveis, tem-se que, para a sequência de quelatos estudada, os valores de ti/ <D> (Ln-O) são: 1,9; 1,9; 2,0; 2,1; 1,8; 1,7; 1,9; 1,8; 2,0 e 2,1, respectivamente, enquanto ti/ Dcrg Hmq (entalpia de sublimação dos quelatos) assume os valores: 3,5; 3,1; 3,2; 3,3; 2,9; 3,4; 3,6; 3,5; 3,5 e 3,6, respectivamente, para a mesma sequência de quelatos.

Para a sistematização de propriedades termodinâmicas de lantanídeos e actinídeos, além da função do W inclinado13, existe ainda a chamada função P(M)16,17, a qual já foi aplicada com sucesso para a sistematização da interação cátion-ânion em solventes não-aquosos18,19. Esta função inclui a entalpia de sublimação do metal, a entalpia de formação para o íon aquoso e também a energia resultante da configuração eletrônica dos lantanídeos ou actinídeos, tendo-se mostrado adequada para correlacionar os valores das entalpias de dissolução dos quelatos11,12: P(M)= Dcrg Hmq (metal) - Df Hmq {(M (III) aq)} para DE (M) < 0 e P(M)= Dcrg Hmq (metal) ­ {Df Hmq (M (III) aq)} + DE (M) se DE (M) > 0. DE (M) é a diferença de energia do nível eletrônico mais baixo da configuração fns2d1 e a energia mais baixa do nível fn+1s2 nos átomos neutros gasosos16.

Utilizando os valores de P(M) como iguais a11 1137,21; 1107,51; 1078,63; 1097,46; 1112,20 e 1104,16 kJ mol-1 para La, Pr, Sm, Ho, Er e Yb, respectivamente, obtem-se os gráficos apresentados nas Figuras 9 e 10. Como pode ser observado, o gráfico dos valores da função P(M) como função de ti para os grupos selecionados de elementos, resulta numa relação linear, ressaltando mais uma vez a existência de correlação entre ti e a configuração eletrônica dos elementos considerados. A reta da figura 10 fornece a equação:

P(M)= 0,586.ti + 813

(9)



Uma vez que Dcrg Hmq (metal) e Df Hmq {(M (III) aq)} têm valores conhecidos para lantanídeos e actinídeos, pode-se facilmente estimar os valores de DE a partir de ti.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos no presente trabalho permitem concluir que o parâmetro ti, obtido por termogravimetria, apresenta correlações com vários outros parâmetros termoquímicos e, por consequência, como demonstrado pela utilização das funções P(M) e W inclinado, com as configurações eletrônicas dos elementos lantanídicos considerados. Assim, demonstra-se que ti constituindo-se em grandeza de significativa importância quando do estudo químico não apenas de adutos7-10, mas também de complexos, ou mais especificamente quelatos, como estudados no presente trabalho.

Tendo em vista que, em função das características inerentes à própria técnica termogravimétrica, um erro de ± 5% pode ser admitido15 na determinação dos valores de ti, e também que os parâmetros termoquímicos considerados para correlação (entalpias de vaporização, de dissociação, etc.) apresentam desvios positivos ou negativos nos seus valores12 (não apresentados aqui por questão de simplicidade), pode-se considerar que as correlações obtidas, lineares ou do tipo W inclinado, são bastante satisfatórias. O fato das curvas de DSvap como função do número atômico e do raio iônico apresentarem coeficientes de correlação superiores ao obtido quando DSvap é considerado como função de ti, reforça esta argumentação.

As equações (4) ­(9) são prova quantitativa de que, a partir dos valores de ti para os respectivos quelatos, importantes correlações podem ser estabelecidas entre o comportamento térmico e a configuração eletrônica dos elementos lantanídicos, podendo-se utilizar ti para a estimativa dos valores de DE(M), a saber, a diferença de energia entre o nível de energia eletrônica mais baixo da configuração fns2d1 e a energia mais baixa do nível fn+1s2 nos átomos neutros gasosos.

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  • *
    Podemos definir t
    i como sendo a temperatura em que uma variação de massa de 1% (em relação à massa inicial) possa ser observada na curva TG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Out 2000

    Histórico

    • Aceito
      22 Fev 2000
    • Recebido
      02 Fev 1999
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