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Uso de frascos de polipropileno descartáveis no pré-tratamento de amostras de água para determinação de chumbo, cobre e mercúrio por voltametria de onda quadrada

Utilization of disposable polypropylene flasks for pre-treatment of water samples for determination of lead, copper and mercury by square wave voltammetry

Resumo

In this work a simple and versatile procedure is described for treating water samples using small polypropylene (PP) vials (4 mL) for determining heavy metals by square wave voltammetry (SWV). This procedure involves treatment with nitric acid (0.2 mol L-1) and boiling in a water-bath (~ 100 ºC). This process is completed after one hour and allows the pretreatment of several samples simultaneously. The accuracy was estimated using addition/recovery studies and certified water sample analysis, yielding an agreement near to 100%.

sample pretreatment; water analysis; polypropylene vials


sample pretreatment; water analysis; polypropylene vials

NOTA TÉCNICA

Uso de frascos de polipropileno descartáveis no pré-tratamento de amostras de água para determinação de chumbo, cobre e mercúrio por voltametria de onda quadrada

Utilization of disposable polypropylene flasks for pre-treatment of water samples for determination of lead, copper and mercury by square wave voltammetry

Eduardo M. Richter# # Endereço atual: Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia, 38400-902 Uberlândia - MG ; Claudimir L. do Lago; Lúcio Angnes* * e-mail: luangnes@iq.usp.br

Departamento de Química Fundamental, Instituto de Química, Universidade de São Paulo. Av. Prof. Lineu Prestes, 748, 05508-900 São Paulo - SP, Brasil

ABSTRACT

In this work a simple and versatile procedure is described for treating water samples using small polypropylene (PP) vials (4 mL) for determining heavy metals by square wave voltammetry (SWV). This procedure involves treatment with nitric acid (0.2 mol L-1) and boiling in a water-bath (~ 100 ºC). This process is completed after one hour and allows the pretreatment of several samples simultaneously. The accuracy was estimated using addition/recovery studies and certified water sample analysis, yielding an agreement near to 100%.

Keywords: sample pretreatment; water analysis; polypropylene vials.

INTRODUÇÃO

Os métodos eletroanalíticos são ferramentas poderosas para quantificação de metais pesados em águas. Além de boa sensibilidade, há a possibilidade de realização de análises em amostras com alto teor salino, onde técnicas ópticas apresentam limitações1. Porém, a presença de matéria orgânica dissolvida pode gerar resultados analíticos incorretos (devido à formação de complexos inativos) ou mesmo provocar problemas de envenenamento do eletrodo1-3. Devido a isto, as análises de metais em águas por voltametria somente são viáveis na ausência ou após a decomposição (mineralização) da matéria orgânica.

Os processos de tratamentos tradicionais baseados apenas no aquecimento das amostras na presença de reagentes oxidantes e/ou complexantes apresentam alguns problemas, tais como grande probabilidade de contaminação quando se trata de análises em nível de traços, perdas (analitos voláteis) e tempos de pré-tratamento longos. Por outro lado, o uso dos fornos de microondas4,5 imprimiu velocidade a esta etapa, porém, com o inconveniente de apresentar um custo elevado e de permitir tratamento simultâneo de um número limitado de amostras. Uma alternativa bastante utilizada para pré-tratamento de águas e posterior análise por voltametria é a fotodigestão com luz ultravioleta (UV)2,3,6-12. Isto se deve a duas características principais: baixo custo e necessidade de adição de concentrações reduzidas de reagentes oxidantes (H2O2), sendo esta última, uma característica importante na análise de traços. Porém, tempos de pré-tratamento geralmente longos e um número reduzido de amostras simultaneamente limitam o uso de tal procedimento.

Um método inovador e pioneiro para decomposição de amostras biológicas foi proposto por Flores e colaboradores13,14. Micro-frascos descartáveis de polipropileno foram utilizados para decomposição de amostras de cabelo para quantificação de arsênio e selênio por espectrometria de absorção atômica com geração de hidretos (HG-AAS). As amostras são pesadas no próprio frasco e posteriormente são adicionados os reagentes, sendo que o aquecimento é realizado por microondas.

No presente trabalho é proposto um procedimento simples para pré-tratamento de amostras de água empregando-se frascos de polipropileno descartáveis com aquecimento por banho-maria (sob ebulição) para análise de metais em nível de traços. Assim como a técnica utilizada (voltametria), este procedimento apresenta um custo bastante reduzido e pode ser facilmente implementado para pré-tratamento de amostras de água em campo ou em laboratórios com pouca infra-estrutura.

PARTE EXPERIMENTAL

Reagentes e soluções

As soluções foram preparadas utilizando água deionizada em sistema de purificação NANOpure, Barnstead (R > 18 MW cm). O ácido nítrico e o cloreto de sódio, ambos de alta pureza foram adquiridos da Merck (Alemanha). As soluções de referência dos metais utilizados no trabalho (chumbo, cobre e mercúrio) foram preparadas a partir de diluições de soluções estoques comerciais de 1000 mg L-1 (Merck ou Sigma-Aldrich). A amostra certificada de água natural (NIST SRM 1640) foi adquirida do National Institute of Standards and Technology (Gaithersburg – USA).

Equipamentos e assessórios

Os experimentos de voltametria de redissolução por onda quadrada foram realizados com um potenciostato PGSTAT 20 Autolab (Eco Chemie B.V. – Utrecht, Netherlands) interfaceado a um microcomputador. O software (GPES) deste equipamento foi usado no tratamento dos dados. A célula eletroquímica utilizada na análise das amostras foi descrita anteriormente15. Esta célula permite realizar a análise de amostras com volume mínimo de 0,5 mL. O sistema de três eletrodos empregado nestas análises é composto por um eletrodo de ouro construído a partir de CD-Rs 15-18, como eletrodo de trabalho, um mini-referência de Ag/AgCl (sat. em KCl)19 e platina como eletrodo auxiliar. Um agitador magnético de marca Metrohm (728) foi usado para convecção da solução durante o tempo de pré-concentração. Dois tipos de tubos de polipropileno foram utilizados no pré-tratamento das amostras (com e sem anel de vedação), ambos com volume total de 4 mL. Estes frascos podem ser facilmente adquiridos de empresas que fornecem material descartável, em geral para laboratórios químicos. Na Figura 1 é apresentada uma imagem de um dos tubos utilizados. Trata-se de um tubo normalmente utilizado em criogenia.


Amostras de água

As amostras de água utilizadas neste estudo foram coletadas em quatro diferentes pontos do sistema Guarapiranga, localizado na região sul da Grande São Paulo. Um ponto de coleta está localizado junto à barragem da represa, próximo ao local de coleta de água realizado pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), para posterior distribuição para a população, após tratamento adequado. As outras três amostras foram coletadas em afluentes que abastecem a represa, em locais próximos ao reservatório (rios Embu-Guaçu, Parelheiros e Guavirutuba).

Procedimento usado no tratamento das amostras

Um volume de 3 mL da amostra, acidificada com HNO3 com uma concentração de 0,2 mol L-1 são introduzidos nos frascos de polipropileno com volume total de 4 mL. Em seguida, estes tubos são tampados e colocados em um suporte metálico para tubos de ensaio (8 x 8) e este conjunto, por sua vez, dentro de um becker (2 L). Ao becker é adicionada água até o mesmo nível da solução no interior dos frascos que contêm as amostras (as tampas não entram em contato com a água) evitando-se, desta forma, problemas de dilatação e perda de rigidez na região onde é fixada a tampa. Este conjunto é levado para aquecimento (banho-maria) em um bico de bunsen comum. O processo de pré-tratamento exige um aquecimento das amostras sob ebulição (~ 100 ºC) durante 1 h. Durante este tempo é importante que o nível de água dentro do becker se mantenha constante, o que se consegue cobrindo o mesmo com um vidro de relógio.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente foi averiguada a possibilidade de quantificação dos íons metálicos de interesse nestas amostras sem um tratamento prévio para eliminação da matéria orgânica. Para tanto, estudos de adição e recuperação foram realizados após a adição de HNO3 às amostras até uma concentração final de 0,2 mol L-1. A adição de concentrações maiores de HNO3 inviabiliza a análise de chumbo usando eletrodos de ouro, com a obtenção de resultados irreprodutíveis devido à formação de hidrogênio gasoso durante o tempo de pré-concentração (-0,3 V vs Ag/AgCl), bem como a diminuição do tempo de vida útil do eletrodo de ouro utilizado nestas análises. Porém, até 0,2 mol L-1 de ácido nítrico, o método utilizado apresenta uma boa precisão (DPR <3%) para análise de chumbo, cobre e mercúrio em nível de traços. Nos estudos de adição e recuperação realizados para estes metais sem eliminação da matéria orgânica, as recuperações para chumbo variaram entre 91 e 104%, para cobre entre 103 e 156% e para mercúrio entre 60 e 81%. Estes resultados sugerem que para análise de cobre e mercúrio, estas amostras necessitam de um tratamento prévio para eliminação do material orgânico. Para chumbo, os resultados são aceitáveis. Porém, a presença da matéria orgânica causa uma gradativa perda de sensibilidade e/ou falta de repetibilidade em medidas sucessivas em uma mesma amostra provocada pelo gradativo envenenamento do eletrodo de ouro.

Ensaios de recuperação realizados com estas amostras após o pré-tratamento proposto neste trabalho forneceram recuperações da ordem de 100% para os três analitos, atestando a eficácia do procedimento (Tabela 1). A repetibilidade das medidas, assim como a durabilidade do eletrodo também apresentaram sensível melhora. Os limites de detecção usando redissolução voltamétrica por onda quadrada, 300 s de pré-concentração e eletrodos de ouro são de 80, 90 e 100 ng L-1 para chumbo, cobre e mercúrio, respectivamente.

Além dos estudos de recuperação, a validação do procedimento também foi realizada com a análise de uma amostra certificada de água (NIST SRM 1640). Na Tabela 2 são apresentados os valores encontrados para chumbo, cobre e mercúrio, após esta amostra ser submetida ao mesmo processo de pré-tratamento. Aplicando o teste t (medidas realizadas em triplicata), foram obtidos os valores (0,77), (4,33) e (0,45) para chumbo, cobre e mercúrio, respectivamente, para um valor tabelado de 4,30 (nível de confiança de 95%). Estes resultados evidenciam o bom desempenho do método utilizado. Como neste caso a amostra certificada não continha mercúrio, foi considerado como valor verdadeiro a concentração adicionada.

CONCLUSÕES

Os resultados aqui apresentados demonstram que o procedimento de decomposição de matéria orgânica em amostras de água natural empregando frascos de polipropileno descartáveis e aquecimento por banho-maria (sob ebulição) é adequado para determinação de chumbo, cobre e mercúrio utilizando voltametria de redissolução por onda quadrada. A simplicidade e o baixo custo são as principais vantagens deste procedimento. Problemas quanto a perdas ou contaminações também são reduzidos, considerando-se a necessidade de pouca manipulação das amostras. Para casos envolvendo um grande número de amostras (~ 50), o tempo unitário consumido por amostra passa a ser muito pequeno, uma vez que todas as amostras podem ser tratadas simultaneamente.

Recebido em 6/6/05; aceito em 2/9/05; publicado na web em 6/3/06

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    Endereço atual: Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia, 38400-902 Uberlândia - MG
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Jul 2006

    Histórico

    • Aceito
      02 Set 2005
    • Recebido
      06 Jun 2005
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