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Padronização interna em espectrometria de absorção atômica

Internal standardization in atomic absorption spectrometry

Resumo

This paper describes a review on internal standardization in atomic absorption spectrometry with emphasis to the systematic and random errors in atomic absorption spectrometry and applications of internal standardization in flame atomic absorption spectrometry and electrothermal atomic absorption spectrometry. The rules for selecting an element as internal standard, limitations of the method, and some comments about the application of internal standardization in atomic absorption spectrometry and the future of this compensation strategy are critically discussed.

internal standardization; atomic absorption spectrometry


internal standardization; atomic absorption spectrometry

REVISÃO

Padronização interna em espectrometria de absorção atômica

Internal standardization in atomic absorption spectrometry

Kelly G. FernandesI; Mercedes de MoraesI; José A. Gomes NetoI; Joaquim A. NóbregaII; Pedro V. OliveiraIII

IDepartamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista, CP 355, 14801-970 Araraquara, SP

IIDepartamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13560-970 São Carlos, SP

IIIInstituto de Química, Universidade de São Paulo, CP 26077, 05513-970 São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José A. Gomes Neto e-mail: anchieta@iq.unesp.br

ABSTRACT

This paper describes a review on internal standardization in atomic absorption spectrometry with emphasis to the systematic and random errors in atomic absorption spectrometry and applications of internal standardization in flame atomic absorption spectrometry and electrothermal atomic absorption spectrometry. The rules for selecting an element as internal standard, limitations of the method, and some comments about the application of internal standardization in atomic absorption spectrometry and the future of this compensation strategy are critically discussed.

Keywords: internal standardization; atomic absorption spectrometry.

INTRODUÇÃO

A espectrometria de absorção atômica com atomização em chama ou eletrotérmica é uma técnica analítica bem estabelecida e suficientemente robusta para ser implantada em laboratórios envolvidos com análises químicas em larga escala. Por outro lado, erros sistemáticos e aleatórios podem prejudicar a exatidão e precisão dos resultados bem como o desempenho das técnicas analíticas em questão1,2.

Em espectrometria de absorção atômica em chama (FAAS), as alterações que ocorrem na temperatura da chama, na taxa de aspiração da solução, na composição da amostra, entre outras, podem prejudicar os resultados analíticos. Se comparada com a FAAS, a espectrometria de absorção atômica em forno de grafite (GFAAS) é substancialmente mais sensível e versátil, face à configuração do tubo de grafite e ao seu caráter dual: reator químico e atomizador. A técnica GFAAS também é susceptível a alterações instrumentais e operacionais: variações na temperatura e na taxa de aquecimento do tubo de grafite, no volume injetado de amostra, na radiação emitida da fonte, nas diluições, na estrutura do atomizador, são alguns exemplos de parâmetros que podem afetar o desempenho analítico.

Com a finalidade de compensar esses erros em espectrometria atômica, Gerlach e Schweitzer3 propuseram, em 1929, o método da padronização interna que vem sendo utilizado desde então para compensar erros intrínsecos e garantir a qualidade dos resultados4,5.

A padronização interna pode ser empregada em espectrometria de absorção atômica, espectrometria de emissão ótica com fonte de plasma indutivamente acoplado (ICP-OES) e espectrometria de massas com fonte de plasma indutivamente acoplado (ICP-MS) para compensar vários tipos de erros sistemáticos e randômicos4-9. O princípio desse método baseia-se na comparação de um ou mais sinais analíticos (analito) com um ou mais sinais de referência de elementos previamente selecionados (padrão interno). Um padrão interno deve ser adicionado aos brancos, soluções de referência e às amostras10, ou quando presente na amostra, deve-se adicionar uma quantidade elevada desse elemento à amostra para anular o efeito da concentração original da amostra11,12. Quando a padronização interna é usada, todos os cálculos são baseados na suposição de que tanto o analito como o padrão interno sofrem influências similares da matriz da amostra e de que ambos são perturbados igualmente pelas alterações nas condições instrumentais ou operacionais. Portanto, as sensibilidades das soluções analíticas de referência (Ss) estão relacionadas com as das amostras (Sa) conforme a equação:

sendo que SsA e SsPI são as sensibilidades do analito e padrão interno em soluções analíticas de referência; SaA e SaPI são as sensibilidades do analito e padrão interno na amostra.

Assumindo que a absorbância integrada Q = ò A dt é proporcional à massa m do elemento no tubo de grafite para GFAAS, pode-se expressar a sensibilidade como:

Nesse caso, a seguinte expressão é usada para encontrar a massa do analito na amostra (maA):

De acordo com as equações (1), (2) e considerando msPI = maPI,

Se as massas do analito e padrão interno adicionados às amostras e soluções analíticas forem iguais, as equações (1), (2) e (4) podem então ser reescritas conforme a equação 5:

na qual QaA e (QaA)cor são os sinais original e corrigido do analito, respectivamente. A equação (5) pode ser usada para comparar os sinais corrigidos do analito em diferentes amostras13.

Portanto, se a razão do sinal analítico pelo sinal do padrão interno é utilizada ao invés do sinal do analítico apenas, há a possibilidade de compensar qualquer perturbação negativa ou positiva nos sinais, melhorando a precisão e exatidão das medidas.

De acordo com a literatura, um pré-requisito importante para que um elemento seja escolhido como padrão interno é que ele possua propriedades físico-químicas semelhantes às do analito, seja solúvel nas soluções analíticas e amostras, e que não interfira na determinação do analito4,5,13.

Desde a proposta da padronização interna em espectrometria de emissão atômica, vários trabalhos foram publicados aplicando-se esse método de compensação para melhorar a precisão e exatidão. Essas duas características analíticas também podem ser melhoradas em espectrometria de absorção atômica em chama se a padronização interna for utilizada para compensar alterações instrumentais ou operacionais que modificam as condições de atomização e absorção da radiação: temperatura da chama, composição da chama, composição da amostra, taxa de aspiração e nebulização, potência da fonte de radiação, etc. De acordo com Radziuk et al.13, a padronização interna em espectrometria de absorção atômica foi introduzida em 1965 por Massman14 para reduzir problemas relacionados com a introdução da amostra por nebulização pneumática. No mesmo ano, Butler e Strasheim6 projetaram e desenvolveram um instrumento de absorção atômica multicanal e empregaram Au como padrão interno na determinação de Cu em ligas metálicas por FAAS. Em 1968, Smith et al.11 usaram Zn e Cr como padrões internos na determinação de Mg, Fe e Pb, ou Al, Cd e Cu, respectivamente, em materiais à base de zinco por FAAS. A estratégia de padronização interna foi também adotada no trabalho de Feldman et al. em 196915. Os autores compararam a determinação direta e a padronização interna (Cd, Mn, Cr ou Zn) com respeito à precisão e exatidão na determinação de Al, Ca, Cr, Cu, Fe, Mg, Mn, Ni, Si e Zn em cimentos, ligas metálicas e rações animais por FAAS. No ano seguinte, Feldman16 estudou os principais fatores que afetam o sinal analítico em FAAS e FAES, tais como vazão de ar e combustível, composição da matriz, temperatura e taxa de aspiração. Nesse trabalho demonstrou-se a vantagem da padronização interna para diferentes determinações e enumerou-se cerca de 23 elementos que podem ser empregados como padrão interno na determinação individual de 18 metais16.

A estratégia de padronização interna foi também usada por Katskov e L'vov17 para determinar elementos traço em amostras de óxido de zircônio e grafite utilizando zinco e prata como padrão interno, respectivamente.

Em 1979, Takada e Nakano desenvolveram um espectrômetro multicanal e aplicaram o conceito da padronização interna em espectrometria de absorção atômica com atomização eletrotérmica para determinar ferro, usando cobalto como padrão interno4. Para ilustrar a vantagem da padronização interna, os autores representaram a influência da concentração de potenciais interferentes no sinal atômico de Fe e na razão dos sinais atômicos de Fe e Co. A interferência de cátions em espectrometria de absorção em forno de grafite é comum quando não há separação eficiente da matriz e quando o ambiente não é isotérmico. Com exceção do Ca, para a maioria dos elementos testados, a razão da absorbância entre Fe e Co foi independente do tipo e da quantidade de interferente presente na matriz para até 5,0 mg L-1, ou seja, 100 vezes a concentração do analito em solução. Logo, efeitos de matriz puderam ser eficientemente e amplamente corrigidos com o uso da padronização interna4. Por volta de 1980, as principais dificuldades para generalização do uso da padronização interna em espectrometria de absorção atômica residiam na indisponibilidade de um equipamento comercial que possibilitasse medidas simultâneas ou seqüenciais do analito e padrão interno e no escasso conhecimento de regras gerais para a seleção de um padrão interno4,5,13.

Takada e Nakano, em 1981, avaliaram alguns parâmetros experimentais de modo a elaborar alguns critérios de seleção de padrão interno para FAAS5. A mudança nas condições de atomização e os fatores que afetam a eficiência da atomização foram enfatizados. Para ilustrar a influência da taxa de aspiração na atomização, os autores selecionaram 14 elementos e introduziram as soluções individuais via nebulizador a diferentes vazões. Quanto mais similar o comportamento entre os dois elementos, maior a probabilidade de serem escolhidos como analito e padrão interno. Assim, demonstrou-se que os pares Cu-Ag, Cd-Zn, In-Tl, Fe-Co, Ni-Co e Ni-Sb podem ser escolhidos como padrão interno/analito ou vice-versa. Por outro lado, qualquer elemento selecionado para esse estudo dificilmente seria um bom padrão interno para Mo, Cr e Pb5.

Com o desenvolvimento de espectrômetros de absorção atômica multielementar simultâneo em forno de grafite na segunda metade da década de 80, as aplicações em GFAAS aumentaram e o uso da padronização interna ressurgiu. Neste contexto, em 1991 Atsuya et al.12 propuseram Cu e In como padrões internos para Pb e Se, respectivamente, em amostras de água usando um espectrômetro de absorção atômica multielementar simultâneo Hitachi, modelo Z-9000, equipado com forno de grafite para amostragem sólida. As absorbâncias desses elementos permaneceram constantes entre 500 e 800 ºC. Uma temperatura de pirólise de 600 ºC foi selecionada. Apesar da impossibilidade de determinar Se em função da sensibilidade atingida, Pb foi determinado em níveis de ng/g e Cu e In foram utilizados como padrões internos para determinação desse elemento em amostras de água12.

Em 1999, Radziuk et al.13 testaram Tl e Bi como padrões internos na determinação de Pb em amostras de sangue, urina e placenta usando um espectrômetro de absorção atômica multielementar simultâneo equipado com um atomizador de grafite com aquecimento transversal (THGA) e um sistema de correção de fundo por efeito Zeeman longitudinal. Bismuto apresentou comportamento eletrotérmico semelhante ao do Pb e foi usado para compensar alterações nos seus sinais atômicos de Pb, melhorando assim o desempenho analítico.

Com o objetivo de expandir o conceito da padronização interna em GFAAS, a aplicação de Bi como padrão interno na determinação de Pb em vinhos foi avaliada por Fernandes18. Nesse trabalho investigaram-se vários fatores que usualmente afetam o sinal atômico do analito, tais como a variação no tempo de atomização, no volume injetado de solução analítica ou amostra e da matriz, a influência da temperatura de pirólise e de atomização e da variação da corrente aplicada às lâmpadas, os erros de diluição, a vida útil do atomizador etc. Para ilustrar a potencialidade do Bi como padrão interno, alguns desses parâmetros foram avaliados, tais como o comportamento eletrotérmico de Pb e Bi em vinho tinto e branco usando Pd(NO3)2 + Mg(NO3)2 como modificador, o efeito da variação do volume injetado na absorbância e na precisão, os quais serão mostrados a seguir. Na Figura 1 encontra-se ilustrado o comportamento eletrotérmico de Pb e Bi nos meios 0,2% v/v HNO3, vinho branco suave e vinho tinto suave. Bismuto apresentou comportamento eletrotérmico semelhante ao do Pb. A boa correlação existente entre os comportamentos eletrotérmicos de Pb e Bi em solução analítica e nas amostras de vinho indicaram que Bi seria um potencial elemento para ser testado como padrão interno na determinação de Pb em vinhos18,19. O efeito da variação do volume injetado na absorbância em meio contendo 0,2% v/v HNO3 e amostra está ilustrado na Figura 2. Os sinais de absorbância de Pb e Bi cresceram proporcionalmente com o volume de solução introduzido, mas a razão de absorbâncias permaneceu praticamente constante. Na Tabela 1 pode-se observar a influência que o volume injetado tem na repetibilidade das medidas feitas pelo método direto e pelo método da padronização interna. Nota-se que desvios padrão relativos maiores são obtidos quando é aplicado o método direto, enquanto que aplicando-se o método da padronização interna os desvios padrão são menores e praticamente constantes. O uso da padronização interna possibilita que maiores volumes de solução sejam injetados no atomizador sem prejuízo da precisão18,19.



O uso do método da padronização interna em espectrometria de absorção atômica, apesar de pouco explorado na literatura, permite minimizar os erros resultantes de alterações nas variáveis instrumentais e/ou operacionais, melhorando o desempenho analítico4-6,10-20. As aplicações da padronização interna visando a melhoria do desempenho analítico estão restritas aos instrumentos com detecção multielementar, pré-requisito fundamental desse método de compensação. Outra limitação para uma maior aplicabilidade dessa estratégia reside na disponibilidade comercial de um pequeno número de lâmpadas multielementares com uma combinação restrita de elementos em cada lâmpada. Com o surgimento de instrumentos de absorção atômica com fonte contínua em um futuro próximo, o caráter multielementar dessa técnica tenderá a se tornar mais usual assim como o campo de estudos relacionados com a seleção e uso de padrão interno em AAS, levando a métodos analíticos mais exatos e precisos e instrumentos com desempenhos analíticos ainda melhores. O estudo de elementos adequados como padrões internos para diferentes analitos e amostras é um pré-requisito também essencial para o uso mais efetivo dessa estratégia.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP pelos auxílios concedidos (Projetos 98/14636-2 e 00/14887-7) e ao CNPq pelas bolsas de pós-graduação (K. G. Fernandes) e de pesquisa (J. A. Gomes Neto e J. A. Nóbrega)

Recebido em 18/6/02

Aceito em 12/8/02

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  • Endereço para correspondência
    José A. Gomes Neto
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Aceito
      12 Ago 2002
    • Recebido
      18 Jun 2002
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