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Sacarose no laboratório de química orgânica de graduação

Sucrose in undergraduate organic chemistry laboratory

Resumo

An experiment showing the readily available disaccharide (sucrose) as reagent for experiments in undergraduate chemistry laboratory is described. The preparation of 2,3:4,5-di-O-isopropylidene-beta-D-fructopyranose from sucrose is very simple, uses low cost materials, requires two periods of 4 hours and is useful for classroom support in undergraduate courses.

chemical education; carbohydrate; sucrose; fructose


chemical education; carbohydrate; sucrose; fructose

Educação

SACAROSE NO LABORATÓRIO DE QUÍMICA ORGÂNICA DE GRADUAÇÃO

Vitor F. Ferreira* e Fernando C. Silva

Departamento de Química Orgânica, Instituto de Química, Universidade Federal Fluminense, Campus do Valonguinho, Outeiro de São João Batista s/n, 24020-150 Niterói - RJ

Clarissa C. Perrone

Divisão de Química Orgânica, Instituto Nacional de Tecnologia, Av. Venezuela 82, 20081-310 Rio de Janeiro - RJ

*e-mail: cegvito@vm.uff.br

Recebido em 22/9/00; aceito em 10/5/01

SUCROSE IN UNDERGRADUATE ORGANIC CHEMISTRY LABORATORY. An experiment showing the readily available disaccharide (sucrose) as reagent for experiments in undergraduate chemistry laboratory is described. The preparation of 2,3:4,5-di-O-isopropylidene-b-D-fructopyranose from sucrose is very simple, uses low cost materials, requires two periods of 4 hours and is useful for classroom support in undergraduate courses.

Keywords: chemical education; carbohydrate; sucrose; fructose.

A inter-relação entre o conhecimento adquirido em química através de estudos teóricos e a experimentação laboratorial1, quando realizada de forma bem clara e coordenada permite ao aluno a construção de conceitos de forma mais sólida e com um maior relacionamento entre os tópicos teóricos. Neste sentido, o laboratório de química experimental é a grande oportunidade que os alunos têm de ter contato com o mundo real da química, que se bem conduzida, leva ao aprofundamento do aprendizado de diversos temas pouco explorados em sala de aula como, por exemplo, processos de separação e técnicas espectroscópicas2. Porém, o custo dos reagentes químicos, aliado a uma dificuldade de importação, torna a química orgânica experimental onerosa para os cursos de graduação em química, farmácia e engenharia química. A busca por melhores métodos experimentais3,4, computacionais5 ou experimentos ricos em subsídios para discussões teóricas utilizando reagentes de baixo custo e de fácil aquisição, tem sido um tema bastante investigado nas diversas áreas da química6-8. Não obstante, ainda dispõem-se de poucos experimentos em livros e artigos9,10 com estas características em química orgânica.

Neste trabalho apresentamos um experimento simples de ser efetuado no laboratório e com considerável subsídio para discussões teóricas, a partir da sacarose (açúcar), que é um carboidrato muito comum no cotidiano de todos.

Os carboidratos existem difundidos em toda natureza e alguns existem praticamente puros, tais como: sacarose, glicose, frutose, amido e celulose, este último no algodão, madeira e papel11. Em termos de volume de produção mundial, os carboidratos ficam atrás apenas dos óleos vegetais. Cerca de 95 % da biomassa produzida na natureza é formada de carboidratos (200 bilhões de toneladas). Apesar desta enorme quantidade, apenas 3 % são usadas pelo homem. O resto se decompõe e é reciclado pela natureza. Na utilização industrial, excluindo a alimentação, essa percentagem cai muito mais e seu uso é restrito a alguns mono e dissacarídeos de baixo peso molecular. Esses carboidratos de baixos pesos moleculares são extremamente atrativos como matéria-prima para experimentos laboratoriais de química, devido aos seguintes aspectos: disponibilidade em grandes quantidades, baixos custos, produtos oriundo de tecnologia renováveis e ecologicamente adequados.

A sacarose (1), um dissacarídeo conhecido desde o ano 200 A. C.12, é o carboidrato cristalino mais abundante na natureza13. É produzido em larga escala por diversos países (100.000 ton/ano), principalmente o Brasil, onde custa R$ 0,50/Kg. A hidrólise da sacarose em meio ácido produz um mistura equimolecular de D-Glicose (aldose) e D-frutose (cetose), conhecida como açúcar invertido14, por ter a rotação ótica invertida em relação à substância 1 (Esquema 1). Devido à proporção (1:1), juntamente com sua solubilidade em água, estes dois carboidratos são de difícil separação por métodos convencionais.

No experimento proposto, a sacarose (1, açúcar comercial) é hidrolisada em meio ácido utilizando a acetona como solvente e reagente. A glicose e a frutose formadas (ver Esquema 1) no meio reacional são imediatamente convertidas em seus respectivos diacetonídeos152 (1,2:5,6-di-O-isopropilideno-a-D-glicofuranose) e 3 (2,3:4,5-di-O-isopropilideno-a-D-frutopiranose) 16. Estes diacetonídeos também são de difícil separação, pois ambos são bem solúveis em solventes orgânicos e têm Rfs similares na cromatografia em camada fina. Porém, a hidrólise seletiva do acetal das posições 5 e 6 do diacetonídeo 2 leva ao monoacetonídeo 4, que é bem solúvel em água. Desta forma, é possível separar o diacetonídeo da frutose (3), que fica solubilizado no solvente orgânico (Esquema 1). Esta diferença na velocidade de hidrólise entre 2 e 3 está relacionada com tipo de acetal. Na substância 2 o acetal está localizado em cadeia lateral com carbono primário (C-6 da glicose) facilitando a hidrólise do mesmo.

De um modo geral, o mecanismo de formação de um acetal envolve uma dupla adição de um diol vicinal à acetona protonada (Esquema 2). É interessante observar que os acetonídeos são importantes derivados dos carboidratos e, particularmente, o diacetonídeo da frutose 3 tem sido utilizado pelo nosso grupo de pesquisa como auxiliar de quiralidade e catalisador quiral em síntese assimétrica17. Esta área da química é uma das fronteiras atuais da química orgânica cujo objetivo principal é a preparação de substâncias enantiomericamente puras através da síntese exclusiva ou preferencial de um estereoisômero18,19.

Dependendo do material que está sendo explorado na parte teórica, este experimento pode ser utilizado para ilustrar os seguintes temas: a) o mecanismo de hidrólise de dissacarídeos (tema: carboidratos); b) o mecanismo de formação de acetal e sua cinética de hidrólise (tema: reação de acetalização de aldeído e cetona), c) a separação por diferença de solubilidade (tema: técnicas de separação), d) mostrar no ensino graduação que carboidratos são substâncias vinculadas aos álcoois, aldeídos e cetonas e e) uso de grupos protetores em química orgânica. Deve-se ressaltar que um grupo protetor20 é um grupo destinado a bloquear um determinado grupo funcional contra reações indesejadas em uma determinada etapa. Normalmente este grupo é removido em etapas posteriores. O uso desta estratégia em síntese orgânica introduz duas etapas a mais na síntese e, portanto seu uso deve ser evitado ao extremo. Um grupo de proteção para ser considerado ideal deve ser estável frente a várias condições experimentais e de fácil remoção em condições brandas.

Em resumo, este é um experimento simples de ser realizado em dois períodos de 4 h de laboratório, utiliza materiais de baixo custo, as vidrarias utilizadas e equipamentos são comuns em todos os laboratórios e produz a substância 3 que é de fácil cristalização.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

2,3;4,5-di-O-isopropilideno-b-D-frutopiranose (3)

Em erlenmeyer de 500 mL, uma mistura de açúcar comercial (15 g, 44,8 mmol) e acetona (200 mL) é resfriada externamente com gelo até cerca de 5 oC e agitada vigorosamente (pode utilizar agitador mecânico ou magnético). A seguir é adicionado lentamente ácido sulfúrico concentrado (8 mL). Em seguida a mistura é adicionalmente agitada por mais 2 h e 30 min à temperatura ambiente. O meio reacional é então resfriado até atingir uma temperatura entre 0 ¾ 10 oC e neutralizado com NaOH 50% p/v. O pH neutro final da solução deve ser controlado com a adição de solução saturada de Na2CO3. Os sólidos (Na2SO4 e sacarose não reagida) são removidos por filtração em papel. A solução é evaporada sob pressão reduzida (a temperatura do banho não deve ultrapassar os 55 oC)21, obtendo-se um xarope amarelo claro contendo a mistura dos diacetonídeos 2 e 3. Pode-se interromper o experimento na solução filtrada ou no xarope, que devem ser estocados no refrigerador até a próxima aula.

Em erlenmeyer de 500 mL o xarope anterior é dissolvido em diclorometano (200 mL) e adicionado 200 mL de uma solução de H2SO4 (0,5 mol/L). A mistura é fortemente agitada durante 2 horas (não se deve ultrapassar esse tempo), a fase orgânica é separada, lavada com solução saturada de NaHCO3 (1 x 50 mL), com água (4 x 50 mL) e seca com sulfato de sódio anidro. Em seguida, o solvente é evaporado (pode ser sob pressão reduzida) até obtenção de um sólido branco, o qual é recristalizado em hexano, com filtração à quente em carvão ativo. O produto 3 foi obtido (3,8 g) sob forma de agulhas finas (p.f 97 °C, lit. 95-96 °C)22 em 33% de rendimento.

(3): I.V. nmax (KBr, cm-1): 3290 (OH); 1380; 1370 (metilas geminadas); RMN de 1H (200 MHz, CDCl3, d): 1,35 (s, 3H, CH3); 1,39 (s, 3H, CH3); 1,47 (s, 3H, CH3); 1,55 (s, 3H, CH3); 2,13 (ddd, J = 0,6, J = 5,3, J = 7,8 Hz, 1H, OH); 3,64 - 3,72 (sm, 2H, H1 e H1'); 3,77 (dd, J = 0,7, J = 13,1 Hz, 1H, H6'); 3,92 ( dd, J = 2,1, J = 13,1 Hz, 1H, H6); 4,24 (ddd, J = 8,0, J = 2,1, J = 0,7 Hz, 1H, H5); 4,34 (d, J = 2,8, 1H, H3); 4,61 (dd, J = 2,8, J = 8,0 Hz, 1H, H4).

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela bolsa de iniciação científica concedida ao aluno Fernando C. da Silva. A UFF, INT e a FAPERJ pelos recursos financeiros. Especiais agradecimentos ao Prof. João Augusto de M. Gouveia-Matos (IQ-UFRJ) pelas valiosas sugestões na elaboração deste texto.

REFERÊNCIAS

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8. Vianna, J. F.; Sleet, R. J.; Jonhstone, A. H.; Quim. Nova 1999, 22, 280.

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11. Ferreira, V.F.; Quim. Nova 1995, 18, 267.

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14. Snyder, C. H.; The Extraordinary Chemistry of Ordinary Things; 2nd Ed. John Wiley & Sons, USA, 1995, p. 439-446.

15. a) Acetonídeos são substâncias derivadas da reação entre dióis, preferencialmente vicinais, e acetona catalisada por ácido. b) de Belder, A. N.; Adv. Carbohydr. Chem. Biochem. 1965, 20, 219. c) Brady Jr, R. F.; Adv. Carbohydr. Chem. Biochem. 1971, 26, 197. d) Brady Jr, R. F.; Carbohydr. Chem. 1979, 15, 35. e) Wolfrom, M. L.; Diwadka, Gelas, Horton, D.; Carbohydr. Chem. 1974, 35, 87.

16. Fischer, E.; Ber. 1885, 28, 1145.

17. a) Ferreira, V. F.; Costa, P. R. R.; Pinheiro, S.; Filho, H. C. A.; J. Braz. Chem. Soc. 1996, 7, 67. b) Pinheiro, S.; Pedraza, S. F.; Peralta, M. A.; Carvalho, E. M.; Farias, F. M. C.; Ferreira, V. F.; J. Carbohydr. Chem. 1998, 17, 901. c) Ferreira, M. L. G.; Pinheiro, S.; Ferreira, V. F.; Perrone, C. C.; Costa, P. R. R.; Tetrahedron: Asymmetry 1998, 9, 2671. d) Ferreira, V. F.; Perrone, C. C.; Pinheiro, S.; Costa, P. R. R.; J. Braz. Chem. Soc. 2000, 11, 266.

18. S. Pinheiro; V. F. Ferreira; Quim. Nova 1998, 21, 312.

19. Ferreira, V. F.; Barreiro, E. L. J.; Costa, P. R. R.; Quim. Nova 1997, 20, 647.

20. a) Greene, T. W.; Protective Group in Organic Synthesis; Wiley, NY, 1981. b) Schelhaas, G.; Waldmann, H.; Angew. Chem. Int. Ed. Engl. 1996, 35, 2056.

21. Esta evaporação pode ser realizada com bomba de vácuo do tipo trompa d'água.

22. a) Bell, D. J.; J. Chem. Soc. 1947, 1461. b) Chittenden, G. J. F.; Verhart, C. C. J.; Carls, M. G. C.; Zwanenburg, B.; Recl. Trav. Chim. Pays-Bas 1992, 11, 348.

  • 1. Hamelin; R.; Quim. Nova 1995, 18, 68.
  • 2. Bieber, L. W.; Quim. Nova 1999, 22, 605.
  • 3. Imamura, P. M.; Baptistella, L. H. B.; Quim. Nova 2000, 23, 270.
  • 4. Reis; C.; Andrade, J. C.; Quim. Nova 1996, 19, 313.
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  • 8. Vianna, J. F.; Sleet, R. J.; Jonhstone, A. H.; Quim. Nova 1999, 22, 280.
  • 9. Ferreira, V. F.; Quim. Nova na Escola 1996, 35.
  • 10. Cunha, A. C.; Pereira, L. O. R.; de Souza, M.C.B.V.; Ferreira, V.F.; J. Chem. Educ. 1999, 76, 79.
  • 11. Ferreira, V.F.; Quim. Nova 1995, 18, 267.
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  • 13. Khan, R.; Pure Appl. Chem. 1984, 56, 833.
  • 14. Snyder, C. H.; The Extraordinary Chemistry of Ordinary Things; 2nd Ed. John Wiley & Sons, USA, 1995, p. 439-446.
  • 15. a) Acetonídeos săo substâncias derivadas da reaçăo entre dióis, preferencialmente vicinais, e acetona catalisada por ácido. b) de Belder, A. N.; Adv. Carbohydr. Chem. Biochem. 1965, 20, 219.
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  • 19. Ferreira, V. F.; Barreiro, E. L. J.; Costa, P. R. R.; Quim. Nova 1997, 20, 647.
  • 20. a) Greene, T. W.; Protective Group in Organic Synthesis; Wiley, NY, 1981.
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  • b) Chittenden, G. J. F.; Verhart, C. C. J.; Carls, M. G. C.; Zwanenburg, B.; Recl. Trav. Chim. Pays-Bas 1992, 11, 348.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2001

Histórico

  • Aceito
    10 Maio 2001
  • Recebido
    22 Set 2000
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