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Metodologias de síntese de 2-arilcicloexanonas

Methodologies of synthesis of 2-arylcyclohexanones

Resumo

Several methodologies concerning the preparation of 2-aryl and 2-heteroarylcyclohexanones are presented. The use of these intermediates in the synthesis of chemically and biologically interesting organic compounds is also discussed.

2-arylcyclohexanones; 2-heteroarylcyclohexanones; cyclohexanone; alpha-arylketones


2-arylcyclohexanones; 2-heteroarylcyclohexanones; cyclohexanone; alpha-arylketones

REVISÃO

Metodologias de síntese de 2-arilcicloexanonas

Methodologies of synthesis of 2-arylcyclohexanones

Roberto P. SantosI; Mauro B. de AmorimII; Rosangela S. C. LopesIII; Claudio C. LopesIII

IUniversidade Estácio de Sá, Rua do Bispo, 83, 20261-060 Rio de Janeiro, RJ

IINúcleo de Pesquisas de Produtos Naturais, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21941-590 Rio de Janeiro, RJ

IIIDepartamento de Química Analítica, Instituto de Química, Centro de Tecnologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21949-900 Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Claudio C. Lopes e-mail: iqg02022@acd.ufrj.br

ABSTRACT

Several methodologies concerning the preparation of 2-aryl and 2-heteroarylcyclohexanones are presented. The use of these intermediates in the synthesis of chemically and biologically interesting organic compounds is also discussed.

Keywords: 2-arylcyclohexanones; 2-heteroarylcyclohexanones; cyclohexanone; a-arylketones.

INTRODUÇÃO

2-arilcicloexanonas e 2-heteroarilcicloexanonas formam uma classe de compostos utilizados com relativa freqüência na obtenção de moléculas de interesse químico e biológico. Apesar disto, são poucas as metodologias gerais para obtenção destes intermediários restringindo-se, em sua maioria, à preparação de apenas alguns membros desta classe.

Devido ao interesse em se ter acesso a informações resumidas que possam auxiliar tanto na obtenção destes intermediários como na aplicação dos mesmos na síntese de outras substâncias, apresentamos nesta revisão os métodos de preparação mais comuns, seguindo-se alguns exemplos da aplicação destes intermediários na elaboração de substâncias estruturalmente mais sofisticadas.

MÉTODOS DE SÍNTESE

Os métodos de síntese de 2-arilcicloexanonas mais difundidos são os de autoria de Newman-Farbman e Wildman-Wildman. Outros métodos, por diferentes abordagens, também conduzem a estas substâncias, embora tenham se restringido à obtenção de apenas alguns exemplos, não se constituindo em metodologias gerais de obtenção. Apresentamos, nesta parte, uma descrição resumida dos principais métodos de preparação encontrados na literatura.

Método de Newman-Farbman1

O método de Newman-Farbman consiste na reação de um reagente de Grignard preparado a partir de um haleto aromático convenientemente substituído (1) com a-clorocicloexanona (2), fornecendo a 2-arilcicloexanona desejada em uma única etapa2,3. Os rendimentos de 2-arilcicloexanonas obtidas por este processo oscilam em torno de 50%, encontrando aplicação na síntese de vários intermediários, apesar das limitações encontradas quando a porção alicíclica apresenta substituintes. Por exemplo, a adição de brometo de fenil-magnésio (1a) à 2-cloro-4-metilcicloexanona (4) resulta em uma mistura de 4- (5) e 5-metil-2-fenilcicloexanonas (6, Esquema 1)4.

A proposta mecanística mais coerente para estes resultados experimentais aponta para o ataque inicial do organo-metálico 1a à carbonila, gerando o alcóxido 8 que, por substituição nucleofílica interna, desloca o halogênio, formando o intermediário epóxido 9. No processo de isolamento, há a abertura do anel epóxido, com formação do carbênio benzílico 10 que, por eliminação, fornece a 2-fenilcicloexanona (3a), via o enol 11. (Esquema 2).

Método de Wildman-Wildman4

O método de Wildman-Wildman consiste em uma modificação de um processo concebido anteriormente por Barltrop-Nicholson5. A seqüência de reações proposta orginalmente por Barltrop-Nicholson inicia-se com a reação de Diels-Alder entre 1,3-butadieno (12) e um b-nitroestireno (13). O 4-nitro-5-arilcicloexeno (14) obtido é submetido à hidrogenação catalítica, fornecendo o 2-nitrocicloexilareno 16. Este, então, submetido às condições da reação de Nef (hidrólise ácida do nitronato), leva à 2-arilcicloexanona desejada. O método de Wildman-Wildman, que proporciona melhores rendimentos, inverte as etapas de hidrólise do nitronato e hidrogenação. Na primeira etapa, obtém-se a 6-aril-2-cicloexen-1-ona 15 que, hidrogenada, proporciona a 2-arilcicloexanona (Esquema 3).

Este processo permite a obtenção de várias 2-arilcicloexanonas, com bons rendimentos. Entretanto, cabe ressaltar que tal metodologia não elimina a dificuldade de se manipular de forma conveniente a substituição na porção alicíclica. A reação de Diels-Alder, etapa-chave na formação desta parte da molécula, pode levar à formação de isômeros, quando o dieno ou dienófilo apresentam substituintes em suas cadeias6.

Método de Price-Karabinos7

É um método de aplicação restrita, utilizado em estudos sobre a desidratação de cicloexanóis, na década de quarenta. O método consiste na hidrogenação catalítica de um orto-arilfenol, como 18, que leva ao 2-fenilcicloexanol (19) o qual, por oxidação, fornece a 2-fenilcicloexanona (3a) (Esquema 4). O rendimento global apresentado pelos autores é de 60% para a 2-fenilcicloexanona, e não temos conhecimento de trabalhos em que conste a utilização desta metodologia para preparação de outros intermediários. A preparação do orto-arilfenol com substituintes na porção relacionada ao grupo aril da molécula de 2-arilcicloexanona constitui o principal obstáculo à utilização desta seqüência de reações.

Método de Horning8

O processo de Horning, desenvolvido na década de 40, foi utilizado, ainda que pouco freqüentemente, na preparação de unidades octaidrofenantrênicas. Consiste na alquilação de uma a-arilacetonitrila (20) com d-clorovaleronitrila, utilizando-se NaNH2 como base. A a-arilpimelonitrila (21) resultante é ciclizada à a-ciano-a-arilcicloexilimina 22, que após hidrólise, fornece a 2-arilcicloexanona correspondente (3e), com rendimentos da ordem de 11% (Esquema 5).

Método de Bergman9

Bergman e colaboradores relataram a preparação da 2-(2,3-dimetoxifenil)cicloexanona (3e) por duas rotas alternativas. A primeira rota utiliza a adição do organo-lítio 23 ao óxido de cicloexeno, fornecendo o álcool 24 que, após oxidação, conduz a 2-arilcicloexanona 3e. A segunda rota utiliza a adição de 23 à cicloexanona, proporcionando o álcool benzílico 25 que, desidratado, gera a olefina 26. A hidroxilação com perácido ou tetróxido de ósmio fornece o cis-diol 27, que sofre desidratação e enolização, fornecendo a arilcicloexanona 3e (Esquema 6).

O rendimento global, em ambos os casos, é de no máximo 22%. Entretanto, a adição ao óxido de cicloexeno seguida de oxidação do álcool intermediário com PDC é um método relatado para a formação de 2-arilcicloexanonas com substituintes aril policíclicos10. A oxidação do álcool com ácido peroxiacético e o éster de cromo 75 em quantidade catalítica forneceu a 2-fenilcicloexanona11, com excelente rendimento.

Como alternativa, a conversão da olefina 26 à 2-arilcicloexanona poderia ser realizada por hidroboração seguida de oxidação12.

Método de Caubere-Noguchi13,14

Caubere e colaboradores utilizaram a condensação de benzinos com enolatos de cicloalcanonas, apresentando uma elegante alternativa para a preparação de 2-arilcicloexanonas. Tal método é objeto de uma patente, de autoria de Noguchi e colaboradores, estendendo o trabalho à preparação de outras 2-arilcicloexanonas15.

O método de Caubere consiste no tratamento de um brometo de arila com amideto de sódio e/ou ter-butóxido de potássio na presença de um enolato de cicloexanona, em THF ou DME. O método de Noguchi e colaboradores diferencia-se pelo emprego, além do enolato de cicloexanona, de suas enaminas obtidas da reação com morfolina, com piperidina, com pirrolidina ou com metilanilina. Neste método, pode-se empregar, além do brometo de arila, o correspondente cloreto ou o o-benziléter. Os rendimentos obtidos são, em média, de 60%. Entretanto, o método não foi estendido a 2-arilcicloexanonas para-substituídas (Tabela 1).

Método de Cantacuzene16

Reagindo uma enamina da 2-clorocicloexanona (halogênio em posição alílica) com um organometálico (Mg, Li ou Cu) conforme apresentado no Esquema 7, Cantacuzene obteve várias 2-arilcicloexanonas, com rendimentos numa faixa de 18 a 85%, variando de acordo com o organometálico, o solvente e a enamina empregados. A Tabela 2 compara os rendimentos para a reação da enamina 28a com diversos organometálicos em THF e éter16.

É interessante observar as diferenças entre os rendimentos obtidos com a utilização das enaminas originárias da dimetilamina (28b) e da pirrolidona (28a). Por exemplo, utilizando brometo de fenil-magnésio e 28b em éter etílico, a 2-fenilcicloexanona não foi obtida, enquanto que empregando 28a o rendimento foi de 50%.

A diminuição do rendimento das cetonas por este método é acompanhada do aumento da produção do produto bicíclico 29. Observa-se que grupos retiradores de elétrons presentes em posição para- no anel aromático favorecem a formação da 2-arilcicloexanona, enquanto grupos doadores de elétrons nesta posição favorecem a formação do produto bicíclico 29 (compare as entradas 6 a 11 da Tabela 2).

Método de Ireland17

O método de Ireland consiste na reação entre um cátion organometálico do tipo penta-hapto-cicloexadienilferro tricarbonil (30) com uma enamina (31). Embora aplicado apenas na preparação de 3b, este método poderia ser utilizado na preparação de 2-arilcicloexanonas, apesar do processo apresentar um rendimento global de apenas 29%, a partir do cátion 30 (Esquema 8).

Método de Sacks-Fuchs18

A reação de adição do tipo Michael de difenilcuprato de lítio ou fenilcobre a p-toluenosulfonilazocicloex-1-eno (33), produz a a-feniltosilhidrazona correspondente (34). O tratamento deste produto com BF3.Et2O em acetona/água permite a obtenção de 2-fenilcicloexanona com rendimento de 75% (Esquema 9).

Método de Umezawa19

A reação entre cicloexanona (36) e um reagente de Grignard (35) seguida de desidratação, hidroboração e oxidação fornece arilcetonas em cerca de 46% (Esquema 10). Este procedimento é uma variação do procedimento de Bergman (vide Esquema 6).

Método de Barton20

O método de Barton consiste na reação de triarilbismutocarbonatos (40) com 2-carboetoxicicloexanona (41). A reação envolve a arilação da posição a-carbonila, onde o primeiro passo caracteriza-se pela formação de um intermediário covalente bismuto-oxigênio (42), seguida da formação da ligação carbono-carbono em posição ipso, concomitantemente à eliminação redutiva da porção organo-bismuto (Esquema 11). Os rendimentos das 2-aril-2-carboetoxicicloexanonas resultantes (43) situam-se na faixa de 80 a 90%. Apesar dos bons rendimentos, não foram sintetizadas substâncias com substituintes em posição orto- ou meta- do anel aromático. Opcionalmente, a arilação do b-cetoéster 41 pode ser realizada com a utilização de triacetatos de aril-chumbo21.

Método de Rathke22

O protocolo de Rathke consiste na bromação da enamina obtida da reação de cicloexanona com morfolina e posterior reação do brometo obtido com um organocuprato, seguida de hidrólise. Os rendimentos dos regioisômeros obtidos podem variar de acordo com o organo-metálico utilizado. Por exemplo, a reação de uma mistura de 44 e 45 com difenilcupratos de lítio fornece as cetonas 3l e 46 em rendimentos de 17 e 68% e traços do produto lateral 47, respectivamente. Com a utilização de fenilcobre, entretanto, os rendimentos são de 54 e 18%. O processo é ilustrado no Esquema 12. Apesar dos rendimentos obtidos serem regulares, o método não foi estendido a outras 2-arilcicloexanonas.

Uma alternativa à utilização dos difenilcupratos é a substituição dos mesmos por triacetatos de aril-chumbo, embora esta variação encontre limitações devido à possibilidade de acetoxilação23.

Método de Oh24

A reação entre o 1-nitro-1-cicloexeno (49) e compostos aromáticos na presença de cloreto de titânio (IV) (Esquema 13) constitui o método de Oh. A reação fornece diretamente as 2-arilcicloexanonas correspondentes, uma vez que os nitronatos intermediários (50) são hidrolisados no processo de isolamento. Este método apresenta rendimentos que oscilam entre 72 e 94%, sendo utilizado também para a obtenção de heteroaril (furil) cicloexanonas. A limitação do método, entretanto, reside em que apenas podem ser sintetizadas 2-arilcicloexanonas com substituintes em posição para- na porção aromática. Além disso, grupos sensíveis à ação de ácidos de Lewis, como o metilenodioxi, podem sofrer ruptura no decorrer da reação25.

Método de Duval26,27

Um dos poucos processos utilizados na síntese de 2-heteroarilcicloexanonas é a reação de carbometoxicicloexanonas (51) com 2,5-diidro-2,5-dimetoxifurana (52), na presença de cloreto de zinco e de ácido acético, seguida da descarbometoxilação do produto obtido utilizando-se cloreto de lítio e N-metil-2-pirrolidona (Esquema 14).

O rendimento global para a preparação da 2-(2-furil)cicloexanona (3h) é regular (aproximadamente 42%). Embora o método tenha sido utilizado na preparação de outras cetonas, não foi aplicado à preparação de outras 2-heteroarilcicloexanonas.

Método de Shudo28,29

O protocolo de Shudo consiste na reação entre o cátion N,N-hidroximínio (54), derivado do 1-nitro-1-cicloexeno, com substratos aromáticos. A 2-fenilcicloexanona (3a) foi obtida por este método com um rendimento de 72% (Esquema 15). Entretanto, o processo não foi estendido a outras 2-arilcicloexanonas.

Método de Koser30

A reação entre um enol éter de silício (55a) e fluoreto de diariliodônio (DPIF ou NPPIF31) foi utilizada na síntese de 2-arilcicloexanonas, como 3a e 3k, com excelentes rendimentos. Alternativamente, a reação entre triflato de difeniliodônio (DPIT) e o enolato de cobre 55b pode ser utilizada na obtenção de 2-fenilcicloexanona, com rendimentos de até 50% (Esquema 16)32. Apesar de ser um procedimento relativamente simples, a preparação do sal de iodônio com os grupos arila de interesse é uma etapa crucial da metodologia.

Método de Buchwald33

O acoplamento entre um enolato de cicloexanona e um haleto arílico, na presença de complexos de paládio como catalisadores, foi utilizado na preparação de várias cetonas, como ilustrado no Esquema 17. O enolato pode ser preparado in situ, utilizando-se bases fracas, como o fosfato de potássio. Os rendimentos obtidos para as 2-arilcicloexanonas preparadas por este método situam-se entre 70 e 90% e são dependentes do tipo de haleto aromático, dos ligantes utilizados na formação do complexo e dos padrões de substituição no anel da cicloexanona e da porção aromática. Assim, a reação entre cicloexanona (36) e 56a utilizando 61 como ligante fornece a cetona 57 com rendimento de 74%, enquanto a reação com 56b na presença de 62 leva ao produto num rendimento de 70%. Entretanto, a reação da 1-tetralona (58) e 59 conduz a rendimentos diferenciados (93 e 76%), utilizando 62 ou 63 como ligantes.

Método de Nishiguchi34

A oxidação anódica do enoléster 64 em metanol fornece o intermediário 2-metoxicicloexanona (65). A adição de um reagente de Grignard e posterior tratamento com ácido sulfúrico em diclorometano conduz às 2-arilcicloexanonas correspondentes, via 1-aril-2-metoxi-1-cicloexanol.

A etapa de formação do intermediário 2-metoxicicloexanona apresenta rendimentos que dependem não apenas do padrão de substituição do anel, mas também do eletrólito utilizado. Neste aspecto, os melhores rendimentos são obtidos com o tosilato de tetraetilamônio, seguindo-se o tratamento da mistura reacional com ácido clorídrico (Esquema 18).

Método de Santos-Lopes35

Desenvolvido recentemente, é uma metodologia geral para acesso tanto à 2-aril quanto à 2-heteroarilcicloexanonas. Consiste na adição de aril ou heteroaril-lítios ao 1-nitro-1-cicloexeno, isolando-se o intermediário 2-nitrocicloexilareno e submetendo-se o mesmo às condições da reação de Nef. Os rendimentos obtidos situam-se entre 15 e 95%, com limitações para alguns aril-lítios (Esquema 19).

As limitações decorrem de variações no caráter nucleofílico do aril-lítio utilizado na primeira etapa do processo. O organo-metálico pode comportar-se como base, retirando um dos átomos de hidrogênio em posição alílica no 1-nitro-1-cicloexeno, o que leva à recuperação da substância após o isolamento. De acordo com estudos teóricos utilizando como modelos monômeros e dímeros de fenil-lítio, de 3-metoxifenil-lítio e de 1,3-benzodioxol-5-il-lítio, não apenas a nucleofilicidade intrínseca de cada organo-metálico, mas também a maior concentração da espécie monomérica, que possui comportamento eminentemente básico, seria responsável pela diminuição do rendimento da etapa de adição e teria, como conseqüência, a diminuição do rendimento global do processo36,37.

UTILIZAÇÃO DAS 2-ARILCICLOEXANONAS EM SÍNTESE

Os intermediários do tipo 2-arilcicloexanonas possuem ampla aplicação na construção de moléculas naturais ou biologicamente ativas. Além disso, alguns derivados destas substâncias apresentam propriedades biológicas interessantes. Por exemplo, cicloalquilaminas (67a-c) são aplicadas no tratamento da miastenia gravis38 e os seus sais de amônio quaternários, como 68, são inibidores da acetilcolinesterase39. Algumas cicloexilaminas substituídas (69a-f)40 estão relacionadas às atividades estimulante do sistema nervoso central e anti-inflamatória.

A utilização de 2-arilcicloexanonas como precursores sintéticos, por sua vez, tem possibilitado a construção de esqueletos distintos. Popelak e Lettenbaurer, em 1962, utilizaram intermediários deste tipo para a construção de substâncias do tipo 9-feniloctaidroindol41. O Esquema 20(d) resume a síntese do 9-(3,4-dimetoxifenil) octaidroindol (70a), substância com ação tranquilizante. A rota sintética, utilizada por Popelak e Lettenbaurer, é uma extensão da metodologia proposta por Wildman e foi usada na comprovação das estruturas dos alcalóides crinina, powellina, bufanidrina e bufanisina. As etapas da síntese do (±)-crinano (71), utilizadas na comprovação da estrutura da crinina, são apresentadas no Esquema 20(e)42,43.

Fazendo uso de uma abordagem sintética diferenciada, porém utilizando ainda a 2-(3,4-dimetoxifenil)cicloexanona como intermediário-chave, Shamma e Rodriguez realizaram a síntese racêmica da mesembrina (70b), um alcalóide encontrado em Mesembrianthemum tortuosum. A presença de uma carbonila na posição 6 do esqueleto octaidroindólico levou ao desenvolvimento de um número consideravelmente maior de etapas na preparação do núcleo44. O material de partida mais comumente empregado na síntese de estruturas com núcleo octaidroindólico é uma 2-arilcicloexanona, realizando-se adequadamente a funcionalização do intermediário em etapas posteriores. Umezawa e colaboradores utilizaram esta abordagem na preparação de licoranos, como 72, cuja rota sintética encontra-se resumida no Esquema 20(f)17.

Algumas substâncias com estruturas mais simples, porém não menos importantes com relação aos possíveis efeitos fisiológicos, como o cicloexestrol, que apresenta ação estrogênica, também podem ser preparadas a partir de 2-arilcicloexanonas. Mueller e May sintetizaram o cicloexestrol (73) utilizando a 2-(4-metoxifenil)-cicloexanona (3b) como material de partida, submetendo esta substância às condições incluídas no Esquema 20(g)2a.

Esquema 20


Um dos primeiros trabalhos relacionados à utilização de 2-arilcicloexanonas como intermediários sintéticos foi realizado por Horning e colaboradores, na preparação da unidade metoxifenantrênica 74, a qual é encontrada em vários derivados da morfina, conforme mostra o Esquema 20(h)8. Embora a proposta de Horning e colaboradores tenha se mostrado válida para a construção da unidade metoxifenantrênica, a tentativa realizada por Barltrop e Nicholson de preparação de moléculas funcionalmente mais adequadas para a construção do esqueleto da morfina, não obteve êxito5.

O 5-(3-hidroxifenil)-2-metilmorfano (75a), substância descoberta em meados do século XX por May e Murphy, possui atividade analgésica comparável à morfina, enquanto que fenilmorfanos substituídos possuem, além da atividade analgésica, atividade antinociceptiva. Trabalhos recentes de Linders e colaboradores utilizam 2-arilcicloexanonas como intermediários-chave na síntese de compostos análogos, tais como 75b, conforme apresentado no Esquema 20(i)45.

O trans-2-fenilcicloexanol (19, auxiliar de Whitesell) é um eficiente auxiliar quiral. Asensio e colaboradores, recentemente, relataram a preparação desta substância em excesso enanciomérico de 95%, pela protonação enantiosseletiva do enolato de 2-fenilcicloexanona (3a) com álcoois sulfinílicos, seguida da redução diastereosseletiva da cetona formada. O Esquema 20(j) apresenta, resumidamente, estas etapas46.

As 2-arilcicloexanonas substituídas na posição 3 do grupo aril, permitem o acesso a uma variedade de núcleos fenantridínicos, como 7647. Uma das rotas para acesso a substâncias desta classe é fornecida no Esquema 20(k)48.

Esta estratégia foi utilizada por Danishefsky e colaboradores na preparação de um possível intermediário (77) na síntese da pancratistatina, um alcalóide fenantridínico, reconhecido como potencial agente antitumoral [Esquema 20(l)]49.

Substâncias análogas à HEPT {1-[(2-hidroxietoxi)metil]-6-(feniltio)timina}, como o MKC-442, têm demonstrado alta atividade contra o HIV-1, sendo o mesmo selecionado para testes clínicos. Em recente trabalho, Pedersen e colaboradores exploraram a utilização de uma cicloexanona como intermediário sintético na preparação de um análogo (78, R=H) do MKC-442, conforme mostrado no Esquema 20(m)50.

Wenkert e Barnett verificaram que a pirólise da oxima da 2-fenilcicloexanona produz, dentre outras substâncias, núcleos indólicos, como tetraidrocarbazol e carbazol, em bom rendimento51. Através de processos mais suaves, foi explorada a intermediação de 2-arilcicloexanonas no processo de formação de anéis indólicos, realizando a síntese de 6,7,8,9-tetraidro-5H[4,5-b]carbazol (79) pela seqüência de reações do Esquema 20(n)35.

CONCLUSÕES

As 2-arilcicloexanonas formam uma classe de intermediários sintéticos valiosos no acesso a esqueletos carbônicos presentes em diversas substâncias. A diferença de reatividade dos vários pontos da parte alicíclica, bem como a possibilidade de diferentes substituições no anel aromático, torna estes intermediários versatéis dos pontos de vista químico e biológico, já que modificações no esqueleto permitem facilmente a modulação da atividade. Metodologias sintéticas que viabilizem a preparação eficiente destas cetonas são importantes em Química Orgânica.

Por outro lado, possivelmente devido às limitações relacionadas à maior parte dos métodos, poucos são aqueles aplicáveis à preparação de intermediários do tipo 2-heteroarilcicloexanonas, ou mesmo 2-arilcicloexanonas com o núcleo aromático básico diferente de fenil.

Recebido em 20/12/01

Aceito em 18/10/02

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  • Endereço para correspondência
    Claudio C. Lopes
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Aceito
      18 Out 2002
    • Recebido
      20 Dez 2001
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