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Oxidação de proteínas por oxigênio singlete: mecanismos de dano, estratégias para detecção e implicações biológicas

Singlet oxygen-mediated protein oxidation: damage mechanisms, detection techniques and biological implication

Resumo

Proteins are potential targets for singlet molecular oxygen (¹O2) oxidation. Damages occur only at tryptophan, tyrosine, histidine, methionine, and cysteine residues at physiological pH, generating oxidized compounds such as hydroperoxides. Therefore, it is important to understand the mechanisms by which ¹O2, hydroperoxides and other oxidized products can trigger further damage. The improvement and development of new tools, such as clean sources of ¹O2 and isotopic labeling approaches in association with HPLC/mass spectrometry detection will allow one to elucidate mechanistic features involving ¹O2-mediated protein oxidation.

singlet oxygen; protein oxidation; protein peroxide


singlet oxygen; protein oxidation; protein peroxide

DIVULGAÇÃO

Oxidação de proteínas por oxigênio singlete: mecanismos de dano, estratégias para detecção e implicações biológicas

Singlet oxygen-mediated protein oxidation: damage mechanisms, detection techniques and biological implication

Graziella E. RonseinI; Sayuri MiyamotoI; Etelvino BecharaI; Paolo Di Mascio* * e-mail: pdmascio@iq.usp.br , I; Glaucia R. MartinezII

IDepartamento de Bioquímica, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, Av. Prof. Lineu Prestes, 748, 05508-900 São Paulo - SP, Brasil

IIDepartamento de Bioquímica e Biologia Molecular, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná, Centro Politécnico, CP 19046, 81531-990, Curitiba - PR, Brasil

ABSTRACT

Proteins are potential targets for singlet molecular oxygen (1O2) oxidation. Damages occur only at tryptophan, tyrosine, histidine, methionine, and cysteine residues at physiological pH, generating oxidized compounds such as hydroperoxides. Therefore, it is important to understand the mechanisms by which 1O2, hydroperoxides and other oxidized products can trigger further damage. The improvement and development of new tools, such as clean sources of 1O2 and isotopic labeling approaches in association with HPLC/mass spectrometry detection will allow one to elucidate mechanistic features involving 1O2-mediated protein oxidation.

Keywords: singlet oxygen; protein oxidation; protein peroxide.

INTRODUÇÃO

Oxigênio singlete

O oxigênio molecular, no estado fundamental, possui dois elétrons com spins paralelos ocupando dois orbitais p de mesma energia, chamados de degenerados, caracterizando, portanto, um estado triplete (3åg-). Conseqüentemente, a redução direta do oxigênio por dois elétrons é proibida pela regra de conservação do spin. Uma forma mais reativa do oxigênio, conhecida como oxigênio singlete, pode ser gerada por um acréscimo de energia. Nela, a restrição da regra de conservação do spin é removida. Sendo assim, o oxigênio singlete é muito mais oxidante que o oxigênio molecular no seu estado fundamental. Existem dois estados singlete do oxigênio: o primeiro estado excitado, 1Dg, tem dois elétrons com spins opostos no mesmo orbital, possui uma energia de 22,5 kcal acima do estado fundamental e tempo de meia vida em solvente aquoso de aproximadamente 10-6 s; o segundo estado excitado, 1åg-, tem um elétron em cada orbital p degenerado, com spins opostos, e possui uma energia de 37,5 kcal acima do estado fundamental. O estado 1åg- tem um tempo de vida muito curto (10-11 s) em meio aquoso, sendo rapidamente desativado para o estado 1Dg. Portanto, apenas o primeiro estado apresenta interesse em sistemas biológicos e será denotado por 1O2 (Tabela 1) 1.

Por se tratar de uma espécie eletronicamente excitada, o 1O2 decai para o estado fundamental emitindo luz. A investigação espectroscópica da luminescência vermelha que acompanha a decomposição de peróxido de hidrogênio (H2O2) na presença de hipoclorito (OCl-) (Equação 1), realizada por Khan e Kasha2, revelou a existência de duas bandas de emissão centradas em 634 e 703 nm, atribuídas ao decaimento para o estado fundamental do 1O2 gerado na reação.

Atualmente, está bem estabelecido que essas bandas correspondem à transição simultânea de duas moléculas de 1O2 ao estado fundamental triplete, também conhecida como emissão bimolecular (Equação 2). Esta emissão pode ser monitorada por meio de uma fotomultiplicadora sensível à região do vermelho do espectro visível, termoeletricamente resfriada, conectada a um sistema discriminador e amplificador3 .

Além do decaimento bimolecular do 1O2, também existe a transição monomolecular do 1O2, que ocorre na região do infravermelho próximo (Equação 3). A luminescência desta transição pode ser detectada por um espectrômetro acoplado a um fotodetector constituído de um fotodiodo de germânio resfriado com nitrogênio líquido4. Recentemente, nosso laboratório desenvolveu um sistema de detecção composto por uma fotomultiplicadora sensível na região do infravermelho (800 a 1700 nm), que é refrigerada a -80 ºC por meio de nitrogênio líquido. Este sistema está conectado a uma fonte de alta tensão e a um monocromador capaz de varrer as regiões do ultravioleta, visível e infravermelho. Para o infravermelho, utiliza-se uma grade capaz de varrer entre 800 e 2700 nm (Figura 1). A intensidade da emissão monomolecular é diretamente proporcional à concentração do 1O2 e, portanto, fornece uma medida direta da quantidade produzida5.


Emissão bimolecular:

Emissão monomolecular:

Fontes de 1O2

Em laboratório, o 1O2 é geralmente gerado por reações de fotossensibilização. Nestas reações, são utilizadas moléculas conhecidas como fotossensibilizadores (tais como azul de metileno e rosa bengala)1. Quando estes fotossensibilizadores são irradiados com luz ultravioleta ou visível em determinados comprimentos de onda, absorvem energia e passam a um estado excitado singlete (1S*). Este estado 1S* pode decair para o estado fundamental singlete (0S) com emissão de fluorescência, ou cruzar para um estado triplete excitado (3S*) por inversão espontânea do spin do elétron excitado. Uma vez formado o 3S*, esta espécie pode participar em várias reações: pode decair ao estado 0S com emissão de fosforescência, ou reagir por mecanismos fotoquímicos do tipo I ou II. Na reação do tipo I, o 3S* pode reagir com um substrato orgânico ou uma segunda molécula fotossensibilizadora, por transferência de elétrons ou hidrogênio. No tipo II, o fotossensibilizador 3S* pode transferir energia para o oxigênio molecular, gerando 0S e 1O2. Estes processos podem ocorrer simultaneamente e a importância de cada um depende da molécula alvo, da eficiência da transferência de energia do sensibilizador para o O2, do solvente e da concentração de O26-8 (Figura 2).


O 1O2 pode ainda ser formado na termodecomposição de dioxetanos9 ou endoperóxidos de compostos policíclicos aromáticos10,11, na reação de H2O2 com OCl- ou peroxinitrito (ONOO-)12-14 (Figura 3).


A geração de 1O2 também tem sido evidenciada em meio biológico por reações que envolvem enzimas como as peroxidases, tais como lactoperoxidase15, mieloperoxidase16,17, cloroperoxidase18 e peroxidase de raiz forte19. Também foram relatadas evidências da geração de 1O2 na fagocitose20, na reação de ozônio (O3) com biomoléculas21 e no processo de lipoperoxidação22-24 (Figura 3). A formação de 1O2 na lipoperoxidação ocorre principalmente por meio do mecanismo discutido por Russell22, no qual radicais peroxila interagem entre si, gerando um tetraóxido intermediário que se decompõe gerando como produtos um álcool, uma cetona e 1O2.

Alvos biológicos do 1O2

O 1O2 pode interagir com outras moléculas de duas maneiras: através de reações químicas ou transferindo sua energia de excitação para estas moléculas e retornando ao estado fundamental. O último processo é conhecido como supressão física do 1O2 e pode ser realizado por carotenóides, bilirrubina, tocoferóis, fenóis e azida1.

Algumas reações químicas do 1O2 podem ser destacadas: adição a dienos conjugados (cicloadição do tipo Diels-Alder, 2 + 4) geralmente resultando na formação de endoperóxidos25; adição 1,3 a uma dupla ligação, formando "ene" hidroperóxidos26 e, com alcenos substituídos por grupos contendo átomos de nitrogênio ou enxofre, formando 1,2-dioxetanos27 (Figura 3). O 1O2 pode ainda reagir com compostos fenólicos para formar hidroperoxidienonas28 e com sulfetos, formando sulfóxidos29. Muitos estudos in vitro têm demonstrado que o 1O2 oxida biomoléculas incluindo lipídios, proteínas, aminoácidos, ácidos nucléicos, carboidratos e tióis através dos mecanismos acima citados. Cabe ressaltar, entretanto, que as proteínas estão presentes em altas concentrações nos sistemas biológicos e as cadeias laterais de seus aminoácidos possuem constantes elevadas de desativação total do 1O2 (constante total de desativação, kt, ~107 M-1s-1)30-32, quando comparadas a outras biomoléculas, tais como, lipídios (kt, ~104 M-1s-1)33 e bases do DNA (kt, ~104 - 106 M-1s-1)34 (Tabela 2). Desta forma, pode-se esperar que as proteínas sejam alvos importantes para o 1O235.

Aminoácidos e peptídeos como alvos para o 1O2

A maioria das interações do 1O2 com aminoácidos, peptídeos e proteínas ocorre via rotas químicas e não através de supressão física, sendo que ambos os mecanismos concorrem significativamente somente no caso do triptofano36. As constantes para a reação química do 1O2 com as cadeias laterais dos aminoácidos livres variam dramaticamente, resultando em um dano seletivo a certos resíduos. Dos aminoácidos comuns, apenas triptofano, histidina, tirosina, metionina, cisteína e cistina reagem significativamente com 1O2 em pH fisiológico31,32 .

Reação com resíduos de triptofano

A reação do 1O2 com o triptofano produz um hidroperoxipirroloindol isolável, entretanto, o precursor deste composto ainda não foi identificado37. Postula-se que ele seja um dioxetano formado com a dupla ligação dos carbonos C2 – C3 do anel indólico, ou ainda um hidroperóxido no carbono C3. A decomposição subseqüente destes intermediários via quebra da ligação entre os carbonos C2–C3 origina N-formilquinurenina, 3a-hidroperoxipirroloindol e 3a-hidroxipirroloindol. A decomposição do 3a-hidroperoxipirroloindol e do 3a-hidroxipirroloindol também gera N-formilquinurenina38-40 (Esquema 1). Os produtos finais da oxidação - N-formilquinurenina e quinurenina - têm sido detectados tanto em resíduos livres do aminoácido quanto em resíduos de triptofano de peptídios e proteínas35. Cabe ressaltar que a oxidação do triptofano em dipeptídios leva preferencialmente à formação do hidroperoxipirroloindol e seu álcool correspondente e, em menores quantidades, quinurenina41.


Reação com resíduos de tirosina

Com o aminoácido livre, demonstrou-se a formação de 3a-hidroxi-6-oxo-2,3,3a,6,7,7a-hexaidro-1H-indol-2-ácido carboxilíco (HOHICA) na reação com o 1O2. Acredita-se que este produto seja gerado via um intermediário endoperóxido instável, pela cicloadição [4 + 2] do 1O2. A subseqüente abertura do anel forma um hidroperóxido no carbono C1, o qual via uma reação do tipo de Michael sofre ciclização, resultando em um peróxido cíclico. Tem sido proposto que a decomposição do endoperóxido também gera 3,4-diidroxifenilalanina (DOPA)42-44 (Esquema 2).


A reação do 1O2 com resíduos de tirosina em peptídeos gera como produto principal um hidroperóxido no carbono C1, que, em baixas temperaturas, decai lentamente para seu álcool correspondente. A 37 ºC e, particularmente, na presença de luz UV ou íons metálicos este hidroperóxido pode dar origem a oxi-radicais, que podem promover danos a outros alvos biológicos44.

Reação com resíduos de histidina

A oxidação de histidina livre pelo 1O2 parece envolver a formação inicial de um ou mais endoperóxidos instáveis, através da 1,4 cicloadição do 1O2 aos carbonos 2,4 e/ou 2,5 do anel imidazólico. Recentemente, evidências desta formação foram obtidas quando endoperóxidos de derivados imidazólicos foram identificados em temperaturas extremamente baixas45. Estes endoperóxidos sofrem rearranjo para um hidroperóxido. A decomposição deste hidroperóxido intermediário a um derivado carbonilado é seguida pela adição de uma molécula de água, produzindo uma imidazolona hidroxilada46. Os produtos finais desta oxidação incluem derivados do ácido aspártico, asparagina, uréia e outros produtos ainda não identificados47 (Esquema 3).


Reação com resíduos de metionina

A fotooxidação de resíduos de metionina é dependente do pH: em pH < 6, propõe-se que a oxidação ocorre via formação de uma espécie zwitterionica, que reage com uma segunda molécula de metionina resultando em duas moléculas de sulfóxido; com o aumento do pH, outras reações podem concorrer: em pH > 9 íons hidróxido podem levar a uma substituição no átomo de enxofre da espécie zwitterionica, resultando em um mol de peróxido de hidrogênio para cada mol de sulfóxido formado. Além dessas reações, quando 7 < pH < 12 também pode ser formado um intermediário cíclico estável, chamado deidrometionina, e um mol de peróxido de hidrogênio8,29,48.

Reação com resíduos de cisteína

Resíduos de cisteína livres reagem rapidamente com o 1O2, produzindo o dissulfeto correspondente, de um modo não quantitativo. Além disso, oxiácidos como o ácido cistéico também podem ser formados em algumas condições. Outros produtos precisam ainda ser identificados. Em proteínas, espera-se que a razão entre a formação de dissulfeto e oxiácidos varie dependendo da estrutura da proteína, devido às barreiras estérica e eletrônica na formação do dímero8,29,37.

Oxidação de proteínas pelo 1O2

Existem poucos trabalhos que estudam a oxidação de proteínas por 1O2. Um destes trabalhos envolveu as ligações cruzadas de colágeno, existentes naturalmente na pele. Neste estudo, foi demonstrado que o 1O2 oxida seletivamente os resíduos de histidina deste agregado protéico, podendo levar à destruição do mesmo, com formação de novas ligações cruzadas aberrantes e perturbação da função do colágeno na derme46. Em outro estudo, foi demonstrado que o 1O2 pode reagir com proteínas do cristalino do olho, resultando em modificação estrutural que pode ser importante no desenvolvimento de catarata49. Da mesma forma, peróxidos protéicos têm sido detectados em células expostas ao 1O2 gerado por fotossensibilização. Pesquisas evidenciaram que estes peróxidos têm remoção reduzida por enzimas celulares, tais como, catalase, peroxidase de raiz forte e Cu/Zn superóxido dismutase, sendo que apenas tióis e ácido ascórbico são efetivos em removê-los50. Estes peróxidos protéicos podem reagir com outras biomoléculas, gerando um dano adicional. Por exemplo, já foi demonstrado que peróxidos protéicos foram capazes de causar a inibição de enzimas51,52 e induzir danos ao DNA53.

Propagação do dano e conseqüências biológicas da oxidação de proteínas

Os hidroperóxidos de proteínas gerados a partir do 1O2 podem sofrer decomposição térmica ou catalisada por íons metálicos, gerando radicais peroxila54 (Equação 4)

Os hidroperóxidos de proteínas também podem sofrer redução por um elétron, gerando radicais alcoxila (reação de Fenton)54 (Equação 5)

Deste modo, a formação de peróxidos em uma proteína a partir do 1O2 pode resultar em danos subseqüentes a outras proteínas. Estes danos incluem inativação enzimática, como a que foi demonstrada quando caspases, cisteíno-proteases que desempenham um papel central na apoptose, foram expostas a hidroperóxidos de triptofano e tirosina55. Outro exemplo de inativação enzimática é o da enzima gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase. Peróxidos de proteínas demonstraram reagir com o grupo tiol do sítio ativo desta enzima, inativando-a51. Por sua vez, a oxidação da lisozima pelo 1O2 gerado por fotossensibilização causou a inativação parcial desta enzima52.

A remoção de H2O2 das células pela catalase é de vital importância, já que este peróxido pode dar origem a espécies mais reativas, tais como 1O2 e radical hidroxila (•OH). Vários estudos mostraram que a oxidação da catalase pelo 1O2 gera espécies enzimáticas com pontos isoelétricos mais ácidos56-58. Esta oxidação foi detectada inclusive em um estudo com a catalase em cultura de células humanas59. A modificação parece ocorrer no grupo heme da enzima. A presença deste grupo heme modificado foi sugerida como indicadora da geração de 1O2in vivo. Contrastando com as modificações causadas ao grupo heme da catalase, verificou-se que o 1O2 promove a oxidação de resíduos de metionina e tirosina do citocromo c. O citocromo c é uma hemeproteína mitocondrial fundamental no processo respiratório. Esta hemeproteína também é envolvida na cascata apoptótica, pois a liberação do citocromo c da mitocôndria para o citosol promove a ativação das caspases, desencadeando a apoptose celular. Contudo, os efeitos desta oxidação na apoptose celular ainda precisam ser detalhados60.

Outra conseqüência da produção de peróxidos derivados de proteínas é a formação de ligações cruzadas e agregados protéicos, que podem resultar de reações secundárias independentes da produção contínua de 1O2. Dentro deste contexto, cabe ressaltar a importância da formação de derivados oxidados do triptofano, em especial N-formilquinurenina e quinurenina. É bem conhecido que o acúmulo gradual de quinureninas nos tecidos humanos pode resultar em um aumento do dano por fotossensibilização, já que estes compostos são agentes fotossensibilizantes eficientes. Este ponto é particularmente significante em órgãos humanos expostos à radiação solar41. Como exemplo, pode-se citar o cristalino do olho humano, que desempenha um papel fundamental na visão. O cristalino contém compostos de baixo peso molecular (formados principalmente de quinureninas) que atuam como filtros intra-oculares, absorvendo a luz UV na região situada entre 300 – 400 nm, e prevenindo o dano induzido à retina por esta luz. Muitos pesquisadores têm investigado a possibilidade de estes filtros modificarem covalentemente o cristalino. Em pessoas jovens, as moléculas de filtros UV existem primariamente na forma livre. Entretanto, com o passar do tempo, o nível de quinureninas ligadas covalentemente às proteínas do cristalino do olho aumenta exponencialmente61. Parker e colaboradores62 demonstraram que a fotoexposição de agregados quinurenina-proteína pode iniciar um dano oxidativo mediado pelo 1O2 às proteínas do cristalino do olho. Esta foto-oxidação resulta em formação de H2O2 e outros peróxidos protéicos. Também foi evidenciada a formação de produtos de oxidação de tirosina, tais como DOPA e ditirosina, neste processo. Não é claro o mecanismo pelo qual estes produtos são formados, contudo, é possível que estas reações ocorram via decomposição dos peróxidos iniciais a espécies reativas que, posteriormente, oxidariam resíduos de tirosina.

Oxidantes em geral produzem modificações em proteínas levando à perda de função e aumentando a taxa de degradação destas proteínas oxidadas. A via do proteossomo ubiquitina-26S é o principal mecanismo pelo qual células eucarióticas marcam proteínas para degradação63. Uma oxidação moderada das proteínas aumenta sua suscetibilidade à proteólise e as torna substrato para o proteossomo. Contudo, proteínas severamente oxidadas parecem ser substratos de difícil ubiquitinação, primeiro agregando-se e então formando ligações cruzadas que as tornam altamente resistentes à proteólise. A incapacidade de degradar proteínas extensivamente oxidadas pode contribuir para o acúmulo de agregados protéicos que ocorre em algumas doenças e durante o processo de envelhecimento64.

Uma importante conseqüência biológica da oxidação de proteínas é a oxidação posterior do DNA pelos peróxidos formados. Peróxidos de triptofano e tirosina gerados por fotossensibilização com um agente intercalante de DNA são capazes de clivá-lo em experimentos realizados com plasmídio65. A oxidação do DNA também já foi demonstrada com peróxidos de histonas gerados por radiação gama. Desta forma, a geração inicial de peróxidos nas proteínas nucleares, tais como as histonas, pode promover um dano subseqüente ao DNA, incluindo ligações cruzadas DNA-proteína e mutações53.

Estratégias para análise e detecção do 1O2 e de moléculas por ele oxidadas

Para avaliar possíveis danos a biomoléculas, causados pelo 1O2 e por moléculas por ele oxidadas, faz-se necessária à utilização de ferramentas analíticas, tais como seqüestradores químicos do 1O2, termólise de endoperóxidos como fonte de 1O2 e marcação isotópica de produtos. Seqüestradores químicos de 1O2 são moléculas que reagem com o 1O2 gerado e o produto pode então ser identificado. Por ex., pode-se utilizar a reação de 1O2 com o 9,10-difenilantraceno (DPA)66 ou com derivados de antraceno solúveis em água, como o 9,10-dietilantraceno disulfonato (EAS)11,67 (Esquema 5). Ambas as reações formam endoperóxidos estáveis, que podem ser detectados por HPLC ou outras técnicas. A termólise de endoperóxidos é outro exemplo importante, desenvolvido com o objetivo de se obter "fontes limpas" de 1O2, compatíveis com as condições presentes em meios biológicos (meio aquoso, pH neutro, temperaturas moderadas). Merece destaque a decomposição térmica de endoperóxidos hidrossolúveis de derivados de naftaleno, a qual não gera subprodutos, não necessita de condições drásticas de trabalho e produz 1O2 em uma velocidade e quantidade conhecidas68. Exemplos destes endoperóxidos incluem o endoperóxido do 3,3'-(1,4-naftilideno)dipropanoato de sódio (NDPO2) e o endoperóxido da N,N'-di(2,3-diidroxipropil)-3,3'-(1,4-naftilideno)dipropanamida (DHPNO2)67,69 (Esquema 6). A utilização do isótopo [18O] do oxigênio também é de particular interesse, já que desta forma é possível demonstrar como o 1O2 ou seus produtos de oxidação podem reagir com alvos biológicos. Os produtos de oxidação que contêm o oxigênio marcado podem ser detectados usando-se métodos adequados, tais como HPLC acoplado à espectrometria de massas.



Recentemente, a marcação isotópica de hidroperóxidos de lipídios com [18O] foi utilizada a fim de esclarecer o mecanismo da geração de 1O2 a partir destes hidroperóxidos. Neste mesmo trabalho, utilizou-se o DPA para seqüestrar o [18(1O2)] gerado. O DPA18O18O detectado por HPLC acoplado ao espectrômetro de massas constituiu uma prova inequívoca da geração de 1O2 a partir de hidroperóxidos de lipídios24,70,71. De modo similar, o endoperóxido DHPNO2 marcado com [18O] 72 foi utilizado para evidenciar que o 1O2, quando liberado em células, é capaz de oxidar diretamente o DNA celular. A reação foi demonstrada através da detecção de 8-oxo-7,8-diidro-2'-deoxiguanosina, um produto de oxidação do DNA, isotopicamente marcado com [18O] por HPLC acoplado ao espectrômetro de massas73.

Contrastando com pesquisas envolvendo lipídios e DNA, existem poucos estudos descrevendo as interações de 1O2 com proteínas e as conseqüências biológicas destas interações. As interações de hidroperóxidos de proteínas previamente formados pela reação com 1O2 e alvos biológicos também precisam ser esclarecidas. As estratégias de análise e detecção de produtos estáveis, tais como as acima descritas para lipídios e DNA, podem ser de grande utilidade na elucidação do destino celular de proteínas oxidadas.

O estudo do papel dos produtos de oxidação de proteínas pelo 1O2 e outros oxidantes em sistemas biológicos pode levar a respostas importantes sobre as implicações destas espécies nos processos celulares, uma vez que já começam a surgir evidências da participação destas espécies na indução de dano ao DNA e nos processos de sinalização celular.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência (PRONEX/FINEP). P. D. Mascio e G. E. Ronsein são bolsistas da John Simon Guggenheim Memorial Foundation e da FAPESP, respectivamente.

25. Bloodworth, A.; Eggelte, H. Em ref. 8, vol. II, p. 93.

27. Baumstark, A.. Em ref. 8, vol. II, p. 1.

29. Ando, W.; Takata, T.. Em ref. 8, vol. III, p. 1.

32. Monroe, B.. Em ref. 8, vol. I, p. 177.

Recebido em 4/4/05; aceito em 26/7/05; publicado na web em 16/2/06

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      26 Jul 2005
    • Recebido
      04 Abr 2005
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