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Ácido 15-desmetilisoplumierídeo, um novo iridóide isolado das cascas de Plumeria rubra e do látex de Himatanthus sucuuba

15-demethylisoplumieride acid, a new iridoid isolated from the bark of Plumeria rubra and latex of Himatanthus sucuuba

Resumo

Himatanthus sucuuba and Plumeria rubra are used in folk medicine in Brazil to treat various ailments. The isolation of the new iridoid 15-demethylisoplumieride from the bark of Plumeria rubra L. var. acutifolia (Ait) Woodson and latex of Himatanthus sucuuba (Spruce) Woodson is reported. Other iridoid glycosides were obtained from both plants. The structures of these substances were elucidated by spectral analysis and comparison with data already reported.

Himatanthus sucuuba; Plumeria rubra; iridoids


Himatanthus sucuuba; Plumeria rubra; iridoids

ARTIGO

Ácido 15-desmetilisoplumierídeo, um novo iridóide isolado das cascas de Plumeria rubra e do látex de Himatanthus sucuuba

15-demethylisoplumieride acid, a new iridoid isolated from the bark of Plumeria rubra and latex of Himatanthus sucuuba

Alaide de Sá BarretoI; Ana Cláudia F. AmaralI; Jefferson Rocha de A. SilvaII,* * e-mail: jrocha_01@ufam.edu.br ; Jan SchripsemaIII; Cláudia M. RezendeIV; Angelo C. PintoIV

ILaboratório de Plantas Medicinais e Derivados, Farmanguinhos/Fundação Oswaldo Cruz, Rua Sizenando Nabuco, 100, 21041-250 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

IIDepartamento de Química, Universidade Federal do Amazonas, Estrada do Contorno, 3000, 69077-000 Manaus - AM, Brasil

IIISetor de Química de Produtos Naturais, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil

IVInstituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Cidade Universitária Ilha do Fundão, CT, 21945-970 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

ABSTRACT

Himatanthus sucuuba and Plumeria rubra are used in folk medicine in Brazil to treat various ailments. The isolation of the new iridoid 15-demethylisoplumieride from the bark of Plumeria rubra L. var. acutifolia (Ait) Woodson and latex of Himatanthus sucuuba (Spruce) Woodson is reported. Other iridoid glycosides were obtained from both plants. The structures of these substances were elucidated by spectral analysis and comparison with data already reported.

Keywords: Himatanthus sucuuba; Plumeria rubra; iridoids.

INTRODUÇÃO

Himatanthus sucuuba e Plumeria rubra são duas espécies da família Apocynaceae. Ambas são usadas na medicina popular brasileira. Infusões e decocções feitas com cascas de Plumeria rubra são usadas como emenagogo, purgativo, bactericida, antitumoral e no tratamento de doenças venéreas1-7. O látex de Himatanthus sucuuba é utilizado como fungicida, antianêmico, antiinflamatório e no tratamento de câncer 8,9. O uso do látex desta planta, popularmente conhecida como sucuba, sucuuba e janaguba, é muito difundido na medicina popular da região norte do Brasil, principalmente no tratamento do câncer. Neste trabalho é descrito o isolamento e a determinação estrutural do novo iridóide, ácido 15-desmetilisoplumierídeo (1), além de três iridóides conhecidos (2-4).

PARTE EXPERIMENTAL

Procedimentos gerais experimentais

Os espectros de RMN foram obtidos em aparelho Bruker, modelo AM-200, operando a 200 MHz para RMN 1H e a 50 MHz para RMN 13C. Os espectros de massas foram obtidos por espectrometria de massas com ionização por "electrospray", equipamento ZQ-2000 e os espectros na região do IV foram registrados em sistema Nicolet Model Magna-IR 760. Os pontos de fusão foram obtidos em aparelho Microquímica, modelo MQAPF-301, e não foram corrigidos. As medidas de rotação ótica foram realizadas em polarímetro Perkin-Elmer 234-B (caminho ótico de 0,1 dm). Os fracionamentos por cromatografia de média pressão (CLMP) foram realizados em equipamento Büchi 687 equipado com uma bomba 688, coluna (45 x 3,5 cm) empacotada com LiChroprep C-18 (Merck), fluxo de 10 µL/min. O fracionamento das amostras por CLAE preparativo foi realizado a temperatura ambiente em sistema Shimadzu modelo LC-8A, coluna Shimpack C-18 (45 cm x 250 mm, 10 mm) equipada com detector (modelo SPD-10A) UV/VIS. A reação de metilação da substância 1 (5,0 mg) foi realizada de acordo com Kardono e colaboradores10 e o produto obtido foi analisado, comparativamente com o isoplumierídeo previamente isolado, por cromatografia em camada delgada (CCD) em gel de sílica (CHCl3: MeOH, 95:5). Todos os solventes utilizados foram de grau CLAE ou de pureza analítica.

Material botânico

As cascas (920,0 g) de P. rubra foram coletadas no Rio de Janeiro e o látex (3 L) de H. sucuuba foi coletado em Santarém (Pará). As exsicatas de P. rubra e de H. sucuuba foram depositadas no Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, número 24346, e no Herbário do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas, número 5436.

Extração e separação

O látex de H. sucuuba foi extraído com hexano para remoção das substâncias apolares. A fração aquosa remanescente foi submetida à cromatografia líquida de média pressão (CLMP) utilizando C-18 como fase estacionária. Após eluição com H2O até H2O/ CH3OH (1:1), 6 mL/min, 26 frações de 40 mL foram coletadas e reunidas, após CCD, em 5 frações: A (2,0 g), B (0,63 g), C (0,13 g), D (0,21 g) e E (1,4 g). Estas frações foram submetidas à CLAE preparativa com fase móvel H2O/CH3CN (7:3) e H2O/CH3CN (1:1). Esse procedimento resultou no isolamento de quatro substâncias, o novo iridóide 15-desmetilisoplumierídeo (1) (14,3 mg), o 15-desmetilplumierídeo (2) (17,9 mg), o plumierídeo (3) (29,6 mg), iridóide majoritário em ambas as espécies estudadas, e o isoplumierídeo (4) (12,0 mg).

As cascas de Plumeria rubra foram moídas e extraídas por maceração com metanol a temperatura ambiente. O solvente foi removido em evaporador rotatório sob pressão reduzida, fornecendo 82,0 g de extrato bruto. Esse material foi suspendido em H2O/CH3OH e particionado com hexano. A fração H2O/CH3OH, após evaporação e liofilização, forneceu 19,3 g de material que foi submetido a fracionamento em coluna com fase estacionária C18, eluída com H2O/CH3OH 15, 30, 45 e 55%, sucessivamente. As frações a 15 e 30% foram submetidas à purificação em CLAE preparativa como descrito acima. A metodologia adotada conduziu ao isolamento dos iridóides (1) (2,8 mg), 2 (9,8 mg), 3 (12,0 mg) e 4 (5,2 mg).

15-desmetilisoplumierídeo (1). C20H23O12, óleo amarelo, [a]D28 = -17º (c = 1,0 MeOH). IV (KBr) nmax/cm-1: 3569, 1757, 1687. EM-IES (modo negativo): m/z 455,276 (glicosídeo) e 180 (glicose). RMN 1H e 13C (Tabela 1).

15-desmetilplumierídeo (2). C20H23O12, sólido amarelo, p.f. 234-236 ºC (lit.10 230-232 ºC), [a]D28 = - 112º (c = 0,5 MeOH). IV (KBr) nmax/cm-1: 3473, 1751, 1267. EM-IES (modo negativo): m/z 455,276 (glicosídeo) e 180 (glicose). RMN 1H e 13C (Tabela 1).

Plumierídeo (3). C21H26O12, sólido amarelo cristalino, p.f. 228-230 ºC (lit.10 234 ºC), [a]D28 = - 34,6º (c = 0,1 MeOH). IV (KBr) nmax/cm-1: 3376, 1757, 1696, 1289, 1076. EM-IES (modo positivo): m/z 493 [M (470) + Na+ (23)], m/z 313 (290 + Na) e m/z 295 (272 + Na). RMN 1H (200 MHz, CD3OD): d 5,45 (d, J=5 Hz, H-1); 7,55 (d, J=1,2 Hz, H-3); 4,10 (m H-5); 6,65 (dd, J=5,5; 2,5 Hz, H-6); 5,70 (dd, J=2; 6 Hz, H-7); 3,12 (dd, J=5; 4 Hz, H-9); 7,70 (d, J=1,7 Hz, H-10); 4,75 (qd, J=1,5; 6 Hz, H-13); 1,61 (d, J=6,3 Hz, H-14); 3,94 (-COOMe); 4,86 (d, J=8 Hz, H-1'). RMN 13C (50 MHz, CD3OD): 94,5(C-1); 152,8 (C-3); 111,3 (C-4); 40,6 (C-5); 141,7 (C-6); 130,3 (C-7); 98,2 (C-8); 49,7 (C-9); 150,5 (C-10); 138,9 (C-11); 173,0 (C-12); 63,8 (C-13); 22,7 (C-14); 168,7 (C-15); 52,2 (C-16); 100,4 (C-1'); 75,0 (C-2'); 78,7 (C-3'); 71,6 (C-4'); 78,1 (C-5'); 62,8 (C-6').

Isoplumierídeo (4). C21H26O12, sólido amarelo cristalino, p.f. 174-176 ºC (lit.11 168-173 ºC), [a]D28 = - 157,4º (c = 0,1 MeOH). IV (KBr) nmax/cm-1: 3450, 1751, 1704, 1296, 1072. RMN 1H e 13C (Tabela 1).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Das frações aquosas obtidas das cascas e látex de H.sucuuba foram isolados por meio de técnicas cromatográficas os iridóides 1 - 4 (Figura 1). As estruturas químicas de 2 (15-desmetilplumierídeo), 3 (plumierídeo) e 4 (isoplumierídeo) foram identificadas por comparação de seus dados espectroscópicos (IV e RMN) e constantes físicas com dados descritos na literatura para estes iridóides10-13.


A substância 1 foi obtida na forma de um óleo amarelo. O espectro de massas obtido por ionização com electrospray (modo negativo) exibiu um pico referente ao íon molecular com m/z 455,276 [MH+], o qual, em conjunto com as informações obtidas por RMN, está em acordo com a fórmula molecular C20H23O12. O espectro de RMN 13C apresentou 20 sinais (1 CH3; 1 CH2; 13 CH; 5 C), sendo que os sinais relativos à unidade de glicose foram observados em d 99,6 (C anomérico), 77,6 (CH), 77,0 (CH), 74,1 (CH), 71,0 (CH) e 62,2 (CH2). O espectro na região do IV de 1 apresentou absorções intensas relativas ao grupo hidroxila (3569 cm1), C=O de g-lactona (1757 cm1) e de ácido carboxílico a,b insaturado (1687 cm1) que, em conjunto com a ausência do sinal no espectro de RMN 1H correspondente aos hidrogênios metílicos do grupo carbóximetila, em dH 3,96 ppm do plumierídeo (3) e isoplumierídeo (4), confirmaram o grupo COOH na substância isolada. A análise do espectro de RMN de 1 apresentou quatro hidrogênios olefínicos em d 5,82 (dd, J=5,5; 1,2 Hz, H-7), 6,85 (dd, J=5,5; 2,8 Hz, H-6) e 7,71 (d, J=0,9Hz, 2H, H-3 e H-10). Os sinais em d 1,65 (d, J=6,5 Hz, H-14), 4,96 (d, J=8,0 Hz, H-1') e 5,57 (d, J=1,2 Hz, H-1) foram atribuídos a hidrogênios de grupo metila, hidrogênio anomérico de glicose e hidrogênio metínico, respectivamente. As constantes de acoplamento entre H-5/H-6 (J=2,8 Hz), H-1/H-9 (1,2 Hz) e a presença de um duplo dubleto em 3,38 ppm (H-9) foram semelhantes aos iridóides isolados de H. sucuuba e de outras espécies de Apocynaceae10-13, indicando a configuração cis entre C-5 e C-9. A comparação dos espectros de RMN de 1, do 15-desmetilplumierídio (2) e do isoplumierídeo (4) apresentou diversas semelhanças (Tabela 1). As diferenças, no entanto, observadas serviram de suporte para a determinação estrutural de 1. A estereoquímica reversa em C-8 foi confirmada por experimentos 1H-1H NOESY. Esse espectro apresentou correlações entre H-1/H-9, H-9/H-10, H-7/H-10 e H-1/H-10, indicando que a ligação entre C-8 e C-10 é b, uma configuração reversa em C-8 relativamente ao homólogo 15-desmetilplumierídeo (2) e conformação pseudo-equatorial em H-1, semelhante à observada para o isoplumierídeo (4)12. A constante de acoplamento de H-1 em 1 (J=1,2 Hz) apresentou um valor de baixa magnitude, considerado atípico, todavia, tal resultado pode ser explicado devido à expansão do ângulo diedro entre H-1 e H-9 para aproximadamente 90º, conseqüência da deformação do anel diidropirano pela aproximação dos átomos de oxigênio em C-1 e C-812. O deslocamento para campo baixo de H-1 deve-se à proximidade do oxigênio ligado ao C-812. Adicionalmente, foi efetuada uma reação de metilação com diazometano com a substância 1, com o objetivo de comparar o derivado metilado com o isoplumierídeo (4). O produto obtido foi analisado comparativamente por CCD em gel de sílica e por infravermelho confirmando a obtenção do isoplumierídeo. Esses resultados caracterizaram a substância 1 como sendo isômero de 2 em C-8, sendo atribuído o nome de 15-desmetilisoplumierídeo.

Em 1870, o farmacêutico silesiano T. Peckolt14 isolou o plumerídeo 3, que denominou de "agoniadina", cuja estrutura só foi determinada em 195815. Assim, o primeiro iridóide foi isolado no Brasil, mais precisamente no estado do Rio de Janeiro15.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq/PADCT, FAPERJ, FINEP e CAPES pelas bolsas e apoio financeiro concedidos.

Recebido em 9/6/06; aceito em 9/11/06; publicado na web em 28/5/07

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  • *
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      09 Nov 2006
    • Recebido
      09 Jun 2006
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