Acessibilidade / Reportar erro

Constituintes das cascas de Tapirira guianensis (Anacardiaceae)

Constituents of the bark of Tapirira guianensis (Anacardiaceae)

Resumo

From the hexane extract of barks of Tapirira guianensis were isolated and identified beta-sitosterol, 3beta-O-beta-D-glucopyranosyl-sitosterol, sitostenone and stigmast-4-en-6beta-ol-3-one. Besides these compounds six alkyl ferulates were obtained including a new one with an unusual odd alkyl chain, nonadecyl coumarate. All structures were determined by spectral data.

Tapirira guianensis; alkyl ferulates; p-nonadecyl coumarate; sterols


Tapirira guianensis; alkyl ferulates; p-nonadecyl coumarate; sterols

ARTIGO

Constituintes das cascas de Tapirira guianensis (Anacardiaceae)

Constituents of the bark of Tapirira guianensis (Anacardiaceae)

Suzimone de J. CorreiaI; Juceni P. DavidII; Jorge M. DavidIII

IDepartamento de Química e Exatas, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Av. José Moreira Sobrinho s/n, 45200-000 Jequié, BA

IIFaculdade de Farmácia, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador, BA

IIIInstituto de Química, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador, BA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Jorge M. David e-mail: jmdavid@ufba.br

ABSTRACT

From the hexane extract of barks of Tapirira guianensis were isolated and identified b-sitosterol, 3b-O-b-D-glucopyranosyl-sitosterol, sitostenone and stigmast-4-en-6b-ol-3-one. Besides these compounds six alkyl ferulates were obtained including a new one with an unusual odd alkyl chain, nonadecyl coumarate. All structures were determined by spectral data.

Keywords:Tapirira guianensis; alkyl ferulates; p-nonadecyl coumarate; sterols.

INTRODUÇÃO

O gênero Tapirira (Anacardiaceae) é composto de aproximadamente 15 espécies que ocorrem principalmente na América do Sul. Tapirira guianensis Aubl. é uma árvore alta facilmente encontrada na Mata Atlântica e popularmente conhecida como "pau-pombo". Existem relatos na literatura demonstrando que o extrato aquoso das cascas dessa espécie apresenta efeito estimulante uterino1 e estudo prévio biomonitorado do extrato das sementes permitiu identificar dois derivados alquilfenólicos com atividade citotóxica2. O extrato CHCl3 das cascas de T. guianensis também mostrou atividade contra câncer humano de próstata (LNCaP, IC50 5,5 mg/mL). Neste trabalho relatamos o estudo da composição química dos extratos hexânico e CHCl3 das cascas de T. guianensis. Além de esteróides conhecidos foram isolados ésteres alquílicos do ácido ferúlico e um novo éster com cadeia de alquílica de número ímpar de carbonos, incomum na natureza.

PARTE EXPERIMENTAL

Os espectros de RMN foram registrados em equipamento Varian Gemini-300, utilizando o sinal do solvente como referencial interno. Os espectros de massa foram obtidos através de injeção direta em espectrômetro de Finnigan MAT 90. As análises de CG foram realizadas em instrumento HP modelo 5890 utilizando-se H2 como gás de arraste (1 mL/min), temperatura do injetor (220 oC), coluna HP-5 (5% fenil metilsilicone, 50 m x 0,2 mm x 0,5 µm de espessura do filme), temperatura do forno 270-280 oC, 0,5 oC/min, tempo total 35 min. Foi utilizada Si gel 60 nas separações por cromatografia em coluna. As frações foram monitoradas por CCD em Si 60 PF254 (Merck) e as manchas foram reveladas com vapores de iodo, reagente de Lieberman-Buchard e irradiação no UV (254 nm).

O material botânico foi coletado no Campus Universitário de Ondina, Universidade da Federal da Bahia, Salvador (BA), Brasil. Um espécime testemunha (no 032912) foi depositado no Herbário "Alexandre Leal Costa", do Instituto de Biologia da Universidade da Federal da Bahia, como descrito anteriormente2.

Isolamento dos constituintes

As cascas de T. guianensis (1,1 kg) foram secas, moídas e submetidas à extração através de maceração com hexano (4 L) e MeOH (4 L). O resíduo do extrato hexânico foi particionado entre hexano/MeOH:H2O (9:1) e, em seguida, a fase metanólica foi particionada entre CHCl3/MeOH:H2O (3:2). A fração hexânica (3,1 g) foi fracionada em coluna cromatográfica de Si gel (A) eluída com misturas de hexano/AcOEt. Foram recolhidas frações de 100 mL, agrupadas posteriormente em vinte frações, através de monitoramento por CCD. A maioria de frações mostrou ser composta por misturas de ácidos graxos. A fração eluída com hexano:AcOEt (95:5) foi submetida à CCDP utilizando-se hexano:AcOEt (85:15) como eluente e forneceu a substância 2a (100,3 mg). A mistura das substâncias 3a-3e (16,1 mg) foi obtida por CCDP usando hexano:AcOEt (85:15) a partir da fração oriunda de A eluída com hexano:AcOEt (9:1). A fração eluída com hexano:AcOEt (8:2) foi recristalizada em MeOH e forneceu 1b (174,1 mg).

O extrato CHCl3 (5,28 g) foi fracionado em coluna cromatográfica de sílica gel (B) eluída com misturas de hexano/AcOEt. Frações de 100 mL foram coletadas e agrupadas com base na análise com CCD em 7 frações novas. A fração eluída com hexano:AcOEt (8:2) (186,7 mg) foi purificada por meio de CCDP usando-se eluições múltiplas em hexano/AcOEt (9:1) forneceu 1a (55,0 mg) e 3f (5,9 mg). A fração oriunda da coluna B eluída com hexano:AcOEt (7:3) foi submetida à purificação em CC de sílica gel usando CHCl3/AcOEt em gradiente de polaridade e forneceu a substância 2a pura (16,4 mg). A fração eluída com hexano:AcOEt (1:1) foi submetida à recristalização com CHCl3 e forneceu 36,6 mg de 2b.

Dados físicos das substâncias isoladas

3b-O-b-D-glucopiranosil-sitosterol (1b). Cristais brancos. P. F. = 255-258 oC. Dados espectrométricos similares aos descritos na literatura3.

Estigmast-4-en-3-ona (2a). Óleo. Dados espectrométricos similares aos descritos na literatura4.

Estigmast-4-en-6b-ol-3-ona (2b). Óleo. RMN 1H [300 MHz, d (ppm), CDCl3]: 5,82 (s, H-4), 4,34 (dd, 3,0 Hz e indt., H-6), 1,18 (s, H-19), 0,92 (d, 6,5 Hz, H-21), 0,85 (t, 7,2 Hz, H-29), 0,84 (d, 6,5 Hz, H-26), 0,82 (d, 6,7 Hz, H-27), RMN 13C [75,5 MHz, d (ppm), CDCl3]: 200,3 (C-3), 168,3 (C-5), 126,2 (C-4), 73,2 (C-6), 56,0 (C-17), 55,8 (C-14), 53,5 (C-9), 45,7 (C-24), 42,2 (C-13), 39,5 (C-12), 38,5 (C-7), 37,9 (C-1 e C-10), 36,0 (C-20), 34,2 (C-2), 33,8 (C-22), 29,6 (C-8), 29,1 (C-25), 28,1 (C-16), 26,0 (C-23), 24,1 (C-15), 23,0 (C-28), 20,9 (C-11), 19,7 (C-26), 19,4 (C-19), 18,9 (C-27), 18,6 (C-21) e 11,9 (C-18 e C-29).

Ferulato de dodecosila (3a), ferulato de tetracosila (3b), ferulato de hexacosila (3c), ferulato de octacosila (3d), ferulato de triacontila (3e), IV nmax KBr cm-1: 3404, 3020, 2916, 2848, 1710, 1633, 1593, 1558, 1515, 1472, 1215, 1560, 1123, 1032, 980, 845, 816. EMIE m/z (int. rel.): 614(2) [M+, C40H70O4] 3e, 586(100) [M+, C38H66O4] 3d, 558(30) [M+, C36H62O4] 3c, 530 (6) [M+, C34H58O4] 3b, 502 (3) [M+, C32H54O4] 3a, 589 (2), 588 (8), 587 (40), 572 (4), 559 (10), 531 (3), 518 (2), 504 (3), 464 (4), 233 (17), 231 (14), 196 (23), 195 (22), 194 (61), 179 (8), 177 (68), 150 (21), 149 (22), 145 (8), 137 (20 ), 128 (18), 117 (46). Dados de RMN idênticos aos descritos na literatura5.

p-Cumarato de nonadecila (3f). Óleo. EMIE m/z (int. rel.): 430 (4) [M+, C28H46O3], 415 (25), 413 (39), 399 (26), 396 (36), 381 (25), 303 (37), 255 (26), 213 (35), 163 (26), 145 (42), 131 (25), 107 (48). RMN 1H [300 MHz, d (ppm), CDCl3]: 7,62 (d, 17,0 Hz, H-7), 7,43 ( d, 8,0 Hz, H-2/H-6), 6,84 (d, 8,0 Hz, H3/H-5), 6,30 (d, 17 Hz, H-8), 4,20 (t, 6,8 Hz, H-1'), 0,85 (t, 7,5 Hz, CH3), RMN 13C [75,5 MHz, d (ppm), CDCl3]: 167,5 (C-9), 158,0 (C-4), 144,2 (C-7), 130,0 (C-1), 129,8 (C-2/C-6), 115,8 (C-8), 115,4 (C-3/C-5), 65,0 (C-1'), 29,2-29,6 [(CH2)n], 14,1 (CH3).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Do extrato hexânico de T. guianensis foram isolados através de técnicas cromatográficas os esteróides 1a, 1b, 2a, 2b e a mistura de ésteres alquílicos derivados do ácido ferúlico (3a-3e), além do novo éster, cumarato de nonadecila (3f). Os esteróides foram identificados baseando-se nos dados espectrais e por comparação com os dados de RMN já descritos na literatura. A configuração b de H-1' da porção glicosídica do composto 1b foi estabelecida através da constante de acoplamento diaxial (J=8,1 Hz) observada entre H-1' e H-2'. A atribuição dos dados de ressonância para todos os carbonos foi confirmada por experiências de HETCOR e comparação com dados de literatura3,4. A configuração b-axial do grupo hidroxílico ligado ao C-6 no composto 2b foi atribuída com base na interação g-gauche observada entre este grupo e o hidrogênio axial ligado no C-8, quando comparado com o C-8 de 2a (Dd 6,0 ppm, Experimental). Este derivado hidroxílico da sitostenona foi anteriormente isolado de Typha latifolia (Thyphaceae)4.

O comprimento das cadeias alquílicas dos ferulatos presentes na mistura (3a-3e) foi estabelecido por GC/EM e a proporção 2:5:21:70:2 entre eles foi determinada com base nos valores dos picos: 502 [ferulato de docosila, C32H54O4, (3)] 3a; 530 [ferulato de tetracosila, C34H58O4, (6)] 3b; 558 [ferulato de hexacosila, C36H62O4, (30)] 3c; 586 [ferulato de octacosila, C38H66O4, (100)] 3d, e 614 [ferulato de triacontila, C40H70O4 (2)] 3e. O padrão de substituição do grupo fenil propanóico foi identificado facilmente por análise dos dados de RMN e comparação com valores de literatura5.

A fórmula molecular de 3f (C28H46O3) foi confirmada através de análises por EM, RMN de 1H e de 13C (inclusive experimentos de DEPT). Análises detalhadas dos dados de RMN deste composto indicaram a presença de um anel aromático 1,4- dissubstituído devido aos dubletos característicos em d 7,43 e d 6,84 (J=8 Hz) observados no espectro RMN de 1H, bem como pelos sinais de carbonos metínicos a d 129,8 e d 115,4 presentes nos espectros de RMN de 13C. Além disso, a presença de um grupo carboxílico de éster a,b-insaturado foi indicativo do cumarato na porção fenil propanoídica de 3f. A presença desta carboxila conjugada pode ser confirmada pelos sinais de carbonos metílicos sp2 e carbonílicos observados em d 144,2, d 115,8 e d 167,5 no espectro de RMN de 13C. A constante de acoplamento (J=17 Hz) entre H-7 e H-8 observada no espectro de RMN de 1 H permitiu estabelecer configuração E para a ligação dupla. Finalmente, o tamanho da cadeia alquílica foi determinado pela análise do espectro de massas. Este é o primeiro relato sobre o isolamento deste tipo de cumarato em fontes naturais. Ferulatos contendo cadeias alquílicas com número ímpar de átomos de carbonos somente foram detectados por EM como misturas em Pavetta owariensis6, Artemia campestris7 e na epiderme de batatas em regeneração8. Foram relatados casos da presença de ésteres alquil ferúlicos de cadeia longa como parte da periderme de tubérculos atacados por agentes biológicos ou físicos8. Em espécies da família Anacardiaceae ainda não havia sido relatada a presença de ferulatos. É digno de nota que em T. guianensis estas substâncias não foram detectadas no cerne ou sementes2 ocorrendo, portanto, somente nas cascas.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior (CAPES) e ao Conselho de Nacional Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa e apoio financeiro concedidos.

REFERÊNCIAS

1. Barros, G. S. G.; Matos, F. J. A.; Vieira, J. E. V.; Sousa, M. P.; Medeiros, M. C.; J. Pharm. Pharmacol. 1970, 22, 116.

2. David, J. M.; Chávez, J. P.; Chai, H.-B.; Pezzuto, J. M.; Cordell, G. A.; J. Nat. Prod. 1998, 61, 287.

3. Matida, A. K.; Rossi, M.; Blumenthal, E. E. de A.; Schuquel, I. T. A.; Malheiros, A.; Vidotti, G. J.; An. Assoc. Bras. Quím. 1996, 45, 147.

4. Greca, M. D.; Monaco, P.; Previtera, L.; J. Nat. Prod. 1990, 53, 1430.

5. Kelley, C. J.; Harruff, R. C.; Carmack, M.; J. Org. Chem. 1976, 41, 449; Joshi, K. C.; Sharma, A. K.; Singh, P.; Planta Med. 1986, 52, 71.

6. Baldé, A. M.; Claeys, M.; Pieters, L. A.; Wray, V.; Vlietinck, A. J.; Phytochemistry 1991, 30, 1024.

7. Vajs, V.; Jeremic¢, D.; Stefanovic¢, M.; Milosavljeric¢, S.; Phytochemistry 1975, 14, 1659.

8. Bernards, M. A.; Lewis, N. G.; Phytochemistry 1992, 31, 3409; Adamovics, J. A.; Johnson, G.; Stermitz, F. R.; Phytochemistry 1977, 16, 1089.

Recebido em 13/12/01; aceito em 3/6/02

  • 1. Barros, G. S. G.; Matos, F. J. A.; Vieira, J. E. V.; Sousa, M. P.; Medeiros, M. C.; J. Pharm. Pharmacol. 1970, 22, 116.
  • 2. David, J. M.; Chávez, J. P.; Chai, H.-B.; Pezzuto, J. M.; Cordell, G. A.; J. Nat. Prod. 1998, 61, 287.
  • 3. Matida, A. K.; Rossi, M.; Blumenthal, E. E. de A.; Schuquel, I. T. A.; Malheiros, A.; Vidotti, G. J.; An. Assoc. Bras. Quím. 1996, 45, 147.
  • 4. Greca, M. D.; Monaco, P.; Previtera, L.; J. Nat. Prod. 1990, 53, 1430.
  • 5. Kelley, C. J.; Harruff, R. C.; Carmack, M.; J. Org. Chem. 1976, 41, 449;
  • Joshi, K. C.; Sharma, A. K.; Singh, P.; Planta Med. 1986, 52, 71.
  • 6. Baldé, A. M.; Claeys, M.; Pieters, L. A.; Wray, V.; Vlietinck, A. J.; Phytochemistry 1991, 30, 1024.
  • 7. Vajs, V.; Jeremic¢, D.; Stefanovic¢, M.; Milosavljeric¢, S.; Phytochemistry 1975, 14, 1659.
  • 8. Bernards, M. A.; Lewis, N. G.; Phytochemistry 1992, 31, 3409;
  • Adamovics, J. A.; Johnson, G.; Stermitz, F. R.; Phytochemistry 1977, 16, 1089.
  • Endereço para correspondência
    Jorge M. David
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Mar 2003
    • Data do Fascículo
      Jan 2003

    Histórico

    • Aceito
      03 Jun 2002
    • Recebido
      13 Dez 2001
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br