Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da concentração de alguns íons metálicos em diferentes espécies de líquens do cerrado Sul-Mato-Grossense

Evaluation of concentration of some metal ions in different lichen species of the Sul-Mato-Grossensse cerrado

Resumo

Concentrations of Fe, Mn, Co, Cr, Zn and Cu were determinated using flame atomic absorption spectrometry in nine lichen species of the Sul-Mato-Grossense cerrado. The average metal ion concentrations varied in the following ranges: Fe, 248.41-1568.01; Mn, 98.50-397.33; Co, 10.08-24.81; Cr, 18.24-44.26; Zn, 14.62-34.79 and Cu, 3.23-7.57 mg kg-1. Statistical analysis (Pearson and Cluster) applied to the metal ion concentrations indicated that the accumulation of these ions can be due to several anthropogenic sources including agricultural activities, mineral exploration, biomass burning, soil mineral composition and leather tanning processes by chromium.

lichens; heavy metals; multivariate statistics


lichens; heavy metals; multivariate statistics

ARTIGO

Avaliação da concentração de alguns íons metálicos em diferentes espécies de líquens do cerrado Sul-Mato-Grossense

Evaluation of concentration of some metal ions in different lichen species of the Sul-Mato-Grossensse cerrado

Jorge Luiz Raposo Junior* * e-mail: jorgeraposo@nin.ufms.br ; Nilva Ré-Poppi; Neli Kika Honda

Departamento de Química, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, CP 549, 79070-900 Campo Grande – MS, Brasil

ABSTRACT

Concentrations of Fe, Mn, Co, Cr, Zn and Cu were determinated using flame atomic absorption spectrometry in nine lichen species of the Sul-Mato-Grossense cerrado. The average metal ion concentrations varied in the following ranges: Fe, 248.41-1568.01; Mn, 98.50-397.33; Co, 10.08-24.81; Cr, 18.24-44.26; Zn, 14.62-34.79 and Cu, 3.23-7.57 mg kg-1. Statistical analysis (Pearson and Cluster) applied to the metal ion concentrations indicated that the accumulation of these ions can be due to several anthropogenic sources including agricultural activities, mineral exploration, biomass burning, soil mineral composition and leather tanning processes by chromium.

Keywords: lichens; heavy metals; multivariate statistics.

INTRODUÇÃO

Líquens são estruturas resultantes da simbiose entre um fungo e uma ou mais algas ou cianobactérias1. São encontrados nos mais variados ambientes desde o nível do mar até as montanhas mais altas, em desertos onde a temperatura é bastante variável e em regiões polares, com temperaturas extremamente baixas, porém, são relativamente raros em matas com baixa luminosidade2. Desenvolvem-se sobre os mais variados substratos, tais como, córtex de árvores, rochas ácidas ou alcalinas, folhas e outros. O desenvolvimento dos líquens sobre um dado substrato pode depender das características físicas, como rugosidade, porosidade, dureza, exposição à luz, pH, presença de partículas no ar, umidade, ventos e temperatura3.

Os líquens dependem da nutrição mineral para seu crescimento e metabolismo, fornecida pela deposição de elementos por vias seca e úmida na forma de sais solúveis e partículas. Os espaços intercelulares do talo do líquen podem acumular e reter espécies químicas adsorvidas a partículas ou ligadas a sítios de troca iônica. Muitos elementos são acumulados em concentrações que excedem as necessidades metabólicas do líquen4. A maior parte das espécies de líquens apresenta crescimento lento e mantém uniformidade morfológica durante o ciclo de vida; sendo que muitas espécies têm ampla distribuição geográfica. Devido a isso os líquens são úteis como biomonitores em estudos de deposição atmosférica5. O biomonitoramento pode ser definido como um método experimental indireto de se verificar a existência de poluentes em uma dada região, utilizando-se de organismos vivos que respondem ao estresse causado pela poluição, apresentando modificações nos ciclos vitais ou acumulando os elementos poluentes6-8.

Estudos que avaliam a acumulação de elementos aerotransportados direcionados a líquens a partir de uma fonte de poluição específica também são comuns9-12. Há também estudos focalizados na retenção, localização, liberação, tolerância e toxicidade de diferentes elementos13-16.

A morfologia do líquen influencia na taxa de acumulação dos elementos provenientes da atmosfera17. Os líquens aqui estudados são de talos foliosos e fruticosos, que são bem distintos quanto à forma de crescimento. Líquens foliosos são dorsiventrais e possuem talos com superfície bem definida e são presos ao substrato em toda a extensão. Os líquens fruticosos são densamente ramificados e com um único ponto de fixação4. A forma de crescimento ordena a orientação na superfície do líquen para acumulação do elemento aerotransportado; alguns estudos têm mostrado que os líquens foliosos acumulam quantidades maiores de elementos aerotransportados quando comparados com líquens fruticosos18.

O presente estudo visa a determinação dos íons metálicos Zn, Fe, Cr, Co, Cu e Mn pela espectrometria de absorção atômica de chama em líquens do cerrado sul-mato-grossense coletados em uma região próxima à cidade de Aquidauana, para verificar os níveis de contaminação ambiental e correlacioná-los com as atividades antropogênicas mais freqüentes na região.

PARTE EXPERIMENTAL

Localização e climatologia do local de coleta

Os vilarejos de Palmeiras e Piraputanga, a 109 km da capital Campo Grande, pertencem ao município de Aquidauana/MS, cuja área da unidade territorial é de 16.958,50 km2 a 181 m de altitude. Estes vilarejos estão localizados a 20º 27'S e 55º 29'O, na região da Serra de Piraputanga que pertence à mesorregião do Pantanal Sul Mato-Grossense19.

As bases da economia da região são a pecuária extensiva de corte, o turismo rural e a agricultura de subsistência. A temperatura média anual de 32 ºC é proporcionada pelo clima tropical úmido e sub-úmido, com mínimas de 19 ºC no inverno frio e seco, e máximas de 40 ºC no verão. A precipitação pluviométrica anual está entre 1.000 e 1.400 mm, sendo dezembro e janeiro os meses mais chuvosos. Esta região caracteriza-se por extensas planícies, onde a planície pantaneira representa 70% da área e 30% de planalto. Os solos, em sua maioria, são arenosos e pobres, com pequenas manchas argilosas e calcáreas. A vegetação é típica de cerrado, marcada pela presença da Serra de Maracajú, sendo que esses vilarejos se encontram rodeados por morros e estão às margens do Rio Aquidauana.

Amostragem

Nove amostras de líquens (5 corticícolas e 4 saxícolas) foram coletadas nos vilarejos de Piraputanga e Palmeiras em 2002. Os líquens foram removidos de seus substratos, armazenados em sacos de papel, codificados e encaminhados ao laboratório. A identificação taxonômica foi feita pela Profa. Dra. M. Fleig (UFRGS) e Prof. Dr. M. P. Marcelli (IB-SP). Cada espécie, após remoção do substrato e limpeza, foi triturada em moinho tipo Willey e o pó resultante foi armazenado em frasco âmbar, mantido em refrigerador.

O líquen Parmotrema tinctorum (Nyl.) Hale, foi amostrado de dois substratos – rocha e córtex de árvore. Pseudoparmelia sphaerospora (Nyl.) Hale, Parmotrema dilatatum (Vain.) Hale, Usnea subcavata Motyka e Pseudoparmelia hypomiltha (Fée) Hale foram coletados de cascas de árvores. Parmotrema miranda (Hale) Hale, Parmotrema flavescens (Kremplh.) Nyl. e Parmotrema delicatulum (Vain.) Hale foram amostrados sobre rocha. Todos os líquens são de morfologia foliosa, exceto a espécie Usnea subcavata Motyka de morfologia fruticosa. A localização geográfica do sítio de amostragem é apresentada na Figura 1.


Mineralização da amostra

Efetuou-se um estudo comparativo do tratamento da amostra com ácido nítrico e com a mistura dos ácidos nítrico e perclórico. Para a amostra de líquen P. tinctorum foram detectados na mineralização com ácido nítrico 710 ± 20,2 e 85,0 ± 11,3 mg kg-1 para as espécies Fe e Mn, respectivamente, enquanto para a mineralização com os ácidos nítrico e perclórico (25:1) foram encontrados 888 ± 9,25 mg kg-1 para o íon ferro e 96,6 ± 4,83 mg kg-1 para o íon manganês. Em relação ao Cu foram detectados 7,75 ± 2,75 mg kg-1 na mineralização com ácido nítrico e 3,68 ± 0,872 mg kg-1 na mineralização com os ácidos nítrico e perclórico. O tratamento da amostra com a mistura dos ácidos nítrico e perclórico apresentou melhor repetitividade entre as replicatas e valores de concentração ligeiramente superiores para os íons metálicos Fe e Mn e inferior para Cu. No processo de mineralização, dependendo da natureza da amostra, de 2 a 50% do carbono original permanece. Se a oxidação do carbono for parcial, e dependendo do grau de oxidação, a determinação do elemento sofrerá interferência em menor ou maior grau, dos produtos de decomposição orgânica20. Com base nos resultados desse estudo preliminar, as dissoluções foram efetuadas utilizando-se os ácidos nítrico e perclórico, como descrito a seguir.

Massas de aproximadamente 1,0 g das amostras (precisão analítica de ±0,01 mg), previamente secas em estufa a 60 ºC até peso constante, foram pesadas e transferidas para um tubo de politetrafluoretileno (PTFE). Adicionou-se à amostra um volume de 10 mL de ácido nítrico concentrado (P.A., Merck) e 0,4 mL de ácido perclórico (P.A., Merck). O tubo fechado foi levado para dentro do cilindro de aço inox (bomba digestora), que foi devidamente fechado. O sistema foi aquecido em estufa à temperatura de 180 °C por 3 h. O tubo depois de frio foi removido do sistema digestor e a solução filtrada para um balão volumétrico de 50 mL, cujo volume foi ajustado com água ultrapura obtida por um sistema de purificação Milli-Q.

Após a digestão, o tubo de PTFE foi lavado com detergente Extran MA 02 neutro (Merck) por 30 min em banho ultra-sônico, enxaguado com água corrente e água destilada. Para minimizar o efeito de memória, o tubo foi imerso em solução de HNO3 a 50% (v/v) por 12 h e enxaguado com água deionizada e água ultrapura.

Instrumentação e análise

As determinações dos íons metálicos nas amostras foram realizadas utilizando-se um espectrômetro de absorção atômica de chama (Varian, modelo 220FS), equipado com lâmpadas de cátodo oco (Techtron), cujas linhas espectrais selecionadas para os elementos foram as seguintes: Co = 240,7 nm; Cu = 324,7 nm; Cr = 357,9 nm; Fe = 248,3 nm; Mn = 279,5 nm e Zn = 231,9 nm.

Para construção das curvas de calibração foram preparadas soluções de padrão misto a partir de soluções-estoque individuais (1000 mg L-1), adquiridas da Sigma-Aldrich, ou de uma solução intermediária preparada a partir das mesmas. Curvas de calibração com cinco pontos (concentração - Mn: 1,00-3,00 mg L-1; Cr: 0,300-1,50 mg L-1; Co: 0,200-1,00 mg L-1; Cu: 0,0300-0,150 mg L-1; Fe: 2,00-10,0 mg L-1; Zn: 0,250-1,25 mg L-1) foram obtidas. As concentrações dos íons metálicos no líquen P. tinctorum coletado sobre rocha foram determinadas utilizando-se as curvas de calibração (absorbância vs.concentração) e os valores comparados com aqueles obtidos pelo método de adição de padrão. A amostra foi diluída para que as absorbâncias de Fe e Mn ficassem dentro do intervalo de concentração da curva de calibração. As concentrações obtidas para os íons metálicos Mn, Cr, Zn, Co e Fe foram similares nos dois métodos, assim como os valores de inclinação das retas. A quantificação foi efetuada pelo método de rotina, exceto Cu que foi quantificado pelo método da adição de analito devido à baixa concentração nas amostras. Para análise de Cu, tomaram três alíquotas de 5,0 mL da solução da amostra e volumes crescentes de solução padrão foram adicionados para se obter concentrações de 0,03; 0,06 e 0,09 mg L-1 em balão volumétrico de 25,0 mL. As curvas de calibração apresentaram valores de r2> 0,99549. Realizaram-se três determinações para cada espécie de líquen. O branco de reagente foi preparado pela adição dos ácidos ao tubo de PTFE e submetido ao mesmo tratamento das amostras.

Limite de detecção e recuperação do método

A sensibilidade do método foi expressa através dos limites de detecção (LOD) e quantificação (LOQ), definidos como 3 e 10 Sd m-1, respectivamente, onde Sd é uma estimativa do desvio padrão das medidas de absorbâncias de 10 brancos e m o coeficiente angular da curva de calibração. Os limites, de acordo com a IUPAC21, devem ser calculados utilizando-se as respostas do branco de amostra, amostra de composição igual à analisada, mas sem o analito. Neste estudo, seria uma amostra homogênea de líquen sem as espécies metálicas. Devido às dificuldades na obtenção deste, utilizou-se o branco de reagentes, o que subestima o limite de detecção, já que a influência da matriz não é medida22.

A eficiência da extração foi determinada no estudo de recuperação pela adição simultânea de padrões ao líquen P. dilatatum. Adicionou-se à amostra uma alíquota (1,0 mL) de solução padrão-misto dos metais, sendo que as concentrações finais na amostra dos padrões adicionados foram: Cu = 5,00 mg kg-1; Zn = 23,0 mg kg-1; Mn = 200 mg kg-1; Co = 18,0 mg kg-1; Cr = 20,0 mg kg-1; Fe = 300 mg kg-1.

Análise estatística

A aplicação de métodos de análise estatística multivariada, como ferramenta auxiliar, está cada vez mais sendo recomendada quando se quer alcançar melhores resultados ambientais e deduzir fontes características de contaminação23-26.

Neste sentido, para investigar as possíveis correlações entre elementos e líquens foi aplicada análise multivariada ao conjunto de dados, incluindo análise de Pearson e análise de cluster (CA). Todos os cálculos estatísticos foram efetuados utilizando-se o software Minitab27 para Windows versão 14.

Pearson

É um teste paramétrico de correlação linear, no qual os valores das variáveis X e Y são mensurados em nível intervalar ou de razões. O coeficiente de Pearson -r- pode variar de –1 a +1 e quanto mais próximos desses valores, mais forte a associação das variáveis em estudo. O escore zero desse coeficiente indica ausência de correlação. A probabilidade de significância do teste (p-valor) corresponde ao menor nível de significância que pode ser assumido para rejeitar a hipótese nula. Diz-se que há significância estatística quando p-valor é menor que o nível de significância adotado. Normalmente o nível de significância adotado para o p-valor é p < 0,05.

Análise de cluster

Com procedimentos multivariados de cluster, objetos ou indivíduos, descritos por um conjunto de medidas, podem ser classificados com base na semelhança ou dessemelhança de suas características. Similaridade e dissimilaridade dos indivíduos são descritas pelas distâncias euclidianas dos valores das características do indivíduo. O objetivo da análise de cluster é aperfeiçoar a heterogeneidade das classes (grupos, clusters) assim como a homogeneidade dentro deles28. A partir da análise de cluster, pode-se identificar indivíduos com características semelhantes e, então, criar grupos com estes indivíduos. Diferentes algoritmos de cluster cumprem este objetivo. Neste estudo foi utilizado o método aglomerativo de Ward, o qual maximiza a variância entre os grupos e minimiza-a entre os membros do mesmo grupo29. A medida de distância utilizada foi a distância do coeficiente de correlação. Para mostrar os resultados em cluster, dendrogramas são usados como forma de apresentação visual dos passos da técnica hierárquica de cluster.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os limites de detecção para os íons de Co, Mn, Fe, Cr, Zn, e Cu foram de 0,047; 0,016; 0,049; 0,062; 0,045 e 0,010 mg L-1, enquanto que os limites de quantificação para os mesmos elementos foram 0,156; 0,054; 0,164; 0,206; 0,150; 0,033 mg L-1, respectivamente. Os valores de recuperação para Cr, Mn, Co, Zn e Cu foram de 95,6 ± 3,91%; 99,4 ± 4,90%; 110 ± 4,17%; 82,7 ± 2,14%; 97,9 ± 3,30%, respectivamente.

Esta é a primeira publicação científica a relatar concentrações de íons metálicos em líquens do cerrado sul-mato-grossense. Os valores médios de concentrações para os íons metálicos nas 9 espécies de líquens são apresentados na Tabela 1. Dentre os íons inorgânicos estudados, Fe e Mn foram os mais abundantes em todas as amostras, enquanto o íon Cu apresentou a menor concentração, Figuras 2 e 3. Para os íons Fe a maior concentração foi de 1,57 x 103 mg kg-1 no líquen P. Miranda e a menor concentração foi de 248 mg kg-1 no líquen U. Subcavata. O maior valor de concentração para a espécie inorgânica Mn foi encontrado na amostra P. hypomiltha (397 mg kg-1) e o menor valor na amostra P. tinctorum coletado em rocha (98,5 mg kg-1). A espécie U. subcavata, coletada de casca de árvore, que apresenta uma morfologia fruticosa, não só apresentou baixa concentração para o íon Cu, mas também para Cr, Zn e Fe em relação às outras amostras de líquens analisadas. Líquens do gênero Parmotrema, desenvolvidos sobre rocha (P. tinctorum, P. delicatulum, P. flavescens e P. miranda) apresentaram concentrações de Fe superiores às do líquen de mesma espécie, P. tinctorum, e as do gênero Pseudoparmelia (P. sphaerospora e P. hypomiltha), ambos desenvolvidos sobre casca de árvores.



Os líquens são considerados organismos acumuladores de elementos químicos do ambiente por serem sensíveis à poluição e pouco sensíveis aos efeitos tóxicos dos elementos30. Valores elevados de concentração de íons metálicos nos líquens têm sido atribuídos à poluição do ar, no entanto, solos contaminados e/ou a composição mineral do solo pode influenciar31. Os processos naturais, como a ressuspensão de partículas do solo pelos ventos, salsugem e emanações vulcânicas podem também proporcionar o enriquecimento de íons metálicos nos líquens. Espécies inorgânicas, como Al, Si, Ca, Fe, Ti e Mn, são características da ressuspensão do solo30. O intemperismo é um fenômeno que pode disponibilizar para o ambiente metais contidos em rochas32.

A criação extensiva de gado bovino e a agricultura são atividades desenvolvidas no local de amostragem dos líquens, assim como em outras regiões do estado de Mato Grosso do Sul, representando as bases da economia. Estas atividades estão intimamente ligadas ao uso intensivo de agroquímicos e outras técnicas de manejo que podem poluir o meio ambiente. Íons metálicos, como Fe, Mn, Co, Zn e Cu, são normalmente encontrados nos suplementos minerais para bovinos. O íon cromo vem sendo utilizado em dietas de ruminantes33,34, principalmente em situações de estresse (doenças, gestação e transporte), sendo também usado no curtimento mineral de couro35-37. Segundo dados do IBGE no estado de Mato Grosso do Sul, no terceiro trimestre de 2006, foram curtidos ao cromo 1.068.654 couros, 11,22% da produção nacional38. O uso de agroquímicos, de suplementos minerais e o aproveitamento de resíduos agroindustriais (lodo de curtume) para adubação podem causar impactos ambientais, afetando o ecossistema com a contaminação de solos, cursos d'água, atmosfera e alimentos. Sabe-se que as espécies herbáceas e muitas espécies arbóreas que crescem em solo contaminado por metais pesados apresentam teores foliares elevados de metais, em muitos casos, superiores aos níveis críticos de toxidez39. Provavelmente, a combustão de biomassa, que possui altos teores de metais, pode contribuir para elevar sua concentração na atmosfera por emissão direta de material particulado ou ressuspensão das cinzas, propiciando o enriquecimento de espécies químicas nos líquens. Em áreas de Cerrado esta prática é muito comum, com propósito de promover a renovação ou recuperação das pastagens. A queimada que deveria ser pequena e controlada acaba muitas vezes se espalhando, devido à baixa precipitação pluviométrica no Estado de junho a setembro. Sabe-se que a combustão de biomassa é uma importante fonte de emissão de partículas finas (diâmetro aerodinâmico inferior a 10 mm), e estas têm um tempo longo de residência na atmosfera (entre 100 e 1000 h) podendo ser transportadas por longas distâncias (100 a 1000 km)40.

Os íons Cr, Co e Mn apresentaram concentrações nos líquens acima do valor de referência. A Tabela 2 apresenta valores médios comparativos entre as concentrações obtidas neste estudo com os realizados na Itália, Brasil e Estados Unidos. Bergamaschi et al.31 efetuaram a determinação de 23 elementos nos líquens coletados em áreas de grande elevação, consideradas não poluídas na Itália, no Nepal e Quênia. A análise elementar dos líquens nestes locais forneceu valores da composição natural dos líquens que podem ser tomadas como referência para amostras de áreas não poluídas. Coccaro et al.41 estudaram as concentrações de 30 elementos em líquens amostrados no Jardim Botânico de São Paulo (reserva biológica de Mata Atlântica), enquanto Williams et al.42 relataram a concentração média de metais em líquens coletados em 5 áreas de deserto no sudoeste americano. As concentrações médias dos íons Cr, Mn e Co nos líquens estudados foram superiores aos valores de referência de áreas não poluídas da Itália, Nepal e Quênia31 (Tabela 2). Também são superiores aos valores obtidos para líquens do Jardim Botânico de São Paulo40 e do deserto americano42 (área não impactada), sugerindo uma provável contribuição de fontes antropogênicas no acúmulo destes elementos nos líquens.

Com o intuito de diagnosticar as prováveis fontes de contaminação, o teste de correlação linear de Pearson e a análise de cluster foram aplicados às concentrações para verificar as correlações e similaridade entre os íons metálicos. A análise de correlação de Pearson entre concentrações normalizadas dos íons metálicos nos líquens mostrou fracas correlações entre os elementos, exceto entre Mn e Zn (r= 0, 628, p = 0,070) e entre Co e Fe (r= 0,594, p= 0,092), Tabela 3. O dendrograma dos elementos revelou quatro clusters: (1) Cr; (2) Mn e Zn; (3) Co; (4) Fe e Cu (Figura 4). Níveis de similaridade de 81,4 e de 79,6% foram obtidos entre Mn e Zn e entre Fe e Cu, respectivamente, complementando o teste de correlação linear de Pearson.


Os coeficientes de correlação de Pearson mostraram associações sem significância entre as concentrações dos íons Cr, Mn e Co nos líquens (r < 0,100 e p > 0,797); o dendrograma apresentou clusters distintos para estes elementos, evidenciando diferentes fontes principais de contaminação.

Como discutido anteriormente, o processo de curtimento do couro ao cromo pode ser a fonte de contaminação deste elemento. Quanto ao íon Mn, a exploração da jazida mineral do Maciço de Urucum pode ser uma fonte de contaminação adicional as já anteriormente citadas. O Maciço está localizado nos municípios de Corumbá e Ladário e vem sendo explorado desde 1907. Em Corumbá encontra-se também uma siderurgia que utiliza o Mn para produzir ligas metálicas. Estas certamente são fontes de emissão de poluentes do ar e, conseqüentemente, de deposição atmosférica dos mesmos. Neste contexto, os mecanismos de transporte de poluentes atmosféricos de longas distâncias podem estar eventualmente envolvidos. O Co é muito utilizado no cultivo de grãos, principalmente da soja, para fixação biológica de nitrogênio. Este é utilizado no tratamento das sementes ou aplicado na parte aérea das plantas. Em solos com deficiência de cobalto, a aplicação do nutriente é de até 2 kg/ha de sulfato de cobalto (21% de Co).

Para caracterizar a capacidade dos três diferentes gêneros de líquens em acumular íons metálicos, testes de análise multivariada de Pearson e de cluster também foram aplicados. O teste de correlação de Pearson foi executado utilizando-se os valores normalizados das concentrações dos íons metálicos. Foram observadas fortes correlações positivas para as concentrações dos íons metálicos entre os líquens dos gêneros Parmotrema e Pseudoparmelia, e entre Usnea e Pseudoparmelia (0,911 < r < 1,000 e 0,000 < p < 0,012), Tabela 4. O líquen do gênero Usnea (subcavata) mostrou os menores valores de correlação (0,777 < r < 0,866 e 0,026 < p < 0,069) com o gênero Parmotrema (tinctorum, miranda, flavescens e dilatatum, delicatulum).

Aplicando a análise de cluster obteve-se o dendrograma para os líquens, mostrado na Figura 5. Dois principais clusters são formados (1 e 2), sendo que cada cluster subdivide-se em dois subclusters: 1a (P. tinctorum r e P. mirada), 1b (P. dilatatum, P. flavescens, P. tinctorum c, P. dilecatulum), 2a (P. sphaerospora, P. hypomiltha) e 2b (usnea subcavata ). O cluster 2 revelou elevada similaridade entre os líquens do gênero Pseudoparmelia (99,7%) e este com o gênero Usnea sp. (97,0%), assim como o cluster 1 mostrou similaridade superior a 99,3% entre as espécies do gênero Parmotrema.


CONCLUSÃO

A aplicação de líquens como biomonitores ambientais parece ser uma boa maneira de se monitorar a qualidade da poluição atmosférica. As concentrações para os seis íons metálicos avaliados nas 9 espécies de líquens compreenderam valores desde 3,23 mg kg-1 (Cu) até 1,57 x 103 mg kg-1 (Fe). Apesar dos altos valores encontrados para o íon Fe, este ainda se encontra abaixo dos níveis considerados de referência. A composição mineral do solo pode ser em parte responsável pelas elevadas concentrações deste íon nos líquens, devido a processos naturais como a ressuspensão de partículas do solo pelos ventos.

Quanto ao Co, Mn e Cr, estes sim estão acima dos valores obtidos em áreas não poluídas, considerados de referência.

Os resultados obtidos pela aplicação do coeficiente de correlação linear de Pearson e da análise de cluster permitiram inferir prováveis fontes de contaminação para os íons metálicos. A análise de Pearson mostrou fracas correlações (r < 0,100 e p > 0,786) entre os íons Co, Mn e Cr, e a de cluster apresentou esses íons em clusters distintos, evidenciando fontes antropogências diferentes de contaminação. Atividades ligadas à agricultura, agroindústria e exploração de jazidas minerais podem estar contribuindo para o enriquecimento dos íons Cr, Mn, Co nos líquens.

Fortes correlações positivas de Pearson foram obtidas entre os líquens dos gêneros Parmotrema e Pseudoparmelia, e entre Usnea e Pseudoparmelia (r > 0,911 e p < 0,012).

A análise de cluster revelou quatro subclusters: 1a e 1b formados pelos líquens do gênero Parmotrema, enquanto os grupos 2a e 2b foram representados pelos líquens dos gêneros Pseudoparmelia e Usnea, respectivamente. Isto é uma evidência que os três gêneros de líquens se diferenciam quanto à capacidade de acumular os íons metálicos, destacando-se o gênero Usnea sp. com menor capacidade, por possuir morfologia fruticosa.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq/Fundect pela bolsa de Iniciação Científica; ao Departamento de Química da UFMS pelos equipamentos cedidos, à Profa. Dra. M. Fleig e ao Prof. Dr. M. P. Marcelli pela identificação dos líquens, e ao Prof. Dr. L. Sauer pela colaboração na interpretação dos resultados estatísticos.

3. Brodo, I. M. Em ref. 2, p. 401.

38. http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/ acessada em Dezembro 2006.

Recebido em 17/2/06; aceito em 4/8/06; publicado na web em 19/1/07

  • 1. Marcelli, M. P. Em Biodiversidade do estado de São Paulo, Brasil 2 Fungos Macroscópicos & Plantas; Bicudo, C. E. M.; Shepherd, G. J., eds.; Ed. São Paulo: São Paulo, 1998, p. 27.
  • 2. Kappen, L. Em The Lichens; Ahmadjian, V.; Hale, M. E., eds.; Academic Press: New York, 1973, p. 311.
  • 4. Hale Jr., M. E. Em The Biology of Lichens; 3rd ed.; Edward Arnold: Baltimore, 1983.
  • 5. Puckett, K. J.; Bibliotheca Lichenologica 1988, 30, 231.
  • 6. Rossbach, M.; Jayasekera, R.; Kniewald, G.; Thang, M. H.; Sci. Total Environ 1999, 232, 59.
  • 7. Wappelhorst, O.; Kuhn, I.; Oehlmann, J.; Markert, B.; Sci. Total Environ 2000, 249, 243.
  • 8. Carreras, H. A.; Pignata, M. L.; Environ. Pollut 2001, 111, 45.
  • 9. Sawidis, T.; Chettri, M. K.; Zachariadis, G. A.; Stratis, J. A.; Ecotoxicol. Environ. Saf 1995, 32, 73.
  • 10. Monaci, F.; Bargagli, R.; Gasparo, D.; Acta Bot. Neerl 1997, 46, 403.
  • 11. Scerbo, R.; Possenti, L.; Lampugnani, L.; Ristori, T.; Barale, R.; Barghigiani, C.; Sci. Total Environ 1999, 241, 91.
  • 12. Loppi, S.; Ivanov, D.; Boccardi, R.; Environ. Pollut 2002, 116, 123.
  • 13. Branquinho, C.; Brown, D. H.; Maguas, C.; Catarino, F.; Environ. Exp. Bot 1997a, 37, 95.
  • 14. Branquinho, C.; Brown, D. H.; Maguas, C.; Catarino, F.; Environ. Exp. Bot 1997b, 38, 165.
  • 15. Chettri, M. K.; Cook, C. M.; Vardaka, E.; Sawidis, T.; Lanaras, T.; Environ. Exp. Bot 1998, 39, 1.
  • 16. Kauppi, M.; Kauppi, A.; Garty, J.; New Phytol 1998, 139, 537.
  • 17. Garty, J.; Crit. Rev. Plant Sci 2001, 20, 309.
  • 18. Glenn, M. G.; Gomez-Bolea, A.; Lobello, R.; Lichenol 1995, 27, 291.
  • 19. IBGE/SEPLAN - Instituto de Geografia e Estatística do Brasil. Secretaria de Planejamento e Coordenação do Governo do Mato Grosso do Sul; Atlas Multirreferencial, Aquidauana: IBGE, 2000.
  • 20. Krug, F. J.; I Workshop on Methods of Sample Decomposition Pré-Tratamento de Amostras, Centro de Energia Nuclear na Agricultura de Piracicaba, Brasil, 1996.
  • 21. Analytical Methods Commitee, Analyst 1987, 112, 199.
  • 22. Limaverde-Filho, A. M.; Campos, R. C.; Quim. Nova 1999, 22, 477.
  • 23. Carreras, H. A.; Wannaz, E. D.; Perez, C. A.; Pignata, M. L.; Environ. Res. 2005, 97, 50.
  • 24. Siu-lan Lee, C.; Li, X.; Shi, W.; Ching-nga Cheug, S.; Thornton, I.; Sci. Total Environ. 2006, 356, 45.
  • 25. Loppi, S.; Pirintsos, S. A.; Environ. Pollut. 2003, 121, 327.
  • 26. Yenisoy-Karakas, S.; Tuncel, S. G.; Sci. Total Environ. 2004, 329, 43.
  • 27. Ryan Jr, T. A.; Ryan, B. F.; Joiner, B. L.; MINITAB - Statistical Software, Universidade do Estado da Pensilvânia, EUA, 1972.
  • 28. Pesch, R.; Schroeder, W.; Ecological Indicators, no prelo.
  • 29. Gallego, J. L. R.; Ordónez, A.; Loredo, J.; Environ. Int. 2002, 27, 589.
  • 30. Helena, P. N.; Franc, B.; Cvetka, R. L.; J. Atmos. Chem. 2004, 49, 223.
  • 31. Bergamaschi, L.; Rizzio, E.; Giaveri, G.; Profumo, A.; Loppi, S.; Gallorini, M.; Chemosphere 2004, 55, 933.
  • 32. Soares, C. R. F. S.; Accioly, A. M. A.; Marques, T. C. L. L. S. M.; Siqueira, J. W.; Moreira, F. M. S.; Rev. Bras. Fisiol. Veg. 2001, 13, 302.
  • 33. Kegley, E. B.; Spears, J. W.; Eisemann, J. H.; J. Dairy Sci. 1997, 80, 1744.
  • 34. Hayirli, A.; Bremmer, D. R.; Bertics S. J.; Socha, M. T.; Grummer, R. R.; J. Dairy Sci. 2001, 84, 1218.
  • 35. Berry, F. J.; Constantini, N.; Smart, L. E.; Waste Management 2002, 22, 761.
  • 36. Mignini, F.; Streccioni, V.; Baldo, M.; Vitali, M.; Indraccolo, U.; Bernacchia, G.; Cocchioni, M.; Preventive Medicine 2004, 39, 767.
  • 37. Tariq, S. R.; Shah, M. H.; Shaheen, N.; Khalique, A.; Manzoor, S.; Jaffar, M.; J. Hazard. Mater. 2005, 122, 17.
  • 39. Gisbert, C.; Clemente, R.; Navarro-Avi, J.; Baixauli, C.; Ginér, A.; Serrano, R.; Walker, D. J.; Bernal, M. P.; Environ. Exp. Bot. 2006, 56, 19.
  • 40. Lara, L. L.; Artaxo, P.; Martinelli, L. A.; Camargo, P. B.; Victoria, R. L.; Ferraz, E. S. B.; . Atmos. Environ. 2005, 39, 4627
  • 41. Coccaro, D. M. B.; Saiki, M.; Vasconcellos, M. B. A.; Marcelli, M. P.; J Radioanal. Nucl. Chem 2000, 244, 141.
  • 42. Williamns, R. N.; Casellas, R. C.; Mangelson, N. F.; Rees, L. B.; St. Clair, L. L.; Schaalje, G. B.; Swalderg, K. D.; Nucl. Instrum. Methods Phys. Res., Sect. B 1996, 109/110, 336.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      04 Ago 2006
    • Recebido
      17 Fev 2006
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br