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Estudo microestrutural do catalisador Ni/gama-Al2O3: efeito da adição de CeO2 na reforma do metano com dióxido de carbono

Microstructural study of Ni/gamma-Al2O3 catalyst: addition effects of CeO2 on carbon dioxide reforming of methane

Resumo

The carbon dioxide reforming of methane was carried out over nickel catalysts supported on the gamma-Al2O3/CeO2 system prepared by wet impregnation. With the increase of the CeO2 weight in the catalyst, a higher stability was observed in the catalytic activity, together with an excellent resistance to carbon deposition and a better Ni dispersion. The catalysts were characterized by means of surface area measurements, TPR, H2 chemisorption, XRD, SEM, EDX, XPS and TEM. An interaction between Ni and CeO2 was observed to the Ni/CeO2 sample after activation in a H2 atmosphere above 300 ºC. Such behavior has a significantly influence on the catalytic activity.

methane; syngas; Ni/gamma-Al2O3


methane; syngas; Ni/gamma-Al2O3

ARTIGO

Estudo microestrutural do catalisador Ni/g-Al2O3 – efeito da adição de CeO2 na reforma do metano com dióxido de carbono

Microstructural study of Ni/g-Al2O3 catalyst – addition effects of CeO2 on carbon dioxide reforming of methane

Antoninho ValentiniI; Luiz Fernando Dias ProbstI; Neftalí L. V. CarreñoII; Edson R. LeiteII, * * E-mail: derl@power.ufscar.br ; Fenelon M. PontesII; Elson LongoII; Wido H. SchreinerIII; Paulo N. Lisboa-FilhoIII

IDepartamento de Química, Universidade Federal de Santa Catarina, CP 476, 88040-900 Florianópolis - SC

IIDepartamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13560-905 São Carlos - SP

IIIDepartamento de Física, Universidade Federal do Paraná, CP 19044, 81531-990 Curitiba - PR

ABSTRACT

The carbon dioxide reforming of methane was carried out over nickel catalysts supported on the g-Al2O3/CeO2 system prepared by wet impregnation. With the increase of the CeO2 weight in the catalyst, a higher stability was observed in the catalytic activity, together with an excellent resistance to carbon deposition and a better Ni dispersion. The catalysts were characterized by means of surface area measurements, TPR, H2 chemisorption, XRD, SEM, EDX, XPS and TEM. An interaction between Ni and CeO2 was observed to the Ni/CeO2 sample after activation in a H2 atmosphere above 300 ºC. Such behavior has a significantly influence on the catalytic activity.

Keywords: methane; syngas; Ni/g-Al2O3.

INTRODUÇÃO

No processo Fischer-Tropsch (PFT) para a produção de hidrocarbonetos, apenas a obtenção do gás de síntese purificado pode atingir valores entre 60 a 70% do total dos custos do processo1. Portanto, diminuir os custos de produção do gás de síntese é um importante item a ser considerado na implantação do PFT. A proporção molar entre H2 e CO requerida é dependente da síntese em questão, do catalisador utilizado e da temperatura do processo1,2, sendo que a mesma varia entre 1 e 2.

A reforma a vapor do metano (Equações 1 e 2), usada extensivamente na indústria, produz uma mistura rica em H22,3.

Para a obtenção de gás de síntese com uma razão molar menor entre H2/CO, a reforma do metano com dióxido de carbono (Equação 3) é um processo que merece destaque:

Além da obtenção de produtos com maior valor agregado, este processo é interessante, também, por consumir gases que provocam o efeito estufa4–7.

Sabe-se que a viabilidade econômica do PFT é dependente do preço do óleo cru (petróleo), atualmente a fonte de energia com melhor relação custo e benefício. Porém a possibilidade de otimizar as condições experimentais para aumentar a vida útil do catalisador nos processos catalíticos, especialmente na reforma do gás natural, é um dos fatores importantes para viabilizar e implementar a utilização do PFT1. Durante a II Guerra Mundial a Alemanha e, mais recentemente, a África do Sul, desenvolveram tecnologia para diminuir o custo de uma planta baseada no processo Fischer-Tropsch1 e mostraram que pode ser vantajoso obter combustível a partir do gás de síntese.

Muitos trabalhos foram realizados sobre a reação de reforma catalítica do metano com CO2 empregando-se diferentes catalisadores, com ênfase para o Ni suportado em SiO2, a-Al2O3 ou MgO7–14. O problema mais importante encontrado neste processo é a desativação catalítica devida à deposição de coque7. O desenvolvimento de catalisadores que apresentem elevada resistência ao depósito de coque é, então, fator importante para aumentar a vida útil do catalisador, contribuindo, na atualidade, para um grande número de pesquisas na área. As estruturas carbonadas formadas por reações na fase gasosa, que incluem alcatrões e fuligens, podem, depois de passarem por uma etapa de difusão, sofrer precipitação sobre a superfície dos catalisadores metálicos (geralmente Ni, Fe e Co suportados). Desta forma, podem ocasionar a formação de filamentos (tubos de carbono) que, embora não obstruam de imediato a superfície metálica, provocam a fratura dos grãos do catalisador, com a posterior possibilidade de encapsulamento. Este motivo ocasiona o aumento da perda de carga nos reatores, em seguida à sua desativação15-18.

O planejamento do sistema catalítico resulta em definir estratégias que, em condições normais de operação, possibilitem a supressão ou decréscimo da quantidade de coque depositado. A menor deposição de coque dependerá do balanço entre as reações que produzem carbono e seus precursores, e das reações que conduzem ao desaparecimento dessas espécies. Prevenir a deposição de coque equivale a favorecer as reações que inibem a formação de carbono; assim sendo, uma das soluções amplamente usada para evitar a formação de coque na fase gasosa, é o uso de agentes gasificantes (por exemplo, MgO e K2O), em conjunto com condições operacionais que desfavoreçam o aparecimento de radicais livres ou ainda por diminuição dos tempos de residência15.

Diferentes processos têm sido usados para minimizar o depósito de materiais carbonosos. Recentemente, Ito e colaboradores18 mostraram métodos alternativos para suprimir o encapsulamento do sítio metálico e a formação dos nanotubos de carbono. Por intermédio de reativações consecutivas do catalisador (Ni suportado em alumina) com atmosfera rica em CO2, foi possível eliminar o carbono remanescente do processo catalítico, por oxidação do mesmo, com formação de CO.

Leite et al.19 desenvolveram um método de síntese que permite a obtenção de nanopartículas metálicas de Ni, Ag, Co e Fe imersas em sílica amorfa mesoporosa. Este método mostrou-se útil na obtenção de catalisadores pouco propensos à formação de coque, na reação de reforma do metano com dióxido de carbono20. As nanopartículas apresentaram uma elevada estabilidade catalítica, quando comparadas ao seu análogo preparado pelo método de impregnação úmida. Os catalisadores preparados pelo método clássico (impregnação úmida) propiciam a condensação de carbono sobre o cristal de Ni exposto na superfície do catalisador impregnado, guiando a uma rápida desativação do catalisador.

Na literatura poucas são as publicações envolvendo CeO2 no processo de reforma do metano, devido à baixa conversão observada ao empregar este suporte. Entretanto, quando usado em conjunto com outros materiais, conduz ao melhoramento das propriedades catalíticas, tais como a estabilidade e a redução do depósito de coque, promovidas pelo caráter oxidante do CeO221.

No presente trabalho foram preparados catalisadores de Ni suportado no sistema g-Al2O3-CeO2. Os catalisadores foram submetidos ao teste de reforma catalítica do metano com dióxido de carbono. As modificações microestruturais promovidas pela adição de CeO2, utilizado para melhorar a estabilidade catalítica do material, foram analisadas antes e após o processo catalítico.

PARTE EXPERIMENTAL

Preparação dos catalisadores

Foram preparadas diferentes amostras compostas de g-Al2O3 (AL-3996R, 200 m2/g, Engelhard Exceptional Technologies) contendo (0, 5, 10, 15 e 20%) em massa de óxido de cério, por intermédio de impregnação úmida de Ce(NO3)3 (Aldrich, 99,99%) sobre a g-Al2O3, seguida de secagem e calcinação (450 ºC). Após a preparação das mesmas, foi realizada a deposição do metal (Ni) nas diferentes misturas, g-Al2O3-CeO2 (doravante denominadas Ni/AlCe-X, com X sendo igual à porcentagem nominal de CeO2 no sistema) e em g-Al2O3 e CeO2 (Riedel-de Haen, 99%), por intermédio do método de impregnação úmida com nitrato de níquel (Fluka, 98%, teor de sulfato < 0,005%), seguida de secagem em estufa durante 24 h a 100 ºC, e calcinação em 650 ºC por 3 h.

Caracterização

O teor metálico (Ni) foi determinado por espectrometria de absorção atômica (HITACHI Z8230). As amostras foram caracterizadas por adsorção química de H2, redução termoprogramada (TPR) e medida de área superficial específica (BET), no aparelho TPD/TPR 2900 Analyser da Micromeritics. As análises elementares foram realizadas no equipamento CHNS-O FISONS EA 1108.

Para a caracterização por difração de raios-X, foi utilizado um difratômetro Siemens D5000, usando a radiação Ka do Cu e monocromador de grafite.

Para a caracterização microestrutural, foram usados os microscópios eletrônicos de varredura (Zeiss, DSM940A) e de transmissão (CM200 Philips Holland, 200 kV).

As medidas de espectroscopia Raman foram obtidas no RFS/100 Bruker FT-Raman com um laser Nd:YVO4, com comprimento de onda de 1064 nm, potência de 120 mW, resolução espectral de 2 cm-1, sendo as medidas obtidas à temperatura ambiente.

A avaliação dos catalisadores foi realizada em teste microcatalítico sob pressão atmosférica em fase gasosa e 625 ºC. A mistura reacional foi composta de N2:CH4:CO2, na proporção volumétrica de 5:1:1, com fluxo total de 35 cm3/min. A massa de catalisador utilizada foi de 50 mg, com ativação em 650 ºC durante 1 h sob fluxo de H2. Os produtos da reação foram analisados por intermédio de cromatografia gasosa (Shimadzu GC-8A, coluna Porapak Q e PM-5A, detetor TCD).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos catalisadores

Na Tabela 1 estão apresentados os resultados obtidos a partir da adsorção química de H2, área superficial específica, e teor de níquel para as diferentes amostras preparadas. As variações promovidas na área superficial específica como conseqüência da adição do dopante CeO2 indicam que CeO2 pode estar obstruindo parcialmente os poros da g-Al2O3, pois observa-se um decréscimo gradual da área com o acréscimo do teor de CeO2.

Sabe-se que a adição de CeO2, em baixos teores, promove a estabilidade térmica dos catalisadores Ni/Al2O3, quando submetidos a tratamento térmico elevado. Ozawa e Kimura22 reportaram que óxido de cério pode estabilizar Al2O3 contra a perda de área superficial, por prevenção da transformação física de g-Al2O3 para a-Al2O3, sendo que tal contribuição é dependente da concentração de CeO2. Em baixas concentrações (~1,0% em massa de CeO2) a estabilidade térmica é mais efetiva, enquanto que o aumento da concentração de CeO2 no sistema g-Al2O3-CeO2 deixa de contribuir para a melhora da estabilidade.

A dispersão metálica também é influenciada com a adição de CeO2 sendo obtidos valores de dispersão metálica (Ni) superiores àquela apresentada pela amostra Ni/Al2O3, conforme a Tabela 1. Resultados semelhantes foram observados por Lu e Wang21, que constataram a diminuição do tamanho da partícula metálica promovida pela adição de CeO2.

Os perfis de redução em temperatura programada (TPR) estão ilustrados na Figura 1. Para a amostra Ni/CeO2, observa-se redução do metal por intermédio do consumo de hidrogênio, iniciando em 300 ºC e cessando em 450 ºC. Em contraste, para a amostra Ni/Al2O3, a redução inicia-se em 400 ºC, finalizando próximo de 900 ºC, apresentando dois valores de temperatura de consumo máximo de H2 (TM). Sendo o primeiro pico (TM próximo de 600 ºC) devido, provavelmente, ao níquel mais exposto ou acessível e o segundo pico, em temperatura mais elevada (TM próximo a 770 ºC), devido ao níquel presente no interior dos poros do material, possuindo, além da menor acessibilidade ao H2, maior interação com o suporte23,24.


A presença de um pico de consumo de H2 próximo de 900 ºC para todas as amostras, com exceção de Ni/Al2O3, deve-se à redução parcial do CeO225,26 e à formação de CeAlO327, 28, ambos identificados por difração de raios-X (principais picos para CeAlO3, 2q = 23,6, 33,5, 41,4, 48,2, 60, 70,6). Tal observação é confirmada pelo aumento do pico com o percentual de dopante, sendo pouco perceptível para a amostra com menor teor de Ce (Ni/AlCe-5). Os perfis de CeO2 e Ni/CeO2 apresentam consumo de H2 acima de 750 ºC, numa grande faixa de temperatura, tratando-se de redução parcial de CeO225,26. Sabe-se que a presença de Ni promove a redução do óxido cério em temperaturas inferiores29. Como podem ser observados nos perfis de TPR, há um consumo de H2 na faixa de temperatura entre 270 e 400 ºC, tal consumo de H2 pode estar relacionado ao Ni presente em regiões mais ricas em CeO2. Comparando as temperaturas de redução do Ni nas amostras Ni/CeO2 e Ni/Al2O3, a primeira apresenta um pico de redução em torno de 390 ºC, enquanto a segunda apresenta um pico máximo em torno de 600 ºC e outro em torno de 770 ºC. Observa-se na série de catalisadores o deslocamento dos picos (TM próximo de 600 ºC) para temperaturas inferiores com o acréscimo do teor de CeO2, porém não gradual.

O estudo morfológico das amostras de Ni/Al2O3, Ni/CeO2 e Ni/AlCe-20 foi acompanhado por microscopia eletrônica de varredura de elétrons secundários (MEV). Os resultados de MEV mostraram que as amostras de Ni suportado no sistema Al2O3 - CeO2 não possuem uma superfície homogênea, apresentando uma separação clara entre as diferentes fases presentes, regiões ricas em Al2O3 e regiões ricas em CeO2, conforme ilustrado na Figura 2.


Os difratogramas de raios-X, obtidos após previa ativação em 650 ºC, ilustrados na Figura 3, mostram a fase cristalina do sistema Ni/AlCe com o aumento da concentração de CeO2. A Figura 3b ilustra o alargamento dos picos correspondentes aos planos cristalinos 111 e 200 do Ni metálico, devido à adição de CeO2. Esta observação pode estar relacionada com o aumento da dispersão metálica, devido à adição de CeO2, o que sugere uma diminuição do tamanho de cristalito do Ni21. O tamanho dos cristalitos do componente metálico não pode ser determinado, devido ao fato de que o plano cristalino 111 do níquel, com maior intensidade, encontra-se sobreposto pelo pico do plano cristalino 400 do Al2O3, não permitindo uma adequada deconvolução do pico 111 do Ni. Contudo, os significativos alargamentos dos picos da fase cristalina do Ni 111 e, principalmente, do Ni 200 sugerem uma diminuição do tamanho de cristalito de Ni, quando é adicionado o CeO2. Esta observação confirma o aumento na dispersão metálica (Tabela 1) determinada por adsorção química de H2.



As análises das amostras de Ni/CeO2 por raios-X, Raman, TEM, EDX e XPS em adição aos testes catalíticos, apresentadas a seguir, sugerem a interação química entre o Ni e o suporte CeO2 na superfície do catalisador. Atribui-se a esta interação o bloqueio dos sítios metálicos, resultando na inatividade catalítica observada na reação de reforma do metano.

Os difratogramas de raios-X do catalisador Ni/CeO2 obtidos após diferentes temperaturas de ativação (250 a 650 ºC), em atmosfera de H2, são apresentados na Figura 4. Para as amostras catalíticas que sofreram o processo de redução em 300, 350 e 650 ºC foi detectada a presença de níquel metálico. No entanto, a amostra de Ni/CeO2 ativada em 250 ºC apresentou uma fase de óxido de níquel. Esta observação poderia sugerir que a temperatura de 250 ºC é insuficiente para promover a redução do NiO para Ni, quando suportado em CeO2. Porém, a obtenção dos difratogramas foi realizada 72 h após as amostras sofrerem o processo de redução, sendo expostas ao ar, possibilitando a oxidação do Ni na superfície do catalisador. Contudo, o teste de atividade catalítica para as amostras Ni/CeO2, por intermédio da reação de hidrogenação do benzeno, mostrou que o catalisador Ni/CeO2, ativado em 250 ºC (redução em atmosfera de H2), apresenta conversão do benzeno comparável ao Ni/Al2O330. Entretanto, uma menor capacidade de conversão foi observada quando o catalisador de Ni/CeO2 foi ativado em 300 ºC, e seus análogos ativados em 350 e 650 ºC não apresentaram atividade catalítica em condições similares31, fato este que sugere um bloqueio da superfície do Ni metálico nas amostras de Ni/CeO2 ativados em temperaturas acima de 300 ºC.


Haugsrud et al.32 descreveram os efeitos causados na superfície de Ni, Co e Cu quando interagem com CeO2, em função do tratamento térmico em condições oxidantes, sugerindo que a cerianita, quando usada para recobrir o Ni, promove uma proteção da fase metálica, diminuindo a oxidação em temperaturas elevadas de calcinação. Este fato explica a resistência das amostras aos fenômenos de oxidação mesmo várias horas após a ativação.

Em adição, o espectro de FT-Raman (análises do ordenamento a curto alcance) das amostras de Ni/CeO2 ativadas em temperaturas a partir de 250 ºC é comparado com o padrão de CeO2 comercial (Aldrich), Figura 5. O espectro Raman deste material corresponde ao modo com freqüência em vR= 466 cm-1 atribuído ao estiramento simétrico da unidade de vibração Ce-O833. Conseqüentemente, este modo pode ser muito sensível a qualquer mudança microestrutural ocasionada pelo aumento da temperatura de ativação. A Figura 5 ilustra o desaparecimento do modo com frequência em vR= 463 cm-1, com aumento da assimetria e diminuição de vida média dos fónons da rede cristalina, em função do aumento da temperatura de ativação, fato este entendido como resultado da modificação microestrutural da superfície dos catalisadores de Ni/CeO2.


Estudos de espectroscopia de fotoelétrons (XPS) foram realizados com o objetivo de verificar a existência de níquel no estado metálico na superfície dos grãos, na amostra Ni/CeO2 ativada a 650 ºC e investigar a ocorrência de modificações na superfície da partícula, conforme indicado por FT-Raman. A Figura 6a mostra o espectro Ce3d da amostra Ni/CeO2 onde é possível observar a existência dos dois dubletos correspondentes ao óxido de cério. Por outro lado, na Figura 6b, o espectro de Ni2p da mesma amostra apresenta uma banda larga em torno de 850 eV (Ni 2p3/2), não acompanhada da banda em 870 eV (Ni 2p1/2). Tais resultados indicam que o níquel na superfície da amostra não se encontra no estado metálico e, possivelmente, apresenta algum tipo de ligação química com o suporte CeO2.



A Figura 7 ilustra as imagens de campo claro obtidas por microscopia eletrônica de transmissão (MET) da amostra de Ni/CeO2, ativada em 250 oC. Observam-se regiões ricas em Ni e CeO2, respectivamente, determinadas por espectroscopia de dispersão de energia de raios-X (EDX). As análises por MET e EDX da amostra de Ni/CeO2 ativada em 250 oC sugerem a existência de partículas individuais de Ni suportadas em CeO2. Este fato não foi observado na amostra de Ni/CeO2 ativada em 650 ºC em imagens de campo claro, onde não foram detectadas partículas de Ni individuais suportadas em CeO2. A presença de partículas individuais de Ni, para a amostra Ni/CeO2 (Figura 7), corrobora com o perfil de TPR, Figura 1, no qual houve consumo de H2 a partir de 300 ºC, temperatura mais baixa em comparação com as demais amostras. Inicialmente, as partículas de NiO encontram-se desprotegidas, revelando uma fraca interação com o suporte, estando, assim, propensas à redução em temperaturas inferiores.


Reforma do metano com dióxido de carbono

A Figura 8a apresenta os resultados dos testes catalíticos das amostras, obtidos na reação de reforma do metano com dióxido de carbono. Observa-se que para as amostras contendo CeO2, a conversão do CH4 foi superior à apresentada por Ni/Al2O3, o que concorda com os maiores valores de dispersão de Ni observados. No intervalo de tempo de 15 h de teste catalítico continuo, é possível observar que a presença de CeO2 na composição do catalisador proporciona um aumento de atividade e de estabilidade catalítica, sendo esta última mais pronunciada para as amostras que possuem uma taxa maior de CeO2. Para evidenciar o acréscimo da estabilidade, foi realizado um teste catalítico de 50 h para os catalisadores Ni/Al2O3 e Ni/AlCe-20, Figura 8b. Ao final de 50 h de teste catalítico para Ni/Al2O3, a conversão de CH4 decresceu de 49 para 27%, porém para a amostra Ni/AlCe-20 a queda de conversão do CH4 foi muito pequena no mesmo intervalo de tempo reacional, pois passou de 55 para 52%.



No teste de 50 h para Ni/AlCe-20 a queda de conversão catalítica é linear, entretanto para Ni/Al2O3 observa-se o mesmo comportamento apenas no início, sendo que nas últimas horas de teste o decréscimo de conversão foi mais acentuado. Tal comportamento pode estar relacionado com a formação de coque e de filamentos de carbono, os quais estariam recobrindo as partículas de Ni. Tal fenômeno seria mais perceptível a partir de 25 h de teste catalítico, indicando um comprometimento do catalisador.

O efeito da adição de CeO2 no sistema Ni/Al2O3 não é apenas no acréscimo da conversão e da estabilidade, estes resultados também são acompanhados pelo aumento da seletividade. Com a adição de CeO2 observou-se uma menor formação de H2O, subproduto reacional, porém a variação da razão H2/CO é pouco perceptível, mantendo-se praticamente constante (entre 0,8 e 0,9), com melhor desempenho para a amostra contendo CeO2, Figura 9.


A maior estabilidade catalítica observada para as amostras contendo CeO2, relaciona-se com a menor deposição de coque em tais amostras (DRX e CHN) quando comparadas a Ni/Al2O3. As reações de formação de coque, na reforma do CH4 com CO23 são:

e também a reação de hidrogenação de CO2 promovida pelo metal em elevada temperatura:

reações paralelas que podem levar a diferentes seletividades observadas nos diferentes testes catalíticos.

Tais reações paralelas (Equações 5 a 8) ocorreriam com maior facilidade no catalisador Ni/Al2O3, ocasionando uma maior deposição de coque e um decréscimo na seletividade por intermédio do consumo de H2. A reação de hidrogenação do CO2 (Equação 8) é tida como a principal responsável pela obtenção de razões H2/CO abaixo de 1, pois consome H2 ao passo que CO é obtido como um dos produtos.

A queda significativa da conversão do CH4 para o catalisador Ni/Al2O3 após 30 h de teste catalítico não influencia de imediato na razão H2/CO obtida. No entanto, após 37 h de teste catalítico a razão H2/CO apresenta queda similar à queda de conversão de CH4, sugerindo, além da barreira difusional causada pelo coque depositado, a perda de atividade catalítica.

Para o catalisador Ni/CeO2 não foi observada conversão do metano em testes realizados nas mesmas condições reacionais. Fato este relacionado com a microestrutura que apresenta esta amostra, comportamento discutido anteriormente.

Deposição de carbono

A análise por difração de raios-X dos catalisadores após 15 h de teste catalítico na reforma do metano, é apresentada na Figura 10. A presença de coque ordenado decorrente do processo catalítico é bem expressivo para a amostra Ni/Al2O3. Com o crescente teor de CeO2 na composição do catalisador, observa-se que o pico relativo ao coque ordenado torna-se menos expressivo no difratograma de raios-X.


A menor deposição de coque para as amostras contendo CeO2, confirmada por intermédio de análise elementar (CHN) presente na Tabela 2, sugere que CeO2 contribui efetivamente neste processo, dificultando a formação dos compostos de elevada massa molecular a base de carbono. O percentual de carbono nas amostras Ni/AlCe após os testes catalíticos não apresentou variações muito significativas em relação à concentração de CeO2.

A condensação de carbono amorfo sobre o cristal de Ni, exposto na superfície do catalisador impregnado na alumina, permite a formação, inicialmente, de uma camada em torno da partícula de Ni, com subseqüente crescimento do nanotubo de carbono17. Este processo guia ao encapsulamento da partícula metálica e à separação do níquel da superfície do carreador, como ilustra a imagem de MET da amostra Ni/Al2O3 após o processo catalítico. A perda da atividade catalítica está estreitamente relacionada com o bloqueio dos sítios ativos por tubos de carbono, ilustrado na Figura 11a. Ao contrário do catalisador Ni/Al2O3, os catalisadores contendo CeO2, em condições similares, não são igualmente propensos à formação de estruturas de carbono. As análises de MET do catalisador de Ni/Al2O3 (Figura 11a), após 50 h de teste catalítico, sugerem a formação de nanotubos com comprimento acima de 10 µm. Por outro lado, nanotubos de carbono com comprimento inferiores a 1 µm no catalisador Ni/AlCe-20 (Figura 11b) foram verificados. A partir do crescimento da estrutura de carbono na superfície do sítio metálico (Ni), originaram-se nanotubos de carbono com multiparedes, conforme imagem da Figura 11c.



O mecanismo que guia a manutenção da estabilidade catalítica dos sítios ativos no sistema Ni/AlCe pode estar associada ao caráter oxidante do CeO2 e à sua apreciável capacidade de estocar oxigênio, fato diversas vezes descrito29. Como conseqüência, o catalisador apresenta uma notável contribuição na reatividade catalítica, por intermédio da oxidação e posterior gaseificação das espécies carbonadas formadas nas reações paralelas ao processo de reforma do metano.

Os compósitos Ni/AlCe, processados pelo método de impregnação, formados por compostos de estruturas cristalinas de propriedades diferentes (suporte de Al2O3 e o dopante CeO2), guiam efetivamente a otimização dos processos catalíticos de reforma do metano. Contudo, significativas mudanças microestruturais são observadas nos sítios ativos, de acordo com a composição do suporte e o tratamento térmico empregado. Este fato pode favorecer ou inibir a atividade e estabilidade catalítica deste sistema e, ainda, contribuir para o controle de deposição de carbono.

CONCLUSÃO

A adição de CeO2 no sistema Ni/Al2O3 proporcionou a obtenção de catalisadores com melhores propriedades, quanto à capacidade de conversão e estabilidade catalítica, na reação de reforma do metano com dióxido de carbono. Fatores esses atribuídos à melhor dispersão metálica do Ni e à prevenção da deposição de coque, promovidos pelo CeO2.

A não homogeneidade observada no material catalítico, juntamente com os resultados promissores, incentivam a obtenção de catalisadores Ni/AlCe por intermédio de outro método de preparação, método que apresente melhor controle da homogeneidade, pois acredita-se que a melhor distribuição (homogeneidade) do material resultará em melhores conversões e estabilidade catalítica.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o suporte financeiro prestado pelas agências de fomento FAPESP/CEPID, CNPq / PRONEX e CAPES.

31. Valentini, A.; Probst, L. F. D.; trabalho não publicado.

Recebido em 22/7/02

Aceito em 22/4/03

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Aceito
      22 Abr 2003
    • Recebido
      22 Jul 2002
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