Acessibilidade / Reportar erro

Influência de poluentes atmosféricos em Belo Jardim (PE) utilizando Cladonia verticillaris (líquen) como biomonitor

Influence of atmospheric pollutants in Belo Jardim (PE) using Cladonia verticillaris (lichen) as biomonitor

Resumo

Cladonia verticillaris used in this study was collected in the cerrado vegetation of Saloá (PE, Brazil) and transplanted in plastic containers on soil from the collection place to Belo Jardim (PE) that possesses lead smelters and battery industries. The experiments were disposed at eleven different places for evaluating the dispersion of pollutants and their effects on the biomonitor. The exposed lichens were collected over eight months and submitted to thin layer and high performance liquid chromatographies, and scanning electron microscopy. C. verticillaris placed in the vicinity of the emission sources demonstrated alteration in its metabolism, decreasing the production of its major compound, fumarprotocetraric acid, and deterioration of its external and internal surfaces.

active biomonitoring; lichen substances; air pollution


active biomonitoring; lichen substances; air pollution

ARTIGO

Influência de poluentes atmosféricos em Belo Jardim (PE) utilizando Cladonia verticillaris (líquen) como biomonitor

Influence of atmospheric pollutants in Belo Jardim (PE) using Cladonia verticillaris (lichen) as biomonitor

Fernando de Oliveira Mota FilhoI ,* * e-mail: fmf@elogica.com.br ; Eugênia C. PereiraI; Edmilson Santos de LimaII; Nicácio Henrique da SilvaIII; Regina Célia Bressan FigueiredoIV

IDepartamento de Ciências Geográficas, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Av. Acadêmico Hélio Ramos, s/n, 50740-530 Recife – PE, Brasil

IIDepartamento de Geologia, Centro de Tecnologia e Geociências, Universidade Federal de Pernambuco, CP 7800, 50711-970 Recife – PE, Brasil

IIIDepartamento de Bioquímica, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Pernambuco, Av. Prof. Moraes Rego, s/n, 50670-420 Recife – PE, Brasil

IVDepartamento de Biologia Celular, Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Av. Prof. Moraes Rego, s/n, 50670-420 Recife – PE, Brasil

ABSTRACT

Cladonia verticillaris used in this study was collected in the cerrado vegetation of Saloá (PE, Brazil) and transplanted in plastic containers on soil from the collection place to Belo Jardim (PE) that possesses lead smelters and battery industries. The experiments were disposed at eleven different places for evaluating the dispersion of pollutants and their effects on the biomonitor. The exposed lichens were collected over eight months and submitted to thin layer and high performance liquid chromatographies, and scanning electron microscopy. C. verticillaris placed in the vicinity of the emission sources demonstrated alteration in its metabolism, decreasing the production of its major compound, fumarprotocetraric acid, and deterioration of its external and internal surfaces.

Keywords: active biomonitoring; lichen substances; air pollution.

INTRODUÇÃO

A utilização de indicadores biológicos como método de detecção de mudanças no ambiente é eficaz e rápida, visto que são recursos mais econômicos, pois não requerem instalações prévias, não usam energia elétrica e podem ser distribuídos em diversos pontos em uma área de estudo1,2. Isto não significa que o sistema de monitoramento mecânico deva ser descartado. A afirmativa baseia-se no fato de que qualquer alteração produzida no ambiente tem um efeito imediato e significante na biota. Bioindicadores proporcionam respostas apenas a variações e/ou modificações do ambiente, seja por fatores antrópicos (como poluentes), ou naturais (variação de temperatura, umidade do ar, pH do solo etc.).

Qualquer ser vivo pode ser utilizado como indicador. No entanto, espécies menos sensíveis respondem mais lentamente e com menor eficácia que espécies mais susceptíveis aos agentes impactantes.

Por outro lado, os biomonitores executam algum tipo de monitoramento, com respostas qualitativas e/ou quantificáveis de elementos estranhos ao ambiente. Neste caso, liquens, musgos e folhas das plantas, que respondem de forma precisa aos experimentos de detecção, são freqüentemente empregados na avaliação de elementos–traço em material particulado do ar atmosférico3-6. Essas respostas podem ser traduzidas pela mensuração destes contaminantes, ou alteração no teor e estrutura de produtos e/ou subprodutos do metabolismo, danos estruturais externos e internos etc. Portanto, não apenas dados quantificáveis são levados em consideração quando se avalia o efeito dos componentes do ar, ou outro compartimento do ecossistema, nos ensaios de biomonitoramento.

Vários autores diferenciam bioindicador de biomonitor7 e adotam o conceito de biomonitoramento quando usam o líquen na análise da qualidade do ar8,9.

Liquens têm alta afinidade com o ambiente em que vivem, indicando desde a umidade do ar, acidez do substrato rochoso e pH, além de demonstrarem alta sensibilidade a inúmeros tipos de poluentes. Por isso, são bioindicadores de ambientes e da qualidade do ar e, pela capacidade de absorver e reter contaminantes atmosféricos em suas células, funcionam também como biomonitores2,6,10. Estudos demonstraram que tais organismos têm sensibilidade elevada à ação do SO2, fluoretos, ozônio, óxidos nitrogenados, nitrato de peroxiacetil (PAN) e elementos-traço11. Eles ainda podem ser usados para calcular o efeito biológico de poluentes, identificando mudanças na comunidade, ou como monitores cumulativos de contaminantes12.

Dada a capacidade de reter poluentes atmosféricos, os liquens são considerados biomonitores eficientes. Por este motivo, C. verticillaris utilizada em experimento de transplante, ou biomonitoramento ativo, respondeu às agressões do ambiente na região metropolitana do Recife – RMR2 e Vertente do Lério, no interior de Pernambuco13.

Partindo da eficácia desta espécie no biomonitoramento ativo da qualidade do ar, neste trabalho objetivou-se utilizar C. verticillaris para monitorar possíveis emissões de chumbo e/ou outros elementos–traço no município de Belo Jardim – PE.

PARTE EXPERIMENTAL

Coleta e armazenamento do líquen e do solo

O líquen utilizado para a detecção da poluição foi C. verticillaris, considerada como espécime controle (Figura 1). Tem como área de ocorrência uma mancha de cerrado na Serra da Prata - coordenadas 24L 0742998 e UTM 9001885 - município de Saloá, Mesorregião do Agreste Meridional, estado de Pernambuco. A cimeira da serra situa-se acima dos 1000 m e apresenta uma superfície plana limitada. A unidade geomorfológica, com um microclima úmido determinado pela umidade relativa e condensação do vapor (precipitação oculta), é conhecida como brejo de altitude. Nestas condições deveria se formar um bioma semelhante ao da Mata Atlântica. Não obstante, devido à ocorrência de Neossolos Quartzarênicos - resultantes da desagregação de quartzitos - aparecem, também espécies características do cerrado. Além deste ecossistema e da vegetação de mata são observadas espécies de caatinga decorrentes da ação antrópica. Por ser um relevo elevado e distante das áreas urbanas e rodovias, não apresenta fontes potenciais de poluentes atmosféricos, o que se explica por não ter sido observada qualquer atividade poluidora nas cercanias. O uso de C. verticillaris como biomonitor deve-se ao comportamento apresentado durante experimentos realizados anteriormente com esta espécie. A Serra da Prata foi selecionada como área controle por se encontrar afastada de fontes de emissão de poluição.


Para os experimentos de transplante, também foi recolhido o solo encontrado sob os liquens, para servir de substrato ao material exposto no campo. Os liquens foram acondicionados em sacos de papel à temperatura ambiente (28 ± 3 ºC) e o solo em sacos de plástico, até sua utilização. Parte do material foi separado e identificado por E. C. Pereira, segundo caracteres morfológicos e químicos do talo, e depositados no Herbário UFP do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco.

Montagem dos experimentos em campo

O município de Belo Jardim (área experimental) situa-se na porção centro-ocidental da microrregião do Vale do Ipojuca e integra a mesorregião do Agreste Pernambucano. Sua maior parte é constituída por relevo plano com altitude média inferior a 650 m. Na porção noroeste do território ocorre um grupamento de serras divisoras d'água entre as bacias do Capibaribe e do Ipojuca.

Nas encostas situadas a sotavento e nas áreas onde a cota altimétrica é abaixo de 800 m predomina o clima semi-árido (BShs'); nas encostas a barlavento e locais cotados entre 800 e 950 m ocorre um clima quente e mais úmido, que pode ser classificado como sub úmido (As') e, um clima mesotérmico úmido com verões quentes (Cs'a) nas áreas cimeiras, onde o relevo ultrapassa 1000 m.

Talos de C. verticillaris, imediatamente após coleta na área controle (11/1/2003), foram acondicionados em recipientes plásticos, tendo seu solo de ocorrência como substrato (espécime experimental) e dispostos em 11 pontos distintos do município de Belo Jardim (área experimental, Figura 2), tomando como referência as fontes de emissão (F/Es) e dispersão de seus produtos na área (Tabela 1).


Seis dos experimentos foram colocados em distâncias variadas das fundições de chumbo e montadoras de baterias (BJTL 01, 06, 07, 08, 09 e 10). As amostras BJTL 02 e 11 foram dispostas a noroeste da cidade de Belo Jardim. Estas ficaram protegidas dos ventos dominantes pelas serras do Lineamento Pernambuco, que funcionam como anteparo às cargas poluidoras, enquanto a BJTL 05 foi montada 5 km ao sul das F/Es; os experimentos dos pontos BJLT 03 e 04 foram postos, respectivamente, a cerca de 2,5 e 3,0 km de distância das F/Es. Estes últimos pontos, em função de sua posição geográfica, foram considerados como áreas livres de influência do chumbo emitido pelas F/Es, muito embora estivessem localizados a oeste e noroeste das fontes poluidoras, em um corredor de vento.

As fontes emissoras identificadas na Figura 2 podem ser assim descritas: a – fundição e montadora de baterias até 2003, a partir de então mudou seu perfil para apenas renovadora; b e d – fundição de chumbo; c– montadora de baterias; e – fundição de grande porte (conhecida na localidade como metalúrgica).

Amostras de C. verticillaris foram coletadas mensalmente na área experimental durante 8 meses, de fevereiro a setembro de 2003. Imediatamente após a coleta foram processadas e submetidas a ensaios de cromatografia.

Dados pluviométricos

Em virtude da falta de estações meteorológicas nas áreas estudadas, havendo apenas um posto pluviométrico na área experimental, as informações de precipitação diária, mensal e total anual de Belo Jardim para o ano de 2003 foram obtidas junto ao Instituto Tecnológico de Pernambuco (ITEP).

Cromatografia em camada delgada (CCD)

Os extratos orgânicos das amostras submetidas aos poluentes e do material controle foram obtidos à temperatura ambiente (28 ± 3 ºC), por sistema de esgotamento, com éter, clorofórmio e acetona. Após evaporação dos solventes, os extratos foram aplicados em cromatoplacas de sílica gel Merck F245+366 ao lado dos padrões de atranorina (ATR) e ácido fumarprotocetrárico (FUM), principais constituintes de C. verticillaris.

As placas foram desenvolvidas em sistema de solventes A (tolueno/dioxano/ácido acético, 180:45:5 v/v), reveladas sob luz UV a 254 e 366 nm e, pulverizadas com H2SO4 a 10%, com posterior aquecimento a ±100 ºC, para reação de coloração das bandas14.

Os cromatogramas foram interpretados considerando-se os valores de Rf das manchas em relação aos padrões adotados, como também a coloração adquirida pelas bandas, quando submetidas ao ácido sulfúrico.

Cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE)

Os mesmos extratos e padrões utilizados para os ensaios de CCD foram diluídos em metanol e injetados (20 µL) em cromatógrafo líquido Hitachi, acoplado a detector de ultravioleta CG a 254 nm, em concentração de 1 mg/mL para extratos e 0,1 mg/mL para os padrões.

Foram utilizados como parâmetros de análise coluna de fase reversa C18, fase móvel metanol/água/ácido acético (80:19,5:0,5, v/v), em sistema isocrático, fluxo 1,0 mL/min, pressão 84 atm, atenuação 6, temperatura ambiente (28 ± 3 ºC)15.

Os resultados foram interpretados de acordo com o tempo de retenção das substâncias liquênicas na coluna em comparação aos padrões (ATR e FUM) e área do pico (mg de FUM/mg de extrato) para determinar a concentração de cada composto no extrato orgânico,

Microscopia eletrônica de varredura (MEV)

A superfície externa de C. verticillaris (espécimens experimental e controle) foi avaliada através de ensaios de MEV. O material foi fixado sobre "stubs", com ajuda de fita adesiva dupla face revestida com carbono, metalizado com uma camada de ouro (±20 nm) durante 1 min em atmosfera de argônio (0,1 mbar) em aparelho de "sputtering" (Desk II, LLC – Denton Vacuum) e observado em MEV (Marca Jeol, 5600-LV).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O emprego da CCD possibilitou opinar sobre a constituição química do líquen, com apoio dos metabólitos padrão e da reação de coloração das bandas. No cromatograma obtido (Figura 3) é possível assegurar que as amostras produziram o ácido fumarprotocetrárico (FUM) e pequenas quantidades de atranorina (ATR). Resultados semelhantes foram referidos por Ahti et al.16, que consideraram FUM como principal produto de C. verticillaris e o ácido protocetrárico (PROTO) e ATR, como substâncias acessórias.


Nos três primeiros meses de exposição ao ambiente, as amostras, no geral, apresentaram produção de FUM e de ATR, com as bandas do primeiro bem evidenciadas. Observou-se, também, em todos os casos, a ocorrência de metabólitos intermediários das rotas biossintéticas de C. verticillaris. A presença desses metabólitos pode ser aceita como normal, uma vez que o líquen foi retirado de seu ambiente natural. Esta reação é uma maneira que a espécie encontra para se adequar às novas condições ambientais. Reyes et al.17 alegaram que diferentes espécies de Cladoniaceae ocorrentes em tabuleiros arenosos, quando comparadas, apresentaram mais similitudes fisiológicas que a mesma espécie ocorrente em outra região geográfica. Consideraram, assim, que a maior produção de produtos intermediários é procedimento adaptativo dos liquens ao novo ambiente.

Nas amostras coletadas durante o 4º mês observou-se a banda de FUM bem evidenciada, com exceção das amostras BJLT 08, 09, 10 e 11, onde aparecem pouco evidentes. É enfatizada a produção da ATR.

No 5º mês de exposição ao ambiente de Belo Jardim as amostras procedentes dos pontos de transplante BJLT 08 e 09 apresentaram poucos indícios de FUM. Foi possível observar uma redução na freqüência dos metabólitos intermediários.

Nos 3 últimos meses o comportamento das amostras mantém-se semelhante, com exceção daquelas coletadas nos pontos BJLT 08 e 09, onde o FUM quase não se destaca. Nestes dois casos é possível perceber apenas bandas pouco evidentes de produtos intermediários, possivelmente o ácido hipoprotocetrárico - HIPO e seu aldeído (Figura 3).

Sabe-se que em C. verticillaris a produção do FUM é precedida pela síntese da ATR e do PROTO, tendo o HIPO e seu aldeído como produtos intermediários desta rota biossintética18. Então, a detecção mais acentuada da ATR nas amostras expostas e o acúmulo de metabólitos intermediários indica que os poluentes atmosféricos bloqueiam, de alguma forma, as reações para a produção do FUM, resultando na concentração das substâncias mencionadas. Resultados análogos foram obtidos com a mesma espécie exposta a ambiente urbano/industrial, ou em experimentos sob condições controladas, usando acetato de chumbo como contaminante. C. verticillaris, quando avaliada sob o ponto de vista químico e fisiológico demonstrou diminuição na produção de FUM, aumento na síntese do PROTO e HIPO, além de danos à estrutura externa. Estes dados foram compatíveis com o acúmulo de elementos-traço na espécie e com o aumento no teor de particulados atmosféricos, quantificados nos filtros procedentes dos monitores mecânicos, bem como ao acetato de chumbo borrifado nos experimentos em laboratório2.

As CLAE dos extratos orgânicos de C. verticillaris exposta ao ambiente no local BJLT 10 (Figura 4) demonstraram que no 1º mês de coleta houve maior produção de FUM. No 2º mês todas as amostras exibiram, de forma evidente, uma sensível redução no metabolismo liquênico. Este fato é mencionado na literatura uma vez que os simbiontes, quando retirados do seu habitat, se ressentem das novas condições a eles impostas.


A partir do 3º mês todo o grupo apresentou comportamento similar, com variações em virtude da localização. Exceção deve ser feita ao BJLT 08 e 09 que, já apresentavam baixas concentrações de FUM no 1º mês, com redução ao longo de todo o período de exposição. Estes dois pontos, por estarem muito próximos das F/E receberam influência direta dos distintos produtos liberados, sobretudo os particulados de chumbo.

Nesses locais, o chumbo não é o único elemento de poluição. Em virtude dos lugares onde foram colocados, os liquens ficaram sujeitos a emissões de gases de veículos pesados e leves, além da fumaça liberada pela queima de óleo diesel, como no caso do BJLT 09, para fundição de placas de chumbo e de outros elementos.

A combustão do óleo diesel libera subprodutos como hidrocarbonetos variados, COx e SOx. Publicações referem-se aos liquens como sensíveis a gases poluentes, especialmente SOx, NOx, fluoretos gasosos, compostos orgânicos, derivados da queima de combustíveis e chuvas ácidas19,20. Neste trabalho os dados apresentados são ratificados pela literatura, pois as amostras que demonstraram maior deficiência na síntese do FUM foram aquelas situadas nos locais onde, além da emissão de particulados de chumbo, havia a presença de gases oriundos da queima de combustíveis para derretimento de chumbo e circulação de veículos.

O espécime situado em BJLT 01, contíguo à F/E A, apresentou comportamento sui generis, bastante diferente daqueles situados nos pontos BJLT 08 e 09, juntos às F/Es C e D. Já no 2º mês, a produção de FUM declinou sensivelmente, aumentando no 3º e reduzindo no 4º mês. Após o 5º mês – exceto para o 7º – observou-se uma tendência de crescimento na concentração do metabólito. Este procedimento deveu-se às mudanças introduzidas na unidade fabril. A empresa alterou o seu perfil industrial, passando à função de renovadora ao invés de fundição e renovadora de baterias. Em adição, com a construção do sistema de galerias pluviais na localidade, a água usada na lavagem das placas passou a ser lançada no sistema de drenagem.

Os simbiontes instalados em BJLT 06 e 07, afastados mais de 400 m das F/Es b e e, apresentaram concentrações de FUM bastantes próximas entre si. As pequenas diferenças estão relacionadas à posição geográfica, quando se observa a direção dos ventos dominantes. Em BJLT 06, que recebe com mais freqüência os poluentes advindos das F/Es, os liquens apresentaram níveis de FUM pouco abaixo dos produzidos pelos simbiontes de BJLT 07. A distância destes pontos em relação às F/Es indica que o impacto causado ao metabolismo dos liquens não se deve aos derivados de chumbo e, sim, às emissões provenientes da queima de combustível; as placas de chumbo utilizadas para derretimento vêm geralmente misturadas com ácido sulfúrico. Além disso, as F/Es utilizam como combustível o óleo veicular por ser mais barato. O óleo diesel só é empregado algumas vezes. É provável que o chumbo seja acumulado no solo. Trabalhos que analisaram teores de chumbo em amostras de solo, coletadas perpendicularmente nas margens de importante rodovia interestadual da Flórida, corroboram com este ponto de vista. Os resultados demonstraram que as concentrações desse contaminante foram inversamente proporcionais à distância dos emitentes21.

Amostras de monitores biológicos recolhidos em BJLT 03 e 04, afastados mais de 2 km da F/E d, apresentaram comportamentos semelhantes e baixos níveis de concentração de FUM. Embora distantes de fontes poluidoras, situam-se em um brejo de posição resultante da existência de um corredor de vento. Para o local converge boa parte dos gases liberados pela F/E d. A comunidade do local, onde foram dispostos os experimentos, comentou sobre a presença de fumaça resultante da queima de combustível. De acordo com os moradores da localidade, a F/E responsável fez análise para detectar a presença de chumbo. Os testes realizados não indicaram a presença do elemento. Também neste caso, através de micrografias, não foi observada a presença de chumbo.

Os experimentos BJLT 05 e 11, por estarem afastados mais de 4 km das F/Es e protegidos pelo relevo dos poluentes liberados, foram avaliados no intuito de se comparar espécimens livres da área de influência das F/Es. No entanto, estas amostras apresentaram comportamento similar às demais. Este comportamento resultou da reação dos liquens com componentes usualmente presentes em atmosferas contaminadas provenientes de áreas urbanas, suburbanas e rurais22. No caso das áreas rurais, a presença desses elementos está associada às queimadas realizadas para regeneração das pastagens e ampliação de espaços destinados à agropecuária, fato constatado nesses locais de estudo.

O material exposto em BJLT 02 refletiu as condições ambientais. O local situa-se em um pequeno povoado nas imediações do reservatório e de uma estação de tratamento e do sistema de distribuição de água da cidade de Belo Jardim. Os simbiontes colocados no local, possivelmente, também foram influenciados pela ação do cloro usado no tratamento de água. Por ser um produto volátil, a presença desta substância deve ter afetado o metabolismo dos liquens (Figura 4).

De maneira geral, os espécimes responderam às fontes emissoras ou agressões resultantes de atividades agropecuárias, não tendo sido considerada a pluviosidade como parâmetro de influência no metabolismo liquênico. O ano de 2003 caracterizou-se por baixa precipitação (406,8 mm; média de 753,0 mm/ano). No entanto, existe à noite uma precipitação oculta (orvalho), não mensurável em postos pluviométricos, mas que contribui sobremaneira para o funcionamento do líquen. Por isso, a transferência de amostras entre áreas com características climáticas e microclimáticas semelhantes não interferiria de forma tão expressiva no comportamento do líquen. Dessa forma, é possível atribuir às F/Es as respostas químicas emitidas por C. verticillaris.

Outro parâmetro da ação dos poluentes sobre os biomonitores, foi a análise da superfície externa de C. verticillaris por MEV.

Na Figura 5 é possível observar que, após 8 meses de exposição ao ambiente, os exemplares de C. verticillaris evidenciaram danos em sua estrutura externa e interna (como escarificações e exposição de hifas medulares), com exceção do espécime controle. As amostras BJLT 01, 02, 03, 04, 06 e 07 encontraram-se bastante esfoliadas. Pode-se visualizar o desenvolvimento de hifas com dispositivos similares a conídios vegetativos em suas extremidades. Sugere-se que tais estruturas correspondam à fase assexuada do micobionte de C. verticillaris. Sabe-se que, de maneira geral, os fungos desenvolvem conjuntos vegetativos como mecanismo de proteção/auto preservação. Outra possibilidade, é ter ocorrido uma perda de capacidade do líquen em inibir a ação de contaminantes, visto que decresceu sua produção de metabólitos que seriam provavelmente ativos contra outros fungos e/ou bactérias.


As micrografias das amostras BJLT 05, 08, 09 e 11 mostraram a superfície do verticilo em processo de descamação. Nestes casos pôde-se visualizar a quase ausência do córtex. Este nível de deterioração não resulta exclusivamente da ação do chumbo, uma vez que o mesmo só se fez presente nas localidades BJLT 08 e 09. Na micrografia da amostra BJLT 09 observaram-se cristais com estrutura semelhante ao chumbo. Na superfície da amostra BJLT 10 sua visualização foi dificultada, devido à presença de uma camada de particulados.

CONCLUSÃO

No 1º mês, logo após o transplante, C. verticillaris demonstrou sensível alteração no seu metabolismo, reduzindo a produção de FUM e passando a produzir metabólitos intermediários de sua biossíntese. Esta mudança do estado normal ocorreu como forma de adaptação às novas condições ambientais.

Os comportamentos fisiológico, químico e estrutural de C. verticillaris, colocada nos diferentes pontos de exposição, vêm comprovar que os particulados de chumbo, transportados por via aérea, não ultrapassaram o raio de 200 m, visto que as amostras dispostas em pontos superiores a esta distância, ou em locais protegidos dos contaminantes pela forma de relevo ou direção dos ventos, não foram afetadas da mesma maneira que nas áreas consideradas como de influência dos emissores.

Ao ser submetida a emissões provenientes da queima de combustíveis, C. verticillaris entrou em processo de estresse com forte redução de sua vitalidade. Esta combinação de poluentes, quando associada aos particulados de chumbo, levou o líquen a fenecer.

O uso da microscopia eletrônica de varredura possibilitou visualizar os diferentes estágios de agressão que os poluentes, além do chumbo, provocaram na superfície das amostras de C. verticillaris, ratificando esta espécie como eficiente biomonitora.

MATERIAL SUPLEMENTAR

As Figuras 1S, 2S e 3S encontram-se apresentadas no material suplementar, disponível gratuitamente em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo pdf. Nelas são representadas todas as coletas e pontos amostrados em relação às cromatografias em camada delgada (Figura 1S), ou líquida de alta eficiência (Figura 2S), ou as micrografias das amostras com distintos níveis de degradação por ação dos poluentes e material controle (Figura 3S).

AGRADECIMENTOS

Aos moradores do município de Belo Jardim (PE), que permitiram instalação de experimentos em suas residências e ao Dr. E. Mororó, diretor Presidente das Indústrias Moura, por facultar as instalações de sua empresa para este estudo. E. C. Pereira e E. S. de Lima agradecem ao CNPq pela concessão de bolsas de Produtividade em Pesquisa.

7. http://www.jb.ul.pt/biomonitor, acessada em Março 2006.

19. http://www.fs.fed.us/r6/aq/lichen/almanac., acessada em Outubro 2004.

Recebido em 3/1/06; aceito em 24/11/06; publicado na web em 2/7/07

MATERIAL SUPLEMENTAR




  • 1. Semadi, A.; Deruelle, S.; Pollution Atmosphérique 1993, oct/dec., 86.
  • 2. Silva, R. A.; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, 2002.
  • 3. Wyttenbach, A.; Baio, S.; Tobler, L. Em Biological Trace Elements Research; Schrauzer, G. N., ed.; Humana Press: Clifton, UK, 1990.
  • 4. Baffi, C.; Bettinelli, M.; Beone, G. M.; Spezia, S.; Chemosphere 2002, 48, 299.
  • 5. Bettinelli, M.; Perotti, M.; Spezia, S.; Baffi, C.; Beone, G. M.; Alberici, F.; Bergonzi, S.; Bettinelli, C.; Cantarini, P.; Mascetti, L.; Microchem. J. 2002, 73, 131.
  • 6. Mota-Filho, F. O.; Silva, N. H.; Andrade, L. H. C.; Pereira, E. C.; Vicente, C.; Legaz, M. E.; Revista de Geografia 2003, 20, 43.
  • 8. Loppi, S.; Bonini, I.; Chemosphere 2000, 41, 1333.
  • 9. Conti, M. E.; Cecchetti, G.; Environ. Pollut 2001, 114, 471.
  • 10. Ferry, B. W.; Baddley, M. S.; Hawksworth, D. L.; Air pollution and lichens, The Athlone Press: London, 1973.
  • 11. Garty, J.; Karary, Y.; Harel, J.; Arch. Environ. Contam. Toxicol. 1993, 24, 455.
  • 12. Loppi, S.; Putorti, E.; Signorini, C.; Fommei, S.; Pirintsos, S. A.; De Dominicis, V.; Acta Oecologic 1998, 19, 405.
  • 13. Cunha, M. H. A.; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, 2005.
  • 14. Culberson, C. F.; J. Chromatogr 1972, 72, 113.
  • 15. Legaz, M. E.; Vicente, C.; Plant Physiol 1983, 71, 300.
  • 16. Athi, T.; Stenroos, S.; Xavier-Filho, L.; Tropical Biol. 1993, 7, 55.
  • 17. Reyes, A.; Molina, M. C.; Vicente, C.; Pereira, E. C.; Resumos do II Congresso de Ecologia do Brasil, Londrina, Brasil, 1994.
  • 18. Pereira, E. C.; Vicente, C.; Legaz, M. E.; Silva, N. H.; Silva, E. F.; Andrade, L. H. C.; Phyton 1999, 1, 79.
  • 20. Jeran, Z.; Jaşimoviş, R.; Batiş, F.; Mavsar, R.; Environ. Pollut. 2002, 120, 107.
  • 21. Hafen M. R.; Brinkmann, R.; Environ. Geochem. Health 1996, 18, 171.
  • 22. Garty, J.; Fuchs, C.; Zisapel, N.; Galun, M.; Water, Air, Soil, Pollut. 1977, 8, 171.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      24 Nov 2006
    • Recebido
      03 Jan 2006
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br