Acessibilidade / Reportar erro

Construção e avaliação de célula de fluxo para estudo da tensão interfacial dinâmica da interface fluxo líquido - sólido por despolarização da fluorescência

Development of a flow cell to study dynamic interfacial tension of solid-liquid flow by fluorescence depolarization

Resumo

A simple low-cost flow cell was developed, built and optimized in order to observe dynamic interfacial tension of continuous flow systems. Distinct materials can be used in one of the cell walls in order to observe the intermolecular forces between the flowing liquid and the chemical constitution of the walls. The fluorescence depolarization was evaluated using Rhodamine B as fluorescent probe seeded in ethylene glycol. The effects of the positioning angles on the data acquired across the cell are reported. The reproducibility of the data was evaluated with a spectrometer assembled in-house and the relative standard deviation was below 3%.

flow cell; fluorescence polarization; multivariate analysis


flow cell; fluorescence polarization; multivariate analysis

NOTA TÉCNICA

Construção e avaliação de célula de fluxo para estudo da tensão interfacial dinâmica da interface fluxo líquido – sólido por despolarização da fluorescência

Development of a flow cell to study dynamic interfacial tension of solid-liquid flow by fluorescence depolarization

Martha T. P. O. Castro* * e-mail: pantoja@ufba.br ; Cristina M. Quintella

Instituto de Química, Universidade Federal da Bahia, Campus Universitário de Ondina, 40170-290 Salvador - BA

ABSTRACT

A simple low-cost flow cell was developed, built and optimized in order to observe dynamic interfacial tension of continuous flow systems. Distinct materials can be used in one of the cell walls in order to observe the intermolecular forces between the flowing liquid and the chemical constitution of the walls. The fluorescence depolarization was evaluated using Rhodamine B as fluorescent probe seeded in ethylene glycol. The effects of the positioning angles on the data acquired across the cell are reported. The reproducibility of the data was evaluated with a spectrometer assembled in-house and the relative standard deviation was below 3%.

Keywords: flow cell; fluorescence polarization; multivariate analysis.

INTRODUÇÃO

Células espectrofotométricas para determinações em fluxo são de grande importância pois podem servir para estudar processos que ocorrem em sistemas biológicos, dutos industriais e sistemas químicos de bancada. Porém, os efeitos devidos à interface1 não têm sido levados em conta. Tal situação é de extrema importância em sistemas reativos. Por exemplo, a velocidade de uma reação heterogênea é função, dentre diversos parâmetros, da orientação em que as colisões entre as moléculas ocorrem nas interfaces2. Além disso, a análise em fluxo pode monitorar tanto reações por meio do acompanhamento das concentrações de produtos e reagentes (energias da ordem de 50 Kcal mol-1) como também interações em interfaces através da orientação intermolecular (energias de até » 2 Kcal mol-1)3,4.

Despolarização fluorescente é uma técnica bem estabelecida que usa a polarização da fluorescência induzida por laser (PLF) para observar alinhamento intermolecular5. Foi recentemente demonstrado que é sensível à tensão interfacial dinâmica ao monitorar fluxos líquidos em jatos laminares6,7, filmes finos8-11 e em células de fluxo12,13.

Usualmente, para medidas espectrofotométricas, têm sido empregadas células comerciais nas faixas de ultravioleta a infravermelho, que utilizam cubetas de fluxo contínuo retangulares com entrada e saída do fluido na mesma face da célula e construídas em vidro, quartzo ou plástico14. Existem também células especialmente construídas15-17 que, pela sua geometria, podem gerar turbulência no fluxo ou na região de amostragem, o que as torna inadequadas para as medidas de PLF e, além disso, tais células não permitem a diversificação de materiais em sua construção. Diversos modelos de células de fluxo foram patenteados nos últimos anos18-20, porém tais modelos têm como objetivo a medida da luz emitida ou absorvida pela amostra sem levar em conta sua polarização. Além disto, como as células anteriormente descritas, estas células são constituídas de apenas um tipo de material o que inviabiliza sua utilização para a obtenção de informações em função da constituição química da interface líquido-sólido.

Neste trabalho descreve-se o desenvolvimento e a construção de células de fluxo de baixo custo, adequadas para medidas de PLF e que permitem a utilização de materiais de diferentes constituições químicas. O sistema químico monitorado foi a medida da polarização da fluorescência da Rodamina B em fluxo de etileno glicol, o que permitiu a avaliação de interações na interface líquido-sólido deste fluido com superfícies de diferentes constituições químicas.

PARTE EXPERIMENTAL

Reagentes e soluções

Monoetilenoglicol (MEG) da Merck catálogo nº 10921 (99,5%); Rodamina B da Merck (grau analítico) foi usada como sonda fluorescente.

Solução de Rodamina B em Monoetilenoglicol (MEG) 1,9 X 10-3 mol L-1, preparada dissolvendo 0,85 g de Rodamina B em 50 mL de metanol e completando-se o volume para 1,000 L com MEG.

EQUIPAMENTO

Foi utilizado um espectrômetro construído no laboratório para a linha laser PLF (Figura 1). Nesta montagem utilizou-se um laser contínuo de argônio (Coherent Inova60) no comprimento de onda de 514,5 nm e a 30 mW. A luz do laser, refletida por um espelho (M), é dividida em duas por um divisor de feixe de luz de laser (BS) gerando um feixe de luz para o espectrômetro e outro, que é coletado no fotodiodo 1 (PD1) que produz o sinal de referência. Garante-se 100% de luz polarizada quando a luz do laser atravessa o polarizador (P1) e, em seguida, atinge a amostra (FI). Utilizando-se o polarizador (P2) são selecionadas as componentes verticais e horizontais da fluorescência que são coletadas pelo fotodiodo 2 (PD2), que gera um sinal posteriormente armazenado em um PC. As lentes biconvexas (L1 e L2) focam o feixe de luz na amostra e no fotodiodo (PD2), respectivamente. O filtro (F) com corte em 550 nm bloqueia a radiação do laser.


A posição da célula foi variada uniformemente (passo = 2 x 10-2 mm) em relação à direção do feixe de laser (10 µm de precisão e 0,1% de reprodutibilidade), utilizando um posicionador construído no laboratório e controlado remotamente por PC.

Um programa em Visual Basic gerencia o posicionamento da célula e a aquisição de dados em tempo real através da interface (I).

Descrição da célula de fluxo

As células de fluxo (Figura 2, à esquerda) foram desenvolvidas e otimizadas no laboratório. Elas consistem de duas placas justapostas de 76 por 25 por 1,1 mm com 1,1 mm de distância entre si, sendo esta dimensão definida por espaçadores laterais de vidro. A placa frontal de vidro consiste na janela ótica e a placa traseira, na superfície a ser estudada. A seção perpendicular ao fluxo é retangular, tendo 13 por 1,1 mm. O eixo ótico corresponde a 1,1 mm de espessura. A célula foi selada com Superbonder®. A entrada (topo) e a saída (base) da célula se dão através de dois tubos de polipropileno com 3,8 mm de diâmetro interno. Estes tubos foram conectados ao corpo da célula (Figura 2) e, quando esta foi envolvida com resina poliéster, o diâmetro do tubo (3,8 mm) que excede a espessura da célula (3,3 mm) foi recoberto pela resina, de forma que apenas a janela ótica ficou exposta. A resina poliéster forma uma capa em torno da célula e sela o tubo de diâmetro de 3,8 mm (Figura 3). A célula operou com pressões de até 10 psi e vazão de 3,4 mL s-1 (0,20 cm s-1).



A célula é fixada ao sistema automático de aquisição de dados por meio de parafusos (Figura 3), na parte inferior da capa de poliéster. É então posicionada no caminho ótico do laser. Para cada superfície trabalhada foi construída uma célula. Os materiais utilizados são de fácil manipulação e baixo custo, o que permitiu a rápida construção de diversas células para a avaliação de diversos materiais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O desempenho da célula de fluxo foi acompanhado através da reprodutibilidade das medidas efetuadas e da sensibilidade das medidas de polarização com relação à constituição química do material utilizado. Foi também avaliado o efeito do posicionamento da célula no campo da fonte de radiação.

Nas células de fluxo descritas neste trabalho já foram estudados vidro, dióxido de estanho depositado em vidro (10 nm de espessura) e os polímeros polietileno de alta densidade (PEAD), polipropileno (PP) e acetato de vinila com 28% de oxigênio (EVA 28), entre outros.

Efeito do posicionamento da célula

Foi utilizada a célula com as duas janelas em vidro. Ela foi posicionada no ponto (FI) na linha ótica de aquisição de dados (Figura 1) e as medidas foram feitas ao longo de toda a largura da célula (13 mm). As medidas de polarização21,22 são obtidas utilizando-se a equação P = (I// - I^) / (I// + I^), onde I// e I^ são, respectivamente, as componentes da fluorescência emitida paralela e perpendicular com relação à polarização do laser.

Foi então alterada a distância focal por meio de rotação em torno dos eixos vertical y (ângulo a) e horizontal x (ângulo b) da célula (Figura 2 – à direita), sendo a fluorescência coletada frontalmente na direção z. Quando foi feita uma rotação em b, inclinando a célula para frente ou para trás, observou-se assimetria na curva da fluorescência emitida (Figura 4 – A1 e A2, respectivamente). Quando foi feita uma rotação em a, observou-se alteração do perfil de fluorescência (Figura 4 – B1 e B2). Estes efeitos são devidos à influência dos ângulos a e b na distância focal que deixa de ser a mesma ao longo de toda a largura da célula e, conseqüentemente, o denominador da equação da polarização (I// + I^) deixa de ser constante ao longo de toda a célula. Desta forma, se a distância focal for alterada, a polarização variará não devido à química envolvida no sistema e sim como conseqüência da geometria de detecção. Na Figura 4 – C1 é mostrado o perfil de polarização para a = 0º e b = 0º. Pode-se observar que a polarização independe da posição lateral da célula.


Reprodutibilidade

Para a célula onde ambas as placas são constituídas de vidro, foi efetuada uma varredura com 1100 medidas ao longo do eixo x na Figura 2. Observa-se que as medidas efetuadas apresentam elevada reprodutibilidade com polarização média de 15,5 ± 0,2% e desvio padrão inferior a 3%. Comprova-se então que o alinhamento entre as moléculas para uma mesma célula não se altera, sendo a medida reprodutiva.

Sensibilidade à constituição química da parede da célula

Os perfis de polarização obtidos para diferentes superfícies foram ordenados em uma matriz onde as linhas correspondem às células e as colunas, às varreduras de polarização efetuadas. A matriz de dados foi autoescalada e efetuou-se uma análise hierárquica de agrupamentos (HCA)23. Foi obtido grau de similaridade de 0,95 para as superfícies oxigenadas (SnO2 e EVA 28) e 0,89 para as superfícies carbonadas (PP e PEAD). O grau de similaridade entre estes dois grupos foi de 0,75. Desta forma, vê-se que a célula construída é sensível a alterações na constituição química do material utilizado nas suas paredes.

CONCLUSÕES

A célula, cuja construção e otimização são aqui descritas, tornou possível efetuar medidas de polarização confiáveis, apresentando tanto boa reprodutibilidade como sensibilidade a medidas de polarização, com relação a paredes de célula de materiais com constituições químicas diferentes. Isto torna possível a avaliação de interações dinâmicas na interface fluxo sólido – líquido para sistemas químicos de interesse. Além disso, apresenta vantagens tais como: o baixo custo dos materiais utilizados; a leveza proporcionada pela escolha dos materiais que torna possível sua utilização em sistemas automatizados simples de aquisição de dados; pode-se utilizar pressões até 10 psi sem que ocorra vazamento do fluido; permite realizar estudos de tensão interfacial dinâmica.

A célula pode ser ainda utilizada para medidas de fluorescência total, permitindo determinações quantitativas de substâncias diversas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte financeiro e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pela bolsa de pesquisa de desenvolvimento regional concedida a M. T. P. O. Castro.

18. http://isi8.isiknowledge.com/portal.cgi?DestApp=DII&Func=Frame http://v3.espacenet.com/textdoc?DB=EPODOC&IDX=EP1225439, acessada em Maio 2004.

19. http://v3.espacenet.com/textdoc?DB=EPODOC&IDX=JP2002050817, acessada em Maio 2004.

20. http://v3.espacenet.com/textdoc?DB=EPODOC&IDX=DE19911011http: //isi8.isiknowledge.com/portal.cgi?DestApp=DII&Func=Frame, acessada em Maio 2004.

Recebido em 8/1/04; aceito em 3/9/04; publicado na web em 17/2/05

  • 1. Adamson, A. W.; Gast, A. P.; Physical Chemistry of Surfaces, John Wiley & Sons Inc.: New York, 1997.
  • 2. Morrison, R. T.; Boyd, R. N.; Organic Chemistry, 13th ed., Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 1996.
  • 3. Mahan, B. H.; Química, 2Ş ed., Editora Edgard Blücher: São Paulo, 1972.
  • 4. Atkins, P. W.; Physical Chemistry, 5Ş ed., Oxford University Press: Oxford, 1994.
  • 5. Feofilov, P. P.; The Physical Basis of Polarized Emission, Consultants Bureau: New York 1961.
  • 6. Quintella, C. M.; Musse, A. P. S.; Gonçalves, C. C.; McCaffery, A. J.; Exp. Fluids 2003, 35, 41.
  • 7. Quintella, C. M.; Musse, A. P. S.; Gonçalves, C. C.; J. Phys. Chem. B 2004, 108, 2751.
  • 8. Quintella, C. M.; Gonçalves, C. C.; Pepe, I.; Lima, A. M. V.; Musse, A. P. S.; J. Braz. Chem. Soc. 2001, 12, 780.
  • 9. Quintella, C. M.; Gonçalves, C. C.; Pepe, I.; Lima, A. M. V.; Musse, A. P. S.; Autom. Meth. Manag. Chem. 2002, 24, 31.
  • 10. Quintella, C. M.; Gonçalves, C. C.; Castro, M. T. P. O.; Pepe, I.; Musse, A. P. S.; Lima, A. M. V.; J. Phys. Chem. B 2003, 107, 8511.
  • 11. Quintella, C. M.; Lima, A. M. V.; Gonçalves, C. C.; Watanabe, Y. N.; Mammana, A. P.; Schreiner, M. A.; Pepe, I.; Pizzo, A. M.; J. Colloid Interface Sci. 2003, 262, 221.
  • 12. Quintella, C. M.; Lima, A. M. V.; Mammana, A. P.; Schreiner, M. A.; Pepe, I. M.; Watanabe, Y.; J. Colloid. Interface Sci 2004, 271, 201.
  • 13. Quintella, C. M.; Castro, M. T. P. O.; Patente célula de fluxo-protótipo; MU8302649-5 INPI/BA; Depósito em 12/03/2003.
  • 14
    http://www.polymerlabs.com/gpc/ftircell.htm, acessada em Dezembro 2003.
  • 15. Oliveira, P. C. C.; Gouveia, V. J. P.; Masini, J. C.; Quim. Nova 2001, 24, 399.
  • 16. Reis, B. F.; Rocha, F. R. P.; Teixeira, L. S. G.; Costa, A. C. S.; Korn, M.; Quim.Nova 2000, 23, 116.
  • 17. Hurst, W.S.; Hodes, M.S.; Bowers jr, J.E.; Griffith, P.; Smith, K.A.; J. Supercrit. Fluids 2002, 22, 157.
  • 21. Kenyon, A. J.; McCffery, A. J.; Quintella, C. M.; Mol. Phys. 1991a, 72, 965.
  • 22. Kenyon, A. J.; McCffery, A. J.; Quintella, C. M.; Winkel, J. F.; Mol. Phys. 1991b, 74, 871.
  • 23. Matthias, O.; Chemometrics: statistics and computational in analytical chemistry, Wiley VCH Verlag GmbH: Weinheim, 1999.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Aceito
      17 Fev 2005
    • Revisado
      03 Set 2004
    • Recebido
      08 Jan 2004
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br