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Terpenos e ácidos graxos de Dipteryx lacunifera Ducke

Terpenes and fatty acids from Dipteryx lacunifera Ducke

Resumo

This paper describes the isolation of the furanocassane-type diterpene, named vinhaticoic acid, along with beta-farnesene and spatulenol from fruit shells of D. lacunifera. Structural determinations were accomplished by chemical derivatization and spectral analysis, including 1D and 2D NMR and X-ray crystallography. The fatty portion was extracted from the fruit kernels, transesterfied and analysed by HRGC/MS. Oleic acid (75.8 ± 4.3%) was the major component. Essential oil extracted from the fruit shells of D. lacunifera was analysed by HRGC/MS and nine sesquiterpenes were identified; beta-farnesene (48.6%) and spatulenol (21.61%) were the major constituents.

Dipteryx lacunifera; vinhaticoic acid; fatty acids


Dipteryx lacunifera; vinhaticoic acid; fatty acids

ARTIGO

Terpenos e ácidos graxos de Dipteryx lacunifera Ducke

Terpenes and fatty acids from Dipteryx lacunifera Ducke

Gerardo Magela Vieira JúniorI; Hilris Rocha e SilvaI; Thaís Chaves BittencourtI; Mariana H. ChavesI, * * e-mail: mariana@ufpi.br ; Carlos Alberto de SimoneII

IDepartamento de Química, Universidade Federal do Piauí, 64049-550 Teresina – PI, Brasil

IIInstituto de Química e Biotecnologia, Universidade Federal do Alagoas, 57072-970 Maceió – AL, Brasil

ABSTRACT

This paper describes the isolation of the furanocassane-type diterpene, named vinhaticoic acid, along with b-farnesene and spatulenol from fruit shells of D. lacunifera. Structural determinations were accomplished by chemical derivatization and spectral analysis, including 1D and 2D NMR and X–ray crystallography. The fatty portion was extracted from the fruit kernels, transesterfied and analysed by HRGC/MS. Oleic acid (75.8 ± 4.3%) was the major component. Essential oil extracted from the fruit shells of D. lacunifera was analysed by HRGC/MS and nine sesquiterpenes were identified; b-farnesene (48.6%) and spatulenol (21.61%) were the major constituents.

Keywords: Dipteryx lacunifera; vinhaticoic acid; fatty acids.

INTRODUÇÃO

O gênero Dipteryx, pertencente à tribo Dipterygeae, família Leguminosae-Papilionoideae, é constituído por 14 espécies que se destacam por serem utilizadas como plantas medicinais. São encontradas nas regiões amazônica, nordeste e central do Brasil, na Venezuela e na América Central (Costa Rica e Panamá). Algumas frutificam precocemente aos 4 anos, em matas de terras firmes e planas, podendo atingir 50 m de altura1-4.

Quimicamente as espécies do gênero Dipteryx acumulam cumarinas, isoflavonas, triterpenóides, ácidos graxos e diterpenóides furanocassanos2,3,5-9. A D. odorata é a mais estudada; suas sementes são ricas em cumarinas, importantes na indústria de cosméticos e perfumaria, além de serem comercializadas para distúrbios vasculares e linfáticos10 e exibirem atividade farmacológica no sistema muscular2. As cascas apresentam cumarinas, lupeol, b-farneseno, betulina e ésteres metílicos de ácidos graxos8,9,11 e o óleo essencial das flores é rico em germacreno D e espatulenol12. Pesquisas recentes, realizadas com as sementes de D. odorata, resultaram no isolamento de vários constituintes químicos, dentre eles um novo diterpenóide furanocassano, uma nova isoflavolignana e a chalcona isoliquiritigenina que exibe um alto potencial preventivo contra câncer em glândulas mamárias de ratos6.

Dipteryx lacunifera Ducke, sinonímia Coumarouna lacunifera, conhecida popularmente como castanha de burro e garampara, é encontrada na região meio-norte do Brasil (Maranhão e Piauí)4. Esta espécie produz um fruto, cuja amêndoa é comestível, comercializado em feiras livres do município de Bom Jesus-PI, com o nome de fava de morcego. Em trabalho anterior, de Mendes e Silveira2, foram identificados ácidos graxos, b-farneseno e dois diterpenos furanocassanos nos frutos desta espécie.

Este artigo relata pela primeira vez a composição química do óleo essencial das cascas do fruto de D. lacunifera e, adicionalmente, descreve também os constituintes fixos do extrato hexânico das cascas do fruto e do óleo das amêndoas, visando contribuir para o conhecimento da constituição química desta espécie. O estudo fitoquímico do extrato hexânico resultou no isolamento e na identificação de dois sesquiterpenos b-farneseno (1) e espatulenol (2) e um diterpeno furanocassano, ácido vinhaticóico (3), inédito no gênero Dipteryx (Figura 1). Os sesquiterpenos 1 e 2 também foram identificados no óleo essencial juntamente com sete sesquiterpenos menos abundantes. No óleo fixo das amêndoas, foram identificados cinco ácidos graxos, determinados como ésteres metílicos, sendo o constituinte majoritário o ácido oléico (75,8 ± 4,3%).


PARTE EXPERIMENTAL

Procedimentos experimentais gerais

As separações cromatográficas em coluna à pressão atmosférica foram realizadas em gel de sílica 60 (0,063-0,20 mm) da Merck e Sephadex LH-20 da Sigma. As placas para cromatografia em camada delgada comparativa (CCDC) foram preparadas com 0,25 mm de espessura, usando como fase estacionária gel de sílica 60 GF-254 da Merck e 60 G Vetec. As revelações das cromatoplacas foram feitas por borrifamento com solução de sulfato cérico. O ponto de fusão foi determinado em aparelho da Microquímica, modelo MORF-301, com taxa de aquecimento de 10 °C min-1 entre 30 e 50 °C e 1 °C min-1 até 103 °C. Os espectros de ressonância magnética nuclear (RMN) foram obtidos em espectrômetro Brüker, modelo Avance DRX-500, operando a 500 MHz na freqüência do hidrogênio e a 125 MHz na freqüência do carbono-13. O solvente utilizado na dissolução das amostras para obtenção dos espectros foi o clorofórmio deuterado (CDCl3, Isotec – INC).

Os espectros de massas foram obtidos por injeção em cromatógrafo a gás acoplado a espectrômetro de massas da Shimadzu, modelo CG-17A e detector de massas modelo QP-5000; voltagem do filamento: 70 eV; voltagem do detector: 1,3 KV; analisador do tipo quadrupolo. As colunas utilizadas foram DB-1 de 30 m x 0,25 mm e 0,25 µm de espessura do filme e DB-5 de 50 m x 0,25 mm e 0,25 µm de espessura do filme.

Material vegetal

O material vegetal (frutos) foi coletado no município de Bom Jesus-PI, em agosto de 2003. A identificação botânica foi realizada pelo Dr. H. C. de Lima do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro. As exsicatas da espécie foram depositadas no Herbário Graziela Barroso-UFPI sob número TEPB 18.246 e no Herbário da Embrapa Meio-Norte sob o número 1704.

Extração e fracionamento

Os frutos secos foram inicialmente separados em cascas (294 g) e sementes (19 g). As cascas depois de lavadas com hexano, para retirar o excesso de óleo, foram moídas e extraídas por maceração sucessivamente com hexano e etanol, à temperatura ambiente. Após concentração e permanência em dessecador sob vácuo, até peso constante, foram obtidos 20,6 g do extrato hexânico, correspondendo ao rendimento de 7%, calculado em relação ao peso do material vegetal seco. Parte do extrato hexânico (10 g) foi submetida à cromatografia em coluna de gel de sílica (38 x 5,5 cm - 280 g), preenchida com hexano, com volume morto de 448 mL, utilizando-se como eluente os solventes hexano e acetato de etila, em ordem crescente de polaridade. Foram coletadas 138 frações, de aproximadamente 125 mL, as quais depois de concentradas e analisadas por CCD de gel de sílica foram reunidas em 30 grupos de acordo com a cor observada nos cromatogramas e os fatores de retenção (Rf). O grupos A-4 (378 mg) e A-16 (86 mg), eluídos em hexano-AcOEt (95:5), correspondem às substâncias 1 e 2, respectivamente. O grupo A-31 (frações 31-33, 156 mg), eluído em hexano-AcOEt (95:5), por apresentar em análise por CCD característica de substância ácida (mancha alongada), foi tratado com diazometano. Após filtração em coluna de gel de sílica eluída com hexano-AcOEt (98:2), resultou no isolamento da substância 3a (48 mg). A fração A-34 (602 mg) foi submetida à permeação em coluna de Sephadex LH-20, eluída em CH2Cl2-acetona (3:2), resultando no isolamento da substância 3 (229 mg).

b-Farneseno (1): C15H24; EMIE m/z (%) 204 ([M]•+, 3), 189 (3), 133 (19), 120 (16), 93 (54), 79 (26), 69 (100), 67 (29), 55 (26), 41 (93). RMN 1H (500 MHz) e 13C (125 MHz), em concordância com os relatados na ref. 13.

Espatulenol (2): C15H24O; EMIE m/z (%) 220 ([M]•+, 3), 205 (41), 187 (23), 159 (56),145 (30),131 (51),119 (59), 105 (49), 91 (97), 69 (100), 55 (69). RMN 1H (500 MHz) e 13C (125 MHz), em concordância com os relatados na ref. 14.

Vinhaticoato de metila (3a): C21H30O3; cristais incolores; PF 100,8-102,2; [a]D20 = +56,3° (c 5,5 x 10-4, CHCl3); EMIE m/z (%) 330 ([M]•+, 41), 255 (26), 161 (35), 133 (29), 131 (41), 109 (50), 108 (100), 91 (29), 55 (23). RMN 1H (500 MHz) e 13C (125 MHz), Tabela 1.

Dados cristalográficos de 3a

Sistema cristalino ortorrômbico e grupo espacial P212121; a=6,8460 (2) Å, b=8,3980 (4) Å, c=32,1200 (4) Å; V=1846,67 (13) Å3; Z=4; Dx=1,189 g cm-1; l (MoKa) = 0,71013 Å; F(000) = 720; T=293 K; cristal incolor com dimensões 0,35 x 0,19 x 0,07 mm. Foram coletadas 4061 reflexões e o refinamento foi baseado nos F2, resultando em um índice de discordância R1 [F2 > 2s (F2)] = 0,066 e Rw2=0,121. No refinamento foram utilizadas 2602 reflexões observadas e foram refinados 217 parâmetros. O parâmetro absoluto de Flack determinado foi 0,92(5) e o refinamento do enantiômero resultou em um valor de 1,75(2). As posições dos átomos de hidrogênio ligados aos carbonos foram determinadas através de condições geométricas e seus parâmetros de deslocamentos térmicos foram calculados como 1,5Ueq (C-metilas) ou 1,2Ueq (outros). A coleta dos dados das intensidades difratadas foi realizada utilizando-se um Difratômetro Automático KappaCCD Mod. FR590 da Enraf-Nonius. Os programas utilizados no estudo cristalográfico foram: coleta dos dados, COLLECT15; determinação e refinamento da cela unitária, DENZO16 e COLLECT; redução dos dados, DENZO e COLLECT; programa utilizado para resolver a estrutura, SHELXS9717; programa utilizado para refinar a estrutura, SHELXL9717; programa para elaboração do gráfico molecular, ORTEP-318; o software utilizado na preparação do material para a publicação foi o WinGX-Routine19. Dados cristalográficos suplementares foram depositados no Cambridge Crystallographic Data Centre com número de referência CCDC 618652. As cópias do material disponível podem ser obtidas, livre da carga em: CCDC, 12 Union Road, Cambridge CH2 1EZ, UK (fax: +44-1223-336-033; e-mail: deposit@ccdc.cam.ac.uk ou http://www.ccdc.cam.ac.uk).

Extração e análise do óleo essencial

As cascas do fruto (336 g) foram submetidas à hidrodestilação, por um período de 3 h, em aparelhagem Cleavenger modificada. O óleo foi coletado em éter etílico (3 mL) e após a evaporação do solvente foram obtidos 2,1 g de óleo essencial (0,62% de rendimento). O óleo essencial foi analisado por CGAR/EM, com co-injeção de padrões de hidrocarbonetos (C10 a C30), utilizando coluna capilar de sílica fundida (DB-1), temperatura programada da coluna: 75 ºC por 8 min, taxa de aquecimento 6 ºC min-1 até 200 ºC mantido por 4 min; temperatura do injetor: 150 ºC; temperatura da interface: 280 ºC; gás de arraste: hélio, com fluxo de 0,5 mL min-1. A corrida com detector de massas foi feita no modo scan, com tempo de aquisição de 47 min e corte do solvente em 8 min; faixa de massas: 50 a 350 daltons. Os compostos foram identificados também por comparação com os espectros de massas da Biblioteca Wiley 229.

Fracionamento do óleo essencial

Parte do óleo essencial (1,9 g) foi submetido à cromatografia em coluna de gel de sílica (55 g), preenchida com hexano, com volume morto de 88 mL, utilizando como eluente éter de petróleo (100%) e CH2Cl2 (100%). Foram coletadas 15 frações, de aproximadamente 45 mL, as quais depois de concentradas e analisadas por CCD de gel de sílica foram reunidas em três grupos, de acordo com a cor revelada nos cromatogramas e os Rf. Os grupos OE-1 (1-7, 1,4 g) e OE-11 (11-14, 63 mg) correspondem, após analise por RMN, à substância 1 e à mistura contendo 2 como substância majoritária, respectivamente.

Extração do óleo fixo

As amêndoas (6,2 g) foram trituradas, transferidas para cartucho de um aparelho extrator Soxhlet e extraídas com hexano, em triplicata, durante 6 h. Após evaporação do solvente, o óleo foi colocado em dessecador até atingir peso constante20,21. O percentual de óleo foi calculado sobre o peso da amostra seca, obtendo-se um teor de lipídios de 39,25 ± 2,0%.

Transesterificação do óleo fixo e análise dos ésteres metílicos

Os triacilgliceróis do óleo foram transesterificados, seguindo metodologia IUPAC22, com algumas modificações, por meio do seguinte procedimento: em tubo de ensaio, foram adicionados cerca de 100 mg do óleo, 2 mL de hexano e 0,2 mL de solução metanólica 2 mol L-1 de KOH. O tubo de ensaio foi agitado por 5 min em agitador vortex e foram adicionados 2 mL de solução saturada de cloreto de sódio, até a separação da fase orgânica21-23. Os ésteres metílicos dos ácidos graxos foram analisados em triplicata, após injeção de 1 µL da fase orgânica em cromatógrafo a gás acoplado a espectrômetro de massas, utilizando coluna capilar DB-5. As condições de operação foram: temperatura programada da coluna: 150 °C por 2 min; velocidade de aquecimento 5 °C/min até 230 °C por 7 min; velocidade de aquecimento 4 °C/min até 260 °C mantida por 7,5 min; temperatura do injetor: 230 °C; temperatura da interface: 260 °C; gás de arraste: hélio, com fluxo de 1,0 mL/min. A corrida com detector de massa foi feita no modo scan, com tempo de aquisição de 32 min e corte do solvente em 8 min; faixa de massas: 40 a 450 Daltons; voltagem do filamento: 70 eV; voltagem do detector: 1,3 KV; analisador do tipo quadrupolo. Os ésteres metílicos de ácidos graxos foram identificados por similaridade (maiores índices de similaridades – IS) dos espectros de massas dos picos do cromatograma de íons totais obtido com os da biblioteca do equipamento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As cascas do fruto de D. lacunifera, ricas em um óleo viscoso de odor forte e relativamente agradável, forneceram o extrato hexânico, do qual foram isoladas as substâncias 1-3.

A identificação de 1 e 2 como sendo b-farneseno e espatulenol, respectivamente, foi feita por meio da análise dos seus espectros de massas, RMN 1H e 13C e comparação com dados da literatura13,14.

A substância 3 corresponde ao ácido vinhaticóico. O espectro de RMN 1H de 3 apresentou, entre outros, dois dupletos em d 6,19 (J=1,6 Hz, H-15) e 7,23 (J=1,1 Hz, H-16), característicos de hidrogênios em anel furânico24,25. Além destes, apresentou dois simpletos em d 0,96 e 1,24 e um dupleto em d 1,00 (J=7,0 Hz) correspondentes a hidrogênios de grupos metílicos, atribuídos a H-20, H-19 e H-17, respectivamente. O espectro de RMN 13C-BB 1HD de 3 (Tabela 1) apresentou 20 sinais e sua análise conjunta com o espectro de RMN 13C-DEPT 135° permitiu identificar a presença de sinais referentes a três carbonos metílicos, seis metilênicos, seis metínicos e cinco não hidrogenados, entre os quais um em d 184,9 relativo a carbonila de grupamento ácido e dois pares de sinais em d 122,4 (C) e 149,2 (C); d 109,6 (CH) e 140,3 (CH) relativos aos carbonos do anel furânico.

A análise dos dados de RMN 13C permitiu atribuir à substância 3 a fórmula molecular C20H28O3, com equivalente de insaturação igual a sete, sendo consistente com a presença do anel furânico, uma carbonila e, portanto, três anéis.

O tratamento de 3 com diazometano conduziu à formação de 3a, cuja reação foi confirmada pela observação, no espectro de RMN 1H, do simpleto em d 3,69 correspondente a grupo metoxílico. Os dados de RMN 13C-BB 1HD e DEPT 135° de 3a mantiveram a coerência esperada em relação à substância 3. Observou-se um sinal adicional em dC 51,8 correspondente à metoxila e que o sinal da carbonila foi deslocado para dC 179,3, caracterizando o éster25,26. Os dados de RMN observados para 3a foram semelhantes aos registrados na literatura para o vinhaticoato de metila24,27. Os mapas de contornos HMQC e HMBC possibilitaram atribuir os deslocamentos químicos do ácido vinhaticóico (3) e do seu derivado metilado, vinhaticoato de metila (3a), Tabela 1.

A definição da configuração relativa do carbono, C-4 com o grupo carboxila (C-18) em posição equatorial (cis) em relação a H-5 dos diterpenos 3 e 3a, baseou-se no deslocamento químico dos sinais de C-5, C-4 e C-1928. Observou-se que o sinal de C-5 aparece em d 49,5, porém se o grupo carboxílico (ou COOMe) estivesse em posição axial (trans) o deslocamento químico de C-5 seria de aproximadamente d 56,0. Conseqüentemente, o carbono metílico (C-19) ocupa a posição axial e seu deslocamento químico observado é d 17,1, pois em posição equatorial este seria de aproximadamente d 29,028. Além disso, o sinal de C-4 exibe um deslocamento químico em d 47,5 e se grupo carboxílico (ou COOMe) estivesse em orientação axial seria de d 43,028.

Todos os dados espectroscópicos estão em concordância com as estruturas propostas para 3 e 3a, com a estereoquímica relativa de C-4 confirmada por cristalografia de raio X (Figura 2). No entanto, os valores obtidos para o parâmetro de Flack, o qual deveria ser 0,0 para o enantiômero correto, não permitiram determinar a configuração absoluta da molécula29. Desta forma, a estereoquímica absoluta de 3 foi sugerida com base no sinal positivo do desvio do plano da luz polarizada, caracterizando o diterpeno como pertencente à série normal (H-5a, CH3-20b)30, a exemplo de outros diterpenóides furanocassanos da série normal, com a estereoquímica absoluta determinada por cristalografia de raio X, tais como ácido dipteríxico ([a]D +64º)6, Caesalmina C ([a]D +51,2º)31, Caesalmina D ([a]D +65,9º)30 e Taepeenina A ([a]D +56,6º)32.


Este é o primeiro relato da ocorrência do ácido vinhaticóico no gênero Dipteryx (Leguminosae-Papilionoideae), tendo sido anteriormente isolado apenas em Caesalpinia crista (Leguminosae-Caesalpinioideae)32. Seu derivado metilado, vinhaticoato de metila, encontra-se descrito em Caesalpinia crista32, em Plathymenia reticulata e P. foliosa (Leguminosae-Mimosoideae)24,27,33.

Óleo essencial

A análise do óleo essencial de D. lacunifera por CGAR/EM apresentou um cromatograma de íons totais correspondentes a nove sesquiterpenos (Tabela 2), sendo o b-farneseno e espatulenol os componentes majoritários. O óleo essencial bruto foi analisado por RMN 1H e 13C, confirmando a identificação do sesquiterpeno b-farneseno como o componente mais abundante.

Para confirmação da identidade de outros constituintes, o óleo essencial foi submetido à separação cromatográfica resultando em três grupos de frações, dentre estes, OE-1 (1,4 g) corresponde ao b-farneseno e OE-11 (63 mg) a uma mistura de espatulenol, como constituinte predominante e, entre outros, o óxido de cariofileno, identificados por RMN 13C e comparação com dados da literatura13,34.

Ácidos graxos

O produto obtido da transesterificação dos triacilgliceróis presentes no óleo das amêndoas apresentou na análise por CGAR/EM um cromatograma de íons totais, no qual se observa a presença de nove picos, cuja comparação dos espectros correspondentes com os da biblioteca do aparelho permitiu identificar cinco ésteres metílicos derivados de ácidos graxos (Tabela 3). Verificou-se que 77,6% dos ésteres metílicos identificados são derivados de ácidos graxos insaturados. O teor de ácidos graxos insaturados do óleo das amêndoas de D. lacunifera foi superior aos saturados em concordância com o descrito na literatura2.

CONCLUSÃO

O estudo químico do extrato hexânico das cascas do fruto da espécie D. lacunifera, permitiu isolar e identificar três constituintes, sendo dois sesquiterpenos, b-farneseno e espatulenol, e um diterpenóide de esqueleto cassano denominado ácido vinhaticóico, inédito no gênero Dipteryx.

O óleo essencial das cascas do fruto, cuja composição química está sendo relatada pela primeira vez, mostrou-se constituído predominantemente por b-farneseno. Além deste, foram identificados mais oito sesquiterpenos: a-copaeno, b-elemeno, trans-cariofileno, germacreno-D, biciclogermacreno, g-cadineno, espatulenol e óxido de cariofileno. Após fracionamento do óleo essencial, foi isolado o b-farneseno e uma mistura de sesquiterpenóides oxigenados, com predominância do espatulenol e, entre outros, o óxido de cariofileno.

A composição dos ácidos graxos dos triacilgliceróis do óleo fixo das amêndoas, determinada como ésteres metílicos, apresentou o ácido oléico como o componente majoritário.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. E. C. E. Araújo da Embrapa Meio Norte-PI pelo fornecimento do material vegetal, ao Dr. H. C. de Lima do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro pela identificação, aos órgãos de fomento pela bolsa de Iniciação Científica e de Mestrado concedidas ao aluno G. M. Vieira Jr. e M. H. Chaves (CNPq) e pelo apoio financeiro (CNPq, CAPES/PROCAD e FINEP), ao Centro Nordestino de Aplicação e Uso da Ressonância Magnética Nuclear (CENAUREMN) da UFC pela obtenção dos espectros de RMN e ao LAPETRO-UFPI pelos espectros de massas.

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Recebido em 6/10/06; aceito em 1/2/07; publicado na web em 28/5/07

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      01 Fev 2007
    • Recebido
      06 Out 2006
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