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Geoquímica das águas da bacia hidrográfica do Rio Descoberto, Brasília/DF - Brasil

Geochemistry of the waters of the Descoberto River hydrographic basin, Brasília/DF - Brazil

Resumo

The objective of this paper is to investigate the physical and chemical quality of the water of the Descoberto River during the dry and rainy seasons by measuring pH, temperature, electric conductivity, total dissolved solids, turbidity, color, alkalinity and NO3-, SO4(2-), PO4(3-), NH4+, Cl- and HCO3-, and the elements Sr, Mo, Cd, Y, Ti, Ca, V, Mg, Fe, Si, Ni, Zr, Cu, Al, Cr, Mn, Ba, Co, Zn, P, Na and K. The results showed high concentrations in both seasons, with dilution along the course of the river, minimizing for a while problems that compromise the quality of the water of this source. However, a progressive deterioration can occur due to an increase in the discharge of pollutants, resulting from population growth, agricultural activities and other factors.

Descoberto River; Distrito Federal; geochemistry of waters


Descoberto River; Distrito Federal; geochemistry of waters

ARTIGO

Geoquímica das águas da bacia hidrográfica do Rio Descoberto, Brasília/DF - Brasil

Geochemistry of the waters of the Descoberto River hydrographic basin, Brasília/DF – Brazil

Marciléia Silva do Carmo* * e-mail: marcileia@ufpa.br , I; Geraldo Resende BoaventuraII; Edivan Costa OliveiraIII

ICentro de Geociências, Universidade Federal do Pará, Rua Augusto Corrêa, 1, 66075-950 Belém - PA

IIInstituto de Geociências, Universidade de Brasília, 70910-900 Brasília - DF

IIICoordenação de Química, Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará, Av. Almirante Barroso,1155, 66093-020 Belém - PA

ABSTRACT

The objective of this paper is to investigate the physical and chemical quality of the water of the Descoberto River during the dry and rainy seasons by measuring pH, temperature, electric conductivity, total dissolved solids, turbidity, color, alkalinity and NO3-, SO42-, PO43-, NH4+, Cl- and HCO3-, and the elements Sr, Mo, Cd, Y, Ti, Ca, V, Mg, Fe, Si, Ni, Zr, Cu, Al, Cr, Mn, Ba, Co, Zn, P, Na and K. The results showed high concentrations in both seasons, with dilution along the course of the river, minimizing for a while problems that compromise the quality of the water of this source. However, a progressive deterioration can occur due to an increase in the discharge of pollutants, resulting from population growth, agricultural activities and other factors.

Keywords: Descoberto River; Distrito Federal; geochemistry of waters.

INTRODUÇÃO

A Bacia Hidrográfica do Rio Descoberto (BHRD), localizada entre as latitudes 15°36'00" S e 16°05'00" S e as longitudes 48°18'00" W e 48°06'00" W, possui uma área de 895,9 km2, onde o rio percorre toda a porção oeste do Distrito Federal (DF).

O Rio Descoberto (RD) recebe descargas distintas de poluentes, entre as quais se destacam os efluentes domésticos, o deflúvio superficial urbano e o agrícola.

O principal afluente do RD, o Rio Melchior, recebe sem tratamento as descargas domésticas das cidades-satélites de Taguatinga, Ceilândia, Águas Claras e Samambaia1. Esta carga de material atinge o RD na porção sul, próximo à cidade de Santo Antônio do Descoberto, divisa com o estado de Goiás.

Vários trabalhos já foram realizados em alguns mananciais do DF, por Boaventura et al.2-6, mostrando, respectivamente, a evolução geoquímica da água na Bacia do Gama, Bananal, Taquara, São Bartolomeu e do Rio Descoberto.

As práticas que comprometem a qualidade da água de bacias hidrográficas, principalmente aquelas destinadas ao abastecimento público, são o uso indiscriminado de fertilizantes, agrotóxicos e pesticidas em áreas de atividade agrícola e o despejo de efluentes domésticos7-11.

A distribuição e disponibilidade de elementos químicos dependem não só das suas concentrações, mas de suas associações químicas e físicas nos sistemas naturais, influenciados pelas condições ambientais, intemperismo natural e/ou ações antrópicas.

Estudos em sistemas fluviais apontaram como possível fonte dos elementos Ni, Cr, Cu, Fe, Al, Mn, Ca, Mg, K e Zn a ocupação do solo através da urbanização, o mesmo ocorrendo em áreas cultivadas12-14. Constataram também que Mn, Zn e Cu são provenientes, principalmente, de fertilizantes12.

Este estudo tem o objetivo de caracterizar física e quimicamente as águas para uma avaliação das possíveis fontes de contaminação e suas conseqüências a médio e longo prazo, visto que o RD é afluente do Rio Corumbá, onde existe um projeto de construção em andamento de uma barragem para futura geração de energia e abastecimento do DF e áreas cincunvizinhas.

Localização e caracterização da área

A área da bacia encontra-se situada no DF e no estado de Goiás, entre as coordenadas UTM (Universal Transversa de Mercator), norte 8.271.000 e 8.225.000 e leste 791.000 e 814.000 (Figura 1), possui como limite à leste o Lago de Santa Maria, onde está localizado o Parque Nacional de Brasília; a oeste a Bacia do Rio Verde, onde estão os municípios goianos de Santo Antônio do Descoberto e Padre Bernardo; ao norte a Bacia do Rio Maranhão e ao sul a sub-bacia do Rio Melchior.


O RD abastece atualmente 70% da população do DF15. Nasce a 1.300 m de altitude na região noroeste do Distrito Federal, desenvolvendo-se inicialmente nos contrafortes da Chapada da Veredinha no Planalto Central e segue na direção NW, após a confluência de seus formadores: os córregos Capão da Onça e Bucanhão16.

O RD flui posteriormente na direção sul, onde entra na região de influência do remanso provocado pelo barramento do Lago Descoberto. Para o Lago contribuem os córregos Pulador e Olaria, que são próximos à cidade de Brazlândia (cidade basicamente agrícola), o Ribeirão Rodeador, o Capão Comprido e o Ribeirão das Pedras. Entre Rodeador e Capão Comprido, localiza-se a Colônia Alexandre Gusmão (INCRA) responsável pela produção de 40% dos produtos hortifrutigranjeiros consumidos no DF17. A maioria dos produtores rurais que trabalham na colônia, prepara os terrenos para o plantio sem os cuidados necessários, retirando a faixa de vegetação (mata ciliar) dos percursos d'água e usando agrotóxicos no cultivo dos hortifrutigranjeiros várias vezes ao ano18.

Continuando o percurso na direção sul, o RD recebe contribuição dos Córregos Chapadinha, Bocaina e Dois Irmãos, sendo que nesta área existem muitas chácaras com plantio de hortaliças. Logo adiante encontra-se com seu principal afluente, o Rio Melchior, que possui no seu mesmo braço formador o Córrego Taguatinga. Este córrego recebe esgoto sem tratamento das cidades-satélites de Taguatinga, Ceilândia, Samambaia e Águas Claras. Mais à frente, o Rio Descoberto encontra-se com o Rio Corumbá.

A Bacia Hidrográfica do Rio Descoberto formou-se sobre os Grupos Paranoá (Idade Meso/Neoproterozóico) e Araxá (Idade Neoproterozóico), a maior parte da bacia pertence ao Grupo Paranoá, o Grupo Araxá está limitado ao setor sudoeste do DF18-20. Os solos que ocupam grande parte do Distrito Federal são latossolos vermelho-escuro, cambissolos e latossolos vermelho-amarelo, sendo que os latossolos ocupam mais da metade da Bacia do Descoberto21,22.

A cobertura vegetal na Bacia é do tipo campo limpo de cerrado, cerrado, vegetação herbácea (ervas) de zonas úmidas, mata ciliar e reflorestamento18,22, ocupando 33; 20,5; 13,6; 5 e 1,5% da Bacia, respectivamente.

Quanto ao clima, o DF possui duas épocas bem distintas. A época seca, que corresponde também ao período frio, compreende os meses de abril a setembro e acentuadamente junho e julho, onde o índice de precipitação pode ser nulo e as temperaturas variam entre as médias de 16 e 18 °C. A época chuvosa, que corresponde ao período quente do ano com temperatura máxima de 32 °C, prolonga-se de outubro a março, sendo que a maior concentração de chuva é no mês de dezembro e a precipitação média varia de 1.500 a 1.750 mm23.

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais e métodos

Foram selecionados pontos que apresentavam possíveis ações antrópicas, identificados usando-se um GPS modelo Garmin 45XL, como mostrado na Tabela 1. Em cada ponto coletou-se uma amostra por época do ano: na época seca (outubro/1999) que corresponde aos pontos 1 a 9, e na época chuvosa (março/2000) correspondendo aos mesmos pontos. No total foram coletadas 18 amostras, como mostra a Figura 1 com a localização dos pontos.

Descrição dos pontos de amostragem

Ponto 1: localizado no Córrego Taguatinga, que passa pela cidade de Taguatinga e próximo às cidades de Ceilândia, Samambaia e Águas Claras. Este ponto está assentado sobre rochas do Grupo Paranoá da unidade metarritmito arenoso. Nas proximidades deste ponto existem chácaras com culturas temporárias (hortigranjeiros), anuais (soja e milho) e permanentes (frutíferas e café). O Córrego Taguatinga possui matas ciliares em quase toda a sua extensão.

Ponto 2: localizado no Rio Melchior, próximo ao ponto 1, onde também se encontram chácaras com plantações. Neste ponto foi observada a exploração de areias, situação que segundo Falcomer17 vem aumentando nos últimos anos, ocasionando o desmatamento das matas ciliares e aumentando o processo erosivo do solo e o escoamento de resíduos de adubos e defensivos agrícolas para os mananciais próximos.

Ponto 3: localizado no Córrego Ribeirão das Pedras, que segue direção oeste onde conflui com o Lago Descoberto. É uma Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Descoberto e área do INCRA, com plantações de hortaliças, milho, feijão, café, etc.

Ponto 4: situado no Ribeirão Rodeador, próximo à Colônia Alexandre de Gusmão do INCRA, com plantações de hortaliças, etc.

Ponto 5: localizado no alto curso do RD, antes da confluência com o Lago Descoberto, onde pela margem direita está o estado de Goiás tornando, assim, o próprio Rio a divisa oeste do DF, próximo à cidade de Brazlândia e aos Loteamentos Parque das Nações e Parque Colonial, que fazem parte de Goiás.

Ponto 6: localizado no RD em área de Lazer Ecológico, onde há corredeiras e quedas d'água na divisa do DF e Goiás, próximo à barragem do Lago Descoberto. A rocha predominante é do Grupo Paranoá (quartzito e metassiltito).

Ponto 7: localizado no RD, antes da foz do Rio Melchior e próximo à cidade de Santo Antônio do Descoberto/GO. É uma área sem matas ciliares.

Ponto 8: localizado no RD após a foz do Rio Melchior, divisa do DF/GO, na entrada da cidade de Santo Antônio do Descoberto. Está assentado sobre rocha do Grupo Araxá.

Ponto 9: localizado no RD, com muita mata ciliar. Apresenta rochas do tipo quartzito e micaxisto. É o ponto na saída do DF.

Amostragens

Foram realizadas de acordo com Agudo24, utilizando-se garrafas de polietileno de aproximadamente 1000 mL. Foram registrados in situ pH, temperatura, condutividade elétrica (CE) e sólidos totais dissolvidos (STD).

As amostras então foram identificadas e transportadas para o laboratório.

Laboratório

A parte experimental foi realizada no Laboratório de Geoquímica do Instituto de Geociências da UnB.

De cada amostra de água retirou-se um volume de aproximadamente 500 mL mediante filtragem em membranas de celulose 0,45 µm25, usando-se equipamento de vácuo marca Millipore modelo Sterifil 500, depois acidificados com HNO3 2 mol L-1 até pH < 2 e estocados a 4 ºC, para determinação dos elementos Mo, La, Al, Ba, Ca, Cd, Cr, Cu, Fe, Mg, Mn, Ni, P, Si, Ti, V, Zn, Sr, Zr, Co, Y, Na e K. O volume restante (» 500 mL) foi submetido à determinação de NO3-, SO42-, PO43-, NH4+, NO2-, Cl-, HCO3- e dos parâmetros turbidez, cor e alcalinidade.

Análises químicas

O pH e a temperatura foram determinados através de um medidor de pH marca Schoot Gerate, modelo CG818, previamente calibrado.

A CE e os STD foram determinados utilizando-se condutivímetro marca Hach, modelo 4460, também previamente calibrado.

Os parâmetros turbidez, cor, NO3-, SO42-, PO43-, NH4+ e NO2- foram determinados seguindo os procedimentos do Standard Methods26. O cloreto e a alcalinidade foram determinados pelo método titrimétrico.

O bicarbonato foi obtido através da fórmula HCO3- = Alcalinidade x 1,22, segundo Sawyer 27.

Os elementos Mo, La, Al, Ba, Ca, Cd, Cr, Cu, Fe, Mg, Mn, Ni, P, Si, Ti, V, Zn, Sr, Zr, Co e Y foram determinados utilizando-se espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP/OES) da marca Spectro Analytical Instrumental GmbH, modelo Spectroflame FVM03, equipado com monocromador com rede holográfica de 2400 estrias/mm e policromadores no vácuo e no ar. Os elementos Na e K foram determinados por espectrometria de absorção atômica (EAA), marca Perkin Elmer, modelo 603 de duplo feixe.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Parâmetros físico-químicos

Os resultados dos parâmetros físico-químicos da água da BHRD estão apresentados na Tabela 2, juntamente com os valores permitidos pelo CONAMA28. Nesta tabela estão apresentados os valores "outliers", que são aqueles considerados acima do intervalo: média +2s; s = desvio padrão, e estes se concentram principalmente no ponto 1.

O pH variou de 4,2 a 7,0, ficando com média 5,9 na época seca e 6,0 na chuvosa, estando dentro da média dos rios do DF (5,6 a 6,85), Tabela 3.

A turbidez apresentou média de 37 e 169 uT nas épocas seca e chuvosa, respectivamente, com tendência a aumentar na época chuvosa. Este comportamento mostra os efeitos do transporte de material sólido para os leitos dos rios.

A alta concentração média de turbidez na época chuvosa foi devida ao valor "outlier" de 1200 uT, registrado no ponto 1 na época chuvosa, que também possui valores "outliers" de cor, SO42- e Cl-, evidenciando a possível influência de esgoto doméstico.

A cor oscilou de 2 a 86 UH na época seca e de 0 a 78 UH na chuvosa. Em alguns pontos (6, 7, 8 e 9) tendeu a aumentar na época chuvosa. O ponto 6 possui corredeiras e quedas d'água que podem proporcionar esse aumento da turbidez na época chuvosa, através do aumento de material em suspensão; os pontos 8 e 9, por receberem rejeitos domésticos "diluídos" do Rio Melchior.

O ponto 1 (épocas seca e chuvosa), com relação à cor, é o único que ultrapassou o limite estabelecido pelo CONAMA (Tabela 2).

A média de STD foi de 59 na época seca e 19 mg L-1 na chuvosa e a CE foi de 125 na seca e 41 µS cm-1 na chuvosa. Ambos os parâmetros, STD e CE, tendem a diminuir suas concentrações na época chuvosa em todos os pontos. Os valores "outliers" desses parâmetros referem-se ao ponto 1 na época seca e ao ponto 2 na época chuvosa. Entretanto, os valores de STD não ultrapassaram o estabelecido pelo CONAMA (Tabela 2).

Comparando-se com outras bacias hidrográficas dentro do DF (Tabela 3), nota-se que as médias de STD e CE na BHRD, principalmente na época seca, ficaram acima das médias e aproximam-se das medidas das regiões de Mestre D'Armas e Sobradinho. Estas últimas são regiões com bastante influência urbana.

A alcalinidade apresentou valores entre 3 e 121 na época seca e 3 a 90 mg L-1 na chuvosa e o HCO3-, de 3 a 148 na seca e 4 a 110 mg L-1 na chuvosa.

O nitrito (NO2-) foi determinado, mas não foi detectado em nenhum ponto, mesmo porque a oxidação do NO2- em NO3- é bastante rápida, em função das condições oxidantes do meio.

A média de NO3- nas épocas seca e chuvosa foi 2 mg L-1. Para o NH4+ a média foi de 17 na época seca e 2 mg L-1 na chuvosa. Isso demonstra que na época seca a concentração de NH4+ é maior que a de NO3-.

Os teores de NO3- na BHRD não ultrapassaram o limite do CONAMA e nem da Portaria n° 1469 (Tabela 2).

Os parâmetros NO3- e NH4+ ficaram acima da média de outras regiões dentro do DF (Tabela 3). O ponto que apresenta valores altos para esses parâmetros é o ponto 1 (época seca), reforçando os valores encontrados na literatura.

Poluentes com altas concentrações de NO3- ao atingirem as águas dos rios têm seus teores diluídos, podendo chegar a concentrações infinitesimais. Vale ressaltar que após um determinado tempo, tais teores começam a aumentar e, em seguida, inicia-se uma regressão às condições similares àquelas ao montante do lançamento, processo este observado durante a realização deste trabalho. No ponto 1 (Córrego Taguatinga), época seca, detectou-se 8 mg L-1 de NO3-, diminuindo para 3 mg L-1 no ponto 2 (Rio Melchior) e, de acordo com a própria diluição do rio, atingindo teor de 2 mg L-1, no ponto 8 (Rio Descoberto). Entretanto, no ponto 9 a concentração aumenta novamente, ficando similar ao ponto 2. Assim, no encontro do Rio Descoberto com o Rio Corumbá a concentração pode estar similar à do ponto 1.

O sulfato e o cloreto encontram-se em maiores concentrações na época chuvosa; o SO42- com média de 8,0 na época seca e 23 mg L-1 na chuvosa; o Cl- com 22 na época seca e 35 mg L-1 na chuvosa (Tabela 2).

Os valores de SO42- e Cl- não ultrapassaram os limites do CONAMA. Porém, esses parâmetros ultrapassam a média nacional de 4,55 mg L-1 de SO42- e 3,15 mg L-1 de Cl-, segundo Szikszay29,30. As possíveis fontes de Cl- são os esgotos domésticos e/ou fertilizantes.

Os valores "outliers" de SO42- e Cl- correspondem ao ponto 1. No caso do SO42-, os resultados anômalos estão associados ao intemperismo e ao transporte de materiais para o leito do rio.

O fosfato foi detectado apenas nos pontos 1, 2, 8 e 9, na época seca, e nos pontos 1 e 2 na chuvosa, e apresentou concentrações acima do estabelecido pelo CONAMA, estando também acima das concentrações médias dentro do DF (Tabela 3).

Na maioria dos pontos o PO43- não foi detectado. Assim, sugere-se que o PO43- pode ter sido adsorvido pelas argilas, visto que esta é a forma mais importante de acesso desta espécie química no ambiente aquático31. As possíveis fontes de PO43- na área de estudo são, principalmente, esgoto doméstico e fertilizantes agrícolas.

Elementos-traço e maiores

Os elementos podem ser liberados de forma parcial ou total a partir dos sedimentos devido às modificações dos parâmetros físico-químicos, principalmente pH e temperatura do corpo hídrico.

As Tabelas 4 e 5 mostram os resultados dos elementos maiores e traços, respectivamente, nas águas da BHRD (expressos em µg L-1) em cada estação climática. Foram destacados os valores "outliers" considerados fora do intervalo (média + 2s) e retirados os elementos La, Cd, Y, Ti, Ni, Zr, Cu e Co por apresentarem valores abaixo do limite de detecção (<L.D) ou concentrações muito baixas.

Os elementos La, Y e Zr estão associados aos normalizadores geoquímicos e à ausência de situações antrópicas ligadas a eles, ou seja, são elementos tipicamente de origem geológica.

Os elementos presentes na água em concentrações significativas são Ca, Mg, Fe, Si, P, Na e K.

O ferro apresentou valores que ultrapassavam o estabelecido pelo CONAMA, como nos pontos 1, 2, 6, 7 e 8 na época seca. Entretanto, os teores de Fe são compatíveis com os encontrados na região, em função de aspectos geológicos regionais (Tabela 3).

O cálcio está predominantemente associado aos íons carbonato e bicarbonato. Pode ser precipitado ou dissolvido com a variação do pH.

Os elementos La, Cd, Y, Zr, Cu e Co apresentaram valores baixos ou abaixo dos limites de detecção (<L.D), principalmente na época chuvosa devido à própria diluição; portanto, são descartados no tratamento estatístico. Os teores baixos podem indicar a adsorção desses elementos nas partículas finas dos sedimentos. Entretanto, as concentrações desses elementos ultrapassam as médias dos rios do mundo (Tabela 6).

Desta forma, torna-se explícito neste estudo que os elementos La, Cd, Y, Zr, Cu e Co não apresentam contribuição para geoquímica local.

Manganê e bário possuem valores "outliers" no ponto 7, época seca, (Tabela 5), visto que o Mn está acima do valor estabelecido pelo CONAMA.

As concentrações de Na e K estão acima da média de sistemas fluviais dentro do DF (Tabela 3), enquanto que para o Brasil e o mundo (Tabela 6) somente a média de K na época chuvosa se aproximou da média dos rios da Bacia do Paraná, da América do Norte e da África. Na época chuvosa, a média de Na também se aproximou apenas das médias dos rios da Bacia do Paraná e do rio Tietê.

A concentração do K é menor que a do Na nas águas do Rio Descoberto, ao contrário nos sedimentos de corrente, ratificando a maior afinidade do K para ser adsorvido pelas partículas argilosas presentes nos sedimentos. O K é um elemento bastante representativo, devido à sua participação intensa em processos de troca-iônica.

A grande concentração de K em águas de superfície é devida à lixiviação de fertilizantes, principalmente em áreas agrícolas32.

Entre os elementos-traço analisados, o Sr é o único que possui concentrações significativas em todos os pontos (Tabela 5), ficando acima da média de outros rios no Brasil e no mundo (Tabela 6). Além disso, sua concentração média na época chuvosa está um pouco acima da média dos rios mundiais.

Correlações

Realizou-se tratamento estatístico não paramétrico através da correlação de Spearman (R) entre parâmetros físico-químicos e elementos químicos na água da BHRD, como mostram as Tabelas 6 e 7 nas épocas seca e chuvosa, respectivamente.

Fosfato e amônio não foram detectados na maioria das amostras avaliadas durante o período chuvoso. Assim, foram excluídos do tratamento estatístico, nesta época.

O pH não apresentou correlação com nenhum elemento ou demais parâmetros, na época seca, porém na época chuvosa se correlacionou apenas com os elementos Al e Ca, e a condutividade. Isso mostra que a grande quantidade dos elementos ocorre mais na forma solúvel em água ácida que em água neutra.

Tabela 8

As boas correlações do STD e CE com os elementos Ca, Mg, Mn, K e Na e com os ânions HCO3- e NO3-, na época seca (R= 0,74 a 1,00) e chuvosa (R= 0,78 a 0,99) nas águas da BHRD e a correlação (R= 0,87 a 0,93) entre NH4+ com SO42-, PO43-, Cl-, NO3-, P, Na, Ca e K, na época seca sugerem a contribuição das atividades domésticas e/ou rurais na bacia.

Fosfato correlaciona-se positivamente com os elementos Ca, Al, Na, P e K na época seca, e com Sr, Ca e K na chuvosa. Isso sugere sua adsorção às argilas, já que na maioria das amostras analisadas não foi detectado esse composto.

Cálcio é o único elemento que possui correlação (R=0,67) com a temperatura, na época seca. Os elementos Al e Fe correlacionam-se com a condutividade na época chuvosa, e somente o Al com o pH mostram, desta forma, o intemperismo na área, associado principalmente aos aspectos relacionados com a ocupação humana na área.

Na época seca observa-se mais claramente a boa correlação dos elementos e compostos (P, Na, K, NO3-, SO42-, PO43-, HCO3- e NH4+) que na época chuvosa. Assim, a influência de áreas urbanas é maior na seca.

Correlacionando-se turbidez e cor com íons em cada época (Tabela 9), verifica-se que existe uma boa correlação entre eles apenas na época seca. Isso mostra a possível contribuição da área urbana para estes parâmetros nesta época.

Avaliação da água na BHRD

Esta avaliação objetiva visualizar mais explicitamente as condições da água na entrada e saída do Rio Descoberto no DF e identificar as possíveis fontes antrópicas.

A Figura 2 mostra os parâmetros cor, turbidez, temperatura, alcalinidade, NH4+ e pH e os ânions Cl-, HCO3-, SO42-, PO43- e NO3-. Observa-se que o pH e a temperatura não variam muito ao longo da bacia nas duas épocas, ao contrário da cor, turbidez, alcalinidade, NH4+ e dos ânions.


As concentrações elevadas de Cl-, HCO3-, NO3- e NH4+, nos pontos 1 e 2, provêm de despejos de esgotos domésticos da cidade de Taguatinga.

Na avaliação dos elementos-traço e maiores na água, ao longo da bacia (Figura 3), os elementos Y, Ti, V, Ni, Zr, Cu, Cr, Ba, Co e Zn foram excluídos nas duas épocas por apresentarem concentrações muito baixas e/ou abaixo do limite de detecção. La, Cd, Al e Mn foram somente considerados na época chuvosa.


Na Figura 3 percebe-se, ainda, que os elementos Ca, Mg, P, Na e K, tanto na época seca quanto chuvosa, são provenientes de esgotos já que suas concentrações tendem a aumentar principalmente no ponto 2 (épocas seca e chuvosa) e, devido à própria diluição, a concentração diminui nos pontos 8 e 9, também nas duas épocas.

Quanto ao valor "outlier" de Mn no ponto 7, (época seca - Tabela 5), que pode ser proveniente da cidade de Santo Antônio do Descoberto, influencia os pontos 8 e 9, assim como os resultados de Fe e Al.

Os elementos-traço e maiores (Tabela 3) mostram uma variação significativa ao longo da bacia, principalmente nos pontos 1 e 2 e nos pontos após a foz do Rio Melchior (8 e 9), influenciados pela rápida diluição nos pontos 1 e 2.

Na direção do fluxo do Rio Descoberto (N-S), percebe-se que na entrada do DF as concentrações dos elementos Sr, Mo, La, Cd, Fe, Al, Mn, Mg, Si, Ca, P, K e Na são baixas, tendendo a aumentar nos pontos localizados na entrada do lago (3 e 4), área do INCRA. Após o lago, o teor de alguns elementos e compostos aumenta bastante, principalmente nos pontos localizados próximos de áreas urbanas e/ou agrícolas (1, 2 e 7). Na saída do DF (pontos 8 e 9), a própria diluição do rio faz com que as concentrações tendam a diminuir, ou seja, a qualidade da água é influenciada nos pontos específicos.

CONCLUSÕES

Esta pesquisa, desenvolvida na extensão da Bacia Hidrográfica do Rio Descoberto nas épocas seca e chuvosa, mostrou primeiramente que estas águas se enquadram, segundo o CONAMA, na classe 4 destinada à navegação, por apresentarem teores de níquel maiores que 25 µg L-1. Verificou-se também que existe uma variação na concentração de alguns parâmetros físico-químicos, elementos-traço e maiores com a mudança climática. As elevadas concentrações (localizadas principalmente em áreas agrícolas e urbanas) registradas, como alcalinidade, turbidez, cor, PO43-, NO3-, NH4+, Cl- e SO42- e dos elementos P, Mn, Ba, Na, K, Ni e Sr, são diluídas ao longo do percurso até a foz no rio. Isso minimiza, por enquanto, a possibilidade de ocorrerem problemas que venham a comprometer a qualidade da água deste manancial. Os resultados obtidos nas análises de alcalinidade, fosfato e amônia nas épocas estudadas apresentaram-se acima da média de outros estudos no DF, indicando a influência de efluentes domésticos e explicita o possível comprometimento da qualidade do manancial, embora o pH não sofra grandes variações.

As altas concentrações de Ca podem estar relacionadas a lentes calcárias do Grupo Paranoá juntamente com a influência antrópica, principalmente associada à atividade agrícola, visto que o Ca se correlaciona com a maioria dos elementos e ânions.

A análise de correlação não paramétrica de Spearman permitiu visualizar a correlação entre espécies químicas e parâmetros físico-químicos determinados nas águas da BHRD com indicação de origem semelhante – produto da urbanização desordenada e utilização indiscriminada de fertilizantes em áreas de agricultura.

Assim, é necessário o monitoramento desses parâmetros e espécies químicas, a fim de controlar os valores reais com os valores estabelecidos pelo CONAMA, além da instalação de uma estação de tratamento de efluentes domésticos nas cidades de Taguatinga, Samambaia e Ceilândia, pois este manancial responde por grande percentual de atendimento no abastecimento público do DF.

AGRADECIMENTOS

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela concessão de bolsa de mestrado no período de 09/1999 à 09/2001, e ao CNPq- Processo 300295/96-0.

Recebido em 13/10/03; aceito em 25/2/05; publicado na web em 25/5/05

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Recebido
      13 Out 2003
    • Aceito
      25 Fev 2005
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