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Desenvolvimento de um método empregando quitosana para remoção de íons metálicos de águas residuárias

Development of a method employing chitosan to remove metallic ions from wastewater

Resumo

In this work a method was developed for removing metallic ions from wastewaters by co-precipitation of Cu2+, Pb2+, Cd2+, Cr3+ and Hg2+ with chitosan and sodium hydroxide solution. Solutions of these metallic ions in the range from 0.55 to 2160 mg L-1 were added to chitosan dissolved in 0.05 mol L-1 HCl. For the co-precipitation of metal-chitosan-hydroxide a 0.17 mol L-1 NaOH solution was added until pH 8.5-9.5. A parallel study was carried out applying a 0.17 mol L-1 NaOH solution to precipitate those metallic ions. Also, a chitosan solid phase column was used for removing those metallic ions from wastewaters.

chitosan; metallic ions; adsorption


chitosan; metallic ions; adsorption

ARTIGO

Desenvolvimento de um método empregando quitosana para remoção de íons metálicos de águas residuárias

Development of a method employing chitosan to remove metallic ions from wastewater

Bruno Campos Janegitz; Bruna Cláudia Lourenção; Karina Omuro Lupetti# # endereço atual: Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, CP 780, 13560-970 São Carlos – SP, Brasil ; Orlando Fatibello-Filho* * e-mail: bello@dq.ufscar.br

Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13560-970 São Carlos – SP, Brasil

ABSTRACT

In this work a method was developed for removing metallic ions from wastewaters by co-precipitation of Cu2+, Pb2+, Cd2+, Cr3+ and Hg2+ with chitosan and sodium hydroxide solution. Solutions of these metallic ions in the range from 0.55 to 2160 mg L-1 were added to chitosan dissolved in 0.05 mol L-1 HCl. For the co-precipitation of metal-chitosan-hydroxide a 0.17 mol L-1 NaOH solution was added until pH 8.5-9.5. A parallel study was carried out applying a 0.17 mol L-1 NaOH solution to precipitate those metallic ions. Also, a chitosan solid phase column was used for removing those metallic ions from wastewaters.

Keywords: chitosan; metallic ions; adsorption.

INTRODUÇÃO

A indústria química1 vem apresentando crescimento acentuado nos últimos anos. A questão ambiental que abrange os produtos gerados pelo setor químico vem sendo debatida no Brasil e no mundo nos últimos anos. Em vista da crescente exigência da sociedade, especialmente dos órgãos de proteção ao meio ambiente, como CETESB e CONAMA, vêm sendo desenvolvidos novos métodos2 para tratamento de efluentes contaminados por íons metálicos, tais como mercúrio, cádmio, cobre, crômio, chumbo, entre outros.

Esses íons metálicos3 são encontrados nos resíduos provenientes de algumas indústrias, os quais não são devidamente tratados sendo, então, despejados de forma inadequada nos rios e por não serem biodegradáveis, tendem a se acumular.

Os íons metálicos possuem uma alta toxicidade ao ser humano em concentrações inadequadas, podendo causar diversas doenças e distúrbios. A tolerância ambiental para estes íons é estabelecida pelo Conselho Nacional de Meio-Ambiente, CONAMA4.

O crômio5 é encontrado naturalmente em rochas, plantas, solo, poeiras e névoas vulcânicas. Os efeitos tóxicos em indivíduos expostos ocupacionalmente a elevadas concentrações de crômio, particularmente o crômio (VI), incluem ulcerações e perfuração do septo nasal, irritação do trato respiratório, possíveis efeitos cardiovasculares, gastrointestinais, hematológicos, hepáticos e renais, além do risco elevado de câncer pulmonar.

O cobre5 é amplamente distribuído na natureza, podendo ser encontrado na forma de sulfetos, arsenitos, cloretos e carbonatos. Quando em excesso, causa ao ser humano as seguintes reações adversas: deslocamento do metal de seus sítios de ligação resultando em alterações nas membranas, como despolarização, e dano dos receptores ou moléculas transportadoras. A intoxicação aguda por cobre causa erosão do epitélio gastrointestinal associado à necrose centrilobular do fígado e necrose tubular dos rins.

Altas concentrações de cádmio podem ser encontradas em rochas sedimentares e fosfatos marinhos. A toxicidade do cádmio expressa-se em diversos órgãos e tecidos, entretanto, os órgãos-alvo são rins e fígado. Nas situações de exposição crônica, a toxicidade se expressa nos rins a nível de túbulo proximal provocando dano celular, sendo também relacionada à redução de glicogênio hepático e ao aumento de glicemia.

O mercúrio5 é raramente encontrado como elemento livre na natureza. Encontra-se amplamente distribuído, porém em baixas concentrações, por toda a crosta terrestre. O mercúrio e seus compostos podem causar vários danos à saúde, tanto em situações de exposição aguda quanto crônica. Por sua afinidade, interfere com grupos sulfidrilas presentes em proteínas e sistemas enzimáticos em diferentes tecidos e órgãos. O rim é o órgão crítico na intoxicação aguda pelo íon mercúrio, ocorrendo extensa necrose de células epiteliais.

O chumbo5 é um elemento de ocorrência natural, encontrado com relativa abundância na crosta terrestre, quase sempre como sulfeto de chumbo (galena). Esse metal é distribuído entre órgãos como rins, fígado, dentre outros e, também, em ossos e dentes. Os ossos podem ser adversamente afetados pelo chumbo, mas também servem como os maiores reservatórios do elemento no organismo.

Para tratamento desses metais em água podem ser utilizados alguns procedimentos, dentre eles, precipitação com hidróxidos, remoção com resinas de troca iônica, argila, zeólitas naturais, cinzas industriais, carvão vegetal, quitina, quitosana, entre outros6-10.

Um método convencional de tratamento dos efluentes industriais consiste na precipitação dos íons metálicos. Essa precipitação pode estar associada, se necessário, a um pré-tratamento para liberar o íon metálico de agentes quelantes. Essas substâncias reagem com os metais dissolvidos formando complexos solúveis em soluções neutras ou ligeiramente alcalinas (pH >7).

A quitosana11,12 é obtida a partir da desacetilação da quitina por processos de hidrólise básica e composta pelas unidades 2-amino-2-desoxi-D-glicopiranose e 2-acetamido-2-desoxi-D-glicopiranose, as quais são unidas por ligações glicosídicas do tipo b(1®4). Esse biopolímero apresenta importantes propriedades biológicas tais como baixa toxicidade, não causa alergia, pode ser empregado como anticoagulante, é biodegradável, biocompatível e possui propriedades antibacterianas.

Esse biopolímero11-14 é insolúvel em água, bases, álcool e acetona, sendo completamente solúvel em soluções de alguns ácidos orgânicos, como por ex., ácido acético em pH<6. Alguns ácidos inorgânicos diluídos, tais como ácido nítrico, clorídrico, perclórico ou fosfórico, podem ser utilizados para preparação de soluções de quitosana somente depois de prolongada agitação e aquecimento.

Por ser uma fonte de matéria-prima altamente renovável e economicamente viável, a quitosana atualmente está sendo utilizada em diversas áreas, como medicina15, agricultura16, biotecnologia17, indústria de cosméticos18, produtos alimentícios19 e, como adsorvente na remoção de corantes20 e espécies metálicas21.

A quitosana além de abundante e de baixo custo é um ótimo adsorvente de metais pesados22, possui capacidade para formar complexos com íons de metais de transição devido à presença de amino-grupos presentes em sua estrutura, como mostra a Figura 1, sendo seu poder quelante para diversos cátions metálicos da ordem de 5 a 6 vezes acima da quitina11,23. Apresenta alta capacidade de adsorção, maior que 1 mmol do cátion metálico/g de quitosana para a maioria dos íons metálicos. A capacidade de adsorção da quitosana varia de acordo com a cristalinidade, afinidade por água, porcentagem de desacetilação e quantidade de amino-grupos.


Segundo Canella et al.24, as propriedades físicas e químicas da quitina e de seus derivados N-desacetilados (quitosana) são muito diferentes. A quitosana comercial possui, geralmente, grau médio de desacetilação (GD) variando de 70 a 95%, com massa molar na faixa de 104-106 g mol-1. Como muitas das propriedades destes polissacarídeos estão intimamente relacionadas a estes dois parâmetros, torna-se imprescindível a determinação dos mesmos. Deste modo, o conhecimento preciso do teor de grupos N-desacetilados (G.D.) e, conseqüentemente, de grupos NH2, é importante, de maneira a caracterizar qualquer processo de desacetilação da quitina, assim como qualquer outra modificação química25. É necessário observar a influência das condições reacionais, tais como temperatura, concentração da base e número de etapas de reação na obtenção de quitosana de baixo grau de acetilação.

A quitosana tem sido empregada como agente para imobilização de uma variedade de substratos. Zwirtes e Vieira26 estudaram a construção e aplicação de biossensores utilizando diferentes procedimentos de imobilização da peroxidase de vegetal em matriz de quitosana. Ngah et al.27 estudaram a adsorção de cobre (II) em solução aquosa usando quitosana modificada.

Silva et al.28 apresentaram as aplicações farmacêuticas dos derivados hidrossolúveis da quitosana e seus avanços.

Segundo Klug et al.29, a introdução de certos grupos funcionais na matriz polimérica da quitosana poderá propiciar maior interação com um grande número de íons metálicos e, conseqüentemente, poderá ser empregada em processos de pré-concentração de íons.

O desenvolvimento30 de novos métodos para remoção de íons metálicos tem sido um desafio para o mercado tecnológico, pois o alto custo e, muitas vezes, as limitadas condições de trabalho dificultam o tratamento. Com alta massa molar e grande repetição dos grupos funcionais, a quitosana pode ser utilizada juntamente com materiais de menor custo para obtenção de alta eficiência nesse processo. Neste trabalho é proposto um método de co-precipitação de cátions metálicos com quitosana em meio básico.

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais e equipamentos

Para a determinação do grau médio de desacetilação da quitosana, foi utilizado condutivímetro Micronal, mod. B330 com uma célula condutimétrica Digimed DMC-010. Para comparação dos resultados obtidos no estudo de caracterização da quitosana, utilizou-se a técnica de ressonância magnética nuclear de prótons (RMN-H) com o auxílio de espectrômetro de ressonância magnética nuclear Bruker, modelo DRX 400, de 9.4 Tesla, 400,13 MHz para freqüência do hidrogênio, sendo utilizada sonda de 5 mm, de detecção inversa com gradiente de campo na direção do eixo z.

Para monitoramento da eficiência de remoção dos íons metálicos das soluções de trabalho foi empregado espectrômetro de absorção atômica Varian, modelo Gemini. Para o monitoramento da eficiência de remoção dos íons mercúrio utilizando coluna empacotada com quitosana, empregou-se um ICP-OES Varian simultâneo com leitura axial e para monitoramento dos íons mercúrio das soluções padrão utilizou-se espectrofotômetro de absorção molecular HP 8452 A na região UV-visível.

Estudos da dissolução da quitosana

Diferentes soluções de quitosanas foram preparadas nas concentrações de 0,100; 0,200; 0,500 e 0,800 g em volumes variados (10-50 mL) de ácido clorídrico, sulfúrico e acético nas concentrações de 0,05; 0,27; 0,55; 0,82 e 1,09 mol L-1. Esses ácidos, nas diferentes concentrações, foram adicionados às massas de quitosana e a solução agitada por 3 h.

Caracterização da quitosana

Quitosanas de diversas procedências como Sigma, Aldrich, Polymar e Purifarma foram caracterizadas, segundo o grau médio de desacetilação utilizando-se os métodos de RMN 1H e titulação condutométrica31.

Os espectros de RMN 1H foram obtidos a partir do procedimento descrito por Signini e Campana-Filho32. Aproximadamente 10 mg de cada amostra de quitosana foram solubilizadas em 1 mL de solução HCl/D2O 1% (v/v), durante 24 h, formando uma solução viscosa. Uma alíquota de cada solução foi colocada em tubo de 5 mm de diâmetro para análise a 60 ºC. Como referência externa foi utilizado o ácido 3- (trimetilsilil)-1- propano sulfônico- d4 (TSPA da Aldrich).

Em cada titulação condutométrica foram utilizadas massas acuradamente medidas de 200 mg de quitosana, que foram agitadas juntamente com 40 mL de solução de HCl 0,05 mol L-1 à temperatura de 25,0 ± 0,1 o C e, em seguida, tituladas com solução de NaOH 0,17 mol L-1.

Tratamento das soluções contendo os íons metálicos

Após a caracterização das diferentes amostras de quitosana empregando-se os métodos descritos, foram realizados estudos para remoção dos íons metálicos (Cu2+, Cr3+, Pb2+, Cd2+ e Hg2+) de diferentes soluções, utilizando-se a quitosana de maior grau médio de desacetilação.

Alíquotas de 3 mL das soluções de cátions metálicos no intervalo de concentrações de 5,0x10-5 a 0,10 mol L-1 foram adicionadas separadamente nas soluçõs de quitosana dissolvida em meio ácido32. Para a co-precipitação desse biopolímero com a espécie metálica, foram adicionados volumes crescentes de solução de NaOH 0,17 mol L-1 com auxílio de uma bureta, mantendo-se a solução sob agitação constante. Esse procedimento foi proposto pelo nosso grupo de pesquisa e tem levado a maiores rendimentos de remoção de diversos íons metálicos de águas residuárias33,34.

Após um período mínimo de 30 min, necessário para a total decantação do precipitado, este foi filtrado e a concentração do íon metálico foi determinada por espectrofotometria de absorção atômica. No caso do Hg2+, a concentração desse cátion metálico foi determinada por espectrofotometria seguindo o procedimento proposto por Park e Choi35. Alíquotas do filtrado variando de 1 a 7 mL foram transferidas para balões volumétricos de 10 mL. Em seguida, foram adicionados 0,5 mL de iodeto de potássio, 0,7 mL de cloreto benzalcônio, sendo o volume completado com tampão bórax (pH =10). Após repouso de 20 min, determinaram-se as absorbâncias das soluções em comprimento de onda de 280 nm. Construiu-se uma curva analítica, que foi linear entre 1,4x10-2 e 8,1 mg L-1.

Um experimento controle foi realizado adicionando-se diretamente solução de hidróxido de sódio na solução do cátion metálico (sem a quitosana).

Um método comparativo foi realizado utilizando colunas de vidro de 20 mm de diâmetro e 200 mm de comprimento contendo empacotados 2,5 g da quitosana Aldrich na forma sólida. Após adição daquela massa de quitosana em cada coluna de vidro, a coluna de quitosana foi compactada com o auxílio de bastão de vidro, sendo as partículas do polímero intumescidas com água destilada por 4-5 h.

Foram adicionadas alíquotas das soluções de Pb2+, Cu2+, Cr3+, Hg2+ e Cd2+, em determinadas concentrações de cada espécie metálica. Essas mesmas alíquotas foram coletadas na saída das colunas para determinação das concentrações dos íons por espectrofotometria de absorção atômica (Pb2+, Cu2+, Cd2+ e Cr3+). No caso dos íons Hg2+ utilizou-se espectrometria de emissão óptica com plasma acoplado indutivamente (ICPOES).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliação da solubilidade da quitosana em meio ácido

A solubilização da quitosana em diferentes ácidos, como acético, sulfúrico e clorídrico em diferentes concentrações, 0,05; 0,27; 0,55; 0,82 e 1,09 mol L-1, foi inicialmente investigada. Dos ácidos empregados para solubilização da quitosana, apenas o ácido clorídrico, nas concentrações variando de 2,5 a 7,5 g L-1 (g de quitosana por mL de HCl 0,05 mol L-1), solubilizou totalmente a quitosana. Com o aumento da concentração do ácido clorídrico para 0,27 mol L-1, verificou-se uma diminuição da solubilidade da quitosana onde foi possível obter uma solução de no máximo 2,5 g de quitosana L-1 de ácido clorídrico 0,27 mol L-1. Isso ocorre devido ao grande aumento da força iônica acompanhada pelo decréscimo do pH. Esses resultados estão em boa concordância com aqueles encontrados por Dockal et al.31. Outro fator que influencia a solubilidade da quitosana é o tipo de preparação empregada, onde as desacetilações homogêneas (GD= 55-50%) levam a quitosanas solúveis em água e desacetilações heterogêneas, com o mesmo GD, levam a quitosanas insolúveis em água e ácido diluído36.

Caracterização das quitosanas de diferentes procedências

Após estabelecer a solubilidade da quitosana em meio ácido verificou-se o grau médio de desacetilação da quitosana de diferentes procedências (Purifarma, Polymar, Sigma e Aldrich).

O grau médio de desacetilação é definido como o número de grupos amino em relação aos grupos amida da cadeia polimérica. A determinação deste parâmetro implica na propriedade da quitosana em adsorver maior ou menor concentração de íons metálicos (o grupo amino disponível pode complexar alguns íons metálicos). Existem diversas metodologias empregadas para se determinar o grau médio de desacetilação, como RMN37, cromatografia38, infra-vermelho39,40, entre outros. Neste trabalho, o grau médio de desacetilação foi determinado por titulação condutométrica e por RMN 1H 31.

Condutometria

O grau médio de desacetilação foi determinado segundo Dockal et al.31. A Figura 2 apresenta as curvas condutométricas obtidas na titulação de quitosanas procedentes da Purifarma, Polymar, Sigma e Aldrich, respectivamente. De acordo com a Figura 2, o primeiro ramo linear da curva obtida corresponde à neutralização do HCl em excesso, o segundo à neutralização do grupo amino presente na quitosana e o terceiro corresponde aos íons OH- em excesso presentes na solução.


O número de grupos amino em relação aos grupos amida da cadeia polimérica foi calculado empregando-se a Equação 1

onde: 16,1 é a fração molar de quitosana; [base] é a concentração de NaOH consumido, (V2-V1) é o volume de NaOH do segundo e primeiro pontos de equivalência e, m é a massa de quitosana utilizada na determinação.

Empregando-se a Equação 1 para o grau médio de desacetilação em percentagem, GD %, proposta na literatura31, foram obtidos os graus médios de desacetilação das quitosanas como mostrado na Tabela 1.

Ressonância magnética nuclear de prótons RMN 1H

Como técnica comparativa, determinou-se o grau médio de acetilação da quitosana por espectroscopia de RMN 1H, sendo então calculado o grau médio de desacetilação. Essa técnica mostrou ser eficiente na quantificação do grau médio de acetilação desde que a análise fosse realizada em meio ácido e a 60 ºC. Determinações a 70 ºC, como indicado na literatura32, levaram a um aumento da instabilidade do sistema. Mesmo trabalhando-se a 60 ºC, foi necessário que a varredura do espectro e a aquisição de dados fossem realizadas prontamente, de modo a minimizar problemas causados pela hidrólise ácida da quitosana. A Equação 2 foi utilizada para calcular o grau médio de acetilação:

onde A(CH3) representa os núcleos de hidrogênio metilados do grupo acetamido e A (H2) são os núcleos de hidrogênio na posição 2 do anel glicosamino.

A escolha da relação de áreas da Equação 2 deve-se ao fato de que as áreas dos grupos metila encontradas na região de 2 ppm relativas aos núcleos do grupo acetamido e ao núcleo na posição 2 do anel glicosamino encontrados na região de 3,2 ppm estão livres das influências de pico de HOD (d = 3,8 ppm). A Equação 3, então, determina o grau médio de desacetilação das quitosanas. A Figura 3 apresenta o espectro de RMN obtido para a quitosana procedente da Aldrich. O grau médio de desacetilação obtido para cada quitosana empregando-se a técnica condutométrica e ressonância magnética nuclear de hidrogênio é apresentado na Tabela 1.


A diferença nos graus médios de desacetilação obtida empregando-se as duas técnicas pode ser devida à maior sensibilidade da técnica de ressonância magnética nuclear, que é uma técnica precisa para determinação de compostos orgânicos, enquanto a técnica condutométrica é menos precisa e pode possuir muitos interferentes. No entanto, esses resultados são concordantes com aqueles normalmente encontrados neste tipo de estudo31. A quitosana Aldrich foi selecionada por apresentar um maior grau médio de desacetilação.

Remoção de íons metálicos de efluentes

Foi estudada inicialmente a co-precipitaçao dos cátions metálicos Cu2+, Pb2+, Cd2+, Cr3+, Hg2+ empregando-se a quitosana dissolvida em HCl 0,05 mol L-1. Para esse estudo foram preparadas soluções desses cátions metálicos em concentrações variando de 0,55 a 2160 mg L-1 (5x10-5 a 0,10 mol L-1). Alíquotas de 3,0 mL das soluções de diferentes íons metálicos foram adicionadas, separadamente, na solução contendo 0,200 g de quitosana Aldrich dissolvida em 40 mL de solução de HCl 0,05 mol L-1, sendo então agitadas a ~100 rpm por 3 h. Para a co-precipitação das espécies metálicas com o biopolímero e o hidróxido de sódio, foram adicionadas alíquotas variando de 10 a 14 mL de NaOH 0,17 mol L-1 às soluções daqueles cátions metálicos, com o auxílio de uma bureta, mantendo a solução sob agitação constante até o pH final atingir 8,5-9,5. Experimentos paralelos nas mesmas condições experimentais foram feitos na ausência de solução de quitosana, objetivando avaliar o efeito desse biopolímero na co-precipitação destas espécies metálicas.

Após um período mínimo de 30 min, necessário para a total decantação dos precipitados, estes foram filtrados e as concentrações desses cátions metálicos, nos respectivos filtrados, foram determinadas empregando-se espectrofotometria de absorção atômica e no caso do mercúrio, por ICP-OES e espectrofotometria no UV35. A Tabela 2 apresenta alguns dos resultados obtidos no estudo da remoção de cátions metálicos das soluções, empregando-se o método proposto e aquele empregando apenas a precipitação com solução de hidróxido de sódio 0,17 mol L-1. Nesta tabela, na primeira coluna são apresentadas as espécies metálicas estudadas; na segunda coluna, a concentração inicial; na terceira, a concentração final dos íons metálicos no filtrado, após tratamento empregando o método proposto, seguido da concentração das espécies, após o tratamento com solução de NaOH e, finalmente, os limites estabelecidos pelo CONAMA (mg L-1).

O íon metálico liga-se ao nitrogênio do agrupamento amino em meio ácido, onde há substituição do hidrogênio pelo íon metálico, como observado na Figura 4.


O método proposto apresenta maior eficiência de remoção de íons metálicos em comparação aos outros métodos estudados neste trabalho. O aumento da eficiência de remoção é devido ao aumento do grau de complexação do íon metálico pelos grupos amino e hidroxila da quitosana em pH acima de 622,23 e também co-precipitação dos hidróxidos ou óxidos dos íons metálicos. Após separação do precipitado, o sobrenadante pode ser descartado após ajuste do pH entre 6,0 e 7,0 com solução de ácido clorídrico.

Como pode ser observado, o método proposto apresentou maior eficiência na remoção dos íons metálicos, sendo que as concentrações das espécies metálicas remanescentes – Cu(II), Pb(II) e Cr(III) – em cada sobrenadante ficaram abaixo dos limites estabelecido pelo CONAMA.

A precipitação promovida empregando solução hidróxido de sódio mostrou-se eficiente apenas para a remoção de Cu(II) do efluente, sendo que para as demais espécies metálicas a concentração final das espécies ficou acima dos limites estabelecidos pelo CONAMA.

Empregando-se o método proposto para tratamento de efluentes contendo Pb(II), a concentração dessa espécie metálica no filtrado ficou abaixo do limite estabelecido pelo CONAMA, sendo que o método utilizando apenas hidróxido de sódio como agente precipitante não foi satisfatório para altas concentrações iniciais desse cátion (>180,0 mg L-1).

O método proposto apresentou boa eficiência para remoção de íons Cd(II) em concentrações menores que 65,0 mg L-1 (não mostrado na tabela), uma vez que a concentração de Cd(II) no filtrado foi da ordem de 5,0x10-3 mg L-1. Por outro lado, como mostrado na Tabela 2, para uma concentração inicial de 215,0 mg L-1 desse cátion metálico, após o tratamento empregando o procedimento proposto, a concentração do filtrado foi 0,09 ± 0,01 mg L-1, enquanto que foi igual a 2,6 ± 0,5 mg L-1 quando se empregou o procedimento com solução de hidróxido de sódio na ausência de quitosana.

Para efluente contendo íons Cr(III) em concentração inicial de 109,3 mg L-1, após o tratamento empregando-se o método proposto e aquele com precipitação com NaOH, foram obtidas concentrações do filtrado menores que o LD e de 5,5 ± 0,5 mg L-1, respectivamente.

Finalmente, o método proposto apresentou boa eficiência de remoção de Hg(II), sendo que a concentração dessa espécie no filtrado ficou abaixo do limite de detecção do método analítico empregado neste trabalho.

Remoção dos íons metálicos empregando-se colunas empacotadas com quitosana

O método utilizando a coluna empacotada com quitosana apresentou bons resultados, com remoção de aproximadamente 100% dos íons metálicos. Porém, há necessidade de maior quantidade de quitosana e maior tempo para remoção dos íons cobre(II), uma vez que a vazão média da solução percolada pela coluna variou de 0,5 a 2,0 mL min-1. Estudos adicionais mostraram que essa vazão pode ser aumentada para 5,0 mL min-1 sem prejuízo do grau de retenção do íon Cu2+ ou dos demais cátions metálicos estudados.

No estudo da remoção de Cu2+, a massa de quitosana na coluna foi saturada pela percolação de 450 mL de solução de Cu2+ 0,01 mol L-1, ou seja 0,11 g de cobre(II)/g quitosana, como pode ser observado na Figura 5. Volumes maiores adicionados de solução de Cu2+ levaram a um aumento crescente da concentração de Cu2+ na solução percolada, como pode ser observado nessa figura, indicando assim que os sítios ativos da quitosana foram saturados.


No estudo da remoção do Pb2+, foram adicionadas à coluna empacotada com 2,5 g de quitosana alíquotas de 25 mL da solução de Pb2+ 0,1 mol L-1, removendo então 0,62 g de íons Pb(II)/g de quitosana, como mostra a Figura 6.


No estudo do Cd2+, foram adicionadas à coluna empacotada com 2,5 g de quitosana, alíquotas de 25 mL (V total=300 mL) da solução de Cd2+ 0,001 mol L-1, observando-se uma remoção de 1,4x10-3 g de Cd(II)/g de quitosana.

No caso do Cr3+, foram adicionadas à coluna empacotada, com 2,5 g quitosana, alíquotas de 25 mL (V total=100 mL) da solução de Cr3+ 0,001 mol L-1. Após a percolação do cátion retido na coluna, a remoção desse cátion metálico foi de 2,6x10-3 g de crômio(III)/g de quitosana.

Finalmente, no estudo da remoção de Hg2+ das soluções, adicionaram-se à coluna empacotada com 2,5 g quitosana, alíquotas de 25 mL (V total=450 mL) da solução de Hg2+ 0,001 mol L-1. A remoção de mercúrio(II) foi de 1,6x10-4 g de Hg(II)/g de quitosana.

Dados na literatura mostram que a quitosana pode apresentar uma ordem de seletividade ou preferência para a adsorção de diferentes cátions metálicos, dependendo do método empregado, da valência do cátion metálico e concentração do extrator22.

Como pode ser observado, a coluna contendo quitosana empacotada apresentou eficiência na remoção dos cátions metálicos. Esse estudo foi realizado para comparação com a metodologia proposta. No entanto, comparando-se a massa de quitosana empregada nas colunas e aquela empregada na co-precipitação daqueles íons metálicos, verifica-se que mesmo empregando massas superiores de quitosana nas colunas, os rendimentos de extração foram bem inferiores que aqueles obtidos empregando-se a co-precipitação das espécies metálicas (Tabela 2). No trabalho desenvolvido não se estudou a seletividade da quitosana por aquelas espécies metálicas. Nestes estudos de seletividade, é importante trabalhar com as mesmas concentrações iniciais das espécies metálicas, mesma concentração de quitosana, tempo e temperatura controlados.

CONCLUSÕES

A quitosana previamente solubilizada em meio ácido e, posteriormente precipitada com o cátion metálico, em meio básico foi mais eficiente na remoção dos cátions metálicos estudados nesse trabalho, tendo rendimento superior à quitosana sólida empacotada em coluna ou precipitação com solução de hidróxido de sódio.

O método proposto foi eficaz para remoção dos íons Cu2+, Cr3+, Pb2+, Cd2+ e Hg2+ em solução, sendo que as concentrações remanescentes desses cátions ficaram abaixo dos LDs da técnica analítica empregada, que são menores ou próximas àquelas concentrações estabelecidas pelo CONAMA. Além disso, após solubilização da quitosana, a precipitação das espécies metálicas com a quitosana em meio básico foi realizada em 30 min, muito mais rápida que a remoção dos íons empregando a quitosana em coluna, com duração variando de 2 a 8 h. Outrossim, para algumas espécies metálicas, foi possível promover a co-precipitação em tempos da ordem de 10-15 min, sem prejudicar a percentagem de remoção da espécie metálica.

AGRADECIMENTOS

Aos recursos finaceiros recebidos do CNPq, da CAPES e FAPESP, às bolsas de iniciação científica de B. C. Lourenção (MEC-SESU) e de B. C. Janegitz (FAPESP) e aos Profs. A. G. Ferreira e J. de A. Nóbrega pelo auxílio e discussão das análises das amostras.

Recebido em 12/5/06; aceito em 28/9/06; publicado na web em 27/4/07

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      28 Set 2006
    • Recebido
      12 Maio 2006
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