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Inserção do conceito de economia atômica no programa de uma disciplina de química orgânica experimental

Inclusion of atom economy concept in an experimental organic chemistry undergraduate course

Resumo

In this paper, the atom economy concepts are applied in a series of experiments during an experimental organic chemistry class, to implement "green chemistry" in an undergraduate course.

atom economy; E factor; undergraduate course


atom economy; E factor; undergraduate course

EDUCAÇÃO

Inserção do conceito de economia atômica no programa de uma disciplina de química orgânica experimental

Inclusion of atom economy concept in an experimental organic chemistry undergraduate course

Leila Maria Oliveira Coelho Merat# * E-mail: rsangil@iq.ufrj.br # endereço atual: Nucat/PEQ/COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bl. G, 21945-970 Rio de Janeiro - RJ ; Rosane Aguiar da Silva San Gil* * E-mail: rsangil@iq.ufrj.br # endereço atual: Nucat/PEQ/COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bl. G, 21945-970 Rio de Janeiro - RJ

Departamento de Química Orgânica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bl. A, Ilha do Fundão, 21949-900 Rio de Janeiro - RJ

ABSTRACT

In this paper, the atom economy concepts are applied in a series of experiments during an experimental organic chemistry class, to implement "green chemistry" in an undergraduate course.

Keywords: atom economy; E factor; undergraduate course.

INTRODUÇÃO

Por razões tanto econômicas quanto ambientais a Química tem a obrigação de otimizar os seus métodos de síntese, de forma a obter-se o produto desejado com o máximo de conversão e seletividade e com geração do mínimo de subprodutos e rejeito1. Esse conceito, denominado "economia atômica" foi formulado na década de 90 por Trost2 e Sheldon3, e evidencia a importância de uma química limpa, dentro do conceito de mínima agressão ao meio ambiente ("green chemistry"). O uso de água como solvente em algumas reações orgânicas tradicionalmente executadas na presença de solventes orgânicos é um exemplo prático da aplicação do conceito de "química limpa" na minimização do custo e do impacto ambiental4. Nos Estados Unidos a indústria química é a maior fonte de poluição tóxica, e essa situação não é diferente em nosso país. Atualmente o conceito de química ambientalmente aceitável já é tema em disciplinas de graduação voltadas para o estudo da implementação de tecnologia de prevenção de poluição5, além de base para grandes modificações nos processos industriais, de forma que seu conhecimento e aplicação é hoje imprescindível para os profissionais da área.

A execução de experimentos programados nas disciplinas experimentais das várias áreas da Química é a grande oportunidade que os alunos dos cursos de graduação têm para consolidar o aprendizado de conceitos teóricos e o desenvolvimento de temas ainda pouco explorados em sala de aula. O Departamento de Química Orgânica do Instituto de Química da UFRJ possui um elenco de disciplinas experimentais, que são oferecidas para os cursos de Química e também para os cursos de Engenharia Química e Farmácia. Os conteúdos programáticos encontram-se em contínua avaliação e adequação, visando manter uma atualização constante com os rumos da química no contexto mundial. Este trabalho foi desenvolvido na disciplina Química Orgânica Experimental II, que tem como objetivos gerais6: desenvolver a capacidade do aluno de reconhecer e selecionar utensílios de laboratório a serem empregados nas sínteses propostas, executar com desembaraço os procedimentos utilizados na preparação de vários compostos orgânicos, reconhecer as características gerais das reações realizadas, assim como os ensaios de confirmação dos produtos e o cálculo do rendimento do produto obtido em cada reação. O aluno executa uma série de sínteses, preparando e caracterizando intermediários para um produto final (um corante), e também sínteses de produtos em uma única etapa. A preparação de corantes é um dos temas propostos que envolve uma seqüência de sínteses partindo da anilina, enquanto a preparação da acetona é uma das sínteses executadas em uma única aula. As práticas propostas foram selecionadas principalmente dos livros texto sobre experimentos de química orgânica de Mano e Seabra7 e Vogel8.

O objetivo deste trabalho foi fazer com que os alunos pudessem vivenciar no laboratório o conceito de economia atômica durante a síntese de alguns produtos por duas rotas distintas, através do cálculo da porcentagem de utilização atômica (%A), do rendimento obtido e do fator E.

O parâmetro economia atômica ou porcentagem de utilização atômica (representado nesta comunicação como %A) exprime quanto dos reagentes foi incorporado ao produto, segundo a equação estequiométrica da reação. É portanto um parâmetro de natureza teórica, que não leva em consideração o rendimento da reação ou a presença de outras substâncias além dos reagentes, tanto durante a reação (por exemplo solvente) quanto na etapa de purificação do produto. Entretanto é uma ferramenta bastante útil para uma avaliação rápida da quantidade de rejeitos que serão gerados pela reação em pauta.

%A = P.M. do produto desejado/S P.M. das substâncias produzidas

O fator E, definido como a razão entre a soma das massas dos produtos secundários e a massa do produto desejado, leva em consideração todas as substâncias utilizadas na reação, incluindo-se os solventes (exceto água) e a parcela de reagentes não convertidos. Quanto maior o valor do fator E, maior a massa de rejeito gerada e menos aceitável o processo, do ponto de vista ambiental.

fator E = S massas dos produtos secundários/massa do produto desejado

Recentemente foi definido o parâmetro EQ, denominado quociente ambiental9, que é calculado conhecendo-se o valor de Q, um fator arbitrário que define a toxidez ("unfriendliness quotient") dos subprodutos obtidos9. O parâmetro EQ exprime a aceitabilidade de um determinado processo do ponto de vista ambiental, e baseia-se no fato de que, mais importante do que a quantidade de rejeito gerado é o seu impacto sobre o ambiente. Por exemplo, o fator Q do cloreto de sódio é 1, enquanto sais de metais pesados (como o cromo por exemplo) tem fator Q na faixa de 100 a 1000.

Neste trabalho os parâmetros %A e fator E foram calculados, tanto para as rotas tradicionais7,8 quanto para os procedimentos alternativos10,11. Devido à dificuldade em inferir o fator Q de alguns dos subprodutos gerados durante as sínteses executadas, o produto EQ não foi determinado. Foram feitas algumas alterações nas quantidades de reagentes indicadas originalmente, de forma a empregar a mesma quantidade do reagente principal nas duas rotas experimentadas em cada síntese, para fins de comparação das eficiências dos processos propostos.

RESULTADOS

Inicialmente foi estudada a preparação da acetanilida a partir da acetilação da anilina. No procedimento indicado tanto por Mano e Seabra7 quanto por Vogel8 (Esquema 1, rota A), o anidrido acético é o reagente acilante e o tampão ácido acético/acetato de sódio é utilizado para minimizar a diacetilação da anilina.

Por outro lado é sabido que o produto de diacetilação da anilina sofre decomposição em presença de água, fornecendo acetanilida e ácido acético. Essa é a base do procedimento proposto por Bell e colaboradores10: o tampão ácido acético/acetato de sódio é substituido por água (Esquema 1, rota B). A acetilação inicial da anilina gera ácido acético, que vai manter o pH da mistura reacional na faixa ácida, protonando parcialmente a anilina; por outro lado, qualquer diacetil anilina porventura formada será decomposta pela água presente no meio reacional. Os rendimentos alcançados na rota B (Tabela 1) foram comparáveis aos obtidos na rota A, na presença do tampão, no mesmo tempo de reação. A economia atômica (%A) não foi alterada, porém o fator E foi menor, evidenciando ser a rota B preferencial (Tabela 2): há economia de reagentes (ácido acético glacial e acetato de sódio) e minimização de compostos no rejeito, constituído prioritariamente pelo ácido acético formado estequiometricamente. Como a purificação do produto desejado envolve apenas lavagens com água destilada gelada, não há incorporação de solventes que devam ser incluídos no cálculo do fator E.

A acetanilida é reagente de partida para a preparação de p-nitro acetanilida, através da nitração da acetanilida. A nitração da acetanilida é normalmente feita com ácido nítrico, em presença da mistura ácido acético glacial/ácido sulfúrico, de forma a manter no meio uma mistura do agente nitrante com força média7,8 (Esquema 2, rota A). O procedimento alternativo10 não utilizou o ácido acético glacial, e foi acompanhado do controle rigoroso do tempo de reação (Esquema 2, rota B).

A modificação do procedimento, excluindo o ácido acético e controlando a adição de ácido sulfúrico e do tempo de nitração, propiciou a formação do produto nitrado de interesse em rendimentos comparáveis aos obtidos utilizando ácido acético glacial (diminuição do fator E). Além disso, o tempo de reação pode ser diminuido de 60 para 20 min (Tabela 1).

A p-nitro acetanilida é usada para preparar p-nitro anilina, que em uma aula posterior será o reagente da síntese de um corante (via geração do sal de diazônio correspondente, seguido de reação com b-naftol). A hidrólise da p-nitro acetanilida com ácido sulfúrico 70% gera o sulfato ácido correspondente como produto intermediário, que numa etapa posterior é hidrolisado com emprego de base. A literatura sugere que essa hidrólise pode ser conduzida tanto com solução de hidróxido de sódio (rota A) quanto com hidróxido de amônio concentrado (rota B)7,8,10 (Esquema 3).

A necessidade de conduzir a hidrólise com NH4OH em capela pode ser um fator limitante para o uso desse reagente em laboratório. O fator E, por outro lado, poderia ser favorecido, porém os rendimentos alcançados não foram comparáveis (Tabela 1) com consequente aumento no fator E com o uso do NH4OH. Dessa forma, a substituição de hidróxido de sódio pelo hidróxido de amônio não se mostrou vantajosa.

Uma das sínteses em uma única etapa proposta na disciplina é a preparação de acetona a partir de 2-propanol. Reações de oxidação de álcoois são executadas usualmente com emprego da mistura de dicromato de sódio ou de potássio e ácido sulfúrico7 (Esquema 4, rota A). Esse experimento gera soluções ácidas contendo sais de cromo para descarte, o que torna desejável sua substituição por agentes oxidantes menos agressivos ao meio ambiente.

Hipoclorito de sódio em solução aquosa a 5% apresentou boa atividade na reação de oxidação de cicloexanol a cicloexanona, em meio de ácido acético glacial10, com formação de cloreto de sódio como subproduto. Resultados similares foram obtidos por Mirafzal e Lozeva11, em presença de um agente de transferência de fase. Com base nesses bons resultados, a oxidação do 2-propanol foi tentativamente executada substituindo-se a mistura dicromato de sódio/ácido sulfúrico por hipoclorito de sódio 4-6% (Esquema 4, rota B). O resultado obtido evidenciou a necessidade de otimização do procedimento, já que os rendimentos foram inferiores a 10% (Tabela 1). Por outro lado a substituição do agente de oxidação é prioridade na disciplina, na medida em que a porcentagem de economia atômica (Tabela 2) e o fator Q (impacto ambiental) favorecem sobremaneira a substituição da mistura oxidante contendo sal de cromo (que gera descarte com fator Q entre 100 e 1000) pelo hipoclorito de sódio (que gera descarte com fator Q igual a 1), ou por outros agentes oxidantes menos agressivos ao meio ambiente.

CONCLUSÃO

Os resultados evidenciaram ser possível introduzir o conceito de economia atômica durante as aulas práticas de química orgânica, em experimentos de rotina, de forma a incentivar os alunos a compararem as rotas de síntese existentes na literatura e os rendimentos dos processos empregando esse conceito. Essa nos parece ser uma metodologia vantajosa, porque permite que os alunos vivenciem durante a graduação a necessidade de minimizar ao máximo a geração de subprodutos durante um processo químico e o descarte de subprodutos poluentes, de forma que possam aplicar estes conceitos no futuro, como profissionais conscientes das vantagens e da necessidade de preservação do meio ambiente.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem à Profa E. R. Lachter, pioneira na divulgação do conceito de economia atômica no âmbito do IQ/UFRJ e ao Prof. J. A. P. Bonapace, pela cessão de amostras do reagente hipoclorito de sódio 4-6%; aos funcionários E. C. Cruz e L. S. Benevides pelo apoio técnico e aos alunos A. C. Carelli, A. L. M. Oliveira, A. R. Oliveira Filho, C. B. Conceição, C. N. Santana, D. G. Polck, D. T. Tavares e F. R. Neves, da Escola de Química da UFRJ, que cursaram a disciplina Química Orgânica Experimental II durante o primeiro semestre de 2002 e participaram ativamente na execução dos experimentos descritos nessa comunicação.

Recebido em 30/9/02

Aceito em 13/12/02

  • 1. Dupont, J.; Quim. Nova 2000, 23, 825.
  • 2. Trost, B. M.; Science 1991, 254, 1471.
  • 3. Sheldon, R. A.; Chem. Ind. 1992, 23, 903.
  • 4. Silva, F. M. da; Jones Jr., J.; Quim. Nova 2001, 24, 646.
  • 5. Brennecke, J. F.; Stadtherr, M. A.; Comput. Chem. Eng. 2002, 26, 307.
  • 6. Faria, H. E. S. V. T.; Apostila de Práticas da Disciplina de Química Orgânica Experimental II, Departamento de Química Orgânica, Instituto de Química da UFRJ, 1998.
  • 7. Mano, E. B.; Seabra, A. P.; Práticas de Química Orgânica, 3a ed., Ed. Edgard Blücher Ltda, 1987.
  • 8. Vogel, A. I.; Química Orgânica. Análise Orgânica Qualitativa, Ed. Ao Livro Técnico S. A., 1982.
  • 9. Sheldon, R. A.; C. R. Acad. Sci., Ser. IIc: Chim. 2000, 3, 541.
  • 10. Bell, C. E.; Clark, A. K.; Taber, D. F.; Rodig, O. R.; Organic Chemistry Laboratory, Saunders College Publishing, 1997.
  • 11. Mirafzal, G. A.; Lozeva, A. M.; Tetrahedron Lett. 1998, 39, 7263.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Recebido
      30 Set 2002
    • Aceito
      13 Dez 2002
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