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QSAR: a abordagem de Hansch

QSAR: the Hansch's approach

Resumo

The Hansch Analysis, also known by QSAR-2D, is an extremely effective tool in the identification and/or improvement of the pharmacological or toxicological profile of xenobiotics. This article presents the theme didactically and with enough detail to clarify the conceptual basis of Hansch Analysis. Besides, it shows the application of the technique in measuring the influence of physicochemical properties on the biological activity of compounds with pharmacological interest.

QSAR-2D; Hansch analysis; structure-activity relationships


QSAR-2D; Hansch analysis; structure-activity relationships

DIVULGAÇÃO

QSAR: a abordagem de Hansch

QSAR: the Hansch's approach

Leoberto Costa Tavares

Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo, Av. Prof. Lineu Prestes, 580, Bloco 16, Cidade Universitária, 05508-900 São Paulo - SP

ABSTRACT

The Hansch Analysis, also known by QSAR-2D, is an extremely effective tool in the identification and/or improvement of the pharmacological or toxicological profile of xenobiotics. This article presents the theme didactically and with enough detail to clarify the conceptual basis of Hansch Analysis. Besides, it shows the application of the technique in measuring the influence of physicochemical properties on the biological activity of compounds with pharmacological interest.

Keywords: QSAR-2D; Hansch analysis; structure-activity relationships.

INTRODUÇÃO

A ação terapêutica de fármacos resulta de interações destes com sistemas biológicos e é dependente de fatores relacionados com sua estrutura química e, conseqüentemente, de suas propriedades físico-químicas. Estes fatores, sejam eles de caráter eletrônico, hidrofóbico ou estérico, influenciam a interação do fármaco com a biofase e a sua distribuição nos compartimentos que compõem o sistema biológico. Assim, dois fármacos estruturalmente semelhantes, diferenciando-se apenas por um átomo ou posição que este ocupa na molécula, podem apresentar diferenças quanto às suas propriedades físico-químicas e, conseqüentemente, quanto à atividade biológica, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo.

As propriedades físico-químicas de compostos bioativos, reflexo de sua estrutura química, podem ser descritas quantitativamente se forem expressas por meio de parâmetros físico-químicos ou descritores estruturais adequados1-4. Assim, com base neste conceito, foi possível desenvolver nova área do conhecimento, que se preocupa com o estudo das relações entre a estrutura química e a atividade biológica1,3-7. Estas relações são expressas por modelos matemáticos, que correlacionam descritores estruturais de séries de compostos análogos com a atividade biológica por eles desempenhada1,3,8-11.

Estudos de QSAR, "Quantitative Structure-Activity Relationships", vêm sendo, progressivamente, desenvolvidos durante os últimos 40 anos. Hoje, são amplamente aplicados para descrever quantitativamente as relações entre a estrutura química de moléculas e a atividade biológica por elas desempenhadas, visando a identificação de valores ótimos para determinadas propriedades físico-químicas e, por meio deles, fundamentar o planejamento de novas substâncias que possuam perfil terapêutico mais adequado às necessidades atuais 2-4,6,10-19.

PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS QUE CONDICIONAM A AÇÃO DE FÁRMACOS

Entre as propriedades físico-químicas mais importantes para o estabelecimento da atividade biológica de fármacos citam-se a distribuição eletrônica, a hidrofobicidade e a estereoquímica da molécula. Cada uma destas propriedades contribui com maior ou menor intensidade para o estabelecimento da resposta biológica e podem ser representadas por descritores estruturais, que expressam de forma quali e quantitativa a sua influência na bioatividade de compostos químicos1-4,16,20,21.

Descritores estruturais de caráter eletrônico

Desde o estabelecimento da Equação de Hansch1-4,12, em 1964, muitos trabalhos têm reconhecido que os efeitos eletrônicos transmitidos por grupos substituintes, não raro, influenciam a atividade biológica de fármacos11,22-29. O entendimento da natureza destes efeitos bem como o seu dimensionamento são de importância fundamental para a compreensão das relações quantitativas entre a estrutura química e a atividade de compostos bioativos e envolve, necessariamente, o conhecimento da Equação de Hammett1,3,4,30.

Equação de Hammett

A tentativa de encontrar um modelo matemático que correlacionasse a estrutura química com a atividade biológica de fármacos remonta ao início do século passado, mas foi somente a partir dos anos 30, com base em conhecimentos acumulados na área de físico-química orgânica, que os avanços neste campo passaram a ser realmente significativos6,10,11,15,27,28,30,31-34, .

Marco na história do QSAR, em seu clássico trabalho "Physical Organic Chemistry: reactions, equilibria and mechamisms"33, publicado em 1940, Hammett estudou a ionização de ácidos benzóicos meta ou para-substituídos em água a 25 ºC, demonstrando, pela primeira vez, a ocorrência de relação linear entre os logaritmos da constante de ionização do ácido benzóico substituído e o logaritmo da constante de ionização do ácido benzóico. A Equação 1 representa esta relação que passou a ser conhecida como Equação de Hammett1,3,4,15,26,33:

em que Kx é a constante de ionização do ácido benzóico p ou m-substituído; K0 é a constante de ionização do ácido benzóico não substituído; s é a constante de grupo e r é a constante de reação.

Relações logarítmicas entre constantes de equilíbrio ou de velocidade de reações químicas são essencialmente relações lineares de energia livre, uma vez que variações entre a energia livre padrão de reações é diretamente proporcional à energia livre de ativação19,35-37.

A constante sigma, s, definida pela Equação de Hammett, passou a ser conhecida como constante de grupo, uma vez que mede a influência eletrônica de um dado grupo substituinte, independentemente da reação ou da molécula a que ele está ligado2-4,30,38. Vale salientar que a constante s sofre influência da posição que o substituinte ocupa na molécula e é de caráter aditivo1,3-5,15.

O valor absoluto de s reflete a grandeza dos efeitos indutivo e de ressonância exercidos pelo grupo substituinte no centro de reação ou na propriedade físico-química medida1-4. Valores positivos são observados em substituintes que atraem elétrons e valores negativos, em substituintes que repelem elétrons2,3.

O coeficiente angular da Equação de Hammett corresponde à constante r, conhecida como constante de reação. Sua grandeza, em módulo, mede a suscetibilidade da reação ou da propriedade medida ao efeito polar exercido pelo substituinte e depende da natureza da reação que a definiu, o sistema ácido benzóico benzoato. Valores positivos de r são observados em reações favorecidas por grupos que atraem elétrons e valores negativos, em reações favorecidas por grupos que repelem elétrons1-4,12,30.

Equação de Hammett expandida

Taft e Lewis39 foram os primeiros autores a sugerir a possibilidade de se conhecer separadamente as contribuições dos efeitos indutivo e de ressonância exercidos pelos substituintes em posição meta ou para em anéis benzênicos, e isto foi possível por meio da aplicação das Equações 2 e 3:

em que sp e sm são valores da constante s de Hammett para substituintes em posição para ou meta no anel benzênico, respectivamente; sI e sR são contribuições dos efeitos indutivo e de ressonância, respectivamente; a é um fator de correção para o efeito de ressonância a partir da posição meta.

A grande vantagem do desmembramento do valor original de s em seus componentes indutivo e de ressonância, representados por sI e sR, respectivamente, é a possibilidade de emprego da Equação de Hammett expandida. Desta forma, é possível expressar as contribuições individuais dos efeitos indutivo e de ressonância para a velocidade ou posição de equilíbrio da reação ou para a propriedade medida1,2,4,5,26,38.

A Equação 4 representa a Equação de Hammett expandida, considerando o desmembramento do efeito polar exercido pelo grupo substituinte em seus componentes indutivo e de ressonância, bem como suas respectivas influências sobre a velocidade ou a posição de equilíbrio da reação ou propriedade medida.

em que K é a constante de equilíbrio do composto substituído; K0 a constante de equilíbrio do composto não substituído; rI o coeficiente angular relativo ao efeito indutivo; sI a contribuição do efeito indutivo; rR o coeficiente angular relativo ao efeito de ressonância e sR a contribuição do efeito de ressonância.

Esta equação tem sido aplicada, com sucesso, a vários sistemas em que a Equação de Hammett original não fornece boa correlação4,5,37-39.

Swain e Lupton40, em 1968, revendo o desmembramento da constante s de Hammett formulada por Taft e Lewis propuseram uma nova forma para a decomposição do efeito eletrônico de grupos substituintes em suas componentes referentes aos efeitos indutivo e de ressonância. Estes autores consideraram o efeito indutivo ou de campo, Á, de "field", combinado linearmente ao efeito de ressonância, Â, de "resonance", equivalentes ao valor da constante sigma de Hammett2, 3. A proposição de Swain e Lupton é expressa pela Equação 5:

em que s é a constante de grupo de Hammett; Á representa os efeitos indutivo e de campo; Â o efeito de ressonância; f e r são coeficientes empíricos e independentes.

O estudo de Swain e Lupton foi feito com base em duas premissas: a primeira considera que o efeito de para-substituintes na ionização do ácido biciclo-[2,2,2]-octano-1-carboxílico31,40 resulta inteiramente da ação de efeito indutivo do substituinte, uma vez que o efeito de ressonância não se transmite por sistemas saturados; a segunda premissa considera que o efeito eletrônico transmitido pelo grupo substituinte trimetilamônio, -N(CH3)3, não envolve efeito de ressonância, podendo-se, portanto, considerar este efeito como sendo igual a zero. Desta forma, foi possível calcular o valor de  a partir da Equação 6:

em que sp é a constante sigma de Hammett na posição para; Á são os efeitos indutivo e de campo; Â é o efeito de ressonância e 0,56 é o valor de a para o sistema de reações utilizado por Swain e Lupton.

Hansch4,15,38 revendo os valores e a abordagem de Swain e Lupton considerou que os mesmos não estavam corretamente dimensionados. Este autor propôs, então, a utilização do fator correspondente ao valor de a para a ionização de ácidos benzóicos em etanol/água 50% v/v a 25 ºC, redefinindo, desta forma, a equação que calcula os valores de Á e Â. A proposição de Hansch pode ser resumida nas Equações 7 e 8:

Os descritores eletrônicos Á e  propostos por Swain e Lupton, apesar de ainda serem criticados, têm sido empregados com sucesso em diversos trabalhos, principalmente aqueles envolvidos em estudos de QSAR2-5,15.

Vários outros descritores estruturais de caráter eletrônico podem ser definidos por meio da observação de variações em propriedades físico-químicas de compostos químicos sensíveis ao efeito eletrônico de grupos substituintes. Parâmetros espectroscópicos como freqüência de absorção na região do infravermelho, n, deslocamentos químicos de RMN-1H e RMN-13C, d, além de constantes de ionização, K, e variação no momento dipolar, µ, são alguns dos parâmetros que podem refletir a influência eletrônica de grupos substituintes sobre as propriedades de um determinado composto químico. Parâmetros como freqüência de absorção na região do infravermelho e deslocamentos químicos de RMN-1H e RMN-13C têm sido empregados com sucesso como descritores estruturais de caráter eletrônico em estudos de QSAR1,3-5,17,28.

Hidrofobicidade e descritores estruturais relacionados

A resposta biológica produzida por compostos bioativos está diretamente relacionada com os mecanismos de absorção, distribuição e atividade intrínseca1,3,19,36. Os processos de absorção e distribuição de fármacos são regulados basicamente pela sua hidrofobicidade, uma vez que é necessário que se dissolvam e atravessem as membranas biológicas que formam os tecidos e sistemas multi-compartimentados dos seres vivos, até que alcancem seus respectivos sítios de ação3,11,19,41,42.

Os trabalhos de Overton43 e de Meyer44, juntamente com as inúmeras correlações encontradas entre a atividade biológica e a hidrofobicidade de compostos bioativos, demonstraram, claramente, que esta propriedade desempenha papel fundamental na bioatividade destes compostos, embora seja apenas uma das várias propriedades físico-químicas que, atuando conjuntamente, determinam a expressão da atividade biológica destes compostos1,3,4,19,36,42.

É importante reconhecer que a hidrofobicidade de um fármaco determina a extensão e velocidade de sua absorção e distribuição, a sua capacidade de ligação ao sítio receptor, bem como a sua biotransformação e excreção. O entendimento destas etapas envolve, por um lado, o conhecimento da estrutura, função e propriedades das membranas biológicas e, por outro, o conhecimento da estrutura e das propriedades físico-químicas do fármaco, como tamanho e forma da molécula, seu grau de ionização e lipossolubilidade relativa de suas formas neutra e ionizada11,19,23,36,41,42.

Um dos principais modelos de membrana biológica adotado em estudos de QSAR é aquele conhecido por mosaico fluido45, que representa as membranas biológicas como uma bicamada contínua de lipídeos polares com proteínas dispersas por toda a sua extensão. Este modelo representa as membranas biológicas como estruturas fluidas, flexíveis, permeáveis à água e impermeáveis a íons e moléculas muito polares.

Muitos fármacos são ácidos ou bases fracas que, quando em solução, apresentam equilíbrio entre suas formas neutra e ionizada. A forma neutra é geralmente mais lipossolúvel e difunde-se através das membranas biológicas por processo passivo, na dependência do gradiente de concentração do sistema e do coeficiente de partição da molécula. A forma ionizada é absorvida por processo ativo e tem sua distribuição condicionada ao seu pKa e ao pH do meio1,3,19,36,42.

Coeficiente de partição

O coeficiente de partição de uma determinada espécie química é definido como sendo a razão entre as concentrações que se estabelecem nas condições de equilíbrio de uma substância química, quando dissolvida em sistema constituído por uma fase orgânica e uma fase aquosa, e está associado à mudança de energia livre provocada pela substância sobre o equilíbrio termodinâmico do sistema3,4,11,20,36,41. Esta relação pode ser expressa pela Equação 9:

em que P é o coeficiente de partição do composto analisado; [orgânica] a concentração do composto na fase orgânica nas condições de equilíbrio; [aquosa] a concentração da substância na fase aquosa nas condições de equilíbrio.

Considerando que o coeficiente de partição é um dos parâmetros físico-químicos mais amplamente utilizado em estudos de QSAR1,11,19,22,23,42 e que sua determinação é freqüentemente necessária, especialistas optaram por definir um sistema de solventes preferencial para a sua obtenção, embora vários sistemas de solventes possam ser empregados46-48. Assim, o sistema 1-octanol/tampão fosfato pH 7,4 é considerado o sistema preferencial para a determinação do coeficiente de partição visando sua aplicação em estudo de QSAR. As principais vantagens do uso do 1-octanol como fase orgânica na determinação do coeficiente de partição são as seguintes1,11,49: possui ampla capacidade de dissolução frente a diferentes compostos químicos; seu grupo hidroxila pode agir como doador ou como receptor de elétrons na formação de ligações de hidrogênio; embora imiscível em água, o 1-octanol tem capacidade para dissolver até 2,3 M de água sob condições de equilíbrio; as ligações de hidrogênio de moléculas solvatadas não necessitam ser quebradas durante sua transferência da fase orgânica para a fase aquosa. Deste modo, os coeficientes de partição determinados em 1-octanol/tampão fosfato refletem apenas as interações hidrofóbicas; não é volátil em temperatura ambiente; é adequado para medição direta na região do UV, uma vez que sua absorção ocorre em comprimento de onda muito abaixo da faixa em que absorve a maioria dos fármacos e é quimicamente estável e está disponível comercialmente.

Entre os diversos métodos disponíveis para a determinação de coeficientes de partição citam-se o método de "shake-flask"1,3,11,20 que, em princípio, é bastante simples e se fundamenta na dissolução de um composto químico em sistema bifásico formado por um solvente polar e um solvente apolar. Cromatografia em camada delgada, CCD, e cromatografia líquida de alta eficiência, CLAE, têm sido bastante utilizadas na determinação dos parâmetros Rf e K', respectivamente. Estas técnicas têm sido aplicadas, com sucesso, na obtenção de coeficientes de partição de compostos com solubilidade consideravelmente maior em uma das fases. O valor Rf relaciona-se com Rm pela Equação 10 e Rm relaciona-se com o coeficiente de partição por meio da Equação 111,3,11,50:

em que Rm é a distância percorrida em relação a um composto padrão; Rf a razão entre as distâncias percorridas pelo composto e pelo eluente; Log P o coeficiente de partição do composto analisado; b o coeficiente linear da equação.

O tempo de retenção em CLAE é quantitativamente descrito pelo fator de capacidade, K', obtido através da Equação 12:

em que K' é o fator de capacidade; tr o tempo de retenção e t0 o tempo de eluição do solvente.

Relação entre Log K' e LogP 1-octanol/tampão 7,4 é possível ser observada aplicando-se a Equação de Collander46. Contudo, a hidrofobicidade expressa em termos de K' é de natureza relativa, uma vez que é necessária a utilização de compostos de referência11,20,50,51. A determinação do coeficiente de partição utilizando ensaios cromatográficos, como CCD ou CLAE, permite certo grau de impureza no soluto, enquanto que o método de "shake-flask" exige substâncias puras para determinação confiável do respectivo coeficiente de partição3,11,20,50.

O parâmetro p de Hansch

Hansch1,38 definiu, analogamente ao parâmetro s de Hammett, o parâmetro p, representando a contribuição hidrofóbica de um determinado substituinte, como sendo a relação logarítmica entre o coeficiente de partição de um composto substituído e o coeficiente de partição de seu análogo não substituído. Esta relação pode ser representada pela Equação 13:

em que pX é o parâmetro que reflete a contribuição hidrofóbica do grupo substituinte, X; PX o coeficiente de partição do composto X-substituído e PH o coeficiente de partição do composto não substituído.

O parâmetro p de Hansch tem sido amplamente utilizado em estudos de QSAR como medida da hidrofobicidade de grupos substituintes, uma vez que mede a contribuição individual destes grupos para o coeficiente de partição da molécula como um todo. A posição do grupo substituinte influi significativamente no valor da constante de hidrofobicidade p, sendo possível observar diferentes valores para um mesmo grupo substituinte em função de sua posição na molécula1,3-5,19,36,42.

A constante ƒ de Rekker

O estudo de QSAR apóia-se na validade do conceito de aditividade1,3,4,11,16,26,47, que assume que todas as sub-estruturas de um composto bioativo contribuem, de modo aditivo e sob influência de sua vizinhança, para a hidrofobicidade do composto. Assim, Rekker9,51,52 considerando este conceito, observou que a aplicação do parâmetro p de Hansch em sistemas contendo cadeias alifáticas resulta em falhas no princípio de aditividade3,11. Por esta razão este autor, revendo a contribuição de grupos substituintes individuais para a hidrofobicidade da molécula, definiu o parâmetro ƒ por meio da Equação 14:

em que LogP é o coeficiente de partição do composto; ƒ a contribuição individual de cada sub-estrutura do composto; a é a freqüência com que um dado fragmento ocorre na estrutura analisada.

A diferença fundamental entre os significados de p e de ƒ é que p se refere a contribuições relativas à substituição do átomo de hidrogênio pelo substituinte X, enquanto que ƒ se refere a contribuições absolutas de substituintes e de sub-estruturas para a lipofilicidade da molécula como um todo. Desta forma, para substituintes em sistemas aromáticos os valores de p e de ƒ são igualmente empregados, enquanto que para sistemas alifáticos apenas o emprego dos valores de ƒ são adequados.

Assumindo-se que o conceito de aditividade pode ser aplicado e considerando as contribuições individuais de cada grupo substituinte ou sub-estrutura para o coeficiente de partição da molécula, Log P, foi possível o desenvolvimento de métodos matemáticos que calculam o coeficiente de partição, CLogP. Estes métodos geralmente utilizam a linguagem "Smiles"4,20 para entrada dos dados estruturais e, a princípio, apresentaram boa concordância com valores experimentais mas, atualmente, já se dispõe de "softwares" que fornecem resultados excelentes dispensando, muitas vezes, a necessidade de determinação experimental. Ocorrem discordâncias, entretanto, em compostos que apresentam anéis aromáticos justapostos ou heterocíclicos e em compostos iônicos1,3,22,23,41,49,50,53.

Estereoquímica e descritores estruturais relacionados

O estudo do aspecto tridimensional de compostos bioativos bem como de seus receptores no sistema biológico é, muitas vezes, decisivo para a compreensão dos mecanismos envolvidos no estabelecimento da atividade biológica desempenhada por estes compostos1,4,8,16.

O conceito atual da teoria de ação de fármacos baseia-se no princípio de ajuste entre a estrutura molecular do fármaco e seu receptor e considera, entre outras propriedades, a flexibilidade presente nas biomacromoléculas envolvidas. Assim, a estereoquímica de compostos bioativos governa os princípios de reconhecimento e discriminação molecular, sendo a estereoseletividade um aspecto importante nesta abordagem1,4,5,19,42.

O estudo de QSAR clássico ou QSAR-2D, apesar de ser metodologia bastante eficaz na investigação das relações quantitativas entre a estrutura química e a atividade de compostos bioativos, apresenta limitação especial em relação à abordagem do aspecto tridimensional das relações fármaco-receptor. Isto ocorre, por um lado, em função do próprio modelo matemático utilizado, a Equação de Hansch3,4 , que sendo de caráter bidimensional não se mostra adequado para a exploração de aspectos estereoquímicos da interação fármaco-receptor e, por outro, os descritores estruturais relacionados com o aspecto tridimensional não expressam adequadamente esta propriedade em duas dimensões. Citam-se, a seguir, alguns dos descritores estruturais propostos para expressar o efeito estérico de grupos substituintes em estudos de QSAR-2D.

A primeira tentativa para a obtenção de um parâmetro estérico que pudesse ser utilizado em estudos de QSAR-2D foi feita por Taft1,3,4. Este autor considerou a hidrólise ácida de acetatos alfa-substituídos como modelo de reação para a definição do parâmetro Es. Este parâmetro foi, então, definido como sendo a relação logarítmica entre as constantes de hidrólise dos correspondentes análogos substituído e não substituído. A utilização deste parâmetro tem sido fortemente criticada, uma vez que outros fatores também influenciam as reações de hidrólise tomadas como padrão1,3-5,16,26,38.

Outro parâmetro estérico utilizado é o volume de van der Waals, Vw, que está relacionado com o relevo de uma determinada estrutura ou sub-estrutura molecular. Este parâmetro pode ser definido como sendo o volume impenetrável por outra molécula, obedecendo a lei da ação das massas. É importante reconhecer que as coordenadas tridimensionais que definem determinada região da molécula podem ser alteradas em função de seu estado físico, resultando, portanto, em restrição no emprego deste parâmetro em estudos de QSAR1,3,4.

A massa molecular, MM, embora seja indiretamente relacionada com o volume da molécula, não expressa convenientemente o seu perfil tridimensional, sendo, apesar disto, também empregada como parâmetro estérico em estudos de QSAR1,3,4.

Verloop e colaboradores54, em 1976, desenvolveram um conjunto de parâmetros que se mostram mais adequados na expressão do aspecto tridimensional de grupos substituintes ou de sub-estruturas. Estes parâmetros, denominados esterimol, foram obtidos pela medida do tamanho do substituinte considerando cinco diferentes direções. Estas distâncias foram calculadas no aplicativo "Sterimol Program", que simula o modelo tridimensional de estruturas ou sub-estruturas moleculares.

Descritores estruturais de caráter misto

Vários outros parâmetros estruturais são descritos na literatura2,3. Entre eles destacam-se a refratividade molar, MR, e a conectividade molecular, c. Estes parâmetros até recentemente eram pouco empregados mas, atualmente, são encontrados com certa freqüência em estudos de QSAR.

Refratividade molar

A refratividade molar, MR, expressa uma propriedade físico-química de caráter constitutivo-aditiva, sendo, portanto, extremamente dependente da estrutura química do composto1-4. Com base nesta propriedade, os valores de MR relativos a sub-estruturas moleculares podem ser determinados experimentalmente pelo emprego da relação de Lorentz-Lorenz1,3, descrita na Equação 15:

em que n é o índice de refração do composto a 20 ºC; d sua densidade a 20 ºC e MM a massa molecular do composto.

Dunn1, em 1977, sugeriu a existência de uma relação entre o valor de MR e a conformação tridimensional da estrutura molecular de fármacos. Assim, a refratividade molar estaria diretamente relacionada ao ajuste da molécula a seu sítio receptor.

Por outro lado, o valor de MR de um determinado grupo substituinte também pode ser relacionado com a sua lipofilicidade expressa pela constante p de Hansch1,3,4. Esta relação resulta em correspondência altamente significativa de valores, uma vez que ambos dependem, em certa extensão, do volume molar, MM/d, do substituinte. Assim sendo, os valores de MR também podem expressar o caráter lipofílico de grupos substituintes e deles depende diretamente, sendo possível haver colinearidade ou ortogonalidade entre eles.

Conectividade molecular

A conectividade molecular, c, é um parâmetro que descreve a estrutura molecular em termos topológicos e se baseia na relação entre o grau de ramificação de compostos químicos e seu coeficiente de partição1-3,42. O índice de conectividade molecular é determinado por dissecção da estrutura molecular em sub-estruturas, sendo a contribuição de cada uma delas determinada por métodos matemáticos auxiliados por computador. Este parâmetro estrutural é artificial e empírico e apresenta grande probabilidade de estabelecer correlações com parâmetros relacionados com a hidrofobicidade, bem como com a refratividade molar1,3.

As boas correlações existentes entre a conectividade molecular, o coeficiente de partição e a refratividade molar demonstram que c pode representar adequadamente o caráter de hidrofobicidade de grupos substituintes, bem como as interações polares intramoleculares. A conectividade molecular tem sido utilizada com relativa freqüência em estudos de QSAR, a despeito de haver controvérsias a respeito da interpretação das correlações obtidas com este descritor estrutural1,3-5,42.

Encontram-se na literatura extensas tabelas que relacionam descritores estruturais e suas constantes para os grupos substituintes mais freqüentemente encontrados na estrutura química de fármacos, considerando sua posição de substituição em anéis benzênicos1-3,50.

ENSAIOS BIOLÓGICOS EM ESTUDOS DE QSAR

A qualidade das relações lineares de energia livre está diretamente relacionada à natureza e precisão dos descritores estruturais considerados. Em linhas gerais, pode-se dizer que em estudos de QSAR o significado estatístico das correlações obtidas será tanto maior quanto mais precisas e exatas forem as medidas de atividade biológica, uma vez que os descritores estruturais, em geral, podem ser medidos com alto grau de precisão1,3,5.

Os parâmetros biológicos expressam, geralmente, a atividade de compostos biologicamente ativos em termos de potência. Esta, por sua vez, pode ser definida como sendo o inverso da dose ou concentração necessária para a obtenção de uma determinada resposta biológica. Desta forma, quanto menor for a dose necessária para a obtenção de determinada resposta biológica, maior será a potência do composto analisado1,3,4,19,36,42.

A estimativa da potência de compostos bioativos é obtida por meio de ensaios biológicos, cuja aplicação se estende desde a seleção de novos compostos químicos de interesse terapêutico até a avaliação de sua eficácia, incluindo a análise de toxicidade. Os ensaios biológicos podem ser classificados em ensaios qualitativos, quantais e quantitativos5,7,36.

Os ensaios qualitativos visam a seleção e identificação de substâncias químicas dotadas de alguma atividade biológica em misturas ou em extratos de tecidos vegetais ou animais. A importância deste tipo de ensaio está vinculada à pesquisa de novos compostos químicos que possam despertar algum interesse farmacológico, bem como à identificação de contaminantes bioativos em formulações farmacêuticas.

Os ensaios quantais baseiam-se no aparecimento ou não de uma determinada resposta em sistemas biológicos tratados com um composto bioativo, sem, no entanto, quantificar o efeito observado. Por outro lado, é possível determinar a dose mínima do composto analisado que desencadeia este efeito. Exemplos típicos da aplicação de ensaio são as determinações de dose eficaz 50%, DE50 , dose letal 50%, DL50 , e concentração inibitória mínima, CIM.

O emprego de ensaios quantitativos visa a medida do efeito ou resposta desencadeada por um determinado composto bioativo frente a uma dose previamente estabelecida do mesmo, sendo a resposta biológica proporcional à dose utilizada1,3,5,19,36. Neste tipo de ensaio observam-se nas curvas dose-resposta que apenas a faixa situada entre 20 e 80% do efeito máximo é função linear do logaritmo da dose, uma vez que o perfil desta curva apresenta aspecto sigmóide. Apesar desta limitação, curvas dose-resposta são aceitas para finalidades práticas dentro dos limites desta faixa.

O planejamento de ensaios biológicos visando a determinação da potência de compostos bioativos baseia-se, geralmente, na análise de curvas que representam determinada resposta padrão em função de diferentes doses do composto1,3,5,36. Ensaios biológicos fundamentados na observação de determinada resposta biológica frente a uma única dose podem resultar em erros, como por exemplo a observação de inatividade do composto na dose analisada. Este problema ocorre quando a dose está abaixo do limiar necessário para o desencadeamento da resposta biológica. Assim, infere-se que diferentes compostos podem desencadear a resposta biológica máxima, podendo diferir drasticamente em termos de potência3,5,19,36.

A potência de compostos bioativos também pode ser determinada por meio de curvas tempo-resposta. Esta análise é particularmente adequada para avaliação da atividade de compostos administrados por via oral, nos quais o tempo necessário para o desencadeamento da resposta biológica varia para cada análogo a um composto padrão, ou ainda para compostos com tempos de duração de ação diferenciados. Neste tipo de ensaio, cada análogo é administrado em várias doses e a resposta biológica é observada em diferentes intervalos de tempo. Constrói-se, então, com estes dados e para cada dose administrada, uma curva da resposta em função do tempo e calcula-se a área sob a curva. A seguir, constrói-se um gráfico considerando os valores das áreas sob as curvas em função do logaritmo das respectivas doses. A potência relativa dos vários análogos passa a ser, portanto, o inverso da dose necessária para produzir uma determinada resposta biológica3,19,36.

Parâmetros biológicos

A determinação da atividade de compostos bioativos para emprego em estudos de QSAR exige a quantificação da dose ou do efeito desencadeado pelo composto testado. Com relação à dose, encontram-se na literatura, com freqüência, estudos envolvendo a potência de compostos bioativos, expressa por meio do logaritmo do inverso da concentração molar, Log 1/C1,3. Entre os parâmetros biológicos mais freqüentemente utilizados em estudos de QSAR encontram-se a dose eficaz 50%, DE50, a dose letal 50%, DL50, e a concentração inibitória mínima, CIM. Em estudos de QSAR também é freqüente avaliar a potência de compostos bioativos mediante ensaios quantitativos, ou seja, por meio da determinação de curvas dose-resposta ou curvas tempo-resposta. Este procedimento é particularmente freqüente quando se deseja obter informações a respeito do perfil farmacodinâmico dos compostos pesquisados1,3,5,19,36,42.

ANÁLISE DE HANSCH

A interação de um fármaco com seu receptor pode, em princípio, ser descrita em termos de energias envolvidas nesta interação. A atividade biológica está, assim, associada às mudanças de energia livre que ocorrem nos processos de absorção, distribuição e biotransformação ou à própria interação fármaco-receptor. A resposta biológica pode ser expressa, portanto, através de uma função complexa envolvendo as características estruturais de um determinado fármaco e de sua concentração no sítio receptor1,3,19,36,42.

O estabelecimento de relações quantitativas estrutura-atividade, QSAR, assume que a atividade biológica está relacionada à variação de energia livre, DG, envolvida na interação fármaco-receptor1,3,5,19,35,36,42 . Essa variação pode ser decomposta em termos independentes e aditivos relacionados às propriedades físico-químicas de determinado composto biologicamente ativo. Em uma série de compostos análogos interagindo com o sistema biológico, as variações de energia livre envolvidas podem ser expressas pela Equação 16 36:

em que DG é a variação de energia livre; a, b, c correspondem à contribuição de cada termo e DGE, DGH e DGS são variações de energia livre associadas às propriedades físico-químicas que influenciam a atividade biológica.

Segundo o modelo proposto por Hansch e Fujita12, em 1964, os termos da Equação 16 podem ser expressos por parâmetros que medem a influência de cada uma das propriedades físico-químicas envolvidas na determinação da atividade biológica, como demonstrado na Equação 17:

em que AB é a atividade biológica; s, p e Es são constantes de substituintes referentes aos efeitos eletrônico, hidrofóbico e estérico, respectivamente; a, b, c expressam a contribuição de cada propriedade para a atividade biológica; d é uma constante.

Estes autores combinaram diferentes descritores estruturais em uma equação linear, Equação 18, conhecida por Equação de Hansch, em que C é a concentração molar que produz determinado efeito biológico, Log 1/C a potência biológica e a, r e b são coeficientes determinados pela análise de regressão para o conjunto de dados. O estabelecimento desta equação é considerado como ponto de partida para o estudo atualmente reconhecido como Análise de Hansch:

O próprio Hansch, revendo seus estudos8,12,15, propôs a extensão do modelo linear, Equação 18, para o modelo parabólico, Equação 19, pela introdução de termo quadrático relacionado à hidrofobicidade. A idéia envolvida na concepção deste modelo é que a atividade biológica depende linearmente das propriedades físico-químicas somente dentro de certos limites e, por outro lado, moléculas muito hidrofílicas não são capazes de atravessar barreiras muito hidrofóbicas ou vice-versa. Assim, considerando a farmacocinética, este modelo estaria mais próximo do que ocorre na biofase, expressando mais adequadamente o crescimento da atividade biológica com a hidrofobicidade até um máximo, a partir do qual, com o aumento desta propriedade, a atividade biológica tende a decrescer, descrevendo o perfil parabólico da curva.

Kubinyi21, em 1977, desenvolveu o modelo bilinear, Equação 20, que, em alguns casos, tem mostrado melhor ajuste aos dados experimentais na expressão de relações quantitativas entre a estrutura química e a atividade biológica, quando comparado ao modelo parabólico. Isto se deve ao termo bilinear, b, que assume caráter probabilístico e descreve o movimento do composto em sistemas multicompartimentados, como o sistema biológico, no qual a potência do composto analisado é fortemente dependente de seu coeficiente de partição, P. Considerando o perfil do modelo bilinear observa-se que nos segmentos ascendente e descendente este modelo assume características do modelo linear, enquanto que em seu máximo o perfil da curva se aproxima ao modelo parabólico. Apresentam-se na Figura 1 os perfis dos modelos linear, parabólico e bilinear.


Com a introdução de modelos multiparamétricos tornou-se possível descrever dependências complexas da atividade biológica em relação às propriedades físico-químicas de compostos bioativos. Estes modelos descrevem matematicamente, por meio de regressão linear, não-linear ou linear múltipla3,4, as relações entre a estrutura e a bioatividade de compostos químicos e, como neste estudo os descritores estruturais utilizados, em sua maioria, são relacionados às variações lineares de energia livre, isto é, derivam de constantes de equilíbrio ou de velocidade, surgiram sinônimos para a Análise de Hansch como Método de Energia Livre Linear, Método Extratermodinâmico e, mais recentemente, QSAR-2D, já que o estudo considera apenas duas dimensões, ou seja, atividade biológica em função de propriedades físico-químicas.

Delineamento de séries para o estudo de QSAR por Análise de Hansch

A metodologia mais adequada para a escolha de grupos substituintes visando o delineamento de série de compostos análogos para o estudo de QSAR por Análise de Hansch é o Diagrama de Craig55. Este método está fundamentado na análise de intercorrelação de parâmetros físico-químicos e baseia-se na construção de diagramas que relacionam os descritores estruturais analisados em uma distribuição cartesiana.

Craig55, em 1971, estudando as relações entre descritores estruturais demonstrou que a constante de hidrofobicidade p é estatisticamente independente das constantes e Á, Â e s. Com base nestes estudos e na necessidade de selecionar grupos de substituintes apropriados para estudos de QSAR, propôs um diagrama, em duas dimensões, cujas coordenadas são descritores estruturais independentes. O Diagrama de Craig é freqüentemente utilizado e fundamenta muitas das mais avançadas técnicas de planejamento de séries para o estudo de QSAR4,5,8,56. A Figura 2 mostra o Diagrama de Craig para os descritores estruturais s e p.


A escolha adequada de grupos substituintes na definição de séries para o estudo da atividade biológica em função de dois descritores estruturais1,3 deve ser feita buscando a maior dispersão possível no diagrama, isto é, deve-se selecionar substituintes em quadrantes diferentes incluindo os grupos -CH3, -NO2, -Cl ou -Br, -H, -NH2 ou -N(CH3)2. Se, contudo, o objetivo é analisar a influência de uma única propriedade físico-química sobre o efeito biológico analisado, deve-se escolher substituintes situados nas proximidades de uma linha imaginária paralela ao eixo da propriedade a ser analisada. Na escolha dos substituintes pelo Diagrama de Craig, deve-se evitar a colinearidade entre parâmetros evitando, assim, a obtenção de correlações não significativas. Por outro lado, a definição planejada de um conjunto de grupos substituintes minimiza o número de compostos a serem sintetizados e/ou avaliados quanto à atividade biológica e, principalmente, permite uma interpretação válida da tendência de correlação.

Assim sendo, considera-se que o sucesso de um estudo de QSAR por Análise de Hansch é medido tanto pela validade estatística da correlação, como pela escolha adequada dos grupos substituintes envolvidos na sua construção, o que, em conjunto, determina a capacidade preditiva do estudo.

O delineamento racional de um conjunto de grupos substituintes, no entanto, além de suas características de hidrofobicidade e de distribuição eletrônica deve considerar o efeito estérico inerente a cada grupo. Assim, Craig e Austel19, revendo esta questão, propuseram a extensão do diagrama original para uma representação tridimensional considerando o efeito estérico. A Figura 3 representa a distribuição espacial de grupos substituintes considerando suas características de hidrofobicidade, distribuição eletrônica e volume.


Desenvolvimento do estudo

A definição de uma série adequada ao estudo de QSAR envolve a identificação de um composto que possua apenas algumas das propriedades biológicas esperadas para um melhor desempenho biológico. A otimização das propriedades biológicas deste composto, composto líder ou padrão, é alcançada a partir de estudos sistemáticos. Considerando a abordagem de Hansch, o estudo de QSAR em uma série de compostos análogos envolve a estratégia representada na Figura 4.


O planejamento adequado de variações na estrutura de um composto bioativo pode resultar em derivados com maior interesse terapêutico, seja por apresentar maior atividade, menor toxicidade ou, ainda, por adquirir características farmacotecnicamente mais adequadas8,55. Assim, a análise das correlações entre descritores estruturais e a atividade biológica desempenhada em uma série de compostos análogos permite, dentro de certos limites1,3,5, a previsão da atividade biológica de análogos ainda não disponíveis por meio da interpolação ou extrapolação de valores na correlação obtida. Por outro lado, dentro dos limites estatísticos de confiança da correlação, previsões interpolativas são freqüentemente utilizadas na avaliação da eficiência do modelo proposto.

A Análise de Hansch em séries adequadamente planejadas e com valor preditivo confiável3-5 permite a previsão quantitativa da atividade biológica de análogos a um composto líder ou padrão e, conseqüentemente, o planejamento de novos análogos com grande economia de tempo e investimento.

A decisão de continuar ou interromper o programa de síntese em um estudo de QSAR pode ser auxiliada pela análise da equação obtida a partir de dados parciais. Assim, a introdução de novos análogos na série pode ser interrompida quando, por exemplo, o composto de maior atividade já se encontra incluído entre os análogos testados.

O valor preditivo das correlações obtidas em estudos de QSAR somente é válido para compostos com estrutura análoga aos componentes da série analisada e dentro da faixa de valores dos descritores estruturais utilizados na definição da correlação. Segundo Martin5, a série ideal de análogos a um composto padrão não é, necessariamente, aquela constituída pelo menor número de compostos, mas aquela que possa assegurar que o composto mais ativo da série esteja incluído ou seja sugerido pela análise. Por outro lado, o não estabelecimento de uma relação de energia livre com os dados obtidos sugere que a série não foi bem delineada ou que outros parâmetros devem ser considerados na correlação.

O estudo das relações entre a estrutura química e a atividade biológica de fármacos tem contribuído significativamente com a geração de novos conhecimentos acerca da contribuição quali e quantitativa de propriedades físico-químicas que influenciam a ação de fármacos. Por outro lado, também tem contribuído de forma importante com a otimização do desempenho de fármacos já existentes, conhecimentos estes que estão sendo cada vez mais utilizados ou absorvidos pela indústria farmacêutica. Ressalta-se que a perspectiva do estudo e desenvolvimento na área de QSAR é bastante ampla, especialmente na área de planejamento de novos fármacos, em que há, ainda, muito a ser explorado.

Aplicação de "softwares" em Análise de Hansch

O estabelecimento de relações quantitativas entre a estrutura química e a atividade de compostos bioativos por Análise de Hansch envolve a definição de equações matemáticas simples ou multiparamétricas, envolvendo correlações entre atividade biológica e descritores estruturais com base nos modelos linear, parabólico e bilinear. A definição destas equações, a partir do conjunto de dados experimentais é normalmente obtida com auxílio de computador. As equações lineares ou parabólicas podem ser obtidas com a aplicação da maioria das planilhas de cálculo disponíveis no mercado; no entanto, a obtenção de equações bilineares só pode ser feita com a utilização de "softwares" mais sofisticados ou desenvolvidos para esta finalidade.

Após a formulação do modelo bilinear, Kubinyi observou grande dificuldade entre os pesquisadores para a obtenção de correlações com base neste modelo. Visando solucionar o problema, este autor, em 1994, desenvolveu um "software" a que chamou de "Billin Program", especialmente adaptado para o estudo de QSAR por Análise de Hansch, facilitando grandemente a obtenção de correlações envolvendo os modelos linear, parabólico e bilinear permitindo, inclusive, a obtenção e visualização amigável dos parâmetros estatísticos, depreendidos da correlação, considerados importantes para a avaliação da adequação do modelo aos dados experimentais. Considerando o grande número de correlações que devem ser investigadas em uma Análise de Hansch, o "Billin Program" permite também a comparação sistemática entre correlações obtidas considerando os diferentes modelos matemáticos, resultando em racionalização na pesquisa da melhor correlação, com grande economia de tempo. Este aplicativo foi atualizado em 1998 e disponibilizado pelo autor para uso irrestrito pela comunidade científica, juntamente com seu tutorial e alguns exemplos de aplicação.

Desenvolvimento de estudos de QSAR e geração de compostos líderes

O desenvolvimento adequado de um estudo de QSAR por Análise de Hansch ou QSAR-2D vai além da síntese e determinação da atividade biológica de uma série de compostos análogos. O planejamento de séries adequadas para o estudo de QSAR-2D envolve o conhecimento profundo das possibilidades e limitações dos possíveis modelos a serem aplicados, bem como a escolha planejada do grupo de compostos a ser estudado, envolvendo a escolha criteriosa dos grupos substituintes e definição do local onde estes serão inseridos na molécula, de forma a obter a maior variação possível em termos de propriedades físico-químicas. Por outro lado, a escolha adequada dos descritores estruturais depende fundamentalmente do objetivo do estudo devendo-se evitar, em estudos que envolvam equações multiparamétricas, a colinearidade entre parâmetros que serão utilizados em conjunto. Com relação à atividade biológica recomenda-se que, para testes in vivo, em termos de log 1/C, a variação entre os compostos de maior e menor atividade seja de pelo menos uma unidade logarítmica3,4,48.

A qualidade e/ou capacidade preditiva da correlação obtida no desenvolvimento do estudo de QSAR é verificada através da análise de um conjunto de parâmetros que expressam a validade estatística da regressão, como o número de compostos, n, o coeficiente de correlação, r, e o coeficiente de significância de Fischer, F. Parâmetros estatísticos associados a procedimentos de validação cruzada como o q2 e o sPRESS também são freqüentemente utilizados3. Vários outros parâmetros estatísticos podem ser utilizados, mas, em geral, a regressão é aceita quando atende aos seguintes critérios: coeficiente de correlação, r, > 0,90 para ensaios in vitro e 0,80 para ensaios in vivo; o desvio padrão, s, da correlação não deve ser maior do que o desvio padrão dos dados biológicos, não devendo ser superior a 0,3 para testes in vivo. Para testes in vitro este critério é mais rigoroso; para cada propriedade físico-química explorada precisa-se de, no mínimo, cinco compostos e a variação de cada termo da equação não deverá ser maior que o valor absoluto do próprio coeficiente25,29,57.

Sabe-se que o estudo de QSAR-2D é voltado principalmente para a maximização da atividade biológica de compostos líderes, no entanto não se deve desconsiderar a possibilidade de identificação de análogos que, em função de suas propriedades físico-químicas e/ou biológicas, possam vir a ser considerados líderes em uma nova abordagem. É certo, no entanto, que o QSAR-2D muitas vezes subsidia estudos de QSAR-3D e de Modelagem Molecular que, em conjunto ou isoladamente, objetivam, principalmente, a identificação de compostos líderes1,3,19,42,58,59.

QSAR E DESCOBERTA DE NOVOS FÁRMACOS

A descoberta de um fármaco com estrutura completamente nova demanda de 10 a 15 anos de esforço de equipes multidisciplinares, envolvendo investimentos em torno de 500 milhões de dólares, segundo informação divulgada no XVII International Symposium on Medicianal Chemistry - Barcelona, em 200248,58. Em contrapartida, a utilização de ferramentas como CADD, "Computer Aided Drug Design"1,3,4,6,7,10,13,18,19,42,59, considerada atualmente como uma das mais importantes contribuições na área da Química Medicinal, com inserção nas áreas de biologia molecular, biofísica, farmacologia, entre outras, pode otimizar o desempenho de fármacos já conhecidos pela aplicação de diferentes técnicas desenvolvidas para essa finalidade1,3-5,19,36,42,48,59. Neste sentido e apesar da grande dificuldade de identificação e introdução de um fármaco novo no mercado, os métodos atuais de busca de novos fármacos contam com forte contribuição dos estudos de QSAR que visam a identificação de compostos líderes e dão embasamento físico-químico para o planejamento de análogos mais específicos, com maior atividade intrínseca ou com melhor perfil farmacológico, aumentando, desta forma, as chances de sucesso de inserção de novos fármacos no arsenal terapêutico.

6. Tute, M. S. Em Ref. 1, cap. 17.1.

7. Weininger, D.; Weininger, J. L. Em Ref. 1, cap. 17.3.

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18. Venuti, M. C. Em Ref. 11, cap. 16.

20. Leo, A. J. Em Ref. 1, cap. 18.7.

37. Fujita, T. Em Ref. 1, cap. 21.1.

41. Taylor, P. J. Em Ref. 1, cap. 18.6.

42. Wolff, M. E. Em Ref. 13, cap. 12.

56. Pleiss, M. A.; Unger, S. H. Em Ref. 1, cap. 21.2.

Recebido em 16/4/03; aceito em 9/10/03; publicado na web em 27/05/04

e-mail: leoberto@usp.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2004

Histórico

  • Aceito
    09 Out 2003
  • Recebido
    16 Abr 2003
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