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Polímeros biomiméticos em química analítica. Parte 1: preparo e aplicações de MIP ("Molecularly Imprinted Polymers") em técnicas de extração e separação

Biomimetic polymers in analytical chemistry. Part 1: preparation and applications of MIP (Molecularly Imprinted Polymers) in extraction and separation techniques

Resumo

MIPs are synthetic polymers that are used as biomimetic materials simulating the mechanism verified in natural entities such as antibodies and enzymes. Although MIPs have been successfully used as an outstanding tool for enhancing the selectivity or different analytical approaches, such as separation science and electrochemical and optical sensors, several parameters must be optimized during their synthesis. Therefore, the state-of-the-art of MIP production as well as the different polymerization methods are discussed. The potential selectivity of MIPs in the extraction and separation techniques focusing mainly on environmental, clinical and pharmaceutical samples as applications for analytical purposes is presented.

molecularly imprinted polymers; polymerization process; extraction and separation techniques


molecularly imprinted polymers; polymerization process; extraction and separation techniques

DIVULGAÇÃO

Polímeros biomiméticos em química analítica. Parte 1: preparo e aplicações de MIP ("Molecularly Imprinted Polymers") em técnicas de extração e separação

Biomimetic polymers in analytical chemistry. Part 1: preparation and applications of MIP (Molecularly Imprinted Polymers) in extraction and separation techniques

César Ricardo Teixeira Tarley; Maria Del Pilar Taboada Sotomayor; Lauro Tatsuo Kubota* * e-mail: kubota@iqm.unicamp.br

Departamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, CP 6154, 13084-971 Campinas - SP

ABSTRACT

MIPs are synthetic polymers that are used as biomimetic materials simulating the mechanism verified in natural entities such as antibodies and enzymes. Although MIPs have been successfully used as an outstanding tool for enhancing the selectivity or different analytical approaches, such as separation science and electrochemical and optical sensors, several parameters must be optimized during their synthesis. Therefore, the state-of-the-art of MIP production as well as the different polymerization methods are discussed. The potential selectivity of MIPs in the extraction and separation techniques focusing mainly on environmental, clinical and pharmaceutical samples as applications for analytical purposes is presented.

Keywords: molecularly imprinted polymers; polymerization process; extraction and separation techniques.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de métodos analíticos cada vez mais seletivos e sensíveis é de grande relevância em diferentes áreas do conhecimento, contemplando, por ex., os setores alimentício, biotecnológico, ambiental, farmacêutico, entre outros1. Neste ponto, as ciências analíticas desempenham um papel fundamental no tocante ao estabelecimento de protocolos analíticos compreendendo desde preparo da amostra até identificação e quantificação das espécies de interesse2. A etapa de preparo da amostra visando uma posterior análise cromatográfica normalmente contempla etapas de extração e/ou pré-concentração. Entretanto, devido à complexidade de algumas matrizes e aos baixos níveis dos constituintes de interesse, em alguns casos, o preparo da amostra pode não eliminar a presença das espécies interferentes, ocasionando um desempenho menos eficiente da técnica de separação. Situações desta natureza são notadas quando se pretende analisar amostras cujos constituintes de interesse possuem estruturas moleculares muito similares. Ainda, em casos mais particulares, como por ex., na separação de enantiômeros, mesmo que a etapa de preparo da amostra propicie a eliminação dos interferentes, uma separação convencional por HPLC utilizando fase estacionária em fase reversa (sílica modificada com octadecil, C18) não possui resolução para distinguir os enantiômeros3. Estas considerações mostram que o emprego de materiais seletivos, tanto na etapa de preparo de amostra quanto na de separação, é relevante, principalmente em matrizes complexas e quando as espécies de interesse estão presentes em baixas concentrações.

As estratégias analíticas que permitem obter materiais seletivos baseiam-se no reconhecimento biomolecular de muitos processos biológicos, como o de replicação de DNA, interação antígeno-anticorpo, enzima-substrato e muitos outros sistemas4,5. Nestes sistemas, as biomacromoléculas possuem sítios receptores capazes de se ligarem seletivamente a uma molécula, na presença de outras com estruturas moleculares análogas. Dentre estes sistemas citados, o princípio de interação antígeno-anticorpo tem sido o mais empregado em associação com técnicas de extração em fase sólida e de separação para diferentes espécies químicas, tais como, herbicidas e hidrocarbonetos poliaromáticos (PAHs)6,7. Baseado no princípio da produção de anticorpos pelo sistema imunológico de vertebrados em resposta à presença de moléculas estranhas no organismo (antígeno)8, estes métodos seletivos, conhecidos como ensaios de imunoafinidade, promovem a extração baseada no reconhecimento molecular9. Na prática, os anticorpos são covalentemente ligados em um sorvente apropriado (geralmente sílica porosa) gerando o chamado imunossorvente, que é posteriormente disposto em cartuchos de extração em fase sólida ou em colunas cromatográficas10. Face às características de bioafinidade apresentada pelo anticorpo frente ao antígeno (espécie de interesse), o imunossorvente permite isolar a espécie de interesse sem efetuar qualquer interação com moléculas concomitantes eliminando, desta forma, a ocorrência de co-eluição comumente verificada durante as etapas de eluição quando se emprega sorventes pouco seletivos como, por ex., a sílica modificada (C18) 9.

A elevada seletividade obtida nesta modalidade de separação constitui uma alternativa às etapas de "clean up" e/ou pré-concentração de amostras complexas. Apesar das características marcantes dos imunossorventes como materiais seletivos, deve-se ressaltar algumas desvantagens dos anticorpos incluindo o elevado custo, necessidade de purificação, dificuldade de obtenção e instabilidade quando empregados em condições diferentes daquelas de seu ambiente nativo11. Além disso, após a obtenção dos anticorpos, estes devem ser imobilizados num suporte sólido a fim de orientá-los adequadamente e preservar suas características seletivas12,13. Devido a estas limitações, várias estratégias têm sido propostas no sentido de substituir os materiais biológicos por materiais sintéticos que possuam o mesmo grau de reconhecimento molecular ou, em outras palavras, o mesmo grau de seletividade. Neste caso, a seletividade é obtida se o receptor sintético possuir uma cavidade com tamanho e formato adequados, bem como sítios capazes de estabelecer uma interação favorável com a espécie de interesse. Moléculas como a ciclodextrina e o éter-coroa têm sido comumente empregadas como receptores moleculares sintéticos14,15.

Outra abordagem sintética que permite formar sítios receptores simulando a interação antígeno-anticorpo baseia-se no preparo de polímeros com impressão molecular. O conceito de impressão molecular surgiu a partir da teoria de Pauling para formação de anticorpos, onde um antígeno era usado como uma molécula molde para moldar a cadeia polipeptídica de anticorpos, resultando numa configuração complementar do antígeno na respectiva cadeia de anticorpos16. A partir desta concepção, surgiu a idéia de produzir uma estrutura rígida tridimensional (um polímero) ao redor de uma molécula molde que pudesse atuar de forma similar ao anticorpo, ou seja, que pudesse efetuar seletivamente o reconhecimento molecular. Estes polímeros são atualmente conhecidos como MIP ("Molecularly Imprinted Polymers") e também designados de materiais biomiméticos17,18.

Para a construção dos MIP, uma molécula utilizada como molde interage por meio de ligação covalente ou não com as moléculas do monômero. Posteriormente, é adicionado ao meio um agente reacional que promove ligações cruzadas no polímero a fim de formar uma matriz polimérica rígida. A reação de polimerização é iniciada após a adição de um iniciador radicalar. Por fim, a molécula molde é removida da matriz polimérica por meio de solvente, ou, quando necessário, por meio de clivagem química se a molécula estabelecer ligação covalente com o monômero5,17,18. Com a remoção da molécula molde, o polímero resultante disporá de microcavidades com tamanhos uniformes capazes de reter seletivamente a molécula molde presente numa amostra complexa. É válido ressaltar que a molécula molde a ser empregada normalmente é o próprio analito de interesse. Assim, o termo analito designado ao longo do texto refere-se à molécula molde utilizada na síntese do polímero. O princípio de preparo dos MIP é bastante simples, porém, cabe lembrar que sem a adequada combinação dos constituintes da reação, bem como o tipo de procedimento empregado na síntese, o polímero resultante pode adquirir características indesejáveis no que diz respeito à morfologia e à uniformidade das partículas e dos sítios seletivos. A Figura 1 mostra, de maneira geral, o processo de formação dos MIP.


Além do caráter seletivo, os MIP demonstram vantagens em relação aos imunossorventes no tocante à estabilidade química, capacidade de adsorção e reprodutibilidade no preparo do polímero19. O primeiro trabalho com emprego de MIP em química analítica é datado de 1972, onde Wulff e Sarhan20 descreveram a síntese do polímero com sítios seletivos para separação enantiomérica de racematos de açúcares. Desde então, os referidos materiais vêm sendo amplamente empregados em preparo de amostras atuando em processos de extração em fase sólida (SPE-"solid phase extraction")21 e microextração em fase sólida (SPME-"solid phase microextraction")22, em técnicas de separação, tais como, cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC-"high performance liquid chromatography")23, eletroforese capilar (CE-"capillary electrophoresis")24, eletrocromatografia capilar (CEC-"capillary electrochromatography")25 e cromatografia em camada delgada (TLC-"thin layer chromatography")26 visando, principalmente, a separação de espécies enantioméricas. Também, há um amplo campo de pesquisa dos MIP em associação com técnicas eletroanalíticas27 enfocando o desenvolvimento de sensores seletivos, bem como em espectrofluorimetria28. Apesar do campo de aplicação destes materiais biomiméticos ser expressivo, apenas países desenvolvidos têm empregado esta tecnologia. Em um trabalho realizado por Piletsky e colaboradores29 existiam em 2001, 18 grupos de pesquisas concentrados na Europa, 15 nos Estados Unidos e Canadá e 26 no continente Asiático. Neste mesmo trabalho, um dado interessante aponta que as ciências na área de separação contemplam 36% das aplicações dos MIP, 34% responde à ciência de materiais, 19% é atribuído ao desenvolvimento de sensores, 6% concentra os trabalhos na área de catálise e 5% ao uso dos MIP com funções especiais, em especial como materiais para liberação controlada de drogas.

Diante das considerações efetuadas, o objetivo principal deste trabalho é divulgar o estado da arte no preparo dos MIP dando ênfase às vantagens e desvantagens de diferentes procedimentos de preparo destes polímeros, bem como à influência das variáveis envolvidas durante a síntese. Além disso, são apresentadas algumas aplicações dos MIP em técnicas de extração e separação visando a determinação de espécies químicas em amostras de interesse ambiental, clínico, farmacêutico, entre outros.

ESTADO DA ARTE NO PREPARO DOS MIP

Os MIP são preparados convencionalmente pelo método conhecido por polimerização em "bulk", onde a reação é realizada em sistema homogêneo. Esta reação é conduzida em frascos selados contendo monômero, analito, solvente, reagente de ligação cruzada e iniciador radicalar. A reação ocorre na ausência de oxigênio sob fluxo de N2 ou Ar e induzida com aquecimento e/ou radiação UV. O oxigênio deve ser eliminado do meio reacional, pois retarda a reação de polimerização radicalar30. Por fim, o sólido polimérico resultante é moído, peneirado e submetido a uma lavagem com solvente para extração do analito, visando seu uso posterior17,31 (Figura 2). O iniciador radicalar 2,2'-azo-bis-iso-butironitrila (AIBN) é o mais empregado na síntese dos MIP, mas outros também podem ser utilizados30 (Figura 3). A escolha destes reagentes é ditada pela natureza da interação do analito com o monômero. Se a interação ocorrer por ligação de hidrogênio, recomenda-se efetuar a polimerização em baixas temperaturas e, nestas circunstâncias, os iniciadores radicalares ativos fotoquimicamente são mais indicados30.



O primeiro passo para síntese dos MIP consiste em estabelecer criteriosamente a escolha do monômero e do analito. O analito necessita conter em sua estrutura molecular grupos funcionais capazes de interagir fortemente com os monômeros, a fim de formar uma espécie de complexo estável. Como já mencionado, a interação analito-monômero pode se dar por meio de ligação covalente ou não covalente, por meio de ligação de hidrogênio, interação dipolo-dipolo, interação iônica ou por interação hidrofóbica32. Polímeros preparados por ligação covalente possuem sítios mais seletivos, dada a uniformidade gerada nos mesmos. Por outro lado, quando esta estratégia é adotada, a necessidade do uso de monômeros e analitos que estabeleçam ligações covalentes restringe a aplicabilidade dos MIP para poucos analitos. Adicionalmente, estudos têm mostrado que tais polímeros apresentam uma cinética lenta de retenção dos analitos na cavidade do polímero32. Por outro lado, polímeros preparados a partir de ligações não covalentes freqüentemente apresentam diâmetros de partículas e sítios seletivos menos uniformes. Porém, apesar destas desvantagens, esta abordagem de preparo é mais utilizada, dada a maior flexibilidade de aplicação dos MIP para diferentes analitos33.

Na Tabela 1, estão reunidos os monômeros mais empregados para preparo dos MIP. Destes, o ácido meta-acrílico (MAA) tem sido o monômero mais utilizado; no entanto, como já mencionado, deve-se salientar que a escolha deste é ditada pela natureza do analito. Assim sendo, analitos que possuem grupos básicos interagem mais facilmente com monômeros que contenham grupos ácidos, como o MAA. Em contrapartida, monômeros com caráter básico como o 4-vinilpiridina (VP) interagem preferencialmente com analitos ácidos. Ainda, como a interação analito-monômero é governada por um processo em equilíbrio, quantidades superiores do monômero em relação ao analito (geralmente 4:1) devem ser empregadas com intuito de deslocar o equilíbrio, para formar maior quantidade de complexos "analito-monômero"12,33.

Outro importante parâmetro que influencia a estabilidade da formação do complexo "analito-monômero" é o solvente. Este, além fornecer um meio onde analitos e monômeros sejam solúveis, não deve interferir na interação analito-monômero. Quando tal interação ocorre por meio de forças eletrostáticas e por ligação de hidrogênio, solventes apolares com constante dielétrica baixa, tais como, clorofórmio e tolueno, oferecem um meio adequado para estabilizar as referidas interações. Por outro lado, solventes com constante dielétrica maior, por ex. acetonitrila, também podem ser utilizados, mas os polímeros obtidos podem apresentar afinidade menos acentuada em se ligar novamente ao analito. Já os solventes próticos como água e metanol são pouco utilizados neste caso, pois de maneira geral, atuam como competidores no meio reacional interferindo na formação de interações eletrostáticas e ligações de hidrogênio entre analito e monômero12,32. Além destas considerações, o solvente que muitas vezes é chamado de solvente porogênico, pode influenciar nas características morfológicas dos MIP. Polímeros pouco porosos e com pequena área superficial apresentam baixa capacidade de reconhecimento molecular, basicamente devido à lenta difusão dos analitos em direção aos sítios seletivos localizados nos microporos12. Na prática, a escolha imediata de um solvente porogênico ideal que não interfira na interação analito-monômero e que garanta uma morfologia adequada do polímero não é uma tarefa fácil. Para que os MIP apresentem características desejáveis no tocante à seletividade, é fundamental que haja um estudo apurado do tipo e/ou diferentes composições de solventes durante a síntese.

As considerações mencionadas acerca do uso dos solventes no meio reacional apontam que aqueles com características apolares e com baixa constante dielétrica são os mais indicados para síntese. Entretanto, cabe ressaltar que, como regra geral, após o preparo do polímero e a extração do analito da cavidade seletiva, o MIP resultante terá elevada afinidade pelo analito quando o mesmo estiver num meio similar àquele empregado na síntese12. Isto significa que a extração e/ou pré-concentração direta de amostras aquosas num MIP preparado em solvente apolar exibirá seletividade menos pronunciada pela espécie de interesse. Neste caso, para melhor desempenho dos MIP faz-se necessário efetuar uma etapa prévia de extração líquido-líquido dos analitos. Embora alguns trabalhos tenham relatado a extração e/ou pré-concentração de analitos em meio aquoso empregando MIP sintetizados em solventes orgânicos apolares34,35, é válido lembrar que o reconhecimento molecular de um MIP ocorre preferencialmente no mesmo meio reacional no qual foi sintetizado. Contudo, para contornar esta limitação, alguns trabalhos têm relatado a síntese de MIP em meio polar, basicamente empregando água e metanol como solventes porogênicos, para que o polímero resultante seja mais compatível com amostras aquosas. Para estes MIP, o reconhecimento molecular durante a síntese é resultado de uma combinação de interações hidrofóbicas e iônicas do analito com os grupos químicos do monômero36. Assim sendo, para obter sucesso no preparo destes MIP é necessário que os analitos empregados durante a síntese possuam características tanto polares quanto apolares, como aqueles compostos contendo anéis aromáticos substituídos com grupos funcionais polares (carboxilas, sulfônicos, entre outros). O bom desempenho destes MIP em amostras aquosas ocorre quando a interação do analito com a cavidade do MIP se dá, predominantemente, por meio de interações hidrofóbicas prevalecendo sobre as interações iônicas, pois caso contrário, as moléculas de água do meio podem impedir, por meio de um efeito competitivo37, a retenção dos analitos na cavidade do MIP. Os trabalhos que contemplam a síntese de MIP em meio aquoso têm sido propostos para separação seletiva de compostos aromáticos, tais como, naftaleno sulfonado, herbicidas, bem como de adenina e drogas36-41.

A seletividade dos MIP é também influenciada pelo tamanho da molécula molde. Normalmente, uma molécula que possui grupos estéricos distantes da função orgânica do analito que se liga ao monômero produz polímeros pouco seletivos42. Como exemplo, cita-se o trabalho realizado por Martín-Esteban e colaboradores43 que avaliaram o reconhecimento de vários herbicidas utilizando dois MIP sintetizados com isoproturon ou fenuron (Figura 4). De acordo com os resultados obtidos, o polímero impresso com isoproturon reteve em sua cavidade além do herbicida isoproturon, outros herbicidas contendo o grupo isopropil ligado ao anel aromático. Por outro lado, o MIP sintetizado com o fenuron foi capaz de reconhecer seletivamente apenas o fenuron na presença de outros herbicidas.


Durante a síntese dos MIP, além dos importantes parâmetros mencionados anteriormente, a seletividade destes polímeros é também assegurada face ao emprego de reagentes que promovam ligações cruzadas no polímero permitindo, assim, a estabilidade do complexo "analito-monômero" e, conseqüentemente, a rigidez do sítio seletivo formado. Estudos têm demonstrado que no mínimo 50% do reagente de ligação cruzada deve estar presente no meio reacional44. O etileno glicol dimetacrilato (EGDMA) tem sido o reagente de ligação cruzada mais utilizado, pois promove a formação de polímeros térmica e mecanicamente estáveis e com rápida transferência de massa. Outros reagentes de ligação cruzada têm sido investigados (Figura 5), mas apenas o trimetilpropano trimetacrilato (TRIM) tem apresentado resultados similares ou melhores que o EGDMA45,46.


MÉTODOS RECENTES DE PREPARO DOS MIP

Conforme mencionado na seção anterior, o método de polimerização em "bulk", Figura 1, é considerado um método universal de preparo dos MIP, basicamente devido a sua simplicidade. Todavia, um polímero obtido tradicionalmente pelo referido método, depois de triturado, apresenta partículas com formatos irregulares e tamanhos variando de 20 a 50 µm. Outra desvantagem deste método refere-se ao elevado tempo reacional (ca de 20 h). Adicionalmente, apenas 50% ou menos do polímero sintetizado possui características para propostas analíticas, uma vez que durante a trituração, alguns sítios seletivos formados são parcialmente destruídos, o que diminui a capacidade seletiva de retenção do polímero11,12. Com base no exposto, os MIP obtidos pelo método de polimerização em "bulk" são mais indicados para técnicas de extração como a SPE, ao passo que seu uso como fase estacionária em HPLC é pouco indicado, devido à heterogeneidade das partículas5,47.

Diante destas considerações, novas concepções de preparo dos MIP são relatadas na literatura com intuito de produzir partículas com tamanhos uniformes. Ao contrário do método de polimerização em "bulk", cuja síntese é realizada num sistema homogêneo, a maioria dos novos métodos de preparo contemplam reações em sistemas heterogêneos, incluindo a polimerização por suspensão28, por precipitação48 e por expansão em multi-etapas49. Outros métodos de preparo dos MIP contemplam reações de polimerização dentro de poros de sólidos (sílica e resinas)50,51 e reações de polimerização sobre superfície modificada de suporte sólido52.

Na polimerização por suspensão, a reação polimérica ocorre dentro das gotas do monômero dispersas num solvente imiscível, geralmente água53. O polímero obtido no formato de esferas é facilmente separado da fase aquosa. A primeira etapa da síntese destes polímeros consiste em solubilizar todos os constituintes necessários para a reação (monômero, analito, reagente de ligação cruzada e iniciador radicalar) num solvente orgânico apolar. Posteriormente, a mistura reacional é adicionada em água contendo um agente estabilizador, cuja função é evitar a coagulação das gotas dos monômeros durante o processo28. Os estabilizadores ficam adsorvidos como uma fina camada na superfície das gotas dos monômeros, prevenindo a coalescência e, possivelmente, diminuindo a tensão interfacial entre as duas fases. Os estabilizadores podem ser divididos em duas categorias: polímeros orgânicos solúveis em água, destacando o álcool polivinílico, e aqueles à base de sais inorgânicos53. A reação de polimerização ocorre após o aquecimento do meio reacional sob agitação, resultando em partículas poliméricas com tamanhos uniformes. No método em questão, apesar da uniformidade do tamanho das partículas ser uma vantagem, eventualmente algumas moléculas de água se dissolvem na mistura polimérica interferindo na interação analito-monômero, principalmente quando esta se dá por ligação de hidrogênio. Além disso, em situações onde monômeros e analitos possuem elevada solubilidade em água, há a possibilidade de ocorrer partição destes constituintes reacionais da fase orgânica para o meio aquoso, resultando num polímero com baixo reconhecimento molecular. A polimerização por suspensão é, portanto, realizada com sucesso quando analitos e monômeros interagem preferencialmente por interações hidrofóbicas e iônicas. Alguns trabalhos têm mostrado esta consideração no desenvolvimento de métodos de separação cromatográfica54,55.

A fim de solucionar a limitação constatada no método de polimerização por suspensão em meio aquoso, Mayes e Mosbach56 propuseram uma reação de polimerização em suspensão empregando o agente dispersante perfluorocarbono (perfluoro metil-ciclohexano - PMC). Este agente é imiscível com muitos compostos orgânicos e, conseqüentemente, permite a formação de uma fase inerte apropriada para polimerização. No referido trabalho, dada a elevada densidade do PMC, vários estabilizantes foram testados a fim de evitar a coagulação das gotas do monômero no agente dispersante. Foram testados como estabilizantes alguns surfactantes fluorados e polímeros com superfície ativa contendo unidades fluoradas. A suspensão mais estável foi obtida com emprego do surfactante perfluorocarbono polimérico (PFPS - "Perfluoro Polymeric Surfactant") preparado com o etanol 2-(N-etil-perfluoro-alquil-sulfonamida) (PFA-1) e polietileno glicol PEG2000 mono-metil éter (MME), ambos em sua forma acrilada. O procedimento experimental consistiu inicialmente da dissolução do estabilizante PFPS no solvente PMC. Em seguida, a mistura reacional utilizada para preparo do MIP foi adicionada ao sistema onde, sob agitação mecânica, há a formação de uma emulsão. Após esta etapa, a polimerização foi realizada (ca de 3 h) por meio de radiação UV à temperatura ambiente e na ausência de oxigênio. Além das vantagens em relação ao método de polimerização por suspensão em meio aquoso no que tange à influência da água, no método com o emprego de PMC é possível também controlar o tamanho das partículas poliméricas (de 5 a 50 µm) alterando a massa do estabilizante (neste caso o PFPS). Os autores atestaram a reprodutibilidade do MIP preparando cinco polímeros em dias diferentes com o uso de 25 mg de PFPS. Partículas com diâmetro médio de 19,7 µm e desvio padrão de 0,6 µm foram obtidas. Devido às características das micropartículas poliméricas, incluindo sítios uniformes e formas geométricas bem definidas, os MIP produzidos pelo método em questão são ideais como fases estacionárias em HPLC57. Uma desvantagem notada para este método refere-se ao elevado custo do perfluorocarbono.

O método de preparo de MIP por meio de polimerização por precipitação48 é análogo ao método de polimerização em "bulk", porém, volumes superiores de solventes são empregados a fim de impedir a formação de uma pasta polimérica. Enquanto que no método convencional normalmente são utilizados volumes de solvente de 10 mL, no método por precipitação, quantidades cerca de 5 vezes maiores são utilizadas. Neste método não é necessário usar nenhum tipo de estabilizante para evitar a coagulação das gotas de monômero58,59. Convencionalmente, a formação de partículas poliméricas a partir do método de polimerização por precipitação ocorre devido ao crescimento da cadeia polimérica ao longo da reação, o que torna o polímero cada vez menos solúvel no meio. Outra explicação para a precipitação pode ser fundamentada em face da formação de ligações cruzadas no polímero, tornando-o também pouco solúvel no solvente reacional60. Esta última explicação é a mais aceita ao se considerar a síntese de MIP por precipitação. Devido a estes fatores, a formação de microesferas na forma de um precipitado é assegurada sem a necessidade de se empregar agentes estabilizantes. Tal como a polimerização por suspensão em meio aquoso e em perfluorocarbono, a polimerização por precipitação também produz partículas com tamanhos uniformes (tipicamente com diâmetro < 1 µm)48,61. Outro ponto que deve ser destacado refere-se ao maior rendimento da reação (ca de 85%) contra os 50% do método de polimerização em "bulk"28. A síntese dos MIP por polimerização por precipitação é induzida por luz ou aquecimento na ausência de oxigênio, quando ambos, monômero e analito são dissolvidos no solvente, seguido da adição do reagente de ligação cruzada e iniciador radicalar. Neste método as micropartículas são obtidas por meio de centrifugação28.

Os métodos de polimerização por precipitação produzem partículas com tamanhos uniformes, mas com diâmetros reduzidos. Esta característica torna-se uma desvantagem quando tais polímeros são utilizados como fases estacionárias em HPLC, dada a elevada pressão resultante dentro da coluna cromatográfica62. Devido a esta limitação, o método de polimerização caracterizado por expansão em multi-etapas torna-se bastante atraente. Este método envolve basicamente o emprego de partículas poliméricas com diâmetro bem definido (geralmente poliestireno com diâmetro de 1 µm), as quais sofrem etapas de expansão com o monômero e o solvente antes do início da reação de polimerização do MIP. Diferentemente de outros métodos de preparo de polímeros, onde o solvente do meio reacional é responsável pela produção de partículas com diâmetro reduzido, no método por expansão em multi-etapas as partículas poliméricas atuam como solventes porogênicos, permitindo a produção de polímeros com tamanhos e poros maiores62. Vários trabalhos têm relatado o emprego do método de polimerização por expansão em multi-etapas para preparo dos MIP63-66 que, dentre todos os métodos apresentados, é o mais trabalhoso. Primeiramente, uma micro-emulsão de partículas de poliestireno é preparada em água contendo o tensoativo dodecil sulfato de sódio (SDS) e o solvente dibutil ftalato. O sistema é agitado até eliminar a micro-emulsão. Em seguida, a expansão das partículas de poliestireno é efetuada após adição de uma micro-emulsão preparada a partir do iniciador radicalar, solvente porogênico e álcool polivinílico como agente estabilizante. Após um determinado tempo de agitação, o analito e o reagente de ligação cruzada dissolvidos em água e álcool polivinílico são adicionados ao meio. O sistema é novamente agitado, caracterizando a segunda etapa de expansão das partículas de poliestireno. Por fim, a reação de polimerização do MIP é iniciada sob agitação e induzida por aquecimento sob atmosfera inerte. As partículas do MIP são posteriormente separadas do sobrenadante e submetidas a uma lavagem com solvente para extração do analito. Tipicamente, são obtidas partículas poliméricas com tamanhos cerca de cinco vezes maiores que as partículas de poliestireno empregadas no processo67.

No que diz respeito às reações de polimerização dentro dos poros de sólidos, em especial a sílica, estas permitem obter partículas esféricas devido à uniformidade do sólido poroso50,51. Os poros são utilizados como pequenos frascos reacionais, onde ocorre a reação. Após adição da mistura reacional aos poros, o aquecimento das partículas induz a reação de polimerização do MIP. De acordo com a Figura 6, o MIP adquire tamanho e formato uniformes após a dissolução do sólido poroso.


Neste mesmo segmento de síntese em materiais porosos, os MIP ainda podem ser preparados efetuando primeiramente a imobilização do analito em sólidos porosos, tal como a sílica. Após o término da reação, o suporte sólido e o analito são removidos por dissolução química com solução de HF criando, desta maneira, os sítios seletivos68. A dissolução química é realizada com HF, pois se trata de um ácido "polimérico", cuja função é apenas dissolver a sílica preservando a matriz polimérica. Com este procedimento é possível controlar não apenas a orientação do analito na superfície do polímero, mas também o formato do MIP resultante usando, por ex., sílicas com diferentes tamanhos de poros5. Com esta configuração de MIP, há ainda a possibilidade de imobilizar macromoléculas como as proteínas69 sobre a superfície do sólido.

Outro método recente de preparo de MIP consiste na polimerização sobre superfície de sílica modificada52. De acordo com a representação da Figura 7, inicialmente partículas de sílica, com diâmetro de 10 mm, são modificadas com tri-etoxi-aminopropilsilano; a reação de polimerização é iniciada após adição do iniciador radicalar [no caso o ácido 4,4'-azo-bis (4-ciano pentaenóico)]. Em seguida, são adicionados ao meio reacional o monômero (MAA), reagente de ligação cruzada (EGDMA) e analito, previamente dissolvidos no solvente. A reação ocorre sobre a superfície da sílica, formando uma fina camada polimérica. As micropartículas obtidas assumem características uniformes e mecanicamente estáveis.


A aplicabilidade dos MIP em diferentes segmentos da química analítica faz com que a adoção dos procedimentos de preparo seja dependente das características intrínsecas das técnicas. Significa, portanto, que o preparo de um MIP visando seu uso em técnicas de separação é diferente daquele onde o MIP é utilizado para modificação de eletrodos. Considerando que os métodos de preparo descritos neste texto são direcionados para o emprego dos MIP em técnicas de extração e separação, serão enfatizadas apenas aplicações destes referidos polímeros em SPE e SPME, bem como em técnicas de separação, incluindo HPLC, CE e CEC.

EMPREGO DE MIP EM TÉCNICAS DE EXTRAÇÃO EM FASE SÓLIDA

Extração em Fase Sólida (SPE)

O emprego dos MIP como materiais sorventes em SPE vem adquirindo destaque, pois oferecem alto grau de seletividade quando comparado com outros sorventes, como a sílica modificada (C18) e resinas de troca iônica e, ao mesmo tempo, por serem mais estáveis que os imunossorventes70,71. Um procedimento de SPE consiste na percolação da amostra no material sorvente disposto em cartuchos, onde a espécie de interesse fica retida seletivamente quando do uso do MIP. Em seguida, ao se empregar amostras complexas, faz-se necessário efetuar uma etapa de limpeza com um solvente adequado, no intuito de extrair as espécies interferentes ligadas ao polímero por interações não específicas. Nesta etapa, a espécie de interesse não deve ser co-eluída. As interações não específicas formadas durante a síntese, responsáveis pela retenção das espécies interferentes no MIP são originadas devido ao excesso de monômeros no meio reacional. Sendo assim, na extração em fase sólida normalmente é realizada uma etapa de limpeza também conhecida como etapa de lavagem, a fim de extrair os interferentes retidos nos sítios não específicos. A etapa final é efetuada mediante a eluição do analito na ausência dos interferentes12,72. Nestes procedimentos, etapas de "clean up" e de pré-concentração são, quando possível, executadas simultaneamente, o que confere também aos MIP características de materiais pré-concentradores.

No trabalho desenvolvido por Blomgren e colaboradores73 o MIP foi empregado na extração de clembuterol em amostras de urina de bovinos, cuja quantificação foi realizada por HPLC. O método apresentou faixa linear de 0,5 a 100 ng mL-1 e recuperações da ordem de 100% permitiram validar o método. A precisão do método foi avaliada em termos de repetibilidade e reprodutibilidade apresentando, respectivamente, desvios padrão relativos inferiores a 4,3 e 6,4%. Em outra aplicação, os MIP foram utilizados para extrair seletivamente cafeína em amostras de plasma sanguíneo e refrigerantes74.

Em outro trabalho realizado por Baggiani e colaboradores37, os MIP foram sintetizados em solvente polar e prótico (metanol-água 3:1 v/v) e aplicados na extração de herbicidas à base de ácido clorofenoacéticos em amostras de água. O melhor desempenho seletivo do MIP em detrimento a outras modalidades de extração, incluindo a extração líquido-líquido e a extração em fase sólida em (C18), foi atestado a partir da melhor definição dos picos eletroferográficos para as amostras submetidas à extração com MIP. Outras aplicações dos MIP como sorventes seletivos em procedimentos de preparo de amostras estão reunidas na Tabela 2, destacando, o meio reacional onde foi sintetizado o polímero, bem como o meio na qual foi realizada a extração. Os métodos até então apresentados são categorias de extração em fase sólida no modo "off-line". Embora de maneira escassa, a literatura relata alguns trabalhos acerca do uso de MIP no modo "on-line" acoplado a técnicas cromatográficas34.

Bjarnason e colaboradores89 desenvolveram um método analítico para determinação de herbicidas com estruturas de triazinas (simazina, atrazina, propazina e terbutilazina) em amostras de urina, extrato de maçã e soluções de ácido húmico. O método consistiu da combinação em série de duas colunas de extração (C18 e MIP) acopladas a uma coluna cromatográfica de HPLC. Com a adição da coluna MIP ao sistema, além de propiciar maior seletividade na extração, foram obtidos fatores de pré-concentração de 100 para amostras de ácido húmico e 5 para amostras de urina e extrato de maçã. Em outro estudo, Masqué e colaboradores90 descrevem a extração "on-line" de 4-nitrofenol em amostras de água, seguida da separação cromatográfica por HPLC. A síntese do polímero foi realizada em acetonitrila, empregando-se o 4-nitrofenol como molécula molde. A estratégia de síntese adotada neste trabalho é um exemplo de aplicação de MIP em amostras de água, cuja síntese é realizada em solvente aprótico.

A extração "on-line" em fase sólida com MIP também tem sido empregada em associação com técnicas eletroquímicas. Mena e colaboradores91 desenvolveram um método para pré-concentração seletiva do pesticida pirimicarb (um pesticida da classe dos carbamatos) em MIP, cuja detecção foi realizada por voltametria de pulso diferencial empregando eletrodo de mercúrio com gota pendente como eletrodo de trabalho. No referido trabalho, os autores sintetizaram o MIP em clorofórmio e o aplicaram como extrator em amostras de água. Percentuais de recuperação variando de 95 a 102% para amostras de água (água de torneira, de rio, de fonte natural) atestaram a validação do método. Em um trabalho semelhante, Mena e colaboradores92 aplicaram os MIP na extração de cloranfenicol em soluções oftálmicas e em amostras de leite. Testes de seletividade na presença de várias substâncias confirmaram o desempenho seletivo do MIP onde o percentual de recuperação para o cloranfenicol foi de 99 %. Além da seletividade obtida na extração, um fator de pré-concentração de 500 foi obtido empregando um volume 250 mL de amostra e 0,5 mL de eluente (metanol).

Microextração em Fase Sólida (SPME)

A técnica SPME foi proposta em 1990 por Arthur e Pawliszyn93. O dispositivo de extração consiste basicamente de uma fibra óptica de sílica fundida recoberta por um material polimérico, acondicionada dentro de uma agulha de aço inoxidável. O procedimento de extração é realizado pela inserção da fibra no "headspace" ou diretamente na amostra. Após um determinado tempo de extração dos constituintes de interesse, a fibra é recolhida e levada a um injetor de um cromatógrafo a gás para promover a dessorção térmica dos compostos. Também, é possível efetuar a dessorção por meio de solventes quando a separação for feita por HPLC. Atualmente, a SPME é uma técnica bastante difundida para extração de vários constituintes de amostras ambientais, biológicas, alimentícias, entre outras. Entretanto, face ao limitado número de fases poliméricas comerciais, para determinadas amostras a SPME apresenta reduzida seletividade. Neste sentido, o emprego dos MIP em SPME surge como uma opção viável para promover uma extração mais seletiva e, conseqüentemente, melhorar a etapa de separação cromatográfica.

O primeiro trabalho foi proposto por Koster e colaboradores22, onde a espécie brombuterol em amostras de urina foi extraída por SPME e quantificada por HPLC com detecção eletroquímica. Para preparo do MIP-SPME, a fibra silanizada imersa na solução polimérica foi submetida à radiação UV (350 nm) por 12 h a 4 ºC. Testes de seletividade da fibra MIP-SPME com os concomitantes clembuterol, formoterol, timolol, mabuterol e mapenterol apontaram que substâncias com estruturas similares ao brombuterol também são retidas no polímero. Desta forma, foi necessário incluir uma etapa de limpeza com acetonitrila para garantir maior seletividade ao método e viabilizar sua aplicação.

Outro trabalho no segmento de SPME com MIP foi proposto por Mullett e colaboradores94. Neste trabalho, a combinação MIP-SPME "in tube" foi utilizada para extrair propranolol adicionado a amostras de soro sanguíneo na presença de concomitantes, utilizando HPLC como técnica de separação cromatográfica. O termo "in tube" é utilizado porque a extração é conduzida dentro de um capilar, diferente da SPME convencional onde fibras são usadas para extração. O MIP sintetizado com diâmetro médio de partículas de 50 µm foi inserido em um capilar de sílica fundida (80 mm x 0,76 mm di). Os compostos extraídos no capilar eram posteriormente dessorvidos com uma mistura de solventes e depois transportados à coluna cromatográfica. A estabilidade do polímero foi considerada satisfatória, uma vez foi possível executar até 500 amostragens num período de 6 meses sem perdas de eficiência na extração.

EMPREGO DE MIP EM TÉCNICAS CROMATOGRÁFICAS E ELETROFORÉTICAS

A técnica HPLC tem mostrado considerável aplicação na separação de inúmeros compostos em matrizes biológicas, ambientais, alimentícias, entre outras95. A partir da década de 80, com o advento das técnicas CE e CEC, novos estudos de separação para uma gama de amostras foram conduzidos a partir da complementação das técnicas citadas96. Particularmente, os estudos envolvendo separações quirais são fundamentais no acompanhamento de reações orgânicas e em amostras clínicas. Em HPLC, as separações quirais podem ser efetuadas em fases estacionárias ligadas com derivados de celulose ou amilose97 ou por par iônico98. Para as técnicas CE e CEC as ciclodextrinas, como grupos seletivos, bem como os meios micelares, são comumente empregadas em separações quirais99,100. Apesar destas categorias de separação conferirem elevado grau de resolução quiral, vários trabalhos têm demonstrado a aplicabilidade dos MIP em HPLC, CE em gel e CEC para separação de enantiômeros.

Para avaliar o desempenho dos MIP em técnicas de separação deve-se considerar duas características importantes: a capacidade seletiva do MIP na presença de concomitantes e o efeito de impressão do MIP para uma molécula molde (analito) em relação a um polímero não impresso, conhecido com NIP ("Nonimprinted polymers"). Estas características são investigadas a partir dos seguintes parâmetros: (fator de retenção), a (fator de separação), If (fator de impressão) e RI (índice de retenção). O fator de retenção101 é dado pela Equação 1.

onde tR é o tempo de retenção do analito e tO , o tempo de retenção do solvente. Este parâmetro é utilizado para diferenciar, a partir do tempo de retenção, a seletividade do MIP para duas espécies químicas. Desta forma, quanto maior for a diferença do valor de K' para o analito em relação ao K' do concomitante, melhor a seletividade do MIP para o analito. O concomitante pode ser um composto com estrutura similar ao analito ou também um enantiômero. Apesar do fator de retenção permitir inferir o grau de seletividade do MIP para um analito, em situações onde a diferença de K' do analito e do K' do concomitante for igual para MIP e NIP, o referido parâmetro empregado isoladamente não traz informações apuradas acerca da seletividade do polímero. Nestes casos, recomenda-se utilizar o fator de separação102 (Equação 2), definido pela razão entre o fator de retenção do analito (K´analito)e o fator de retenção do concomitante (K´concomitante) obtidos para ambos, MIP e NIP.

O fator de separação é empregado quando se pretende avaliar o desempenho da separação do MIP em relação ao NIP, investigando o comportamento de duas espécies químicas (o analito e o concomitante). Como a avaliação do fator de separação é feita por comparação entre os dois valores de K´, obviamente o fator de separação apenas para o analito tanto no MIP quanto no NIP será sempre 1. Desta forma, como K'analito > K'concomitante o fator de separação para o analito e concomitante torna-se maior que 1, especialmente para o MIP em virtude de seu caráter seletivo. O melhor desempenho do MIP para um dado analito e na presença de concomitantes ocorre, portanto, quanto maior for o valor de seu fator de separação em detrimento ao fator de separação do NIP.

É possível também verificar o desempenho do MIP em relação ao NIP por meio do fator de impressão103 (Equação 3). Neste caso, se K'MIP >>>K'NIP melhor será o desempenho seletivo do MIP.

O fator de impressão obtido para o analito sempre deve ser superior a 1 e, obviamente, maior que aqueles obtidos para os concomitantes.

Tal como o fator de separação há ainda a possibilidade de avaliar o caráter seletivo dos MIP fazendo-se uso do índice de retenção (RI) dado pela Equação 4, que permite avaliar o grau de reconhecimento molecular do MIP para um dado analito em relação ao NIP90. O RI é empregado quando os tempos de retenção dos concomitantes e do analito no NIP são diferentes, sendo, portanto, necessário realizar a normalização dos tempos de retenção. Desta forma, por definição, o valor do RI para o analito é de 1, ao passo que os concomitantes que são retidos no MIP em menor extensão adquirem valores de RI menores que 1.

Como aplicação dos MIP como fases estacionárias para HPLC cita-se o trabalho realizado por Hwang e Lee104, onde o MIP foi empregado com intuito de separar os enantiômeros (-) e (+) da fenilpropanolamina, uma droga quiral. Para avaliar o caráter seletivo da fase estacionária, dois polímeros foram preparados com os enantiômeros (-) ou (+) da fenilpropanolamina. Após a polimerização, o sólido resultante foi colocado em colunas de HPLC, onde soluções sintéticas dos enantiômeros foram cromatografadas em fase móvel água-ácido acético-acetonitrila (1,5:6,5:92 v/v/v). Foram obtidos fatores de separação variando de 1,8 a 3,8 quando do uso do MIP preparado com o enantiômero (+) e de 2,1 a 2,6 com o enantiômero (-). Apesar de tais fatores de separação terem sido superiores aos obtidos com coluna de fase reversa (C18), houve alargamento dos picos, possivelmente atribuído à heterogeneidade das partículas e dos sítios de ligação.

Em outro tipo de aplicação de MIP como fases estacionárias para HPLC, Skudar e colaboradores101 relataram a separação de antibióticos b-lactamas (penicilina V e G e oxacilina). Efetuaram a separação cromatográfica dos três antibióticos no polímero sintetizado com oxacilina como molécula molde. A mistura de acetonitrila-propanol (99:1 v/v) foi utilizada como fase móvel. Foram obtidos dois picos cromatográficos, onde o primeiro era referente às espécies penicilina V e G e o segundo, relativo à oxacilina com maior tempo de retenção. Este perfil cromatográfico evidencia o caráter seletivo dos MIP. Em consonância, os fatores de retenção e separação, bem como os índices de retenção atestaram a seletividade da coluna cromatográfica. Além da aplicação dos MIP em HPLC, alguns trabalhos têm relatado o emprego destes polímeros em TLC na separação de drogas quirais105,106.

No que se refere às técnicas de CEC empregadas para separação enantiomérica, em geral, o preparo dos MIP ocorre in situ, ou seja, dentro do capilar de sílica fundida. Uma representação esquemática da polimerização in situ é mostrada na Figura 8.


Schweitz e colaboradores107 reportaram a separação enantiomérica de propanolol e metoprolol por CEC utilizando diferentes polímeros sintetizados com os enantiômeros (R) e (S) das espécies estudadas. Entre os resultados obtidos, foi possível separar a mistura racêmica (R) e (S) propanolol usando o polímero construído com (R)-propanolol. Da mesma maneira, mediante o emprego do MIP preparado com a molécula molde (S)-metoprolol, a mistura racêmica (R) e (S) metoprolol foi separada com êxito. A elevada resistência química do MIP permitiu aplicar altas voltagens no capilar, resultando na separação dos enantiômeros em apenas 2 min. Outra característica marcante do MIP refere-se a sua estabilidade, preservando seu caráter seletivo durante 3 meses de uso.

Um trabalho similar a este citado, foi realizado por Lin e colaboradores108 onde os enantiômeros D e L do aminoácido fenilalanina foram separados por CEC contendo MIP como material seletivo. Com base nos eletrocromatogramas, a separação dos enantiômeros D e L da fenilalanina foi obtida, porém, a resolução não foi satisfatória (Rs= 1,22), basicamente devido aos reduzidos números de pratos teóricos. Para exemplificar a importância do diâmetro das partículas em separações eletroforéticas, Lin e colaboradores109 demonstraram a separação enantiomérica da D e L fenilalanima por eletroforese capilar em gel. A diferença do emprego dos MIP em CE em gel e em CEC decorre que, na primeira, as partículas obtidas do MIP são incorporadas com gel (geralmente poliacrilamida) e então inseridas dentro do capilar, enquanto que na CEC o processo de formação do MIP ocorre in situ. Em CE em gel, o controle do diâmetro de partículas do MIP assegurou melhor resolução cromatográfica (Rs = 1,41). Outras aplicações dos MIP como fases estacionárias para HPLC, bem como em CE e CEC estão reunidas na Tabela 3.

CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

Os MIP são polímeros biomiméticos amplamente empregados em química analítica. No campo de preparo de amostras, a partir do número de publicações, pôde-se constatar que o emprego dos referidos polímeros em SPE mostrou um rápido aumento, basicamente devido às características vantajosas da SPE e ao caráter seletivo dos MIP. Embora seja plausível considerar que etapas de limpeza em MIP-SPE sejam desnecessárias, praticamente em todos os trabalhos tais etapas foram necessárias. De fato, estes procedimentos são requeridos pois, durante a reação de polimerização, além da formação de sítios seletivos, há também a formação de sítios não específicos onde os concomitantes da amostra ficam retidos. Assim, a seletividade em MIP-SPE é também governada mediante a escolha rigorosa do solvente de limpeza. Em relação à SPME, a aplicação dos MIP é ainda escassa na literatura, indicando que novos estudos com ênfase em reações de polimerização e em procedimentos de incorporação dos polímeros sobre as fibras figuram atraentes, no sentido de potencializar a associação MIP-SPME.

Com respeito às técnicas de separação, a HPLC e a CEC contendo MIP como fases seletivas são igualmente empregadas em separações quirais. Entretanto, o bom desempenho dos MIP em HPLC no que tange à melhor resolução cromatográfica depende das condições de preparo, as quais podem influenciar no tamanho e formato das partículas, bem como na uniformidade dos sítios seletivos. Adicionalmente, cabe lembrar que a maioria dos trabalhos relata separações enantioméricas de amostras sintéticas, sendo isto mais um indicativo de que o uso dos MIP em técnicas de separação se encontra em franco desenvolvimento. É válido lembrar que, apesar da aplicação dos MIP ser amplamente voltada para moléculas com peso molecular baixo, ainda que de maneira escassa, pode-se também empregar a tecnologia MIP com êxito na separação de macromoléculas, tais como as proteínas.

Como comentários finais, a habilidade dos MIP em simular seletivamente o reconhecimento molecular, tal como é feito com a interação antígeno-anticorpo, traz contribuições significativas para melhoria em seletividade e sensibilidade em química analítica, principalmente apresentando potencialidades como materiais poliméricos seletivos em substituição aos métodos de imunoafinidade em cromatografia, bem como em relação aos materiais convencionais empregados em extração em fase sólida (C18 e resinas). Os sistemas biomiméticos sintéticos que caracterizam os MIP possuem vantagens em relação aos sistemas biológicos no tocante à simplicidade do preparo, baixo custo e estabilidade. Apesar das vantagens conferidas aos MIP, acreditamos que a comercialização destes polímeros depende basicamente de três fatores: o desenvolvimento de novos métodos de polimerização em escala industrial que garantam a uniformidade das partículas poliméricas, condições propícias em técnicas de separação, participação de indústrias, em especial farmacêuticas, no financiamento e direcionamento das pesquisas e novos estudos em relação à síntese dos MIP visando o melhor reconhecimento da interação analito-monômero e, conseqüentemente, tornando-os ainda mais seletivos.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq e à FAPESP pelo auxílio financeiro. C. R. T. Tarley agradece à FAPESP pela concessão da bolsa de Pós-Doutorado (processo nº 04/00615-6).

Recebido em 5/11/04; aceito em 4/2/05; publicado na web em 11/7/05

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      05 Nov 2004
    • Aceito
      04 Fev 2005
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