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Simulação do equilíbrio: o método de Monte Carlo

Equilibrium simulation: Monte Carlo method

Resumo

We make several simulations using the Monte Carlo method in order to obtain the chemical equilibrium for several first-order reactions and one second-order reaction. We study several direct, reverse and consecutive reactions. These simulations show the fluctuations and relaxation time and help to understand the solution of the corresponding differential equations of chemical kinetics. This work was done in an undergraduate physical chemistry course at UNIFIEO.

chemical kinetics; Monte Carlo; chemical equilibrium


chemical kinetics; Monte Carlo; chemical equilibrium

EDUCAÇÃO

Simulação do equilíbrio: o método de Monte Carlo

Equilibrium simulation: Monte Carlo method

Alejandro López-Castillo* * e-mail: al.castil@yahoo.com.br ; José Cândido de Souza Filho

Departamento de Química, Centro Universitário FIEO (UNIFIEO), Av. Franz Voegeli, 300, 06020-190 Osasco - SP, Brasil

ABSTRACT

We make several simulations using the Monte Carlo method in order to obtain the chemical equilibrium for several first-order reactions and one second-order reaction. We study several direct, reverse and consecutive reactions. These simulations show the fluctuations and relaxation time and help to understand the solution of the corresponding differential equations of chemical kinetics. This work was done in an undergraduate physical chemistry course at UNIFIEO.

Keyword: chemical kinetics; Monte Carlo; chemical equilibrium.

INTRODUÇÃO

Nós simulamos e estudamos vários sistemas que poderiam descrever reações químicas de primeira e segunda ordem com o método de Monte Carlo. Esse trabalho foi inspirado no livro Físico-Química: Aspectos Moleculares e Fenomenológicos1 e realizado durante as aulas da disciplina de Físico-Química III do curso de Química do UNIFIEO.

Para a realização das disciplinas de Físico-Química é necessário ter um razoável preparo matemático por parte do aluno para que possam ter uma boa compreensão dos assuntos tratados. Entretanto, muitas vezes, ainda assim, pode ser aconselhável seguir alguns atalhos matemáticos para não comprometer o entendimento dos conceitos abordados. Seguindo essa filosofia, procuramos métodos alternativos para resolver certas equações diferenciais que aparecem no desenvolvimento da cinética química. O método descrito aqui permite simular também reações não-lineares2, as quais não têm soluções analíticas.

Uma maneira possível de resolver as equações da cinética química é o uso do método de Monte Carlo. As simulações com o método de Monte Carlo podem ser realizadas através de sorteios manuais e ou numéricos, utilizando um microcomputador ou uma simples calculadora de bolso. Tal método estatístico para descrever o equilíbrio termodinâmico também é conhecido como modelo da urna de Ehrenfest. Esse modelo foi desenvolvido para provar estatisticamente o teorema H de Boltzmann3, que descreve a rota irreversível para o equilíbrio termodinâmico.

O método de Monte Carlo pode ser adaptado para descrever inúmeros sistemas, desde partículas elementares até dinâmicas de galáxias; a particularidade para cada sistema dependerá das regras impostas aos sorteios.

TEORIA

O cálculo das propriedades macroscópicas de um sistema de N partículas, para N muito grande (por ex., N~1023), pode ser resolvido introduzindo-se valores médios. Por ex., em um gás, ao invés de se calcular a energia de cada partícula individualmente, calcula-se a energia média dessas N partículas1. Para que essas médias não dependam do tempo é necessário que o sistema (fechado) esteja em equilíbrio termodinâmico.

O conceito de equilíbrio termodinâmico pode ser entendido com o seguinte exemplo: considere um gás A ocupando o compartimento esquerdo de um cilindro fechado, e um gás B ocupando o compartimento direito; ambos ligados por um êmbolo móvel. Considere também que os gases estão à mesma pressão e temperatura e ocupam o mesmo volume, de tal maneira que o êmbolo encontra-se inicialmente no centro do cilindro. Se considerarmos que o êmbolo é empurrado para a esquerda inicialmente, o gás A estará sob maior pressão. Ao se soltar o êmbolo, o mesmo executará um movimento oscilatório cuja amplitude de deslocamento diminui à medida que as pressões dos dois lados do cilindro tendem a se igualar. Se acompanharmos o movimento do êmbolo a olho nu, chegará um momento no qual não será mais possível observar esse deslocamento. Nesse instante, considera-se que o equilíbrio foi alcançado1.

Como a pressão é o efeito macroscópico das colisões aleató-rias das partículas dos gases com as paredes do cilindro e do êmbolo, mesmo que o sistema tenha atingido o equilíbrio, em alguns instantes o número de colisões do lado A será maior que do lado B, e em outros instantes ocorrerá o contrário. Isso causa pequenos deslocamentos no êmbolo em torno da sua posição de equilíbrio. Esses pequenos deslocamentos são as flutuações do sistema e estão relacionados às freqüências das colisões com o êmbolo e à amplitude de oscilação deste. No limite macroscópico essas flutuações são desprezíveis.

O intervalo de tempo que o sistema leva para atingir o equilíbrio termodinâmico é chamado de tempo de relaxação, t. Esse parâmetro depende da quantidade de partículas do sistema e do tipo de interação entre as mesmas.

MÉTODO DE SORTEIO

Para a compreensão do conceito de equilíbrio, utilizaremos o Método de Monte Carlo e detalharemos a simulação da reação do tipo A B ® C.

Imagine que as moléculas, dentro de seus respectivos compartimentos, sejam numeradas. Inicialmente, elas se encontram todas no compartimento A (ou estados que caracterizam suas propriedades, em particular, químicas). Os compartimentos B e C estão vazios. Faz-se, então, o primeiro sorteio. Se existir uma molécula em A com o número igual ao que foi sorteado (no primeiro sorteio sempre existirá), a mesma vai para o compartimento B; quimicamente isso significa que A se transformou em B. Realiza-se um novo sorteio. Desta vez, procura-se em B uma molécula que corresponda ao número sorteado. Se houver, essa molécula tem 50% de chance (ou qualquer probabilidade que tenhamos definido) de ir para C (transforma-se em C) e 50% de chance de voltar para A (transforma-se outra vez em A). Essa decisão pode ser tomada lançando-se uma moeda, por ex., "cara" vai para C e "coroa" volta para A. Quando a molécula correspondente ao número sorteado não existir no compartimento, nada acontece. Para o compartimento C não é necessário realizar nenhum sorteio, uma vez que a reação segue irreversivelmente para C. Segue o sorteio e, desta vez, voltado novamente para as moléculas do compartimento A, iniciando um novo passo. O processo de sorteio deve ser repetido até que o equilíbrio seja atingido, ou seja, a variação do valor médio de ocupação nos compartimentos seja mínima ou nula. Neste caso, o equilíbrio é atingido quando todas as moléculas estiverem "aprisionadas" no compartimento C (ou que A e B tenham se transformado quimicamente em C).

O método de sorteio pode ser efetuado de forma manual ou automática, com o auxílio de microcomputador.

SOLUÇÕES ANALÍTICAS DAS EQUAÇÕES CINÉTICAS

Todas as equações cinéticas apresentadas neste trabalho podem ter solução analítica2,4. Apresentaremos somente algumas dessas soluções: para a reação de primeira ordem A ® B, temos que a concentração de A decai exponencialmente com o tempo. Esse comportamento pode ser expresso matematicamente por [A] = [A]0 exp(-k t), sendo [A]0 a concentração inicial de A e k a constante de velocidade. Tal reação tem um tempo de meia-vida dado por t1/2=ln2/k.

Para as reações opostas de primeira ordem A B tem-se que [A]= [1+exp(-2 t)]/2 com as seguintes simplificações: as constantes de velocidade das reações direta (kd) e inversa (ki) são unitárias (constante de equilíbrio é também unitária, K=kd/ki=1); [A]0=1, i.e., a concentração inicial é normalizada e valendo sempre [A]+[B] = 1, [B]0 = 0 com [A] e [B] tendendo a 0,5 (ou 50%) para um tempo longo, pois fixamos a probabilidade em 0,5 ao definirmos o critério de sorteio.

Para as reações consecutivas de primeira ordem A ® B ®C com constantes de velocidades unitárias, [A]0 = 1 e [A]+[B]+[C] = 1 tem-se: [A] = exp(-t); [B] = t exp(-t) e [C] = 1-exp(-t)- t exp(-t), para a estequiometria dada.

Finalmente, para a equação de segunda ordem A + B ® C, considerando a estequiometria da reação e impondo que as concentrações iniciais [A]0=[B]0 sejam iguais, essa reação pode ser simplificada para 2 A ® C. Se ainda considerarmos k=1 e [A]0=[B]0=1 isso nos leva à equação diferencial -(1/2)d[A]/dt = k[A]2 e portanto tem-se [A]=[B]=1-[C]=1/(1+2t). O fator (1/2) que multiplica d[A]/dt na equação acima permite-nos obter uma velocidade que é independente do coeficiente estequiométrico da espécie em relação à qual a velocidade da reação está sendo expressa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir apresentamos os resultados obtidos com as simulações de Monte Carlo.

Reação A ® B com N=20 e 60

Na reação A ® B verificamos que o número de jogadas para que as concentrações de A e B se igualem (a reação ainda não se completou) é proporcional ao número de partículas (N), assim como, aproximadamente, para o tempo de relaxação. Podemos comparar a simulação com as soluções analíticas já apresentadas. Consideramos normalizadas as concentrações em todas as simulações para facilitar a comparação. Na simulação o número de jogadas representa o tempo. Para compreendermos melhor o problema, utilizaremos o tempo de meia-vida t1/2=ln2/k. Por ex., olhando a Figura 1, para o caso N=20, notamos que o tempo de meia-vida estaria entre 14 e 15 jogadas (~14,5 jog), conhecendo o valor de k (p.e., em s-1) para uma reação real e que para essa simulação temos t1/2=ln2/k=14,5 jog, então cada jogada vale 1 jog= [ln2/(k 14,5)] s. Ajustando então a jogada com o tempo do problema real podemos utilizar sem maiores dificuldades as simulações de Monte Carlo para tratar os problemas de cinética química.


Reação A B com N=20 e 60

Para a reação A B verificamos dependência similar com N, mas neste caso o equilíbrio já é atingido quando as concentrações de A e B se igualam e que esse tempo é o dobro daquele observado na reação A ® B, pois nessa última só temos a reação direta. Observamos claramente, por ex., que para a reação A B, após atingir o equilíbrio, as flutuações relativas são menores para maiores N´s (apesar de serem maiores em números absolutos).

Reação A + B ® C com N=10 e 20 (reação de segunda ordem)

Em relação à equação de segunda ordem A + B ® C, notamos que o tempo de relaxação é muito maior que aquele para as reações de primeira ordem. Podemos comparar essa reação com A ® B para N=20. O tempo de relaxação é da ordem de N vezes maior para a reação de segunda ordem, ou seja, o tempo de relaxação para a reação de segunda ordem cresce com N2; em contrapartida, para a reação de primeira ordem este cresce com N.

Reação A ® B ® C com N=30 e 105

A simulação da reação A ® B ® C e também das reações A ® B C (N=30 e 50) e A B C (N=30 e 50) possibilita visualizar graficamente as soluções das suas respectivas equações diferenciais (item "Soluções Analíticas das Equações Cinéticas"). Notam-se como as concentrações do reagente, do intermediário e do produto variam com o tempo. Por ex., podemos comparar as equações analíticas dadas para a reação A ® B ® C com a simulação para N=105 dessa mesma reação (Figura 4). Essas reações são obviamente mais demoradas para atingirem o equilíbrio que aquelas mais simples já discutidas. O tempo de relaxação dessas reações também guarda certa proporcionalidade com N e existe uma similaridade entre os tempos de relaxação das três reações acima.




Além dessas reações apresentadas, simulamos com o método Monte Carlo as reações Aviz B e A ET B.

Na reação Aviz B com N=20 e 60, os vizinhos ao número sorteado de A também participam da mesma jogada. A regra da utilização de vizinhos pode ser interpretada como arranjos ou condições possíveis para que a reação efetivamente aconteça. No sorteio consideramos que se no compartimento A o número sorteado (n) estiver vazio e se um dos vizinhos (n-1) ou (n+1) não, esse vai para B. Caso os dois não estejam vazios, escolhe-se um deles por meio de um sorteio do tipo "cara" ou "coroa".

Também, na reação Aviz B o produto B aparece mais rapidamente que aquele da reação A B e que, uma vez estabelecido o equilíbrio, a reação Aviz B dá, para a concentração final de A, aproximadamente a metade do valor de B.

Na reação A ET B com N=20 (1/2 em direção a B e 1/2 em direção a A) e N=60 (2/3 em direção a B e 1/3 em direção a A), a concentração de ET ("estado de transição") sempre se anula. No equilíbrio as concentrações de A e B serão iguais, se as probabilidades também forem iguais tanto de ir para B como de voltar para A. Para a probabilidade de ir adiante maior que a de voltar, a regra de simulação pode ser interpretada como o produto sendo mais estável que o reagente; dessa forma, o equilíbrio seria deslocado para o produto.

Para a reação A ET B (caso N=20), uma vez que a metade das jogadas não são efetivas, i.e., voltam para A, o tempo de relaxação é, em média, o dobro para a reação A B. A simulação para a reação A ET B com N=60 foi realizada considerando que a reação poderia voltar com uma probabilidade de 1/3. Dessa forma, no equilíbrio tem-se duas vezes mais produto que reagente.

CONCLUSÃO

Estudamos vários tipos de reações químicas por meio de simulações numéricas e manuais. Dessas simulações podem-se extrair vários parâmetros, como tempo de relaxação, tempo de meia-vida e concentração relativa no equilíbrio, além de poder acompanhar a evolução temporal rumo ao equilíbrio termodinâmico.

O método de Monte Carlo permite ao aluno entender o comportamento das reações químicas por um outro método diferente daquele das Equações Diferenciais. Permite também desenvolver uma idéia geral de um modelo de como as reações químicas se processariam ao fazer a conexão entre o método de Monte Carlo e os componentes das reações químicas.

Os resultados obtidos pelo método de Monte Carlo, por sua vez, facilitam o entendimento das soluções das equações diferenciais correspondentes às reações químicas, principalmente para N grande, onde a solução numérica se aproxima muito bem à solução analítica.

MATERIAL SUPLEMENTAR

No material suplementar, disponível gratuitamente em http://quimicanova.sbq.org.br na forma de arquivo pdf, encontra-se o desenho ilustrativo do cilindro dotado de êmbolo contendo dois tipos de gases citado no item "Teoria", o modelo da urna de Ehrenfest para o caso da reação A B ® C, o fluxograma para implementação de um programa que efetue os sorteios para o caso de uma reação do tipo A B ® C e, finalmente, os gráficos de porcentagem relativa de partículas (concentração) em função da jogada (tempo) para as reações A ® B C, A B C, Aviz B e A ET B.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer a colaboração, na realização das simulações manuais, dos seguintes alunos da disciplina de Físico-Química III do curso de Química do UNIFIEO: A. Polessi, A. M. Leandro, A. J. da Silva Neto, C. P. Bulgarelli, E. A. de L. Lima, E. C. de Oliveira, F. F. Lago, K. V. Giebeler, M. P. P. de Oliveira, M. H. S. Moreira, P. M. Araújo, R. G. de Oliveira, R. M. de A. Lima e T. A. Toledo. A. López-Castillo agradece também à Fapesp e ao CNPq pelo financiamento parcial deste trabalho.

Recebido em 17/5/06; aceito em 9/2/07; publicado na web em 5/10/07

Material Suplementar

Figura 2s clique aqui para ampliar


Figura 3s clique aqui para ampliar


Figura 4s clique aqui para ampliar


Figura 5s clique aqui para ampliar


Figura 6s clique aqui para ampliar


Figura 7s clique aqui para ampliar


  • 1. Braga, J. P.; Físico-Química: Aspectos Moleculares e Fenomenológicos, Ed. UFV: Viçosa, 2002, cap. 1.
  • 2. Atkins, P.: Paula, J. de; Physical-Chemistry, Oxford University: Oxford, 2002, caps. 25 e 26.
  • 3. Salinas, S. R. A.; Introdução à Física Estatística, EDUSP: São Paulo, 1999, cap. 15.
  • 4. Moore, W. J.; Físico-Química, Edgard Blucher/EDUSP: São Paulo, 2000, cap. 9.0
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      09 Fev 2007
    • Recebido
      17 Maio 2006
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