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Espectroscopia de correlação bidimensional: fundamentos, aplicações e perspectivas

Two-dimensional correlation spectroscopy: fundamentals, applications and perspectives

Resumo

This paper presents the basic theory of generalized two-dimensional correlation spectroscopy. This method is applicable to various types of spectroscopy, including Infrared, Near Infrared and Raman Spectroscopy and it emphasizes spectral features not readily observable in conventional one-dimensional spectra. Some applications are cited, including work developed in Brazil.

generalized two-dimensional correlation spectroscopy; Infrared; Near Infrared


generalized two-dimensional correlation spectroscopy; Infrared; Near Infrared

DIVULGAÇÃO

Espectroscopia de correlação bidimensional: fundamentos, aplicações e perspectivas

Two-dimensional correlation spectroscopy: fundamentals, applications and perspectives

Claudete Fernandes Pereira* * e-mail: cfernandes@iqm.unicam.br ; Celio Pasquini

Departamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, CP 6154, 13084-971 Campinas – SP

ABSTRACT

This paper presents the basic theory of generalized two-dimensional correlation spectroscopy. This method is applicable to various types of spectroscopy, including Infrared, Near Infrared and Raman Spectroscopy and it emphasizes spectral features not readily observable in conventional one-dimensional spectra. Some applications are cited, including work developed in Brazil.

Keywords: generalized two-dimensional correlation spectroscopy; Infrared; Near Infrared.

INTRODUÇÃO

A espectroscopia de correlação bidimensional é uma técnica que representa graficamente a intensidade espectral em função de duas variáveis espectrais independentes (i.e. freqüência ou comprimento de onda). Ou seja, dois eixos ortogonais de variáveis espectrais independentes definem um plano espectral 2D e a intensidade espectral é representada ao longo do terceiro eixo. Através desses espectros 2D é possível obter a simplificação de espectros complexos que consistem de muitas bandas ou picos sobrepostos; uma melhor resolução espectral através da expansão dos picos sobre a segunda dimensão e, a identificação de várias interações inter e intramoleculares através da correlação seletiva dos picos1.

A idéia de expandir picos espectrais através da segunda dimensão, a fim de simplificar a visualização de espectros complexos consistindo de muitas bandas sobrepostas, teve origem na espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) e foi sugerida pelo físico belga Jean Jeener em 1971 durante o "AMPERE Summer School"2,3. O procedimento experimental mais comum para obtenção dos espectros RMN 2D consiste em coletar dados em função do tempo t2 (tempo de detecção) e antes de se obter o sinal de FID (decaimento livre de indução) o sistema é perturbado por um pulso, durante um período t1. A transformada de Fourier do FID em função de t2 para um t1 fixo fornece um espectro 1D. O processo é, então, repetido para vários valores de t1, fornecendo um espectro bidimensional em termos das duas variáveis n1 e n2 ou às vezes, dos parâmetros de deslocamento químico d1 e d24.

Desde que foi sugerida, a técnica RMN 2D mostrou-se bastante útil na elucidação de estruturas de diferentes espécies químicas, ganhando grande aceitação na comunidade científica e, atualmente, faz parte da rotina de qualquer laboratório de medidas de RMN. Entretanto, a utilização de uma segunda dimensão para simplificar e melhorar a visualização de espectros complexos não foi, até meados da década de 80, considerada pelos pesquisadores das demais técnicas espectroscópicas. Uma possível razão para isso pode ser a dificuldade aparente em se adotar, nas demais técnicas espectroscópicas, um procedimento experimental baseado na aplicação de pulsos múltiplos como os de radiofreqüência (rf) empregados com sucesso em RMN. As técnicas espectroscópicas mais comuns como, IR (Infravermelho Médio), NIR (Infravermelho Próximo), Fluorescência e Raman são governadas por fenômenos físicos que apresentam escalas de tempo muito diferentes das encontradas em RMN. As vibrações moleculares são muito mais rápidas (picosegundos) que os processos de relaxação de spin (microsegundos ou mais) encontrados em RMN.

Para contornar esta dificuldade aparente de aplicação da análise de correlação 2D às demais técnicas espectroscópicas, uma primeira proposta foi sugerida por Noda, em 19865, com relação à espectroscopia de correlação bidimensional no Infravermelho Médio (IR 2D). Ao contrário dos métodos de Transformada de Fourier dupla sobre os pulsos múltiplos de excitação empregados em RMN 2D, uma análise de correlação cruzada simples foi aplicada a sinais IR dinâmicos com variação senoidal, a fim de se obterem espectros de correlação IR 2D.

A técnica IR 2D foi originalmente empregada para analisar dados obtidos de estudos reo-ópticos de polímeros. Estes estudos foram planejados para investigar respostas em nível molecular de amostras que sofrem deformações contínuas e subseqüentes relaxações. Uma tensão oscilante de amplitude pequena (i. e., perturbação mecânica) na faixa de freqüência acústica foi aplicada a um filme polimérico fino e as reorientações dinâmicas, resultantes das transições de momentos de dipolo, associadas com os vários grupos químicos, foram monitoradas com luz IR polarizada1.

A proposta de correlação 2D citada acima apresenta uma limitação: as variações de intensidades espectrais dinâmicas em função do tempo, isto é, a forma de onda deve ser uma senóide simples para emprego eficaz do sistema original de análise de dados. Por essa razão, em 1993, Noda5 apresentou um formalismo matemático para construção de espectros de correlação 2D aplicável de forma mais ampla e razoavelmente simples, que possibilita a manipulação de variações de sinais em função do tempo ou qualquer outra variável física. Tal desenvolvimento fez da análise de correlação 2D uma ferramenta espectroscópica universal disponível para uma faixa ampla de aplicações (Infravermelho Próximo – NIR, Raman, Fluorescência, UV). Noda chamou esta nova técnica de espectroscopia de correlação 2D generalizada, cuja forma de obtenção dos dados encontra-se descrita no próximo item.

Ainda no início da década de 90, Noda sugeriu a espectroscopia de correlação 2D heteroespectral que, como o próprio nome sugere, consiste na correlação de espectros obtidos em diferentes regiões espectrais1,5. Tal correlação é um dos mais atraentes campos da espectroscopia de correlação 2D, pois através da mesma pode-se obter informações relevantes sobre o sistema em estudo. Por ex., a atribuição de bandas no NIR torna-se muito mais fácil quando as mesmas apresentam correlação com bandas na região MIR, cujas atribuições são bem estabelecidas.

Uma das primeiras aplicações da espectroscopia de correlação bidimensional generalizada foi em espectroscopia Raman, em 1993. Ebihara e colaboradores6 interpretaram as mudanças de intensidade Raman após foto-excitação do radical aniônico benzil em dimetil sulfóxido (DMSO), na faixa de tempo de nanosegundos.

Em 1995, a espectroscopia de correlação 2D foi aplicada pela primeira vez à região do infravermelho próximo (NIR). Este trabalho investigou variações espectrais dependentes da temperatura do álcool oleil (cis-9-octadecenol 1)7. Tal estudo foi de extrema importância porque revelou informações não acessíveis nos espectros unidimensionais. Por ex., a análise mostrou que a banda em 7090 cm-1 (1410 nm), devido ao primeiro sobretom do modo de estiramento OH do álcool monomérico, consiste de duas bandas que surgem do isomerismo rotacional do grupo OH livre. A partir deste estudo, vários outros foram propostos, empregando a técnica NIR 2D para analisar variações espectrais dependentes da temperatura de diferentes compostos, como N-metil acetamida (NMA)8 e Nylon 129.

O ano de 1995 foi marcado pela primeira aplicação do método de correlação 2D à espectroscopia de fluorescência (FCS 2D). Tal procedimento foi proposto por Roselli et al.10 para investigar os dois sítios ligantes de Yb3+ na proteína transferrina, usando uma série de espectros de emissão coletados em vários comprimentos de onda de excitação.

Nos últimos anos a espectroscopia de correlação 2D tem se tornado cada vez mais popular, e diferentes métodos de perturbação, correlação e tratamentos matemáticos dos espectros de correlação 2D têm sido sugeridos na literatura11-14.

Diante da importância da análise de correlação bidimensional nas diferentes técnicas espectroscópicas, o presente trabalho tem como objetivo apresentar os princípios teóricos básicos da espectroscopia de correlação bidimensional generalizada, suas aplicações e as perspectivas para trabalhos futuros.

Espectroscopia de correlação bidimensional generalizada

O formalismo matemático para construção de espectros de correlação 2D, que tornou popular a aplicação da espectroscopia de correlação bidimensional, estendendo-a às demais técnicas espectroscópicas e, é apresentado a seguir.

Perturbação utilizada na espectroscopia 2D

A Figura 1 mostra o esquema básico para um experimento de espectroscopia de correlação 2D baseado em uma perturbação externa. A resposta do sistema à perturbação aplicada(espectro dinâmico), freqüentemente, manifesta-se como variações no espectro óptico1,15. Tal perturbação pode ser aplicada na forma de pulsos ou até de forma estática, variando-se uma propriedade como a pressão, concentração ou temperatura do sistema a valores pré-determinados1.


A perturbação afeta o sistema (amostra) de uma forma governada pelo mecanismo de interação do estímulo macroscópico com as respostas em nível microscópico ou molecular dos constituintes do sistema. O tipo de informação contida no espectro dinâmico depende do tipo de perturbação e do monitoramento (técnica espectroscópica, por ex. IR, NIR Raman ou Fluorescência) empregado.

Análise de correlação 2D

Espectro dinâmico

O espectro dinâmico (n, t) de uma amostra afetada pela perturbação é definido como

onde (n) é o espectro de referência da amostra ou sistema. O espectro de referência, por sua vez, pode ser obtido de diversas formas. Normalmente esta referência é assumida como o espectro estacionário ou médio definido por

O espectro de referência pode também ser selecionado como o espectro observado em algum ponto de referência como antes do início da perturbação (t ® -¥), após seu efeito ter se extinguido (t ® +¥) ou a um intervalo de tempo fixo após sua aplicação ao sistema. O espectro de referência pode ainda ser presumido como sendo igual a zero. Neste caso, o espectro dinâmico iguala-se à variação da intensidade espectral observada sob efeito da perturbação.

Função de correlação 2D

A correlação 2D nada mais é que uma comparação de variações de intensidade espectrais observadas em duas variáveis espectrais diferentes, sob um intervalo de observação finito entre Tmin e Tmax. Portanto, o espectro de correlação pode ser escrito como:

onde 1) X(n1 , n2) ® intensidade de correlação 2D e 2) os símbolos á ñ denotam qualquer classe de funções de correlação para comparar as duas intensidades em relação a t.

A função X(n1 , n2) é tratada convencionalmente como um número complexo

compreendendo dois componentes ortogonais conhecidos como intensidades de correlação síncrona e assíncrona, respectivamente. A correlação 2D síncrona F(n1, n2) representa a similaridade entre as duas variações espectrais medidas em variáveis espectrais diferentes quando o valor de t é alterado. A correlação 2D assíncrona Y(n1, n 2) pode ser considerada como a não-similaridade das variações espectrais.

Cálculo do espectro de correlação 2D síncrono

A computação numérica do espectro 2D pode ser implementada com algoritmos que permitem uma simplificação e otimização dos cálculos e do tempo de computação5. Para um grupo de m espectros dinâmicos coletados durante o intervalo entre Tmin e Tmax, ao longo da variável t em intervalos iguais, Dt = (Tmax – Tmin)/(m-1), a intensidade de correlação 2D síncrona é dada pela expressão

onde

j(ni) é a intensidade espectral no ponto da variável física tj, ou seja

Para um conjunto de dados consistindo de espectros que não estão igualmente espaçados em t, um procedimento numérico simples, como interpolação ou ajuste de curva, pode convertê-los em um conjunto de dados igualmente espaçados.

Cálculo do espectro de correlação 2D assíncrono

A computação da intensidade de correlação 2D assíncrona é mais complexa existindo diferentes caminhos para efetuá-la. Entre estes, provavelmente o mais simples e eficiente método computacional disponível para a estimativa do espectro de correlação 2D assíncrono é através da equação

onde Njk corresponde aos elementos da jth linha e kth coluna da matriz de transformação discreta de Hilbert-Noda16, os quais são dados por

Informações provenientes dos espectros de correlação 2D síncrono e assíncrono

O espectro de correlação 2D síncrono (Figura 2) representa mudanças de intensidade espectrais simultâneas ou coincidentes, e é constituído por auto-picos (presentes na linha diagonal), cuja intensidade reflete as regiões do espectro que alteram sua intensidade sob efeito da perturbação externa e picos cruzados (localizados fora da diagonal), que informam sobre as mudanças de intensidade espectral entre duas variáveis espectrais diferentes n1 e n2.


Em um espectro 2D síncrono, picos cruzados negativos indicam que as mudanças de intensidade observadas em duas coordenadas espectrais ocorrem em direções opostas, isto é, uma aumenta enquanto a outra diminui. Um pico cruzado positivo, por outro lado, indica que as mudanças de intensidade estão na mesma direção1,5.

O espectro de correlação 2D assíncrono (Figura 3) informa sobre as respostas espectrais que ocorrem fora de fase com o pulso de perturbação. Esta informação manifesta-se na forma de picos que sempre são registrados fora da diagonal do espaço bi-dimensional. O sinal de um pico assíncrono revela a ordem temporal na qual as intensidades espectrais observadas para as variáveis n1 e n2 ocorrem em relação à perturbação. Por ex., o sinal será positivo se a alteração de intensidade espectral em n1 ocorrer predominantemente antes da alteração da intensidade espectral em n2, considerando-se a ordem seqüencial da variável externa t1, 4.


Programas computacionais para espectroscopia 2D

A espectroscopia de correlação bidimensional generalizada, é uma técnica de correlação simples, que visa acessar informações não visualizadas facilmente nos espectros unidimensionais. Os espectros de correlação 2D podem ser analisados por meio de gráficos pseudo-tridimensionais ou, mais facilmente, por meio da representação de mapas de contorno (mapa de superfície). A matemática simples usada para geração de espectros de correlação 2D síncrono pode ser facilmente implementada com os softwares de programação existentes. Entretanto, para obtenção de espectros de correlação 2D assíncronos, tal procedimento demanda um pouco mais de trabalho.

No nosso laboratório foram desenvolvidas ferramentas computacionais visando a obtenção de espectros 2D síncronos. Para tanto, foram simulados alguns espectros com variações espectrais em função do tempo e os cálculos de correlação 2D síncrona foram então, efetuados no software Microsoft Excel®. Para obtenção dos mapas de contorno utilizou-se o software Origin 5.0®. Entretanto, para espectros obtidos em instrumentos comerciais onde o número de variáveis espectrais é grande (às vezes maior que 2000) tal procedimento não é recomendado. Para tanto, um programa desenvolvido pelo grupo do Prof. Ozaki (Japão), disponibilizado na internet, pode ser utilizado17. O programa, chamado 2D POCHA, opera em sistema Windows e possui um ambiente de trabalho bastante amigável. De posse desse programa e dos espectros obtidos por meio das diferentes técnicas espectroscópicas utilizando os mais diferentes estímulos (por ex.: temperatura, concentração, pressão, pH, etc.), as análises de correlação 2D síncrona ou assíncrona podem ser facilmente implementadas.

APLICAÇÕES

A espectroscopia de correlação 2D tornou-se, nos últimos anos, uma ferramenta bastante útil para interpretação de espectros obtidos nas regiões MIR, NIR e Raman. Dentre os trabalhos publicados destaca-se a investigação de estruturas complexas como proteínas, polímeros e cristais líquidos (Tabela 1) empregando as mais diferentes formas de estímulos para obtenção dos espectros 2D (por ex., temperatura, pressão, concentração, etc.). As investigações de processos de desnaturação de proteínas e estabilidade de estruturas poliméricas em função da variação de temperatura são os principais trabalhos encontrados na literatura.

Uma das razões desta crescente aceitação da espectroscopia de correlação 2D nos diferentes tipos de técnicas espectroscópicas é a melhor resolução e, portanto, melhor atribuição das bandas espectrais obtidas através desses espectros. Entretanto, não dá para afirmar que os espectros 2D são superiores aos 1D ou vice-versa. A análise 2D assim como as diferentes formas de manipulação dos espectros 1D (por ex., subtração, primeira ou segunda derivada) enfatizam aspectos diferentes das informações contidas nos dados originais. A eficiência de uma ou outra irá depender de como e onde elas serão usadas. Portanto, ambas devem ser usadas de forma complementar. É bem verdade que algumas vezes os espectros 2D revelam características espectrais não observáveis nos espectros 1D, como foi verificado no estudo realizado por Ozaki et al.18 sobre hidratação e estrutura de proteínas. A espectroscopia de correlação NIR 2D revelou características espectrais não observáveis nos espectros 1D e de segunda derivada, que foram úteis na investigação de mudanças estruturais e processo de desnaturação das proteínas ovalbumina e soro albumina, respectivamente.

Além dos espectros 2D às vezes apresentarem informações não observadas nos espectros da diferença, primeira ou segunda derivada, esta técnica ainda tem levado vantagem sobre as demais, no que diz respeito à informação sobre a ordem temporal de ocorrências espectrais observadas para variáveis espectrais diferentes em relação à perturbação aplicada ao sistema (informação acessada através dos espectros de correlação 2D assíncronos).

A correlação 2D heteroespectral também constitui outra razão para a crescente popularidade da espectroscopia de correlação 2D. Tal correlação, como citado anteriormente, é extremamente útil para atribuição de bandas espectrais na região NIR através da correlação com as bandas fundamentais do MIR.

Uma discussão interessante sobre a aplicação da espectroscopia de correlação 2D generalizada, considerando seus aspectos positivos e negativos, pode ser encontrada nas cartas enviadas à revista Applied Spectroscopy pelos autores Meier e Steeman19 e na resposta emitida por Noda20, publicadas em 2002.

Exemplo do uso da espectroscopia de correlação 2D. Investigação de desvios da aditividade da lei de Lambert-Beer no sistema etanol-tolueno

A espectroscopia de correlação bidimensional generalizada foi utilizada para investigar desvios no efeito da aditividade da Lei de Lambert-Beer, devido a interações inter- ou intra-moleculares em sistemas binários. Um sistema de perturbação de concentração em fluxo foi proposto a fim de minimizar o consumo de reagentes e agilizar a obtenção dos espectros44. Tal procedimento de perturbação de concentração apresenta algumas vantagens sobre os sistemas em batelada geralmente descritos na literatura: os experimentos são realizados em sistema fechado (menor risco de contaminação das amostras); maior velocidade na aplicação da perturbação, além de se trabalhar em micro-escala (menor consumo de reagentes). O diagrama de fluxo proposto é mostrado na Figura 4. A obtenção dos espectros foi feita com um espectrofotômetro NIR – Brimrose modelo Luminar 2000. O acionamento simultâneo das duas válvulas solenóides de três vias interrompe a vazão de um líquido e inicia a adição do outro, gerando um gradiente de concentração até que o sistema passe a conter somente o segundo líquido.


A mistura binária de tolueno e etanol foi investigada devido à interferência observada do primeiro na previsão do teor de etanol em gasolina. Partindo-se do pressuposto que o efeito da aditividade da Lei de Lambert-Beer é obedecido, os espectros teóricos das misturas etanol + tolueno foram calculados a partir dos seus espectros puros e suas respectivas frações molares nas misturas. Misturas etanol + tolueno com frações molares conhecidas foram preparadas e um modelo de calibração multivariada foi construído a fim de prever a fração molar de etanol no sistema em fluxo mostrado na Figura 4. De posse desses espectros teóricos e dos espectros medidos experimentalmente por meio do sistema em fluxo, utilizou-se a espectroscopia de correlação 2D heteroespectral para correlacioná-los e tentar evidenciar o desvio no comportamento esperado em decorrência de interações inter-moleculares.

Os mapas de correlação 2D síncrono para as misturas etanol + tolueno (teóricas e experimentais) obtidos são mostrados na Figura 5. A faixa espectral entre 1100 e 1300 nm (Figura 5a), que abrange a região do segundo sobretom dos modos vibracionais das ligações C – H, apresentou grande correlação indicando similaridade total entre os espectros teóricos e experimentais. Tal correlação pode ser verificada por meio da simetria apresentada entre os auto-picos (linha diagonal) e os picos cruzados (fora da diagonal) obtidos. Entretanto, para a faixa espectral 1354 – 1750 nm (Figura 5b) observa-se uma assimetria do auto-pico que abrange a região do primeiro sobretom dos modos vibracionais da ligação O – H do álcool. Além disso, há a formação de um pico cruzado (A) nas coordenadas espectrais (1582 e 1402 nm) que não possui correspondente no mapa de contorno, como era de se esperar. Tais diferenças entre os espectros teóricos e experimentais provavelmente advém de interações inter-moleculares.



A espectroscopia de correlação bi-dimensional tem também sido utilizada em nosso laboratório com a finalidade de selecionar regiões espectrais mais informativas com relação a alguns parâmetros de qualidade de gasolinas. Apesar de não ser uma ferramenta para seleção de variáveis, resultados semelhantes aos encontrados com ferramentas quimiométricas desenvolvidas para este fim (por ex., Algoritmo das Projeções Sucessivas – APS e Algoritmo Genético) têm sido obtidos45.

PERSPECTIVAS

A espectroscopia de correlação 2D generalizada abriu novas possibilidades de análise espectral nos vários ramos da espectroscopia óptica e da ciência. Tal progresso, foi auxiliado pela disponibilidade de hardwares com capacidade de aquisição e tratamento dos dados espectrais obtidos. Entretanto, o desenvolvimento de softwares de rotina para espectrômetros comerciais faz-se ainda necessário. Provavelmente, a demanda crescente pela técnica deverá pressionar os fabricantes de espectrômetros a desenvolverem os softwares necessários para implementação da análise 2D, assim como ocorreu em relação à RMN 2D.

Evidentemente, há vários outros aspectos importantes a serem considerados para desenvolvimento futuro na espectroscopia de correlação 2D. Um deles é explorar novas possibilidades de correlação 2D, a fim de melhorar a interpretação de dados espectrais e processos químicos sob investigação. Recentemente, por ex., Sasic et al.11 propuseram uma nova possibilidade de correlação 2D, a espectroscopia de correlação amostra-amostra. Em vez da geração de mapas 2D com eixos contendo números de onda ou comprimentos de onda e discussão de correlações entre bandas, a nova proposta de correlação amostra-amostra permite colocar qualquer tipo de variável de perturbação, como temperatura, concentração, pressão e tempo, nos eixos das amostras. Por meio deste tipo de correlação pode-se analisar a dinâmica da perturbação sobre as espécies em estudo. Esta técnica fornece informações complementares às obtidas com a correlação 2D convencional (i.e., correlação número de onda – número de onda) no estudo de sistemas químicos complexos.

Outra tendência atual observada, diz respeito à comparação da espectroscopia de correlação 2D com outros métodos de análise espectral, como por ex., os métodos quimiométricos. Jung et al.12 descreveram a combinação da Análise de Componentes Principais (PCA) com a Espectroscopia de Correlação 2D. O método realiza um PCA sobre os dados espectrais originais antes da análise de correlação 2D. Este procedimento acentua com mais eficiência características espectrais importantes, uma vez que a PCA é bastante útil na remoção de ruídos que poderiam levar a interpretações errôneas, principalmente, nos espectros de correlação 2D assíncronos.

A utilização da espectroscopia de correlação 2D híbrida é outra possibilidade na análise 2D. Esta técnica foi sugerida por Wu et al.14 em 2002 e pode explorar diretamente as correlações entre dois sistemas ou conjunto de dados espectrais medidos sob duas perturbações diferentes. Tal estudo é extremamente útil, já que variações de intensidade espectrais semelhantes podem ser causadas por variáveis físicas diferentes. Por ex., modificações estruturais semelhantes podem ser observadas em proteínas tanto pela variação da temperatura quanto da pressão.

O desenvolvimento de métodos para interpretação quantitativa de espectros de correlação 2D é importante, uma vez que até agora somente a interpretação qualitativa pode ser obtida através de seus espectros. A combinação desta técnica com aquelas usuais da Quimiometria pode ter sido o primeiro passo para este desenvolvimento.

Por fim, a correlação 2D heteroespectral demonstra grande potencial para atribuição de bandas espectrais principalmente na região NIR, o que a torna uma ferramenta potencial para investigação de matrizes complexas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho apresentou aspectos históricos, teóricos e práticos da espectroscopia de correlação bidimensional, os quais demonstraram o potencial deste método de análise na interpretação de dados espectrais oriundos das diferentes técnicas espectroscópicas como MIR, NIR, Raman e Fluorescência. Tratando-se de uma técnica relativamente nova, muito ainda deve ser feito para difundir sua aplicação nas diferentes áreas de pesquisa e matrizes. Ou seja, muito ainda será discutido e acrescentado a esta técnica de correlação.

Os espectros de correlação 2D, através da representação de mapas de contorno, podem fornecer informações não observadas facilmente nos espectros unidimensionais, o que melhora a atribuição de bandas espectrais. Além disto, os espectros de correlação 2D assíncronos apresentam características únicas, como a informação sobre a ordem temporal dos acontecimentos espectrais em função da perturbação aplicada ao sistema em estudo. Esta informação é extremamente útil na investigação de mudanças estruturais que ocorrem em espécies complexas, como polímeros ou proteínas.

O fascínio exercido pela espectroscopia de correlação 2D na comunidade científica pode ser percebido por meio do crescente número de trabalhos publicados. Porém, a utilização desta técnica deve ser feita com parcimônia, já que, para muitos sistemas químicos, os métodos de análise espectrais convencionais, como espectro da subtração, primeira ou segunda derivada e PCA, podem acessar todas as informações de interesse.

Um longo caminho ainda deverá ser percorrido até que a espectroscopia de correlação 2D se torne tão popular quanto a RMN 2D, entretanto, os resultados obtidos nos estudos desenvolvidos até o momento, para as mais diferentes matrizes, demonstram o potencial desta técnica para atribuição e interpretação de dados espectrais, e, talvez, para obtenção de informações relevantes em procedimentos analíticos quantitativos baseados em calibração multivariada.

17. http://sci-tech.ksc.kwansei.ac.jp/~ozaki/2D-Pocha.htm, acessada em Julho 2002.

Recebido em 18/1/05; aceito em 13/5/05; publicado na web em 01/12/05

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Aceito
      13 Maio 2005
    • Recebido
      18 Jan 2005
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