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Novos constituintes químicos das cascas do caule de Tabebuia heptaphylla

New constituents from the trunk bark of Tabebuia heptaphylla

Resumo

A new triterpene, 3beta,6beta,21beta-trihydroxyolean-12-ene and a new iridoid, 8alpha-methyl-8beta-hydroxy-6beta-(3',4'-dimethoxy)benzoyloxy-1 alpha,3alpha-dimethoxy-octahydro-cyclopenta[c]pyran were isolated from the trunk bark of a specimen of Tabebuia heptaphylla (Bignoniaceae) collected in the "Pantanal" of Mato Grosso do Sul, Brazil. Twelve known compounds were also obtained in this work, comprising four iridoids, 6-O-p-hydroxybenzoylajugol, 6-O-p-methoxybenzoylajugol, 6-O-3",4"-dimethoxybenzoylajugol, 8alpha-methyl-8beta-hydroxy-6beta-(4'-hydroxy)benzoyloxy-1alpha,3 alpha-dimethoxy-octahydro-cyclopenta[c]pyran, a cyclopentene dialdehyde, 2-formyl-5-(3',4'-dimethoxybenzoyloxy)-3-methyl-2-cyclopentene-1-acetaldehyde, a phenylethanoid glycoside, verbascoside and three benzoic acid derivatives, p-hydroxybenzoic, p-methoxybenzoic and 3,4-dimethoxybenzoic acids, in addition to squalene, sitostenone and sitosterol. The antioxidant properties of the isolated compounds were also evaluated in this work.

Tabebuia heptaphylla; triterpenes; iridoids


Tabebuia heptaphylla; triterpenes; iridoids

ARTIGO

Novos constituintes químicos das cascas do caule de Tabebuia heptaphylla

New constituents from the trunk bark of Tabebuia heptaphylla

Fernanda Rodrigues GarcezI,* * e-mail: frgarcez@nin.ufms.br ; Walmir Silva GarcezI; Talal Suleiman MahmoudI; Patrícia de Oliveira FigueiredoI; Ubirazilda Maria ResendeII

IDepartamento de Química, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, CP 649, 79070-900 Campo Grande – MS, Brasil

IIDepartamento de Biologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 79070-900 Campo Grande – MS, Brasil

ABSTRACT

A new triterpene, 3b,6b,21b-trihydroxyolean-12-ene and a new iridoid, 8a-methyl-8b-hydroxy-6b-(3',4'-dimethoxy)benzoyloxy-1 a,3a-dimethoxy-octahydro-cyclopenta[c]pyran were isolated from the trunk bark of a specimen of Tabebuia heptaphylla (Bignoniaceae) collected in the "Pantanal" of Mato Grosso do Sul, Brazil. Twelve known compounds were also obtained in this work, comprising four iridoids, 6-O-p-hydroxybenzoylajugol, 6-O-p-methoxybenzoylajugol, 6-O-3",4"-dimethoxybenzoylajugol, 8a-methyl-8b-hydroxy-6b-(4'-hydroxy)benzoyloxy-1a,3 a-dimethoxy-octahydro-cyclopenta[c]pyran, a cyclopentene dialdehyde, 2-formyl-5-(3',4'-dimethoxybenzoyloxy)-3-methyl-2-cyclopentene-1-acetaldehyde, a phenylethanoid glycoside, verbascoside and three benzoic acid derivatives, p-hydroxybenzoic, p-methoxybenzoic and 3,4-dimethoxybenzoic acids, in addition to squalene, sitostenone and sitosterol. The antioxidant properties of the isolated compounds were also evaluated in this work.

Keywords: Tabebuia heptaphylla; triterpenes; iridoids.

INTRODUÇÃO

Bignoniaceae, família que engloba aproximadamente 120 gêneros e 800 espécies, possui representantes nas regiões tropicais e subtropicais de todo o mundo, especialmente na América do Sul e África1. As espécies desta família pertencentes ao gênero Tabebuia,encontradas nas Américas do Sul e Central, são conhecidas popularmente como "ipês" e apresentam uma grande diversidade de constituintes químicos, notadamente naftoquinonas e seus derivados, além de iridóides e antraquinonas2-4.

Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo tem porte arbóreo, atingindo de 10 a 20 m de altura, sendo a sua ocorrência registrada em toda a região Sudeste e também no sul da Bahia e em Mato Grosso do Sul5. É conhecida por ipê-roxo, ipê-roxo-de-sete-folhas, piúva (no Pantanal), dentre outras denominações populares. Possui madeira resistente e durável, própria para obras externas, sendo também utilizada para fins paisagísticos em função de suas flores de coloração roxa5. A literatura registra a ocorrência de apenas dois trabalhos realizados com espécimens identificados como sendo T. heptaphylla: das folhas de um exemplar coletado no Rio Grande do Sul foi isolado um iridóide e do caule de um espécimen adquirido no Paraguai foram obtidos naftoquinonas, lignanas, prenil-naftalenos e outros compostos aromáticos3,6. O presente trabalho faz parte de um programa de levantamento e investigação da composição química de espécies que ocorrem no Cerrado e no Pantanal Sul-matogrossenses, tendo sido efetuado o estudo químico das cascas do caule de um exemplar de T. heptaphylla coletado no Pantanal. Neste descreve-se o isolamento de catorze substâncias, compreendendo dois triterpenos (1 e 2), cinco iridóides (3-7), um dialdeído ciclopentênico (8), um glicosídeo feniletanóide (9) e três derivados do ácido benzóico (10-12), além de sitostenona (13) e sitosterol (14). O triterpeno 1 e o iridóide 7 são inéditos, o glicosídeo fenil etanóide 9 está sendo relatado pela primeira vez no gênero Tabebuia e as demais substâncias, com exceção de 14, pela primeira vez na espécie.

A atividade antioxidante dos compostos isolados foi também avaliada neste trabalho.

PARTE EXPERIMENTAL

Instrumentação e procedimentos gerais

Para cromatografia em camada delgada analítica (CCD), utilizou-se sílica gel 60 G (5-40 µm), em camadas de 0,25 mm de espessura, empregando-se como revelador solução de sulfato de cério IV em ácido sulfúrico concentrado. As separações cromatográficas em coluna foram realizadas utilizando-se gel de sílica 60 70-230 e 230-400 mesh, Sephadex LH-20 e XAD-2 (300-1200 mm). As separações por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) em condições semi-preparativas foram realizadas em coluna de sílica RP-18 Shim-Pack PREP-ODS(H) (25 x 250 mm, 5 µm), utilizando-se bomba ternária Shimadzu LC-6AD, com detector UV/VIS Shimadzu SPDV-6AV e monitorando-se a 254 nm. Os espectros de RMN 1H e 13C (uni- e bidimensionais) foram obtidos em espectrômetro Bruker DPX-300 (300/75 MHz), utilizando-se CDCl3, CD3OD ou piridina-d5 como solventes e TMS como padrão interno. Os espectros IV foram registrados em espectrômetro Bomem-Hartmann & Braun FT, tendo sido as amostras preparadas sob a forma de pastilhas de KBr. As medidas de rotação óptica foram determinadas em polarímetro Perkin-Elmer 341.

Material vegetal

As cascas do caule de Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo foram coletadas na Base de Estudos do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, localizada na região do Passo do Lontra, MS, em fevereiro de 2003. A identificação foi realizada por MSc. U. M. Resende (DBI/UFMS) e Dra. R. Farias-Singer (Instituto de Biologia/UNICAMP) e as exsicatas encontram-se depositadas no Herbário CG/MS da UFMS, sob o número 118999.

Extração e isolamento dos constituintes

As cascas do caule secas e moídas de T. heptaphylla (1,4 kg) foram extraídas à temperatura ambiente com etanol. O extrato etanólico foi concentrado sob pressão reduzida até consistência xaroposa e em seguida, particionado entre hexano-CH3CN-CHCl3-H2 O 20:34:10:10, sendo obtidas 3 fases: hexânica (superior), CH3CN-CHCl3 (intermediária) e aquosa (inferior).

A fase hexânica (3,5 g) foi submetida a uma coluna de gel de sílica 70-230 mesh, eluída com hexano e AcOEt em gradiente de polaridade crescente. Deste processo resultaram, após análise por CCD, 24 frações (H 1®24). A fração H1 forneceu 2 (164,8 mg), a fração H10 (112,0 mg) continha predominantemente 13 e as frações H11 (27,9 mg) e H22 (38,8 mg) originaram, respectivamente, após cromatografia em coluna de Sephadex LH-20 eluída com CHCl3-MeOH 3:2, 14 (5,0 mg) e 12 (4,0 mg).

A fase CH3CN-CHCl3 (15,1 g) foi fracionada em coluna de gel de sílica 70-230 mesh, eluída com misturas de hexano-AcOEt e AcOEt-MeOH em ordem crescente de polaridade, fornecendo, após análise por CCD, 21 frações (C 1®21). Das frações C6 (483,0 mg) e C11 (406,2 mg) foram obtidos, respectivamente, após cromatografia em coluna de Sephadex LH-20 eluída com CHCl3-MeOH 3:2, 13 (86,4 mg) e 11 (17,0 mg). A fração C12 (716,3 mg) originou 1 (9,9 mg), após cromatografia em coluna de Sephadex LH-20 (CHCl3-MeOH 3:2), seguida de cromatografia em coluna de gel de sílica 230-400 mesh, eluída com gradiente de CHCl3 e acetona. A fração C13 (3,3 g) foi recromatografada sucessivamente em coluna de Sephadex LH-20 eluída com CHCl3-MeOH 3:2, originando 10 (43,5 mg) e 12 (42,0 mg). Da fração C18 (804,6 mg) obteve-se 5 (151,8 mg), após cromatografia em coluna de Sephadex LH-20 eluída com CHCl3-MeOH 3:2.

A fase aquosa foi concentrada sob pressão reduzida e o resíduo obtido (170,2 g) foi extraído sucessivamente com AcOEt e n-BuOH, originando os extratos AcOEt e n-butanólico, respectivamente. O extrato AcOEt (145,9 g) foi cromatografado em uma coluna de XAD-2, eluída com H2O®MeOH®hexano®acetona, fornecendo, após análise por CCD, 12 frações (A 1®12). A fração A4 (1,7 g) foi submetida à cromatografia em coluna de Sephadex LH-20 eluída com MeOH, fornecendo 7 (3,4 mg), após CLAE semi-preparativa (MeOH-H2O 65:35) e 8 (9,7 mg), após cromatografia em coluna de gel de sílica 230-400 mesh, eluída com CHCl3-MeOH 5%. A fração A5 (231,9 mg) foi cromatografada em coluna de Sephadex LH-20 (MeOH), seguida de cromatografia em coluna de gel de sílica 230-400 mesh (CHCl3-MeOH 2%), resultando no isolamento de 5 (13,0 mg) e de 6 (7,7 mg), este após CLAE semi-preparativa (MeOH-H2O 70:30). O extrato n-butanólico (1,73 g) foi cromatografado em coluna de gel de sílica 70-230 mesh, utilizando-se como eluente hexano, seguido de AcOEt e depois, MeOH, originando 5 frações (B1®5). Da fração B2 (383,7 mg) foi obtido 3 (9,9 mg), após cromatografia em coluna de Sephadex LH-20 (MeOH), seguida de cromatografia em coluna de gel de sílica 230-400 mesh (CHCl3-MeOH 8%), enquanto que a fração B4 (392,1 mg) forneceu 4 (14,1 mg) e 9 (9,9 mg), após sucessivos fracionamentos em coluna de Sephadex LH-20 (MeOH).

3b,6b,21b-triidroxiolean-12-eno (1)

Sólido amorfo. [a]D23:+ 17,4º(CHCl3; c 0,0019), IV (KBr) nmax cm-1: 3424, 2927, 1472, 1190, 758. RMN 1H e 13C: Tabela 1.

Ensaio de atividade antioxidante

O teste foi realizado segundo metodologia descrita na literatura, empregando-se uma solução 0,47 x 10-3M de a-tocoferol como referência7. As amostras foram aplicadas em concentrações molares semelhantes em placas cromatográficas de sílica gel G e estas foram borrifadas com uma solução 0,02% de b-caroteno em CH2Cl2, seguidas por exposição à luz natural até descoloração do fundo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através de partições do extrato etanólico das cascas do caule de Tabebuia heptaphylla, seguidas de fracionamentos cromatográficos, foram isolados dois triterpenos (1 e 2), cinco iridóides (3–7), um dialdeído ciclopentênico (8), um glicosídeo feniletanóide (9) e três derivados do ácido benzóico (10-12), além de dois esteróides (13 e 14) (Figura 1).


A substância 1 apresentou-se na forma de um sólido amorfo e seu espectro de RMN 1H (Tabela 1) mostrou oito singletos na região entre d 0,94-1,73 atribuíveis a grupos metila, um tripleto largo proporcional a um hidrogênio em d 5,37 (J 3,6 Hz), sugestivo de hidrogênio olefínico, além de sinais referentes a três hidrogênios cada a d 3,46 (dd, J 11,8 e 4,2 Hz), 3,84 (tl, J 8,0 Hz) e 4,86 (sl) atribuíveis a hidrogênios carbinólicos. O espectro de RMN 13C (Tabela 1) mostrou a presença de vinte e oito sinais (sendo dois deles correspondentes a dois carbonos cada) os quais, com o auxílio das informações fornecidas pelo espectro DEPT 135º, foram atribuídos a sete carbonos quaternários (sendo um deles olefínico), sete metínicos (sendo três oxigenados e um olefínico), oito metilênicos e oito metílicos. Estas informações indicaram que 1 se tratava de um triterpeno pentacíclico, sendo que os valores de deslocamento químico observados para os carbonos da ligação dupla trissubstituída (d 123,1 e 143,6) definiram o esqueleto do tipo olean-12-eno8. Os sinais a d 3,46; 4,86 e 3,84 apresentaram correlações no espectro HMQC com os sinais de carbonos metínicos carbinólicos a d 78,5, 67,4 e 72,8, respectivamente. Estes dados, aliados a uma banda de absorção a 3424 cm-1 no espectro IV, sugeriram a fórmula molecular C30H50O3 para 1. Na comparação dos dados de RMN 1H e de 13C de 1 com os de triterpenos relacionados contendo os mesmos tipos de substituintes, verificou-se que 1 possui o mesmo padrão de substituição nos anéis A e B que o sumaresinolato de metila e o anel E idêntico ao do kuzusapogenol C, indicando a localização dos grupos hidroxila em C-3, C-6 e C-219. A orientação equatorial do grupo hidroxila em C-3 foi indicada pela multiplicidade do sinal relativo ao hidrogênio carbinólico H-3 (d 3,46, dd , J 11,8 e 4,2 Hz), enquanto que o singleto largo a d 4,86 relativo a H-6 revelou sua orientação equatorial e, conseqüentemente, a localização axial do grupo hidroxila em C-6. Da mesma forma, o tripleto largo a d 3,84 (1H, J 8,0 Hz) indicou a localização do terceiro grupo hidroxila em C-21, apresentando orientação equatorial, o que pôde ser confirmado pela desproteção de C-20 e de C-22, assim como a proteção das metilas C-29 e C-30 (mais acentuada sobre C-30), quando os valores de deslocamento químico destes carbonos em 1 foram comparados com os de triterpenos sem substituintes no anel E, como por exemplo, b-amirina. As correlações à longa distância observadas no espectro HMBC para os hidrogênios carbinólicos e outros hidrogênios presentes em 1 (Tabela 1) corroboraram tais informações. Dessa forma, foi proposta para 1 a estrutura correspondente a 3b,6b,21b-triidroxiolean-12-eno, até então não relatada na literatura. Deve-se ressaltar também que, embora várias espécies de Tabebuia tenham sido quimicamente investigadas, raros são os registros de ocorrência de triterpenos nestas espécies, como por exemplo, em T. rosea, T pentaphylla e T. aurea10,11.

Os dados espectrais de RMN 1H e 13C das substâncias 3 a 5 apresentaram uma boa correlação com os dos iridóides 6-O-p-hidroxibenzoilajugol, 6-O-p-metoxibenzoilajugol e 6-O-3", 4"-dimetoxibenzoilajugol, respectivamente, já obtidos de Tabebuia avellanedae12. Da mesma forma, as substâncias 10 a 12 foram identificadas como derivados do ácido benzóico, respectivamente, ácidos p-hidroxibenzóico, p-metoxibenzóicoe 3,4-dimetoxibenzóico, anteriormente relatados em T. impetiginosa e/ou T. avellanedae4,13,14.

Os espectros de RMN 1H e de 13C de 6 (Tabela 2) mostraram-se semelhantes aos do iridóide 3, particularmente com relação ao anel de cinco membros e ao grupo para-hidroxibenzoíla, porém não apresentaram os sinais correspondentes ao resíduo de b-D-glucose em C-1 e à ligação dupla entre C-3 e C-4. Foi observada, no entanto, no espectro de RMN 1H de 6 a presença de dois grupos metoxila alifáticos (d 3,44 e 3,47), um dubleto a d 4,69 (1H, J 5,6 Hz), um duplo dubleto a d 4,77 (1H, J 6,2 e 3,9 Hz), enquanto no espectro de RMN 13C, em associação com os dados fornecidos pelo espectro DEPT 135º, foram observados sinais de dois carbonos metínicos a d 97,7 e 97,8 e um metilênico a d 29,5. Estas informações foram sugestivas da presença de duas funções acetálicas na estrutura de 6. Uma vez que as principais diferenças nos esqueletos dos iridóides 3 e 6 residiam no padrão de substituição do anel heterocíclico, foi possível propor a localização destas funções nas posições 1 e 3. Assim, o dubleto a d 4,69 e o duplo dubleto a d 4,77 foram atribuídos a H-1 e a H-3, respectivamente (dC 97,7 e 97,8), e os hidrogênios em C-4 (dC 29,5) caracterizados como os multipletos nas regiões de d 1,46-1,58 e d 1,94-2,06. Assim, a substância 6 foi caracterizada como sendo 8a-metil-8b-hidróxi-6b-(4'-hidróxi)benzoilóxi -1a,3a-dimetóxi-octaidro-ciclopenta[c]pirano, cujos dados espectrais, assim como o valor de rotação óptica ([a]D23: - 44,0º) foram compatíveis com os citados na literatura para o mesmo iridóide isolado de Tabebuia avellanedae15. No entanto, deve ser revisado o valor de deslocamento químico atribuído a C-8 para o iridóide descrito naquele trabalho (d 49,0), incoerente para um carbono oxigenado tetrassubstituído. A possibilidade de 6 ser um artefato produzido durante o processo de isolamento não pode ser excluída, embora tenha sido demonstrado que o iridóide obtido de T. avellanedae se tratava de um constituinte genuíno daquela planta15.

Os sinais do espectro de RMN 1H e 13C de 7 mostraram-se bastante semelhantes aos de 6, com exceção dos sinais relativos ao resíduo benzoíla em C-6, os quais foram substituídos pelos do grupo 3,4-dimetoxibenzoíla, já evidenciados no iridóide 5 (Tabela 2). Com base nestas informações e nas correlações presentes no espectro 1H-1H COSY entre os hidrogênios do anel heterocíclico, chegou-se à conlusão que 7 tratava-se do iridóide 8a-metil-8b-hidróxi-6b-(3',4'-dimetóxi)benzoilóxi-1 a,3a-dimetóxi-octaidro-ciclopenta[c]pirano, ainda não relatado na literatura. Assim como em 6, a junção cis dos anéis A e B bem como as orientações b de H-5 e H-9 e a dos grupos metoxila em C-1 e C-3 foram corroboradas pelas correlações evidenciadas no espectro NOESY de 7 entre H-5/H-9, H-1/H-9, H-3/H-5, H-3/H-4b e H-1/H-4b. Da mesma forma que 6, deve-se considerar a possibilidade do iridóide 7 ser um artefato resultante do hemiacetal correspondente. Iridóides que possuem funções acetálicas concomitantemente em C-1 e C-3, embora já tendo sido relatados em outras espécies de Bignoniaceae, como por exemplo, em Eccremocarpus scaber, Catalpa speciosa e Tabebuia aurea11,16, não são comuns no reino vegetal.

O espectro de RMN 1 de 8 apresentou dois singletos de hidrogênios aldeídicos a d 9,78 e 9,98, enquanto que os sinais relativos às carbonilas correspondentes foram observados a d 200,8 e 187,5, sendo este último indicativo de uma carbonila a, b-insaturada, o que foi corroborado pelos sinais dos carbonos de uma ligação dupla tetrassubstituída a d 137,2 e 161,0 (Tabela 2). No espectro IV, as bandas relativas às carbonilas aldeídicas foram observadas a 1719 e 1672 cm-1. Destacaram-se ainda nos espectros de RMN 1H e 13C de 8 um singleto a d 2,21, sugestivo de uma metila vinílica (dC 14,4), um multipleto a d 2,68 e um duplo duplo dubleto a d 2,86 (J 17,5; 4,8 e 1,3 Hz), atribuíveis a hidrogênios metilênicos vizinhos à carbonila aldeídica não conjugada, além de sinais referentes a um resíduo 3,4-dimetoxibenzoilóxi, já observado no iridóide 5. O sinal a d 77,1 foi atribuído ao carbono metínico ligado a este grupo, cujo hidrogênio foi caracterizado como um duplo tripleto a d 5,15 (J 7,0 e 1,8 Hz). Além destes sinais foram também observados no espectro de RMN 1H de 8 um multipleto proporcional a um hidrogênio a d 3,56 e um duplo dubleto a d 3,25 (J 19,7 e 7,0 Hz) e no espectro de RMN 13C sinais relativos a dois carbonos metilênicos a d 45,0 e 45,9 e a um metínico a d 45,9. Com base nos dados apresentados, foi possível propor a estrutura 8 para esta substância, a qual se mostrou compatível com as correlações presentes no espectro 1H-1H COSY. Os dados espectrais de 8 apresentaram uma boa correlação com os relatados na literatura para o raro dialdeído ciclopentênico 2-formil-5-(3',4'-dimetoxibenzoilóxi)-3-metil-2-ciclopenteno-1-acetaldeído, o qual havia sido isolado anteriormente apenas de Tabebuia impetiginosa14.

A análise dos dados de RMN 1H e 13C de 9 (Tabela 3) revelou a presença de dois anéis aromáticos do tipo 1,3,4-trissubstituído, caracterizados pelos conjuntos de sinais a d 6,77 (d, J 8,2 Hz), 6,95 (dd, J 8,2 e 1,9 Hz) e 7,05 (d, J 1,9 Hz) [Anel A] e d 6,68 (sl,), 6,67 (d, J 8,3 Hz) e 6,55 (dd, J 8,3 e 1,5 Hz) [Anel B]. Através do experimento HMQC, estes hidrogênios apresentaram correlação com os carbonos representados pelos sinais a d 116,2, 123,2, 115,2, 117,1, 116,3 e 121,4, respectivamente. Também puderam ser observados dois dubletos a d 6,27 e 7,59 (J 15,9 Hz) atribuíveis a hidrogênios olefínicos a e b, respectivamente, de um grupo carbonílico a, b insaturado (dC 168,3), os quais correlacionaram no espectro HMQC com os carbonos a d 114,7 e 148,0, respectivamente. Estes dados, associados às correlações presentes no espectro HMBC entre os hidrogênios e carbonos do anel aromático A e os do grupo carbonila a, b insaturado foram compatíveis com a presença de um resíduo de cafeoíla na estrutura de 9. No espectro de RMN 1H, um tripleto largo a d 2,78 (J 7,2 Hz) e um multipleto entre d 3,68-3,72, correlacionados no espectro HMQC com os sinais de carbonos metilênicos a d 36,6 e 72,3, respectivamente, aliados às correlações existentes no espectro HMBC entre estes grupos e os sinais relativos ao anel aromático B, foram indicativos da presença de um grupo 3,4-diidroxifeniletóxi em 9. A análise dos espectros de RMN 1H e 13C também revelou a existência de dois resíduos de açúcar na estrutura, representados pelo sinal duplo a d 4,37 (J 7,5 Hz) e pelo singleto largo a d 5,17, os quais apresentaram correlações no espectro HMQC com os sinais a d 104,2 e 103,0. Esta informação, aliada aos valores de deslocamento químico e multiplicidades dos demais sinais relativos aos hidrogênios e carbonos dos dois açúcares, às correlações observadas a partir dos experimentos HMQC e HMBC e às informações da literatura17 permitiram identificar os dois resíduos de açúcar como sendo de b-D-glucose e a-L-ramnose. Através das correlações presentes no espectro HMBC associadas a dados de modelos da literatura17, foram definidas as ligações dos grupos 3,4-diidroxifeniletoxila e cafeoíla em C-1' e C-4' do resíduo de glucose, respectivamente, enquanto que a correlação entre o hidrogênio anomérico da ramnose e C-3' da glucose caracterizou a ligação do tipo 1"®3' entre os dois resíduos de açúcar. Assim, a estrutura de 9 foi definida como b-(3,4-diidroxifenil)-etil-O-a-L-ramnopiranosil-(1" ®3')-b-D-(4'-O-cafeoil)-glucopiranosídeo, cujos dados espectrais mostraram-se compatíveis com os da substância denominada verbascosídeo, obtida de Orobanche rapum-genistae (Orobanchaceae) e relatada em espécies de Bignoniaceae, como por exemplo, Barnettia kerri e Markhamia stipulata18. Apesar de já ter sido descrita a ocorrência de glicosídeos feniletanóides em Tabebuia impetiginosa19, trata-se do primeiro relato do isolamento do verbascosídeo de uma espécie de Tabebuia.

Esqualeno (2), sitosterol (13) e sitostenona (14), de ocorrência comum em outras espécies vegetais, foram identificados com base nos respectivos dados espectrais de RMN 1H e 13C, assim como por comparação com amostra autêntica e/ou com os relatados na literatura20.

Ao serem submetidos ao ensaio de atividade antioxidante, através da inibição da oxidação do b-caroteno em placas de CCD, o iridóide 6 apresentou forte atividade, os iridóides 3 e 4 e o verbascosídeo (9) inibiram moderadamente a oxidação do b-caroteno, enquanto que o iridóide 5 apresentou fraca atividade antioxidante. Os demais compostos mostraram-se inativos neste ensaio.

CONCLUSÕES

O estudo químico das cascas do caule de um exemplar de Tabebuia heptaphylla coletado no Pantanal de Mato Grosso do Sul resultou no isolamento de catorze substâncias, compreendendo dois triterpenos, cinco iridóides, um dialdeído ciclopentênico, um glicosídeo feniletanóide, três derivados do ácido benzóico e dois esteróides. Nenhuma destas substâncias, com exceção do esteróide sitosterol, havia sido obtida em estudos anteriores realizados com dois espécimens identificados como T. heptaphylla e coletados em outras localidades. O triterpenóide 3b,6b,21b-triidroxiolean-12-eno (1) é inédito, assim como o iridóide 8a-metil-8b-hidróxi-6b-(3',4'-dimetóxi)benzoilóxi-1 a,3a-dimetóxi-octaidro-ciclopenta[c]pirano (7), sendo que existem poucos relatos sobre a ocorrência de triterpenos em espécies de Tabebuia. O glicosídeo feniletanóide verbascosídeo (9) está sendo descrito pela primeira vez no gênero Tabebuia, enquanto que o dialdeído ciclopentênico 2-formil-5-(3',4'-dimetoxibenzoilóxi)-3-metil-2-ciclopenteno-1-acetaldeído (8) e o iridóide 8a-metil-8b-hidróxi-6b-(4'-hidróxi)benzoilóxi-1 a,3a-dimetóxi-octaidro-ciclopenta[c]pirano (6) foram relatados somente em T. impetiginosa e T. avellanedae, respectivamente. Iridóides que possuem funções acetálicas concomitantes em C-1 e C-3, tais como em 6 e 7, embora encontrados em outras espécies de Bignoniaceae, não são comuns dentre os diversos já obtidos de plantas superiores.

AGRADECIMENTOS

À CAPES e PROPP-UFMS pelo apoio financeiro e bolsa de mestrado (T. S. Mahmoud) e à Dra. R. Farias-Singer (UNICAMP) pela identificação do material botânico.

Recebido em 20/10/06; aceito em 10/4/07; publicado na web em 25/9/07

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Recebido
      20 Out 2006
    • Aceito
      10 Abr 2007
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