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Construção e aplicação de uma cela espectrofotométrica de camada delgada para análises em fluxo

Construction and application of a thin layer spectrophotometric cell for flow analysis

Resumo

A low cost spectrophotometric cell for use in flow analysis was manufactured in acrylic and adapted to a commercial spectrophotometer. The application of this cell was performed in the determination of chromium (VI) in steel samples using the reaction with the alkaloid brucine in presence of oxalic acid and 0.6 mol L-1 sulfuric acid. The cell allows an enlarged analytical range, diminishing the extension of dilutions, which is useful for on-line monitoring of industrial processes.

thin layer cell; spectrophotometric Cr(VI) determination; steel samples


thin layer cell; spectrophotometric Cr(VI) determination; steel samples

Nota Técnica

CONSTRUÇÃO E APLICAÇÃO DE UMA CELA ESPECTROFOTOMÉTRICA DE CAMADA DELGADA PARA ANÁLISES EM FLUXO

Paulo C. C. de Oliveira, Vitor J. P. Gouveia e Jorge C. Masini** e-mail: e-mail: jcmasini@quim.iq.usp.br

Instituto de Química, Universidade de São Paulo, CP 26077, 05513-970 São Paulo - SP

Recebido em 12/4/00; aceito em 6/9/00

CONSTRUCTION AND APPLICATION OF A THIN LAYER SPECTROPHOTOMETRIC CELL FOR FLOW ANALYSIS. A low cost spectrophotometric cell for use in flow analysis was manufactured in acrylic and adapted to a commercial spectrophotometer. The application of this cell was performed in the determination of chromium (VI) in steel samples using the reaction with the alkaloid brucine in presence of oxalic acid and 0.6 mol L-1 sulfuric acid. The cell allows an enlarged analytical range, diminishing the extension of dilutions, which is useful for on-line monitoring of industrial processes.

Keywords: thin layer cell; spectrophotometric Cr(VI) determination; steel samples.

INTRODUÇÃO

Devido ao fato das celas espectrofotométricas para análise em fluxo ainda apresentarem preços relativamente elevados, a construção e uso de celas artesanais que conciliem baixo custo e bom desempenho tem sido bastante descrito na literatura1-6. Um dos principais problemas encontrados nas celas, sejam comerciais ou não, é a retenção de bolhas no percurso óptico. Para contornar este inconveniente, as celas comerciais adotam várias geometrias como celas em forma de "U", "Z" e com um aprisionador de bolha em forma de "J" antes do percurso óptico. Dentre as três configurações acima citadas, a que apresenta maior necessidade de intervenções devido ao aprisionamento de bolhas de ar durante as análises é a cela espectrofotométrica em forma de "U".

Reis1 construiu uma cela espectrofotométrica de baixo custo, constituida de três blocos de PerspexMR agrupadas em forma de sanduíche. Apesar de sua construção simples, a cela possui percurso óptico fixo e requer intervenção do operador para remoção de bolhas de ar.

Araújo et al.2 desenvolveram um modelo de cela espectrofotométrica, inserindo um tubo de vidro (4,5 cm de comprimento e 2 mm de diâmetro interno) verticalmente dentro de um suporte de madeira com uma fenda retangular com dimensões 2 x 5 mm para a passagem do feixe óptico. Esta configuração elimina a possibilidade de retenção de bolhas pois o fluxo ascendente arrasta as bolhas. Porém, o volume morto torna-se relativamente grande e a sensibilidade comprometida.

Pasquini e Raimundo Jr.3 descrevem a construção de um fotômetro simples para análise por injeção em fluxo e adaptam uma cela de fluxo em U, cujo percurso óptico é fixo e requer intervenção para retirada de bolhas.

Um modelo mais versátil foi confeccionada por Pavón et al.4. Esta cela é composta por dois blocos de PVC e utiliza separadores em TeflonMR. As análises são realizadas pela medida da reflectância da luz captada através de cabos de fibra óptica. Suas vantagens residem no pequeno volume interno, facilidade de variar o percurso óptico, não retenção de bolhas, podendo ainda ser utilizada como cela de difusão de gases. Sua desvantagem está no elevado custo das fibras ópticas, além da necessidade de um espectrofotômetro apropriado para o seu emprego.

Uma cela para medidas espectrofotométricas em fase sólida foi construída por Reis e colaboradores5. Esta cela é composta por dois blocos de acrílico separados por uma borracha de 1,0 mm de espessura na qual é feito um orifício de 10 mm de diâmetro. Este corte circular fixa a fase estacionária constituida de 1-(2-tiazolilazo)-2-naftol (TAN) imobilizado em sílica funcionalizada C18. Com a detecção espectrofotométrica em fase sólida, incorpora-se uma etapa de preconcentração, resultando em considerável ganho de sensibilidade quando comparado com sistemas convencionais. Um dos pontos críticos desta cela é o fato de sua geometria causar uma distribuição heterogênea do analito, em virtude da ocorrência de caminhos preferenciais da solução contendo o analito. Para contornar este problema, um estudo do posicionamento da distância da cela em relação ao feixe óptico é crucial5.

Uma cela espectroeletroquímica foi confeccionada por Gouveia et al.6 com volume interno de aproximadamente 20mL para detecção de Fe(II) através do efeito de espalhamento de radiação (Raman).

No presente trabalho, construiu-se uma cela delgada com fluxo vertical e adaptou-se a um espectrofotômetro comercial. Para exemplificar sua utilização e verificar seu desempenho, determinou-se íons Cr(VI) em amostras de aço certificadas através de análise por injeção seqüencial.

A análise por injeção seqüencial foi desenvolvida em 1990 por Ruzicka e Marshall7 como uma modalidade de técnica de fluxo apropriada para monitorização de processos industriais em função de suas características: robustez mecânica, baixa necessidade de manutenção, pequeno consumo de reagentes e solução transportadora, maior autonomia, entre outros. O sistema de injeção seqüencial é composto de um seringa de pistão responsável pela aspiração ou injeção de volumes precisos de tranportador e reagentes. O coração do sistema é uma válvula seletora com 8 portas comunicáveis através de uma porta comum. Todo o sistema é controlado automaticamente por um computador, garantindo maior autonomia para o sistema.

A determinação de cromo é de grande relevância tanto do ponto de vista ambiental quanto industrial. Muito embora o cromo no estado de oxidação trivalente seja um elemento essencial, atuando como regulador do metabolismo da glicose, no estado de oxidação hexavalente possui elevada toxicidade, sendo apontado na literatura como causador de dermatites, problemas no trato respiratório e intestinal, além de potencialmente carcinogênico8.

Em virtude de seu elevado potencial de toxicidade, o desenvolvimento de metodologias de análise com características de tempo real são de grande importância na quantificação deste analito.

A determinação de Cr (VI) baseou-se no aproveitamento analítico do intermediário formado na reação entre Cr(VI) e o alcalóide brucina9. O intermediário formado absorve fortemente em 525 nm e após alguns segundos, converte-se no produto final, que absorve mais fracamente em 430 nm. Com o aproveitamento analítico do estado transiente (intermediário), menor tempo de análise e maior sensibilidade na determinação de Cr(VI) são verificados, sendo somente possível sua detecção através de técnicas de fluxo.

EXPERIMENTAL

A Cela Delgada de Fluxo Vertical

A cela espectrofotométrica consiste simplesmente de dois blocos de acrílico de dimensões 42 mm de altura por 13 mm de largura e 6 mm de espessura, contendo em um deles dois pequenos furos de 2 mm de diâmetro para entrada e saída de solução dispostos verticalmente e distantes entre si por 18 mm. Nos dois blocos efetuou-se dois furos concêntricos de 8 mm e 4 mm de diâmetro respectivamente. O furo menor (4 mm) atravessa todo o acrílico nas duas peças e o de 8 mm não chega a atravessar as placas de acrílico, servindo apenas de apoio para a fixação das janelas de vidro. As placas de acrílico são separadas por um espaçador de borracha removível com espessuras que variam de 0,6 a 0,8 mm, que regulam o volume interno e o caminho óptico da cela. O volume interno da cela é de aproximadamente 31 mL quando a espessura da borracha de separação é 0,6 mm. O desenho detalhado da cela é mostrado na Figura 1.


Reagentes e Soluções

Todos os reagentes são de grau de pureza analítica e todas as soluções foram preparadas com água desionizada (NANO pure water system).

A solução estoque de tampão borato 0,10 mol L-1 foi preparada pela pesagem de 38,143 g de Na2B4O7.10 H2O seguido de sua dissolução com água em balão volumétrico de 1 L. A solução estoque de azul de bromotimol (BTB) 0,01% (m/v) foi preparada pela pesagem de 0,01 g do corante e dissolvido em 100 mL de tampão borato 0,01 mol L-1. Para preparação da solução de brucina (Aldrich), pesou-se 0,22 g de brucina acrescidos de 0,95 g de ácido oxálico (Merck) e 10 mL de ácido sulfúrico (Merck) 6 mol L-1, seguidos de dissolução com água para volume final de 100 mL em balão volumétrico. Solução padrão estoque de Cr(VI) 100 mg L-1: pesou-se 0,2829 g de K2Cr2O7 (Merck), previamente dessecado em estufa a 140ºC por uma hora, dissolvidos em 1 L de água desionizada. As soluções de trabalho foram preparadas por diluição adequada a partir da solução estoque.

Equipamentos

Utilizou-se um sistema de injeção seqüencial modelo FIAlab 3500 (Alitea USA, Medina, WA, USA), esquematizado na Figura 2. A detecção foi realizada com um espectrofotômetro Micronal Modelo B 382 acoplado a um registrador Micronal modelo B 292 ou através de placa de aquisição de dados PCLPM 16 da National Instruments.


Preparação das amostras

Pesou-se 0,20 g (±0,1 mg) de amostra de aço, transferiu-se para um bequer de 200 mL e adicionou-se 20 mL de água régia. Aqueceu-se em chapa de aquecimento até completa dissolução do sólido. Em seguida, adicionou-se 10 mL de ácido perclórico concentrado para eliminar os produtos de decomposição do ácido nítrico e oxidar o Cr(III) . O aquecimento continuou até que os fumos brancos do ácido perclórico fossem liberados (próximo à secura) e os sais precipitassem.

Após o aquecimento, esperou-se esfriar à temperatura ambiente e diluiu-se com 20 mL de água desionizada. Filtrou-se em funil de vidro, utilizando papel de filtro Wattman 42, recolhendo-se o filtrado diretamente em balão volumétrico de 100 mL. Lavou-se o resíduo com várias porções de água desionizada, completou-se o volume dos balões com água desionizada até o menisco e transferiu-se seu conteúdo para frascos de estocagem devidamente limpos e secos.

Procedeu-se a determinação espectrofotométrica do cromo através do uso analítico do intermediário formado na sua reação com a brucina.

Procedimento de análise através do sistema de Injeção Seqüencial

As etapas realizadas nas calibrações e análises de Cr(VI) através de Injeção Seqüencial são resumidas na Tabela 1, tendo como base o sistema mostrado na Figura 2. O procedimento descrito é iniciado após todo o sistema de tubos estar preenchido com solução transportadora (água desionizada para análise de íons Cr(VI) e tampão borato para os testes de desempenho da cela). O tubo ligado à porta 3 da válvula seletora estar preenchido com o reagente colorimétrico. No estudo sobre o desempenho da cela com BTB o procedimento é similar, mas a etapa 9 é suprimida, uma vez que não há reação química envolvida.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Desempenho da Cela Delgada de Fluxo Vertical

Estudos comparativos entre a cela construída e uma cela de fluxo comercial em forma de "U" com percurso óptico de 10 mm foram executados. Registrou-se sinais de soluções de azul de bromotimol (BTB) a 620 nm, com concentrações variando de 1,0.10-4% a 1,0.10-2% (m/v).

Os parâmetros analíticos das curvas obtidas com ambas celas e para as amostras reais são resumidos na Tabela 2, indicando que com a cela delgada as absorbâncias na altura máxima de pico apresentam uma relação linear para toda a faixa de concentrações estudada. Com a cela comercial as concentrações restringem-se a faixa de 1,0.10-4 a 1,0.10-3 % (m/v) de BTB.

Na Figura 3 observa-se que com o uso da cela delgada, o sinal correspondente a uma solução de BTB com concentração 1,0.10-2 % atinge cerca de 40,0 % da escala, enquanto que com a cela comercial, uma solução de BTB 2,5 vezes mais diluida ultrapassa consideravelmente o limite máximo da escala, comprovando-se a possibilidade de trabalhar com faixas mais amplas de concentrações empregando a cela delgada.


Como as vazões utilizadas no experimento relativo à Figura 3 são iguais, ao comparar-se a largura dos sinais exibidos, observa-se claramente que o tempo de lavagem da cela delgada é bem menor que o tempo necessário para a cela comercial; visto que a solução de BTB utilizada no experimento com a cela comercial (Figura 3B) foi 2,5 vezes mais diluida.

A variação do percurso óptico da cela delgada foi avaliada com a utilização de um espaçador de 0,8 mm de espessura e depois, com a adição de outro espaçador de 0,6 mm, perfazendo um percuso óptico total de 1,4 mm. Estes resultados são ilustrados na Figura 4, a qual mostra que a absorbância na altura máxima de pico obitda na cela com 1,4 mm de percurso óptico é cerca de 1,8 vezes maior do que o observado com a cela de 0,8 mm. Este resultado indica que o sistema obedece a lei de Beer, uma vez que a razão esperada entre as absorbâncias devereria ser 1,75 tendo como base a espessura nominal dos espaçadores utilizados. Devido a flexibilidade do material que compõe o separador (borracha), um pequeno erro é observado.


A retenção de bolhas nas duas celas foi testado pela introdução de 10mL de ar enviado para o detetor, observando-se que, enquanto a cela comercial necessitou de intervenção para retirada das bolhas para cada injeção, a cela delgada não mostrou variação significativa no sinal registrado, retornando para a linha base sem precisar de intervenção (Figura 5). Esta característica da cela delgada é de grande importância para execução de estudos de análises com fluxo segmentado, haja visto que a eliminação das bolhas ocorre de forma simples e rápida.


Análise de Amostras reais

A curva de referência para Cr(VI) apresentou boa linearidade entre 1,0 e 10,0 mg L-1 (r = 0,993), com freqüência de análise de 80 amostras por hora conforme mostrado na Tabela 2.

A Tabela 3 exibe os resultados obtidos nas análises de amostras de aço certificados. Os resultados encontrados para as amostras foram comparados com os valores certificados com nível de confiança de 95 % e não se observou evidência de erros sistemáticos10.

O estudo comparativo entre a cela construída e uma cela de fluxo comercial mostrou que a cela construída permite trabalhar com soluções de altas concentrações sem a perda de linearidade. Este fato possibilita trabalhar com matrizes que exibem concentrações de espécies químicas mais elevadas, reduzindo-se assim etapas de diluições, tornando bastante atraente a utilização desta cela para a monitorização de processos industriais. Certamente, nestes casos a concentração do reagente deve ser otimizada, mantendo sempre em excesso estequiométrico em toda a zona de reação para garantir a linearidade, considerando-se principalmente que o sistema de Injeção Seqüencial funciona como um sistema em fluxo de linha única, não permitindo pontos de confluência.

Os resultados obtidos mostraram-se bastante satisfatórios quando comparados com os valores certificados das amostras de aço. Como as janelas foram confeccionadas com lamínula de vidro, é possível reduzir os erros com a escolha de um vidro de melhor qualidade. Para trabalhos na região do ultravioleta, pode-se confeccionar janelas com pedaços de cubetas de quartzo quebradas ou, ainda, com lâmpadas de catodo oco danificadas.

CONCLUSÕES

A cela construída possui algumas vantagens como: simples construção, baixo custo, não retenção de bolhas, eliminação de intervenções durante as análises, variar facilmente o percurso óptico através da troca do espaçador e possuir pequeno volume interno.

Em função das características acima apresentadas, a cela permite trabalhar com concentrações mais elevadas; reduzindo de forma considerável etapas de diluição, tornando sua utilização bastante interessante na quantificação de matrizes industriais, além de possuir boa repetibilidade durante as análises.

Devido as características acima apresentadas, esta cela pode contribuir significativamente na divulgação das técnicas de fluxo em instituições de ensino técnico e superior, principalmente naquelas onde os recursos são muito parcos, além da monitorização de processos industriais e quantificação de espécies químicas em grande variedade de produtos industrializados.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao suporte financeiro fornecido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

  • 1. Reis, B. F.; Quim. Nova 1994, 17, 228.
  • 2. Araújo, M. C. U.; Honorato, R. S.; Santos, A. V.; Silva, E. C.; Quim. Nova 1996, 19, 86.
  • 3. Pasquini, C.; Raimundo Jr., I. M.; Quim. Nova 1984, 7, 24.
  • 4. Pavon, J. L. P.; Gonzalo, E. R.; Christian, G. D.; Ruzicka, J.; Anal. Chem. 1992, 64, 923.
  • 5. Reis, B. F.; Rocha, F. R. P.; Texeira, L. S. G.; Costa, A. C. S.; Korn, M.; Quim. Nova 2000, 23, 116.
  • 6. Gouveia, V. J. P.; Gutz, I. G.; Rubim, J. C.; J. Eletroanal. Chem. 1994, 371, 37.
  • 7. Ruzicka, J.; Marshall, G. D.; Anal. Chim. Acta 1990, 237, 329.
  • 8. Costa, Max; Crit. Rev.Toxicol 1997, 27, 431.
  • 9. Oliveira, P. C. C.; Masini, J. C.; Analyst 1998, 123, 2085.
  • 10. Miller, J. C.; Miller, J. N.; In Statistics for Analytical Chemistry; Ellis Horwood; Chichester, 1988; cap. 2-5.
  • * e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2001
    • Data do Fascículo
      Jun 2001

    Histórico

    • Recebido
      12 Abr 2000
    • Aceito
      06 Set 2000
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