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Metabólitos secundários de Protium heptaphyllum march

Secondary metabolites of Protium heptaphyllum march

Resumo

Phytochemical investigation of the resin, fruits, leaves, and trunk of Protium heptaphyllum led to the isolation of the monoterpene p-menth-3-ene-1,2,8-triol, alpha and beta amyrin, quercetin, brein, quercetin-3-O-rhamnosyl, (-) catechin and scopoletin. Their structures were established by 1D and 2D NMR spectroscopy and comparison with published data.

Protium heptaphyllum; Burseraceae; p-menth-3-ene-1,2,8-triol


Protium heptaphyllum; Burseraceae; p-menth-3-ene-1,2,8-triol

Artigo

METABÓLITOS SECUNDÁRIOS DE Protium heptaphyllum MARCH

Paulo Nogueira Bandeira, Otília Deusdênia Loiola Pessoa, Maria Teresa Salles Trevisan e Telma Leda Gomes Lemos*

Departamento de Química Orgânica e Inorgânica, Universidade Federal do Ceará, CP 12200, 60021-970 Fortaleza - CE

*e-mail: tlemos@dqoi.ufc.br

Recebido em 21/9/01; aceito em 20/3/02

SECONDARY METABOLITES OF PROTIUM HEPTAPHYLLUM MARCH. Phytochemical investigation of the resin, fruits, leaves, and trunk of Protium heptaphyllum led to the isolation of the monoterpene p-menth-3-ene-1,2,8-triol, a and b amyrin, quercetin, brein, quercetin-3-O-rhamnosyl, (-) catechin and scopoletin. Their structures were established by 1D and 2D NMR spectroscopy and comparison with published data.

Keywords:Protiumheptaphyllum; Burseraceae; p-menth-3-ene-1,2,8-triol.

INTRODUÇÃO

A família Burseraceae compreende 16 gêneros e mais de 800 espécies tropicais e subtropicais. Alguns gêneros desta família são produtores de uma seiva oleosa rica em óleo essencial e triterpenos das séries oleano, ursano e eufano1. A espécie Protium heptaphyllum, conhecida popularmente como almecegueira, breu-branco-verdadeiro, almecegueira cheirosa, almecegueira de cheiro, almecegueira vermelha ou almecegueiro bravo, ocorre em todo Brasil, sendo largamente encontrada na região amazônica, onde sua seiva é conhecida como breu branco, goma limão, almécega do Brasil2. Na medicina popular, esta espécie é considerada como um importante agente terapêutico, sendo utilizada como antiinflamatório, analgésico, expectorante e cicatrizante. É utilizada também na indústria de verniz e calafetagem de embarcações3. Recentemente, estudos farmacológicos realizados com o óleo da resina comprovaram sua eficácia terapêutica, demonstrando atividades antiinflamatória, antinociceptiva e antineoplásica4. Há registros de vários trabalhos sobre a composição química da resina de P. heptaphyllum5-7. O mais recente relata a caracterização de oito triterpenos, os quais foram caracterizados em misturas binárias8.

O presente trabalho representa uma complementação aos estudos fitoquímicos já existentes sobre a composição química da resina, estendendo-se a outras partes da planta, tais como caule, folhas e frutos de um exemplar coletado no estado do Ceará. Da resina, além do óleo essencial, cujo teor é de 11%, foram isolados o monoterpeno triidroxilado 1, os triterpenos a-amirina, b-amirina e breina; dos frutos verdes, (-) catequina; dos frutos maduros e folhas, os flavonóides quercetina e quercetina-3-O-ramnosil, respectivamente; e do caule, escopoletina. O registro de monoterpenos triidroxilados é bastante raro, encontrando-se apenas oito exemplos9-13, dentre estes, o composto 1 na forma 2-O-acetil, o qual foi isolado da espécie Asiasari radix14. Embora todos os compostos isolados sejam conhecidos, este é o primeiro trabalho que menciona o isolamento de outras classes de metabólitos secundários diferentes de terpenos para a espécie em investigação. A composição química do óleo essencial da resina, caule, folhas e frutos de P. heptaphyllum foi recentemente publicada7.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O composto 1, foi isolado como um sólido cristalino, com p.f. 137¾ 138 °C e [a]20D + 2° (c 0,2 CH3OH). Seu espectro de infravermelho apresentou bandas em 3292 e 1135 cm-1 típicas de grupos hidroxila de álcoois, além de bandas em 1478 e 1458 cm-1 referentes a um sistema olefínico. A análise dos espectros de RMN 13C (BBD e DEPT 135°) indicou a presença de três átomos de carbono não-hidrogenado (um sp2 e dois sp3), dois carbonos metínicos (um sp2), dois metilênicos e três grupos metila. De acordo com os valores dos deslocamentos químicos, dois dos carbonos não hidrogenados e um metínico são oxigenados. Estes dados, aliados àqueles do espectro de RMN 1H permitiram sugerir a formula molecular C10H18O3, em acordo com o pico do íon molecular em m/z 186 (M), observado no espectro de massas obtido a 70 eV. A presença de uma ligação dupla trissubstituída foi evidenciada pelas absorções em dC 122,4 (CH) e 147,2 (C) e confirmada pela absorção em dH 5,58 (m), referente a um hidrogênio olefínico. O espectro de RMN1H revelou dois singletos intensos em dH 1,14 (3H) e 1,27 (6H) que, de acordo com a integração, correspondem a três grupos metila, os quais, através do experimento HMQC, foram associados aos sinais em dC 21,9; 29,1 e 29,2, respectivamente. O experimento HMBC mostrou a correlação dos átomos de carbono em dC 73,1 e 147,2 com os hidrogênios de dois grupos metilas, com os hidrogênios de um carbono metilênico e ainda com o hidrogênio olefínico. Observou-se também a correlação do carbono quaternário oxigenado em dC 72,7 com os hidrogênios referentes aos sinais em dH 1,14 (3H); 3,90 (1H) e 5,58 (1H), enquanto o carbono em dC 74,9 mostrou acoplamento com os hidrogênios correspondentes aos sinais em dH 1,14 (3H) e 1,60-1,70 (2H). Com base nestes resultados e nos dados descritos na Tabela 1, chegou-se à conclusão de que o composto 1 se trata de um monoterpeno triidroxilado, caracterizado como p-ment-3-eno-1,2,8-triol. A configuração cis das hidroxilas localizadas em C-1 e C-2 foi determinada através do efeito NOE observado no sinal relativo aos hidrogênios da metila em C-7, por irradiação na freqüência do hidrogênio carbinólico H-2. Estes dados permitiram definir a configuração relativa de 1. Como comentado anteriormente, a literatura cita o isolamento deste composto apenas na forma acetilada14.

Três compostos foram isolados da resina e identificados como sendo triterpenos pentacíclicos, através das informações fornecidas por seus espectros de RMN 13C totalmente desacoplado (BBD) e DEPT 135° correspondentes. A identificação individual de cada substância foi realizada levando-se em conta o padrão de hidrogenação de cada átomo de carbono, os deslocamentos químicos dos átomos de carbono, principalmente dos carbonos de ligação dupla, e ainda o número de metilas e multiplicidade destas, observadas nos espectros de RMN1H. Assim, dois dos compostos foram identificados como sendo a mistura de a e b-amirina15 e o terceiro, como breina16.

Três flavanóides foram identificados através de seus respectivos espectros de RMN13C (BBD e DEPT 135°) e 1H. Os espectros de carbono-13 de dois deles revelaram sinais correspondentes a 15 átomos de carbono que, de acordo com os valores de deslocamentos químicos, são compatíveis com a estrutura de uma catequina e um flavonol, respectivamente. De acordo com os espectros de RMN1H de dois destes flavonóides, a multiplicidade dos sinais na região de aromático mostrou-se semelhante indicando, portanto, o mesmo padrão de substituição, permitindo posicionar grupos hidroxilas nos carbonos 5 e 7 do anel A e 3' e 4' do anel B. O espectro de RMN13C do terceiro flavonóide revelou sinais correspondentes a 21 átomos de carbono, 6 deles relativos a uma unidade de açúcar, a qual após análise dos deslocamentos químicos de hidrogênio e carbono-13 foi identificada como a ramnose. Os deslocamentos químicos dos 15 átomos de carbono restantes mostraram-se semelhantes aos do flavonol indicando, portanto, que a única diferença entre estes constituintes trata-se do substituinte ligado ao C-3, em um deles um grupo hidroxila, enquanto no outro, a ramnose. Desta forma, os três flavonóides foram identificados como: (-) catequina17, quercetina18 e quercetina-3-O-ramnosil19, respectivamente.

O espectro de RMN13C do oitavo composto isolado apresentou sinais correspondentes a 10 átomos de carbono, dentre estes 9 com hibridação sp2, sendo 3 oxigenados e uma carbonila de éster conjugado. O espectro de RMN1H revelou absorções relacionadas a uma metoxila e 2 hidrogênios de ligação dupla com configuração cis. Estes dados permitiram propor que este metabólito secundário trata-se de uma cumarina dissubstituída, identificada como escopoletina20.

Na determinação estrutural de todos os compostos, foram também utilizadas técnicas de RMN 2D, como HMQC e HMBC, e suas estruturas foram corroboradas mediante comparação dos dados obtidos, inclusive ponto de fusão, com aqueles registrados na literatura.

Como parte do nosso programa de isolamento e caracterização de princípios ativos naturais de plantas, foi recentemente implantada a linha de pesquisa em biotecnologia, onde testes estão sendo realizados visando encontrar compostos neuroativos, úteis para o tratamento da doença de Alzheimer. Uma das terapias mais utilizadas envolve o uso de inibidores da acetilcolinesterase (AChE). Embora os inibidores mais utilizados sejam os alcalóides, a resina e todos os constituintes químicos isolados de P. heptaphyllum foram testados. Destes, apenas a resina e a (-) catequina apresentaram inibição da acetilcolinesterase, nas concentrações de 0,5 mg/mL e 1,0 mg/mL, respectivamente.

PARTE EXPERIMENTAL

Procedimentos experimentais gerais

Os pontos de fusão (p.f.) foram determinados em equipamento Mettler com placa aquecedora, modelo FP52 e unidade de controle FP5. Os espectros na região do infravermelho (IV) foram obtidos em pastilhas de KBr utilizando espectrômetro Perkin-Elmer, modelo 1000. As rotações ópticas foram medidas em espectrômetro Perkin-Elmer, modelo 341. Os espectros de ressonância magnética nuclear (RMN) foram obtidos em espectrômetro Bruker ARX-500, usando-se CD3OD ou CDCl3 como solvente e TMS como referência interna. Os espectros de massas foram obtidos em um espectrômetro VG-Auto Spec da FISONS INSTRUMENT, operando a 70 eV. Nas cromatografias em coluna utilizou-se sílica gel 60S.

Material vegetal

As partes botânicas da espécie em estudo foram coletadas na chapada do Araripe (Crato-CE), em setembro e novembro de 1998. A identificação da espécie foi realizada por botânicos do Herbário Prisco Bezerra do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Ceará, onde se encontra depositada a exsicata sob o N° 28509.

Isolamento dos constituintes químicos

A seiva exsudada do caule (50 g), os frutos verdes (350 g) e os frutos maduros (500 g) foram submetidos ao processo de hidrodestilação, obtendo-se seus óleos essenciais nos teores de 11,0%, 3,0% e 1,5%, respectivamente. O decocto da resina foi evaporado sobre pressão reduzida obtendo-se 1,2 g de resíduo, enquanto os decoctos provenientes dos frutos verdes e maduros foram submetidos à partição utilizando AcOEt, para fornecer 0,8 g e 1,4 g de extratos, respectivamente. Do resíduo proveniente do decocto da resina foi isoladoatravés de coluna cromatográfica em gel de sílica e por eluição com AcOEt/MeOH 4:1, o monoterpeno 1. Da resina bruta foram obtidos os triterpenos a-amirina, b-amirina e breina. Os extratos AcOEt dos decoctos dos frutos verdes e maduros, após cromatografia em gel de sílica, forneceram os compostos (-) catequina e quercetina-3-O-ramnosil, respectivamente.

As folhas (1,2 kg) e caule (2 kg), após secos à temperatura ambiente e triturados, foram submetidos à extração com EtOH. A destilação das soluções sob pressão reduzida, forneceu 20 g de extrato das folhas e 24 g de extrato do caule. A cromatografia do extrato EtOH das folhas, em coluna aberta, utilizando-se gel de sílica e AcOEt como eluente, resultou no isolamento da quercetina. Do extrato EtOH do caule, seguindo-se o procedimento descrito acima, obteve-se a escopoletina.

p-Ment-3-eno-1,2,8-triol (1, 5,0 mg). p.f. 137-138 °C. [a]20D + 2° (c 0,2 CH3OH). IV(KBr) nmax cm-1: 3293, 2976, 1458, 1366, 1135. EM (70eV) m/z (intensidade relativa) 186 (M), 168 (4), 150 (5), 107 (34), 95 (100), 59 (46), 43 (65). RMN 1H (500 MHz, CD3OD) e 13C (125 MHz, CD3OD), Tabela 1.

Teste de inibição da AChE

A resina e os compostos isolados de P. heptaphyllum, foram individualmente dissolvidos em CHCl3. Cada amostra foi diluída até um fator de 1 mg/mL e aplicada em placa cromatográfica de alumina (5.0 mL). A placa foi borrifada com a solução de ácido 5,5'-ditiobis-[2-nitrobenzóico] (reagente de Ellman, DTNB) e iodeto de acetiltiocolina (ACTI) 1 mM e, em seguida, com a enzima acetilcolinesterase (AChE) 3 U/mL. Após 10 min, observou-se as zonas onde houve inibição da enzima contrastando com a coloração amarela proveniente da reação da tiocolina com o reagente de Ellman. O teste, incluindo o preparo das soluções, foi realizado segundo metodologia desenvolvida por Rhee et al.21.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq, CAPES e FUNCAP pelos financiamentos e bolsas que permitiram a realização deste trabalho, e ao Centro Nordestino de Aplicação e Uso da Ressonância Magnética Nuclear (CENAUREM), Universidade Federal do Ceará, pela obtenção dos espectros.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2002

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2001
  • Aceito
    20 Mar 2002
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