Acessibilidade / Reportar erro

Gerenciamento dos resíduos da disciplina química inorgânica II do curso de química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Management of residues of an undergraduate inorganic chemistry course at the Federal University of Rio Grande do Su

Resumo

Beginning students in chemistry usually do not realize that wastes generated in their experimental classes constitute an environmental problem and that residues must be treated or disposed of in a suitable way. In this manuscript we describe the work that we have been doing in the inorganic chemistry course of the Federal University of Rio Grande do Sul with the objective of creating a critical consciousness in the students about the chemical wastes they generate. With this policy, students are required to take into account the nature of the residues they generate, how they can treat or segregate them, and how they can keep them in a suitable way for final destination, instead of simply throwing them away.

chemical waste management; environment; inorganic chemistry


chemical waste management; environment; inorganic chemistry

ASSUNTOS GERAIS

Gerenciamento dos resíduos da disciplina química inorgânica II do curso de química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Management of residues of an undergraduate inorganic chemistry course at the Federal University of Rio Grande do Sul

Annelise Engel Gerbase* * e-mail: agerbase@ufrgs.br ; José Ribeiro Gregório; Tatiana Calvete

Instituto de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves, 9500, 91501-970 Porto Alegre - RS

ABSTRACT

Beginning students in chemistry usually do not realize that wastes generated in their experimental classes constitute an environmental problem and that residues must be treated or disposed of in a suitable way. In this manuscript we describe the work that we have been doing in the inorganic chemistry course of the Federal University of Rio Grande do Sul with the objective of creating a critical consciousness in the students about the chemical wastes they generate. With this policy, students are required to take into account the nature of the residues they generate, how they can treat or segregate them, and how they can keep them in a suitable way for final destination, instead of simply throwing them away.

Keywords: chemical waste management; environment; inorganic chemistry.

INTRODUÇÃO

O controle da poluição tem sido um dos maiores desafios ambientais do mundo atual. O reconhecimento de que a ação do homem contribui para deterioração do ambiente natural e dos recursos naturais tem sido comum, fazendo com que os países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, busquem alternativas em relação à restauração do meio ambiente natural1.

A globalização dos problemas ambientais e sua compreensão são de responsabilidade do conjunto das sociedades. Segundo Moradillo2, "a educação formal, como um dos espaços coletivos para produção de conhecimentos, torna-se hoje desafiada a inserir nas suas práticas pedagógicas a perspectiva ambiental levando à superação do atual contexto sócio-histórico, de degradação e exploração da natureza."

Há 20 anos o Instituto de Química da UFRGS iniciou um processo de conscientização ecológica, através de sua comunidade de professores, funcionários e alunos, onde todos os rejeitos químicos gerados nos laboratórios passaram a ser devidamente recolhidos em frascos individualizados3. Nesse contexto, consciente do seu papel como formadora de cidadãos responsáveis pelo meio ambiente, a disciplina de Química Inorgânica do curso de Química introduziu experiências de recuperação de resíduos em seu conteúdo programático, já com a preocupação de transformá-los em produtos que pudessem ser reaproveitados.

A partir de 1993, com a conclusão das obras dos depósitos e dos laboratórios de tratamento de resíduos e do desenvolvimento de um protótipo de queimador de solventes orgânicos, iniciou-se de fato o processo de recuperação e destruição desses resíduos de forma responsável e comprometida com a preservação do meio ambiente. Com a implantação do projeto "O Ensino e a Química Limpa" no Instituto de Química em 1999, que teve como meta a formação de profissionais em Química preocupados com a preservação do meio ambiente e com o desenvolvimento e a utilização de tecnologias limpas, foram introduzidos em diversas disciplinas do curso de Química os conceitos de prevenção à poluição, produção mais limpa, redução, reutilização e reciclagem, além do pré-tratamento e tratamento dos resíduos pelos próprios alunos4,5.

Em 2001, por decisão do Conselho Universitário da UFRGS, foi aprovada a proposta de criação do Centro de Gestão e Tratamento de Resíduos Químicos (CGTRQ) como Órgão Auxiliar do Instituto de Química, que tem por finalidade a produção e a divulgação de conhecimentos científicos e tecnológicos na área de gestão de resíduos químicos e de segurança química, dando suporte às atividades de ensino e pesquisa do Instituto de Química6.

As atividades pioneiras de algumas Universidades5,7-9 serão, em curto prazo, ações realizadas coletivamente. Vários eventos, de âmbito nacional e internacional, têm abordado de forma consistente a temática, e dentro deste contexto inserem-se o "International Symposium on Residue Management in Universities" e os Encontros Nacionais de Segurança em Química (ENSEQUI). Por ocasião do 3º ENSEQUI, realizado na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, RJ, foram discutidos os aspectos mais relevantes relacionados ao gerenciamento de resíduos químicos e ao atendimento das exigências da legislação ambiental e de segurança vigentes. No mesmo evento foi organizada uma reunião para a qual foram convidados os Pró-Reitores das Instituições de Ensino e Pesquisa de todo o país, com objetivo de propor ações que visassem disseminar a cultura e a prática do gerenciamento dos resíduos perigosos oriundos das atividades de ensino e pesquisa. Nesta reunião foi elaborada a "Carta de Niterói"10 propondo diversas ações aos órgãos de fomento e regulamentação do país que visam o incentivo à implementação de Programas de Gestão Ambiental e Gerenciamento de Resíduos Perigosos nas Instituições de Ensino e Pesquisa. Neste sentido, o objetivo principal deste trabalho é divulgar os conceitos de Química Limpa introduzidos na disciplina de Química Inorgânica II, do currículo de Química da UFRGS. Esse manuscrito relata os procedimentos adotados e os resultados alcançados no período de 1998 a 2002, através da sistemática de gerenciamento e recuperação de resíduos implementada na disciplina, com objetivo de conscientizar os alunos sobre sua responsabilidade frente ao meio ambiente e desenvolver atitudes voltadas a sua preservação.

Inicialmente, é apresentada uma breve descrição da estrutura da disciplina e da maneira como o assunto foi abordado nas turmas. Para cada turma, foi realizado um levantamento dos vários tipos de resíduos gerados durante o semestre, sendo discutidas as formas através das quais as amostras poderiam ser inertizadas ou recuperadas, como alternativa ao simples descarte11. Para cada resíduo é apresentada uma descrição das técnicas e dos procedimentos adotados pelos alunos durante o período de recuperação dos resíduos gerados. Esta etapa teve por objetivo a reciclagem dos resíduos gerados em aula, transformando-os em matéria-prima para disciplinas do Instituto de Química. Nos casos em que a recuperação não era viável, procurou-se inertizar o resíduo, de maneira que seu descarte não causasse danos ao meio ambiente. Ao final, são apresentados os resultados obtidos e discutida a validade desse tipo de trabalho em disciplinas de graduação.

ESTRUTURA DA DISCIPLINA QUÍMICA INORGÂNICA

A disciplina Química Inorgânica II tem como pré-requisito a disciplina Química Inorgânica IA (ligação química). O semestre aconselhado para cursá-la é o terceiro, possui caráter obrigatório e compreende uma carga horária de 60 h semestrais, divididas em 4 h-aula semanais.

Na disciplina são desenvolvidas atividades teóricas e práticas relativas ao estudo dos elementos e às propriedades de seus principais compostos, além do tratamento de resíduos e rejeitos. Uma apresentação resumida das atividades desenvolvidas em laboratório está descrita na Tabela 1.

Os alunos trabalham em grupos constituídos de 2 componentes, e no início de cada aula trazem impressa a ficha MSDS "Material Safety Data Sheet" contendo aspectos de segurança, cuidados no manuseio, incompatibilidades químicas, formas de descarte, dentre outras informações, para todos os produtos a serem utilizados ou preparados na respectiva aula12.

A sistemática de tratamento de resíduos aplicada nesta disciplina consistiu no desenvolvimento de ações que promovessem a redução de desperdícios, a redução ou a eliminação de substâncias tóxicas, a redução da quantidade de resíduos gerados nas experiências e, conseqüentemente, a redução de poluentes descartados no ambiente. Foram promovidas ações no sentido de se implementar os princípios da Química Limpa: prevenção, síntese de compostos de menor toxicidade, diminuição de solventes e auxiliares, eficiência energética, uso de substâncias recicladas e química segura para prevenção de acidentes13.

Na Tabela 1 são descritas as experiências realizadas na disciplina e o levantamento dos resíduos processados em cada aula e daqueles que foram tratados posteriormente. Como todos os resíduos foram gerados nas próprias aulas experimentais de Química Inorgânica II pode-se assegurar sua composição, a menos que tenha havido algum procedimento incorreto por parte de um aluno, como por ex., um descarte inadequado.

Para adotar essa sistemática, foram necessárias a mudança de atitude e a colaboração simultânea dos professores, do técnico de laboratório e, principalmente, dos alunos envolvidos no processo, visando mudança de conduta. Esse tipo de atividade traz resultados a médio e longo prazos, além de requerer reeducação e persistência contínuas14. Conseqüentemente, optamos por um processo de implementação que não fosse hierárquico e agressivo, mas que fosse levado adiante fundamentado pela cooperação e pela participação (co-responsabilidade).

Com esse objetivo, as quantidades de reagentes e soluções utilizadas foram reduzidas em escala "semi-micro", a qual envolve quantidades da ordem de 0,5 a 1 g e uso de vidraria de tamanho convencional15. Dessa forma, foi possível reduzir bastante as quantidades de resíduos gerados na disciplina, diminuir a exposição dos estudantes a reagentes tóxicos e minimizar o risco de acidentes. Novas práticas foram implementadas com esse objetivo. Por ex., a prática de obtenção do alúmen KCr(SO4)2.12H2O foi substituída pela síntese do KAl(SO4)2.12H2O eliminando, dessa forma, os resíduos de cromo que anteriormente eram gerados e que podem apresentar caráter mutagênico e carcinogênico16,17. Reagentes tóxicos foram substituídos por outros de menor toxicidade. Por ex., o óxido de bário, dessecante tradicionalmente utilizado na aula de Estudo do Nitrogênio, foi trocado pelo sulfato de sódio, sem nenhum prejuízo da experiência.

Em todas as aulas práticas, os resíduos passaram a ser segregados, através do uso de frascos com rótulos padronizados que permitem uma fácil identificação do conteúdo, sendo alguns processados pelos próprios alunos e descartados na pia, quando possível (somente no caso de soluções ácidas ou básicas neutralizadas e salinas de íons, tais como Na+, K+, Ca2+, Cl-, NO3-, SO42-, etc). Os estudantes foram constantemente alertados para que fosse feito um descarte consciente, cuidadoso e adequado5, a fim de que fosse evitada qualquer contaminação indesejada. O objetivo era que se tivesse sempre presente que o resíduo de hoje pode ser o reagente de amanhã e o prejuízo ao meio ambiente deve ser sempre reduzido e, quando possível, evitado.

Algumas aulas práticas de recuperação de resíduos foram modificadas. Anteriormente, estas consistiam no tratamento de resíduos pré-determinados, geralmente oriundos de outras disciplinas ministradas no Instituto de Química, utilizando-se procedimentos descritos na literatura e roteiros previamente estipulados18,19. A classificação de substâncias e resíduos não identificados era feita com os métodos estabelecidos por Jardim e Cunha7,8.

Adotou-se então uma nova metodologia: a recuperação pelos próprios alunos dos resíduos por eles gerados na disciplina Química Inorgânica II, a fim de capacitá-los a definir estratégias adequadas para recuperação de resíduos e conscientizá-los da importância das questões ambientais, que são inerentes ao trabalho do químico. A nova metodologia foi aceita com entusiasmo pelos estudantes, demonstrando a importância da contextualização no processo de aprendizado20. Durante a redação deste manuscrito, Afonso et al.21 apresentaram uma análise sistemática de reagentes e resíduos sem identificação, englobando procedimentos simples de laboratório, que também poderia ser utilizada.

SISTEMÁTICA EMPREGADA PARA RECUPERAÇÃO DE RESÍDUOS

A metodologia adotada consistiu na recuperação dos resíduos gerados na disciplina pelos próprios alunos que os geraram. As atividades iniciavam-se pelo levantamento de todos os resíduos gerados na disciplina ao longo do semestre (que anteriormente eram somente coletados seletivamente e estocados). Em seguida, cada grupo escolhia um resíduo para estudo e na aula seguinte apresentava, na forma de seminário, uma ou mais propostas de tratamento pesquisadas por eles na literatura, visando inertizá-los ou transformá-los em insumos5, minimizando ao máximo os efeitos poluentes associados. Essas propostas eram discutidas com o professor, com o técnico e com os outros alunos, a fim de verificar sua viabilidade ambiental, econômica e de tempo. Após essa etapa, os alunos tinham 2 aulas (8 h) para tratar o resíduo escolhido. O tratamento de cada resíduo possuía particularidades e níveis de dificuldade que variavam de acordo com sua complexidade e composição.

Os alunos procuravam sempre converter o material em uma espécie química que fosse de interesse da própria disciplina ou que pudesse ser utilizada em outro laboratório de graduação do Instituto de Química, mantendo-se dessa forma um intercâmbio entre os diversos setores (Química Geral, Química Analítica, Química Inorgânica) do Departamento de Química Inorgânica e departamentos (Química Orgânica e Fisico-Química) do Instituto de Química.

A cada semestre, a disciplina encerrava com um novo seminário, onde cada grupo apresentava o resultado do tratamento e o levantamento de custos, além de entregar um relatório escrito. Nesse seminário, eram discutidos os resultados positivos e negativos dos trabalhos efetuados, procurando-se justificar os eventuais resultados negativos e sugerindo-se novas estratégias para tratamento dos resíduos em semestres posteriores.

GERENCIAMENTO DOS RESÍDUOS

Aqui são abordadas as formas de tratamento dos resíduos sugeridos pelos grupos de alunos da disciplina, buscando a redução de danos ao meio ambiente e promovendo um desenvolvimento socialmente responsável.

Solução de Zn2+ e Cu2+

O resíduo é constituído de uma solução aquosa de coloração azulada em pH próximo de 1, contendo os cátions Zn2+ e Cu2+.

A reação realizada em aula é:

Entretanto, a reação 2 ocorre em paralelo e o Zn em excesso é retirado com ácido clorídrico, conforme a reação 3:

A proposta de tratamento sugerida pelo grupo de estudantes foi separar o cátion Cu2+ na forma de CuS. Para tanto, a solução deve apresentar um pH ácido, o que já era o caso da amostra em estudo (o pH medido estava em torno de 0). Um meio alcalino favorece a precipitação concomitante do cátion Zn2+ sob a forma de ZnS.

A solução foi transferida para um béquer onde foi adicionada lentamente uma solução de Na2S a 5% para promover a precipitação de CuS. O precipitado foi filtrado a vácuo e a operação foi repetida até que todo íon Cu2+ tivesse precipitado. O sólido foi deixado na estufa a 130 °C durante 2 h para secagem e a massa de CuS obtida foi de 160 g por litro de resíduo tratado.

O filtrado contendo o íon Zn2+ foi concentrado em banho-maria. À solução foi adicionado NaOH a 50% até que o meio se tornasse fortemente alcalino, seguido da adição a quente de Na2S até a completa precipitação de ZnS. O precipitado foi separado por filtração a vácuo e o sólido foi seco em estufa a 130 °C e, então, encaminhado como insumo ao CGTRQ para ser reutilizado por outras disciplinas. O filtrado foi neutralizado com HCl, lembrando-se que o excesso de sulfeto deve ser inertizado mediante adição da solução de NaClO proveniente da aula de Estudo dos Halogênios ou da solução de H2O2 oriunda da aula de Estudo do Oxigênio. Após esse tratamento, o filtrado pode ser descartado na pia.

Solução de Cu2+

O resíduo é constituído de uma solução aquosa de coloração azulada em pH próximo de 9, contendo as espécies [Cu(NH3)4]2+ e SO42-.

À solução foi adicionada, na capela, uma base forte (NaOH 3 mol L-1) sob aquecimento, para deslocar o equilíbrio e liberar a amônia:

Com o progressivo aquecimento, foi observada a seguinte reação:

O CuO foi separado da água através de decantação. O tratamento poderia ter terminado nessa etapa e o CuO seria utilizado na aula de Nitrogênio. Sabendo que a demanda desse insumo na disciplina era baixa, optou-se por seguir uma rota de tratamento que levasse à formação de Cu metálico. O sólido foi aquecido para evaporar a água remanescente e a ele foi adicionado H2SO4 3 mol L-1:

Para promover a redução do Cu2+ a Cu, foi adicionado Zn metálico em leve excesso:

O cobre foi decantado da solução, lavado com água, etanol, acetona e seco em estufa a 100 ºC por 20 min. O cobre recuperado foi reutilizado na aula de Ciclo do Cobre e a solução de ZnSO4 foi encaminhada ao setor Química Analítica Qualitativa, onde é usada como solução problema para identificação do cátion Zn2+, evitando que para estas disciplinas tenham que ser preparadas novas soluções deste sal.

Solução de Ni2+

O resíduo constituído de solução aquosa contendo Ni2+, NH4+ e SO42- foi aquecido a 80 ºC para expulsar a amônia, segundo a reação:

A liberação total da amônia foi constatada utilizando-se o reativo de Nessler22. A temperatura foi elevada para 100 ºC para evaporar a água. O sólido obtido foi lavado com etanol, acetona e seco em estufa a 105 °C por 20 min. Uma vez seco, este sólido pode ser utilizado como material de partida na mesma prática que originou o resíduo.

Mistura de cátions

O resíduo é composto de solução aquosa contendo os seguintes cátions: Ag+, Zn2+, Cu2+, Fe2+, Al3+, Mg2+ e Ni2+.

O método geralmente recomendado para inertização de resíduos contendo metais pesados é a precipitação através da formação de sais insolúveis, normalmente hidróxidos, sulfetos ou cloretos22.

O resíduo foi concentrado em banho-maria até aproximadamente um terço do volume original e a ele foi gotejada uma solução de ácido clorídrico 3 mol L-1 até a completa precipitação de AgCl. O precipitado formado foi filtrado a vácuo e seco em estufa a 105 ºC, por 1 h, obtendo-se cerca de 1 g de AgCl por litro de resíduo tratado.

Para a precipitação de CuS, foram adicionados, em banho maria, HCl 12 mol L-1 e solução de tioacetamida 0,1 mol L-1. O sólido formado foi separado da solução por filtração a vácuo.

À solução, foram acrescentadas soluções de NH4OH 3 mol L-1 e tioacetamida 0,1 mol L-1. Verificou-se a formação de um precipitado marrom claro em meio básico, formado por uma mistura de Fe(OH)3, Al(OH)3, ZnS e NiS. A solução remanescente foi neutralizada com HCl diluído e descartada na pia. A mistura sólida foi enviada ao CGTRQ para destinação final.

Solução de Al3+

O propósito do grupo de estudantes era precipitar o cátion Al3+ sob forma de Al(OH)3, para ser utilizado como insumo na aula de Precipitação e Cristalização para formação do alúmen de potássio.

À solução de Al3+ foi agregada uma alíquota de solução tampão de ácido acético/acetato de sódio (pH 4), seguida de uma solução de NaOH 6 mol L-1 que promoveu a formação de uma suspensão.

Após 5 dias em repouso, o material foi separado por filtração a vácuo e o precipitado foi seco em estufa a 105 ºC por 1 h. Foram obtidos 9 g de Al(OH)3 por litro de resíduo tratado, que foi armazenado. A solução foi testada com algumas gotas do reagente aluminon e não se percebeu a formação de flocos vermelhos de Al(OH)3 com aluminon adsorvido, indicativo da ausência de alumínio na solução. Sendo assim, a solução pôde ser neutralizada com HCl 3 mol L-1 e descartada na pia.

Dióxido de manganês e ácido clorídrico concentrado

O resíduo a ser recuperado era constituído de uma mistura de MnO2 sólido e uma solução contendo Mn2+ e HCl.

O objetivo desta recuperação era a busca de uma rota de tratamento que permitisse, de forma econômica e segura, a obtenção de um insumo de interesse na disciplina, além da inertização e do descarte dos eventuais resíduos remanescentes.

O MnO2 é utilizado na obtenção de Cl2 pelo processo de Scheele. Entretanto, segundo Jacobson23, a obtenção de Cl2 pode ser feita a partir de Mn3O4, de menor toxicidade, de acordo com a reação (9):

sendo assim, foi proposta a transformação do resíduo em Mn3O4.

Em banho de gelo e sob agitação constante, foi adicionada solução de NaOH a 50% (p/p) ao resíduo, observando-se a formação de um precipitado escuro. O precipitado foi filtrado em funil de Büchner e lavado exaustivamente com água destilada, até a completa eliminação de cloretos. A presença de cloretos foi testada adicionando-se uma gota de AgNO3 0,1 mol L-1 a uma alíquota de 1 mL do filtrado. Quando não se observou mais a presença de cloretos na solução, a mesma foi neutralizada e descartada na pia.

Para converter a mistura obtida em Mn3O4, a mesma foi aquecida em mufla com temperatura programada para quatro estágios diferentes, 400, 600, 800 e 1000 °C, e a cada estágio foi retirada uma amostra para ser analisada por difração de Raios X, obtendo-se o melhor difratograma para o sólido aquecido a 1000 °C, observando-se a presença dos picos correspondentes aos de uma amostra padrão.

Embora não tenha sido purificado, o produto obtido foi utilizado como substituinte da pirolusita na reação de obtenção do cloro gasoso. O sólido foi colocado em um vaso de reação onde se gotejou ácido clorídrico concentrado. O conjunto foi aquecido e os gases desprendidos foram borbulhados em um tubo de desprendimento de gases com água. O gás borbulhado possuía cor e odor característico de cloro.

A rota de tratamento escolhida pelo grupo mostrou-se viável, produzindo-se 96 g de Mn3O4 por litro de resíduo tratado. O sólido foi acondicionado em recipiente de vidro, rotulado e encaminhado ao almoxarifado setorial para substituição da pirolusita na obtenção de cloro gasoso nos semestres subseqüentes.

Dióxido de manganês e traços de peróxido de hidrogênio

Este resíduo é proveniente da aula de Estudo do Oxigênio, na qual o peróxido de hidrogênio é decomposto com MnO2. Para se certificar de que todo peróxido havia se decomposto, foi medida a concentração de O22- na solução com uma fita indicadora de peróxidos ("perex–test"). Como o teste deu resultado positivo, a solução foi aquecida brandamente para acelerar sua decomposição. A solução foi resfriada e o teste foi repetido. Confirmada a ausência de peróxidos, a mistura foi filtrada a vácuo e o sólido seco em estufa a 105 ºC por 1 h. O grupo recuperou cerca de 96 g de MnO2 por litro de suspensão, que pode ser utilizado nos semestres subseqüentes na mesma prática que lhe dera origem ou na produção de cloro gasoso pelo processo de Scheele.

Iodo

O resíduo a ser recuperado é formado por iodeto, iodato de potássio e iodo livre. A presença de iodo livre conjuntamente com iodeto confere à mistura uma coloração castanha escura.

Inicialmente, foi testada a presença de iodatos adicionando-se uma alíquota de 2 mL da amostra em um tubo de ensaio, acidificando-se com ácido sulfúrico e gotejando-se 2 a 3 gotas de solução de sulfito de sódio 1 mol L-1. A acentuação da coloração vermelha e o aparecimento de um precipitado fino de coloração escura (I2) demonstrou a presença de iodato na amostra18, conforme a reação

Confirmada a presença de iodatos na amostra, a solução original foi acidificada com ácido sulfúrico e foi acrescentada outra porção do resíduo de iodeto, a fim de promover a redução dos iodatos. O processo foi realizado em diversas etapas, retirando-se alíquotas de 1 mL de solução e testando-se em tubo de ensaio a continuação da formação de I2 mediante a adição de H2SO4 e Na2SO3 até que não se percebesse mais qualquer modificação na solução, confirmando a total eliminação dos iodatos.

O iodo foi precipitado pela oxidação dos iodetos com peróxido de hidrogênio a 20 volumes, segundo a reação

O iodo formado foi rapidamente separado do H2O2 por filtração e lavagem com H2O, para evitar reações subseqüentes que levariam à formação de iodatos, e colocado em cápsula de porcelana sobre banho de areia. Ao lado dessa cápsula foi acoplado um cadinho contendo ácido sulfúrico concentrado, para eliminar a umidade. O conjunto foi encoberto por campânula de vidro com condensador do tipo dedo-frio. Após o aquecimento do banho de areia, o iodo sublimou e solidificou nas paredes do condensador. O iodo foi raspado do condensador e armazenado em recipiente escuro bem vedado, para uso na disciplina nos próximos semestres. Foram obtidos 30 g de iodo por litro de resíduo recuperado.

Enxofre

O resíduo era composto de enxofre, solução aquosa de Na2SO4 e acetona. A acetona contida no resíduo foi separada dos demais componentes em evaporador rotatório e reaproveitada na própria disciplina. O enxofre elementar foi separado da solução através de filtração a vácuo, seco em dessecador com sílica-gel, obtendo-se cerca de 15 g de enxofre elementar por litro de resíduo tratado. O enxofre seco foi armazenado para ser utilizado na disciplina nos semestres subseqüentes.

Solução de Ba2+

O resíduo era composto de duas fases: uma sólida contendo carbonato de bário e a outra aquosa contendo íons Ba2+ e OH-.

A solução contendo Ba2+ apresenta elevado risco, devido à toxicidade deste íon24. O levantamento bibliográfico levou à conclusão de que a melhor forma de recuperação desse material seria sua transformação em sulfato de bário. O sal de interesse é pouco solúvel em água e é utilizado como meio de contraste durante o estudo radiológico do sistema digestivo.

Inicialmente adicionou-se ácido clorídrico concentrado a fim de solubilizar todo o precipitado. A próxima etapa consistiu na precipitação da solução contendo os íons Ba2+ e Cl- com ácido sulfúrico. Para confirmar que todo Ba2+ havia sido precipitado sob forma de sulfato de bário, foram retiradas pequenas alíquotas, que após serem centrifugadas, receberam algumas gotas de ácido sulfúrico. Não havendo mais turvação da solução, foi possível confirmar que todo Ba2+ havia precipitado na forma de sulfato.

O precipitado (cerca de 4,5 g por litro de resíduo) foi separado por filtração a vácuo e encaminhado ao CGTRQ para ser utilizado por outras disciplinas. O filtrado foi descartado na pia, após neutralização com NaOH.

Solução de Sr2+

Proveniente da aula de Estudo do Carbono, apresentava-se na forma de uma suspensão etanólica de carbonato de estrôncio. A solução contendo Sr2+ apresenta elevado risco, devido à toxicidade deste íon23,24, mas foi relativamente fácil de ser tratada.

O precipitado foi separado da solução através de filtração a vácuo, lavado com etanol e acetona e seco em estufa por 1 h. O SrCO3 assim recuperado (cerca de 4 g por litro de resíduo tratado) foi reutilizado na aula de Estudo do Carbono, a mesma que havia dado origem ao resíduo.

A uma alíquota do filtrado concentrado a um terço do volume original, foi gotejado ácido sulfúrico 3 mol L-1. Como não foi observada a turvação da solução, confirmando a ausência de Sr2+, a mesma foi neutralizada com hidróxido de sódio 1 mol L-1 e descartada na pia.

CONCLUSÕES

Através da sistemática de gerenciamento e recuperação de resíduos implementada na disciplina de Química Inorgânica II do curso de Química da UFRGS pretendia-se conscientizar os alunos sobre sua responsabilidade frente ao meio ambiente e desenvolver nos alunos atitudes voltadas a sua preservação. Um dos objetivos desse trabalho, pioneiro entre estudantes do 3º semestre de graduação, era capacitar os alunos a definirem estratégias adequadas para recuperação de resíduos, um diferencial na formação de um estudante. Esse objetivo foi alcançado, uma vez que os alunos demonstraram maior segurança em laboratório, desenvolveram uma técnica de trabalho mais meticulosa e formaram uma consciência ética e ambiental. Além disso, a prática auxiliou na assimilação dos conteúdos teóricos e, principalmente, mudou o hábito do futuro profissional de química, que passou a trabalhar com mais consciência em seus procedimentos diários.

Com os resultados obtidos nesse período, verificamos que é possível implementar com sucesso um programa de Produção Mais Limpa e de Prevenção à Poluição em laboratórios de graduação25, uma vez que as ações promoveram diminuição dos resíduos gerados na disciplina e maior conscientização dos estudantes quanto ao seu papel enquanto químicos. É evidente que nossa proposta não é a única possível mas, frente aos resultados obtidos, entendemos que este projeto pode ser utilizado em outros laboratórios, desde que sejam feitas algumas modificações, levando-se em conta as particularidades de cada disciplina.

Uma universidade que trata o problema ambiental com seriedade, procurando proteger o ambiente e a sociedade em que está inserida, que implanta projetos de ensino associados à educação ambiental e que utiliza boas práticas em laboratório é, com certeza, uma referência no ensino.

REFERÊNCIAS

1. Nascimento, L. F.; Mello, M. C. A. de; Lemos, A. D. da C.; Produção Mais Limpa, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, 2002.

2. Moradillo, E. F.; Oki, M. C. M.; Quim. Nova 2004, 27, 332.

3. Costa, V. E. U.; Reis, L. F. M.; Kuamoto, P. M.; Melo, E. S. de; Resumos do XXXIV Congresso Brasileiro de Química, Porto Alegre, Brasil, 1994.

4. http://www.iq.ufrgs.br/padct/resumo.html, acessada em Abril 2005.

5. Amaral, S. T.; Machado, P. F. L.; Peralba, M. C. R.; Câmara, M. R.; Santos, T.; Berleze, A. L.; Falcão, H. L.; Martinelli, M.; Gonçalves, R. S.; Oliveira, E. R.; Brasil, J. L.; Araújo, M. A.; Borges, A. C. A.; Quim. Nova 2001, 24, 419.

6. http://dalton.iq.ufrgs.br/residuos/ajuda/CGRQ.htm, acessada em Março 2005.

7. Jardim, W. F.; Quim. Nova 1998, 21, 671.

8. Cunha, C. J.; Quim. Nova 2001, 24, 424.

9. Demaman, A. S.; Funk, S.; Hepp, L. U.; Adário, A. M. S.; Pergher, S. B. C.; Quim. Nova 2004, 27, 674.

10. Gerbase, A. E.; Coelho, F. S.; Machado, P. F. L.; Ferreira, V. F.; Quim. Nova 2005, 28, 3.

11. Baird, C.; Química Ambiental, 2ª ed., Bookman: Porto Alegre, 2002.

12. http://www.chemdat.merck.de, acessada em Abril 2005.

13. Lenardão, E. J.; Freitag, R. A.; Dabdoub, M. J.; Batista, A. C. F.; Silveira, C. C.; Quim. Nova 2003, 26, 123.

14. Afonso, J. C.; Noronha, L. A.; Felipe, R. P.; Freidinger, N.; Quim. Nova 2003, 26, 602.

15. Andrews, R.; The Scientist 1990, 4, 24.

16. Jordão, C. P.; Silva, A. C.; Pereira, J. L.; Brune, W.; Quim. Nova 1999, 22, 47.

17. Ferreira, A. D. Q.; Quim. Nova 2002, 25, 572.

18. Puig, J.; Química Prática, Globo: Porto Alegre, 1938.

19. Kuya, M. K.; Quim. Nova 1993, 16, 474.

20. Buffa, E.; Arroyo, M.; Nosella, P.; Educação e Cidadania: Quem Educa o Cidadão?, 6ª ed., Cortez: São Paulo, 1996.

21. Afonso, J. C.; Silveira, J. A.; Oliveira, A. S.; Quim. Nova 2005, 28, 157.

22. Vogel, A. I.; Análise Química Quantitativa, 6ª ed., Livros Técnicos e Científicos: Rio de Janeiro, 2002.

23. Jacobson, C. A.; Encyclopedia of Chemical Reactions, Reinhold: New York, 1951.

24. http://www.analytyka.com.mx/tabla%20periodica/MSDS/Sr /STRONTIUM%20CARBONATE.htm, acessada em Abril 2005.

25. Souza, D. I.; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, 2002.

Recebido em 10/12/04; aceito em 29/6/05; publicado na web em 27/1/06

  • 1. Nascimento, L. F.; Mello, M. C. A. de; Lemos, A. D. da C.; Produção Mais Limpa, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, 2002.
  • 2. Moradillo, E. F.; Oki, M. C. M.; Quim. Nova 2004, 27, 332.
  • 3. Costa, V. E. U.; Reis, L. F. M.; Kuamoto, P. M.; Melo, E. S. de; Resumos do XXXIV Congresso Brasileiro de Química, Porto Alegre, Brasil, 1994.
  • 7. Jardim, W. F.; Quim. Nova 1998, 21, 671.
  • 8. Cunha, C. J.; Quim. Nova 2001, 24, 424.
  • 9. Demaman, A. S.; Funk, S.; Hepp, L. U.; Adário, A. M. S.; Pergher, S. B. C.; Quim. Nova 2004, 27, 674.
  • 10. Gerbase, A. E.; Coelho, F. S.; Machado, P. F. L.; Ferreira, V. F.; Quim. Nova 2005, 28, 3.
  • 11. Baird, C.; Química Ambiental, 2Ş ed., Bookman: Porto Alegre, 2002.
  • 13. Lenardão, E. J.; Freitag, R. A.; Dabdoub, M. J.; Batista, A. C. F.; Silveira, C. C.; Quim. Nova 2003, 26, 123.
  • 14. Afonso, J. C.; Noronha, L. A.; Felipe, R. P.; Freidinger, N.; Quim. Nova 2003, 26, 602.
  • 15. Andrews, R.; The Scientist 1990, 4, 24.
  • 16. Jordão, C. P.; Silva, A. C.; Pereira, J. L.; Brune, W.; Quim. Nova 1999, 22, 47.
  • 17. Ferreira, A. D. Q.; Quim. Nova 2002, 25, 572.
  • 18. Puig, J.; Química Prática, Globo: Porto Alegre, 1938.
  • 19. Kuya, M. K.; Quim. Nova 1993, 16, 474.
  • 20. Buffa, E.; Arroyo, M.; Nosella, P.; Educação e Cidadania: Quem Educa o Cidadão?, 6Ş ed., Cortez: São Paulo, 1996.
  • 21. Afonso, J. C.; Silveira, J. A.; Oliveira, A. S.; Quim. Nova 2005, 28, 157.
  • 22. Vogel, A. I.; Análise Química Quantitativa, 6Ş ed., Livros Técnicos e Científicos: Rio de Janeiro, 2002.
  • 23. Jacobson, C. A.; Encyclopedia of Chemical Reactions, Reinhold: New York, 1951.
  • 25. Souza, D. I.; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, 2002.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2004
    • Aceito
      29 Jun 2005
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br