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Taninos hidrolisáveis em Bixa orellana L.

Hydrolyzable tannins in Bixa Orellana L.

Resumo

The aqueous material found in the fruits of Bixa Orellana L. was collected, dried, and characterized using several experimental techniques, namely phytochemical analysis in order to identify the biologically active constituents, Fourier transform infrared (FT-IR) spectroscopy for vibrational analysis, and X-ray powder diffraction in order to identify the presence of crystalline phases in the sample. The results showed that the aqueous material possesses high concentrations of hydrolyzable tannin. This result justifies the anti-inflammatory activity of this substance reported in other studies.

hydrolyzable tannin; Bixa Orellana; spectroscopy


hydrolyzable tannin; Bixa Orellana; spectroscopy

ARTIGO

Taninos hidrolisáveis em Bixa orellana L.

Hydrolyzable tannins in Bixa Orellana L.

Ricardo Jorge Cruz Lima* * e-mail: jorge@fisica.ufc.br , I; Antonio Jeferson de Deus MorenoII; Solange Fernanda Loureiro de CastroIII; José de Ribamar Santos GonçalvesIII; Antonio Benedito de OliveraIII; José Marcos SasakiIV; Paulo de Tarso Cavalcante FreireIV

IDepartamento de Ciências Físicas e Biológicas, Universidade Regional do Cariri, Rua Cel. Antônio Luiz, 1161, 63105-000 Crato - CE, Brasil

IIDepartamento de Física, Universidade Federal do Maranhão, Av. dos Portugueses, s/n, 65080-040 São Luis - MA, Brasil

IIIDepartamento de Farmácia, Universidade Federal do Maranhão, Av. dos Portugueses, s/n, 65080-040 São Luís - MA, Brasil

IVDepartamento de Física, Universidade Federal do Ceará, CP 6030, 60455-760 Fortaleza - CE, Brasil

ABSTRACT

The aqueous material found in the fruits of Bixa Orellana L. was collected, dried, and characterized using several experimental techniques, namely phytochemical analysis in order to identify the biologically active constituents, Fourier transform infrared (FT-IR) spectroscopy for vibrational analysis, and X-ray powder diffraction in order to identify the presence of crystalline phases in the sample. The results showed that the aqueous material possesses high concentrations of hydrolyzable tannin. This result justifies the anti-inflammatory activity of this substance reported in other studies.

Keywords: hydrolyzable tannin; Bixa Orellana; spectroscopy.

INTRODUÇÃO

A Bixa orellana L. (urucum) pertence à família botânica Bixaceae. Internacionalmente conhecida como annatto, é uma espécie nativa do Brasil e de outras regiões tropicais do planeta1.

As sementes de Bixa orellana L. são largamente empregadas na medicina popular como expectorante, na forma de xarope; em decocto, são usadas para gargarejos, como laxativas, estomáticas, anti-hemorrágicas, cicatrizantes e contra dispepsia2. As sementes secas, em maceração ou decocção, também são usadas nos males de fígado, tuberculose, afecções do coração, problemas na pele, antipirético e antiinflamatório3-7. As sementes servem ainda como antídoto para o ácido prússico que é aplicado nos casos de envenenamento com mandioca8, como antídoto para o ácido cianídrico, na terapia de bronquite e queimaduras9. Recentemente foi relatado que as sementes também possuem ação antimicrobiana10.

Nunes11 detectou atividade antiinflamatória e analgésica na solução aquosa encontrada nos frutos de Bixa orellana L., através de estudo comparativo com fármacos de atividade antiinflamatória e analgésica. Parrotta12 também relata que esta solução aquosa que envolve as sementes é usada como medicamento para tratar queimadura, disenteria, gonorréia, constipação e febre.

O presente trabalho trata da caracterização do sólido obtido pela desidratação da solução aquosa encontrado no interior dos frutos de Bixa orellana L. As técnicas empregadas foram testes fitoquímicos, espectroscopia no infravermelho e difração de raios-x em policristais.

PARTE EXPERIMENTAL

Material vegetal e coleta do extrato estudado

Os frutos de Bixa orellana L. (3 kg) utilizados neste trabalho foram obtidos no município de São Luis/MA, no bairro do Anil, durante os meses de abril a junho de 2003. A planta foi identificada no Herbário Ático Seabra da UFMA, cuja exsicata encontra-se catalogada sob o nº 1147.

Na abertura dos frutos foram coletados, com o auxílio de uma seringa, 50 mL da solução aquosa presente entre as sementes e a casca. Posteriormente, foi realizada a desidratação do mesmo por meio de um dessecador. O processo de desidratação durou uma semana e foi feita à pressão atmosférica.

Testes fitoquímicos

Os testes fitoquímicos para verificar a presença de taninos na solução aquosa encontrado no interior dos frutos de Bixa orellana L. seguiram a metodologia proposta por Matos13 e foram realizados no Departamento de Farmácia da UFMA. Em tubo de ensaio contendo 2 mL de amostra hidratada (concentração de 5 mg/mL) foram adicionadas 3 gotas de cloreto férrico 0,5 M. Após agitação observou-se a possível variação da coloração e formação de precipitado azul ou verde. Foi feita a comparação com um teste em branco, ou seja, usando água e cloreto férrico 0,5 M.

Outro experimento realizado consistiu de um papel de filtro sobre o qual foi, com auxílio de um capilar, colocada uma gota da amostra e, sobre essa, adicionada uma gota do cloreto férrico 0,5 M. Em seguida observou-se a presença de coloração azul ou verde.

Espectroscopia no infravermelho

As medidas de espectroscopia no infravermelho foram feitas no Laboratório da Merck em São Luis (MA) em um espectrômetro FT-IR da Bomem operando com resolução de 4 cm-1. O intervalo analisado foi de 400 a 4000 cm-1.

Difração de raios-X

As medidas de difração de raios-X foram realizadas no Departamento de Física da UFC, utilizando um difratômetro marca Rigaku modelo DMAXB com monocromador de grafite pirolítico e radiação da linha Ka do cobre. O equipamento operou com uma voltagem de 45 kV e corrente de 25 mA. Foi utilizado como substrato um "zero-background" de silício.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os testes fitoquímicos para identificação de taninos resultaram na formação acentuada de precipitado azul, indicando altas concentrações de taninos hidrolisáveis ou pirogálicos presentes no material. Não foi observado precipitado verde, que seria indicativo da presença de taninos condensados.

No teste fitoquímico utilizando papel de filtro foi observada coloração azul intensa, confirmando a presença de taninos hidrolisáveis ou pirogálicos presentes no material.

Na Figura 1 é mostrado o espectro infravermelho do sólido obtido pela desidratação da solução aquosa encontrada no interior dos frutos de Bixa orellana L. Tal espectro é bastante semelhante ao que foi obtido para taninos hidrolisáveis por Özacar14 e que é mostrado no detalhe da parte superior da Figura 1.


Na Figura 2 é mostrado o padrão de difração do sólido obtido pela desidratação da solução aquosa encontrada no interior dos frutos de Bixa orellana L. Esta figura evidencia um caráter tipicamente amorfo apresentado pelo material. O centro do pico amorfo localiza-se em 2q = 25º. Embora seja observado na figura, a presença de um pico em 2q = 28,09º que possa estar associado a alguma fase cristalina, esta se encontra em baixa concentração uma vez que a intensidade do pico é fraca.


A discussão do espectro de infravermelho da Figura 1 pode ser feita com base na estrutura molecular típica de taninos hidrolisados. A banda intensa e larga, localizada em torno de 3350 cm-1, pode ser associada a estiramentos da unidade -O-H 15. A banda que pode ser associada aos grupos CO2- é observada em torno de 720 cm-1 16. Vibrações de grupos C=C de anéis aromáticos da molécula de tanino podem ser associadas a bandas observadas entre 1655 e 1400 cm-1. Em torno de 1340 cm-1 são observadas bandas que também podem estar associadas a vibrações de grupos C=C do anel aromático17.

Taninos são compostos fenólicos que fazem parte dos metabólitos secundários encontrados em plantas e são conhecidos por apresentarem ação biológica18-20. Embora ainda não se compreenda claramente o mecanismo de atuação biológica dos taninos, a atividade antiinflamatória, associada a esses compostos, foi relatada recentemente na literatura21,22. Portanto, a atividade antiinflamatória reportada por Nunes11 e Parrotta12 pode ser associada à presença de taninos hidrolisáveis, evidenciada pelos testes químicos e espectroscopia no infravermelho.

Uma característica comum dos taninos é sua forte tendência a fazer ligações com outras moléculas orgânicas23 e cátions24,25. Tal propriedade pode justificar o caráter tipicamente amorfo observado no padrão de difração da Figura 2. As moléculas de tanino, juntamente com outras moléculas orgânicas e cátions, devem formar estruturas complexas, inibindo a formação de fases cristalinas no material.

CONCLUSÃO

Através de testes fitoquímicos e espectroscopia no infravermelho foi possível constatar que a solução aquosa encontrada no interior dos frutos de Bixa orellana L. apresenta altas concentrações de taninos hidrolisados. A atividade antiinflamatória desse material pode ser justificada pela presença deste metabólico secundário.

A partir das medidas de difração de raios-x foi constatado que o material desidratado é basicamente amorfo (Figura 2). Possivelmente, a complexação entre taninos, cátions e outras moléculas orgânicas inibe a formação de fases cristalinas.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq e à FUNCAP pelo suporte financeiro e ao Prof. C. W. de A. Paschoal (UFMA) pela viabilização da medida de infravermelho.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 6/5/05; aceito em 29/8/05; publicado na web em 8/2/06

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      29 Ago 2005
    • Recebido
      06 Maio 2005
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