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Estudo da biodisponibilidade de metais nos sedimentos da Lagoa da Pampulha

Study of the bioavailability of metals in the sediments of Lagoa da Pampulha (Pampulha Lake)

Resumo

The presence of metals in the sediments of Pampulha Lake was investigated in order to determine the bioavailability of metals in these sediments for the cultivation of vegetables such as lettuce. The chemical analyses of metals and As were accomplished by the k0 neutron activation technique. The plans for recovering this lake foresee the removal of the deposited sediments and transport of the discarded material to a specific area after the dam. The present study suggests that this strategy of discarding sediments doesn't imply any risk for the local population, in relation to the bioavailability of metals in these sediments.

bioavailability; neutron activation analysis; lake sediment


bioavailability; neutron activation analysis; lake sediment

ARTIGO

Estudo da biodisponibilidade de metais nos sedimentos da Lagoa da Pampulha

Study of the bioavailability of metals in the sediments of Lagoa da Pampulha (Pampulha Lake)

Claudia de Vilhena Schayer SabinoI, * * e-mail: sabinoc@cdtn.br ; Geraldo Frederico KastnerI; Angela Maria AmaralI; Simone Cristina Alves Lobo LeiteII; Ricardo Pinto de CarvalhoII; Isabel Reis e SilvaII

ICentro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, Comissão Nacional de Energia Nuclear, CP 941, 30123-970 Belo Horizonte - MG

IIPontifícia Universidade Católica, Av. Dom José Gaspar, 500, 30535-610 Belo Horizonte - MG

ABSTRACT

The presence of metals in the sediments of Pampulha Lake was investigated in order to determine the bioavailability of metals in these sediments for the cultivation of vegetables such as lettuce. The chemical analyses of metals and As were accomplished by the k0 neutron activation technique. The plans for recovering this lake foresee the removal of the deposited sediments and transport of the discarded material to a specific area after the dam. The present study suggests that this strategy of discarding sediments doesn't imply any risk for the local population, in relation to the bioavailability of metals in these sediments.

Keywords: bioavailability; neutron activation analysis; lake sediment.

INTRODUÇÃO

A bacia hidrográfica da Pampulha, situada em Belo Horizonte, MG, é parte do rio das Velhas, sendo a superfície a montante da represa aproximadamente de 97 km21.

A partir do início dos anos 70, a lagoa vem sofrendo processo de assoreamento e poluição de suas águas e sedimentos, com o incremento da ocupação desordenada da bacia hidrográfica a montante. Isto tem trazido inúmeros transtornos à população, como a proliferação de insetos na região, o impedimento da utilização adequada da represa como área de lazer, a ocorrência de enchentes e a perda da identidade do complexo da lagoa.

Com a descaracterização, o volume de água, segundo estudos batimétricos realizados pelo CDTN/CNEN em 1999, era de 8.480.000 m3, isto é, 50% de seu volume original (18.000.000 m3), o espelho d'água encontra-se reduzido a apenas 66,7% do seu valor inicial2.

O poder público vem atuando no sentido de recuperar o local para as finalidades para as quais foi construído: área de lazer e, também, amortecimento de cheias na bacia. Esta recuperação está sendo feita através do projeto PROPAM (Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Lagoa da Pampulha) com o saneamento das águas afluentes.

Com a retirada progressiva dos sedimentos, a capacidade do reservatório é aumentada, melhorando a laminação e o amortecimento das cheias. A tendência futura na bacia hidrográfica é de ocorrência de cheias maiores, considerando a mesma precipitação pluviométrica, em função do aumento da impermeabilização de sua superfície, pela ocupação urbana3.

O desassoreamento da Lagoa da Pampulha tem, como alternativa mais viável, sob o ponto de vista técnico e econômico, a remoção dos sedimentos ali depositados, através da utilização de draga de sucção e recalque, e a adução deste material, através de tubulação, para áreas de bota-fora a jusante da represa (Dragagem de Longa Distância – DLD), sendo aproveitado o grande desnível (125 m/17,8 km) entre o espelho d'água e a confluência com o Rio das Velhas3,4.

Neste processo, a fração arenosa poderá ser reaproveitada para utilização em construção civil (aterros, material de base para ruas e capas asfálticas e outros). A silto-argilosa (cerca de 70%) deverá ser preferencialmente depositada em áreas de bota-fora, aterros sanitários, ou parte da mesma reintegrada aos cursos d'água, a jusante. Nestes locais, o material poderá ser utilizado pela população para plantio de alimentos, como as hortaliças. O conhecimento da biodisponibilidade de metais nestes sedimentos é importante, uma vez que, quantidades inadequadas podem ser absorvidas pelas plantas5, prejudicando o seu desenvolvimento ou causando danos às populações que delas se utilizarem.

Vários autores afirmam que espécies de vegetais e até cultivares diferem quanto à sua capacidade de absorção e acúmulo de metais. A alface foi escolhida para esse estudo por ser considerada uma das hortícolas mais eficientes na absorção de tais elementos6, além de seu fácil cultivo e manejo e um rápido período de tempo entre o plantio e a colheita.

A espécie escolhida foi a Alface Babá de Verão Manteiga (Lettuce sativa L.) por se tratar de uma variedade vigorosa, que apresenta folhas grandes, lisas e tenras7.

Este trabalho teve como objetivo o estudo da biodisponibilidade de As e alguns metais: Al, Ba, Ce, Co, Cr, Fe, K, La, Mn, Na, Rb, Sc, e Zn, nestes sedimentos. O desenvolvimento dos vegetais foi estudado paralelamente, através de medidas lineares, com o objetivo de verificar como o substrato interfere neste processo.

PARTE EXPERIMENTAL

Um esquema mostrando as diferentes etapas do estudo está apresentado na Figura 1.


Coleta de sedimentos

A coleta foi feita próxima à Ilha dos Amores, onde existe uma diminuição na vazão e conseqüente deposição dos sedimentos.

As amostras de sedimento em suspensão foram colhidas em recipientes especialmente fabricados, de polietileno de alta densidade molecular, a fim de minimizar a possível adsorção dos metais nas paredes dos mesmos.

Após um período de 24 h, necessário para a decantação, a água foi descartada e o sedimento disposto em bandejas apropriadas para a secagem, à temperatura ambiente. O material foi então homogeneizado e foram retiradas um mínimo de 5 alíquotas para análise e cultivo.

Cultivo da alface

Para a semeadura, foram utilizadas bandejas de isopor e o número de mudas foi maior que o necessário para os vasos, pois, para o transplante foram escolhidas as melhores mudas, isto é, as mais saudáveis, com maior altura e número de folhas. O tempo esperado entre a semeadura e o transplante foi de aproximadamente um mês.

Para o transplante das mudas foram utilizados vasos de polietileno. O substrato foi preparado de três formas: 100% de terra vegetal (10 vasos); 50% de terra vegetal e 50% de sedimento (10 vasos) e 100% de sedimento (10 vasos). O transplante foi realizado no período mais fresco do dia.

Durante o crescimento, diariamente, após a rega foram feitas análises do desenvolvimento das plantas utilizando a medida de dimensões lineares.

A colheita foi realizada no momento de desenvolvimento máximo da planta, ou seja, quando apresentaram cabeças firmes e folhas tenras sem sinal de florescimento. Isso ocorreu 75 a 90 dias após o semeio. As plantas coletadas foram lavadas e colocadas em saco plástico etiquetado e então destinadas ao laboratório.

Análises

As amostras de alface foram pesadas e levadas à estufa, em temperatura próxima a 100 oC durante 48 h. Após este período, foram pesadas e o fator de umidade (FCU) calculado. As amostras de sedimento foram secas a uma temperatura de 70 oC durante um período de 72 h e pesadas.

As análises foram executadas pela técnica paramétrica de ativação neutrônica k08 e as irradiações foram feitas no reator TRIGA IPR-R1. As amostras e os padrões, com massa de aproximadamente 0,3 g, foram acondicionadas em tubos de polietileno, próprios para a irradiação e, a seguir, colocados em tubos de poliestireno ("coelhos"), que foram irradiados por 5 min para isótopos de meia vida curta e por 16 h para determinação de isótopos de meia vida média e longa. Simultaneamente foram irradiados materiais de referência. Após a irradiação, amostras e referências foram contadas, uma a uma, em sistema de espectrometria gama constituído de detector HPGe de eficiência relativa de 50% e resolução de 1,8 keV em 1332,2 keV; eletrônica processadora de sinal (DAS-2000 - CANBERRA); sistema de multicanal Genie-2000 e analisador de espectros.

O controle da qualidade foi feito através da utilização de replicatas de algumas amostras e da análise de materiais de referência: Soil-7, Polluted Farmland Soil e Mixed diet, certificados pela Agência Internacional de Energia Atômica, e GXR-6 da "United States Geological Survey".

RESULTADOS

As seguintes medidas relativas ao acompanhamento biométrico foram realizadas durante oito semanas: comprimento da folha, largura das folhas, altura da planta e número de folhas. Na época da coleta a diferença entre os vegetais plantados em diferentes substratos era facilmente perceptível conforme as Figuras 2, 3 e 4. Os vegetais plantados em terra vegetal cresceram mais rapidamente, conforme vemos na Figura 5. A Figura 6 mostra a altura de uma folha média dos vegetais, para os diferentes substratos. A Figura 7 mostra o desenvolvimento da largura de uma folha média. Novamente nota-se que a terra vegetal produz melhores resultados. A mesma conclusão é válida para o número médio de folhas, mostrado na Figura 8.








Teor de umidade nas amostras

A análise de variância aplicada ao fator de umidade demonstra que existe uma diferença significativa entre os três substratos. O resultado está apresentado na Figura 9.


Teor de metais

Os resultados, apresentados na Tabela 1 mostram que a concentração de As, Mn e Sc é maior na terra vegetal, enquanto que K e Na possuem valores menores. Já os demais elementos analisados apresentaram concentrações aproximadas para os dois substratos. A Tabela 1 apresenta também um quadro comparativo para as concentrações de elementos em alguns solos e sedimentos.

Os resultados mostraram que Fe, Co, Cr, Rb, e Sc apresentam maior concentração nas alfaces plantadas no sedimento da Lagoa da Pampulha e que Al, K, Mg, Na, e Zn apresentam maior a concentração nas plantadas em substrato com presença de terra vegetal. A Tabela 2 mostra os resultados obtidos para os vegetais plantados nos diferentes substratos, os valores certificados para o material de referência Mixed diet e valores normalmente encontrados em algumas espécies de alface.

É possível perceber que os valores estão abaixo dos encontrados no material Mixed Diet, entretanto acima dos citados para outras espécies de alface, para Fe, K e Mg.

Análise dos dados

A análise dos dados referentes à concentração de minerais na alface foi feita utilizando a distribuição logarítmica para suavizar a concentração de diferentes elementos9-11.

Como era de se esperar, percebe-se que o fator de umidade é negativamente correlacionado à concentração dos minerais, exceto Cr, que apresentou baixa correlação (0,406). A Figura 10 apresenta a distribuição do fator de umidade, em relação ao Al e Na, na alface. Pode ser percebido que a umidade apresenta maior valor na alface plantada em terra vegetal enquanto os minerais apresentam maior valor na plantada em sedimento.


A redução de dados pela técnica de componentes principais mostra que 3 fatores representam 80% dos dados. O primeiro fator é caracterizado pela contribuição negativa da umidade e positiva do sódio e alumínio; o segundo, pela positiva do cromo e negativa do rubídio e o terceiro, pela positiva do zinco. A Figura 11 apresenta os fatores plotados. É perceptível que há diferença significativa entre os substratos. A análise de variância aplicada aos fatores demonstra que esta diferença é significativa. Os resultados estão apresentados na Figura 12.



CONCLUSÕES

Os estudos efetuados demonstraram que o fator de umidade da alface cultivada em sedimentos da Lagoa da Pampulha é menor que o da cultivada em terra vegetal. O desenvolvimento no sedimento também é bastante inferior. Isto é um indício que a população provavelmente não utilizará o local de descarte destes sedimentos para plantio de alface, e talvez nem de hortigranjeiros.

A análise de diferentes solos mostrou que os valores encontrados tanto para a terra vegetal quanto para os sedimentos são menores ou iguais aos encontrados em outros solos e sedimentos, inclusive os utilizados internacionalmente como materiais de referência, o que permite afirmar que os sedimentos coletados não apresentam um nível significativo de contaminação.

É importante lembrar, entretanto, que a umidade da alface é menor, o que implica em maior densidade e, conseqüentemente, maior concentração de minerais. Comparando-se os valores encontrados para a alface com a IDR percebe-se que, exceto para o Co, a ingestão média de alface por dia, que é 50 g, não representaria risco.

Tendo em vista estes resultados, conclui-se que a remoção dos sedimentos depositados na Lagoa da Pampulha e seu despejo em áreas de bota-fora a jusante da represa, não implicará necessariamente em risco para a população local no que se refere à biodisponibilidade de metais nestes sedimentos.

AGRADECIMENTOS

Este projeto foi financiado pelo FIP (Fundo de Incentivo à Pesquisa) da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Minas), e teve o apoio do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN). Agradecemos também ao Curso de Mestrado em Ciências e Técnicas Nucleares da Escola de Engenharia da UFMG o apoio à realização deste trabalho, tema de dissertação de mestrado.

Recebido em 18/3/03

aceito em 29/9/03

  • 1. Aun, P. E.; Bandeira, J.V. Em IAEA TECDOC 818: Use of nuclear techniques in studying soil erosion and siltation -Vienna, Austria, 1995.
  • 2. Fioravante Neto, A.; Pinto, G. G.; Machado, M. L.; Vieira, N. S.; Bomtempo, V. L.; CDTN/CNEN, RC CT7003/95, 1995.
  • 3. Bandeira, J. V.; Pinto, G. G.; Sabino, C. S.; Agudo, E. G.; Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, Belo Horizonte, Brasil, 1999.
  • 4
    Superintendência de Desenvolvimento da Capital, SUDECAP, Março, 1996.
  • 5. Soon-Oh, K.; Kyoung-Woong, K.; Stüben, D. J.; Environ. Eng 2002, August, 705.
  • 6. Santos, I. C.; Casali, V. W. D.; Miranda, G. V.; Pesquisa Agropecuária Brasileira 1998, 33, 157.
  • 7
    http://www.sementesfeltrin.com.br acessada em Janeiro 2002.
  • 8. De Corte, F.; Tese de Doutorado, Faculteit Van de Wetenschappen, Bélgica, 1986.
  • 9. Bishop, R. L.; Neff, H.; Meeting of the American Chemical Society, Denver, USA, 1987.
  • 10. Cheng, T. P.; Morris, J. S.; Koirtyohann, S. R.; Spate, V. L.; Baskett, C. K.; J. Radioanal. Nucl. Chem. 1995, 195, 31.
  • 11. Shumilin E.; J. Radioanal. Nucl. Chem. 2000, 246, 533.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Aceito
      29 Set 2003
    • Recebido
      18 Mar 2003
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