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Caracterização das cinzas de incineração de resíduos industriais e de serviços de saúde

Characterization of incineration ashes of industrial and hospital solid waste

Resumo

Three ash samples from an incinerator in Belo Horizonte (Brazil) were physically and chemically characterized. The chemical composition of the ashes was not always the same, neither in terms of the chemical species nor in terms of the quantities of those that are common to the three ashes. The ashes called CF1 and CF3D contain heavy metals above the detection limits of the analytical methods and the zinc concentration is high enough to justify treatment of the ashes. For these ashes, a high loss on ignition was found, indicating that the process of incineration might present failures.

fly ash; bottom ash; waste characterization


fly ash; bottom ash; waste characterization

ARTIGO

Caracterização das cinzas de incineração de resíduos industriais e de serviços de saúde

Characterization of incineration ashes of industrial and hospital solid waste

Maristela Lopes SilvaI, * * e-mail: mlsilva@anp.gov.br ; Liséte Celina LangeII

ICentro de Pesquisas e Análises Tecnológicas, Agência Nacional de Petróleo, SGAN 603, Módulo H, I, J - Asa Norte, 70830-902 Brasília – DF, Brasil

IIDepartamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Contorno, 842, 30110-060 Belo Horizonte – MG, Brasil

ABSTRACT

Three ash samples from an incinerator in Belo Horizonte (Brazil) were physically and chemically characterized. The chemical composition of the ashes was not always the same, neither in terms of the chemical species nor in terms of the quantities of those that are common to the three ashes. The ashes called CF1 and CF3D contain heavy metals above the detection limits of the analytical methods and the zinc concentration is high enough to justify treatment of the ashes. For these ashes, a high loss on ignition was found, indicating that the process of incineration might present failures.

Keywords: fly ash; bottom ash; waste characterization.

INTRODUÇÃO

Os resíduos sólidos industriais (RSI) e os resíduos de serviços de saúde (RSS), devido às suas características tóxicas e/ou patogênicas, constituem um grande problema para a sociedade e para o meio ambiente. O aumento da preocupação mundial com relação a esse tema tem levado várias nações a reverem suas legislações, tendendo essas a se tornarem cada vez mais restritivas. O cerco tem se fechado principalmente em torno dos geradores, que passam a ser responsabilizados pelos resíduos que produzem, sendo obrigados a destiná-los de forma adequada.

Internacionalmente, a incineração tem sido um dos tratamentos preferenciais para os RSI e RSS, sendo utilizada também no caso dos resíduos domésticos. No Brasil, ainda é pouco difundida, devido ao seu custo elevado, sendo os RSI muitas vezes mandados a aterros classe I, enquanto que os RSS são dispostos em celas especiais de aterros sanitários comuns. No entanto, com a diminuição do espaço nacional para construção desses aterros e com o fim da vida útil dos existentes, esta técnica passará a ser uma escolha muito mais viável do que é hoje em dia.

A incineração gera outros resíduos como cinzas de fundo, aquelas que permanecem no fundo da caldeira, e cinzas volantes, materiais coletados pelos equipamentos de controle da poluição atmosférica. Na Europa, as cinzas de fundo são, normalmente, classificadas como resíduos classe II e as cinzas volantes, como classe I. Os principais contaminantes das cinzas volantes são os metais pesados e alguns sais que requerem gerenciamento seguro1, além de compostos orgânicos clorados2. Esses resíduos são em alguns casos dispostos em aterros, mas suas características podem exigir cuidados especiais.

Como alternativa ao aterramento, vem aumentando o interesse na incorporação das cinzas em materiais para aplicações em construção. As cinzas de fundo já foram investigadas quanto ao seu uso potencial como agregado em concreto3,4 e em mistura para asfalto5. Atualmente, a possibilidade de reutilização das cinzas volantes na construção civil também tem sido cogitada6,7, porém, em conseqüência de suas características químicas, com mais cautela.

O uso do processo de solidificação/estabilização em cimento Tem sido estudado como uma opção de tratamento viável para as cinzas de incineração1,8,9. Esta tecnologia é barata e fácil de aplicar, entretanto, cada caso particular deve ser analisado cuidadosamente, pois existem muitos exemplos na literatura de efeitos adversos que algumas misturas podem produzir em matrizes de cimento, que afetam particularmente a imobilização dos resíduos10.

Um ponto que deve ser ressaltado é o fato dos resíduos incinerados no Brasil, resíduos de serviços de saúde e industriais, serem substancialmente diferentes daqueles processados na Europa, onde até mesmo os resíduos domésticos são submetidos a esse tratamento. Tal fato implica na necessidade de se caracterizar as cinzas de fundo da caldeira e as cinzas volantes geradas em território nacional, a fim se conhecer melhor esse resíduo e, dessa maneira, gerenciá-lo de forma correta, optando-se por um tratamento adequado ou até mesmo pelo seu reuso.

Nesta pesquisa, foram caracterizadas física e quimicamente três amostras de cinzas de fundo coletadas em um mesmo incinerador em dias e meses diferentes, sendo iniciado um processo de aquisição de dados, que deve ser continuado.

PARTE EXPERIMENTAL

Coleta

As cinzas de incineração foram coletadas em uma indústria incineradora de Belo Horizonte, onde são incinerados resíduos industriais e de serviços de saúde, utilizando um incinerador de forno fixo que possui uma câmara de combustão primária, cuja temperatura de trabalho é aproximadamente 800 ºC, uma câmara de combustão secundária, que trabalha com temperatura superior à primeira, cerca de 1000 ºC, e um lavador "scrubber", responsável pelo controle de poluição do ar.

Os resíduos de serviços de saúde, por serem em menor volume, são misturados aos resíduos industriais, originando uma cinza de fundo heterogênea misturada a cacos de vidro e embalagens de alumínio. As cinzas volantes captadas no lavador "scrubber" são formadas em pequena quantidade, retornando à câmara primária após um determinado acúmulo.

A amostragem dos resíduos de fundo do incinerador foi efetuada por três vezes, conforme a norma ABNT 1000711. As três amostras, coletadas nos dias 10 e 17 de dezembro de 2004 e 15 de maio de 2005, foram nomeadas CF1, CF2 e CF3, respectivamente. Esse número de coletas deve-se à disponibilidade da indústria que, durante a execução deste trabalho, funcionava abaixo da capacidade de projeto. Outro empecilho para o uso de maior número de amostras foi a dificuldade de manuseio do material. A origem do resíduo incinerado não foi informada, sabe-se apenas que se tratava de resíduos da indústria farmacêutica e materiais hospitalares (agulhas, luvas, papéis etc). Com relação às condições de incineração dos resíduos coletados, a temperatura média da câmara primária era superior a 900 ºC e a da secundária, superior a 1100 ºC.

Pré-tratamento das amostras

As cinzas CF1 e CF3 foram peneiradas em malha grossa para que fossem melhor separados os cacos de vidro, as embalagens plásticas e de alumínio e outros materiais não queimados. CF2 não foi submetida a essa etapa, pois não apresentava esse tipo de material.

Parte da cinza CF1 pós-peneiramento grosso foi separada para realização dos testes físicos: teor de umidade12, massa específica dos grãos12 e perda ao fogo13; o restante foi moído em moinho de bolas Fritsh e peneirado até obtenção de granulometria abaixo de 300 mm. O material obtido por esse processo foi analisado quimicamente para determinação de sua composição elementar (espectrometria de fluorescência de raios-X, XRF e espectrometria de absorção atômica, AAS), das diferentes fases de óxidos (difração de raios-X, XRD) e dos teores de enxofre (analisador elementar)14 e cloreto (análise volumétrica)15, além de ser testado quanto à lixiviação16.

A cinza CF2 teve suas características físicas e químicas analisadas pelos mesmos métodos que CF1. A cinza CF3, após o peneiramento grosso, foi peneirada utilizando-se peneiras de 2; 1,68; 0,850; 0,425; 0,250 mm. A parcela retida na peneira de 2 mm foi descartada por possuir grande quantidade de material não queimado. A parcela que passou pela peneira de 0,250 mm foi nomeada CF3D e analisada quanto às mesmas propriedades físicas, químicas e de lixiviação que CF1. As demais parcelas de CF3, denominadas CF3A, CF3B e CF3C foram analisadas apenas por fluorescência e difração de raios-X.

Caracterização das cinzas

Testes físicos

Foram utilizados os métodos ASTM C2513 e ABNT NBR 650812 para se determinar a perda ao fogo, a umidade e massa específica, respectivamente.

Análises químicas

As análises por difração e por fluorescência de raios-X (XRD e XRF) foram realizadas utilizando-se, respectivamente, um difratômetro PW 3710 e um espectrômetro PW 2400, ambos da Philips. As condições de análise de XRF e XRD são apresentadas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.

Os teores de íons metálicos foram determinados por espectrometria de absorção atômica com chama (F AAS), Perkin-Elmer, modelo AAnalyst 300; as condições de análise são apresentadas na Tabela 3. As cinzas pulverizadas foram mineralizadas, utilizando-se água régia (solução 3:1 de ácido clorídrico e nítrico PA da Merck) e aquecimento em chapa elétrica a 50 ºC, conforme o método NBR 811217.

A determinação de enxofre foi realizada utilizando o analisador de enxofre e carbono modelo LECO CS244 da Leco Corporation, conforme o método UOP864-8914.

O teor de cloreto solúvel foi determinado por titulação com Hg(NO3)2, utilizando solução ácida de difenilcarbazona como indicador15. Massas de aproximadamente 1,0000 g das amostras foram pesadas e a elas foram adicionados 50,0 mL de água deionizada. As misturas obtidas foram filtradas e os resíduos lavados até apresentarem resultado negativo para cloreto ao serem testados com AgNO3. As soluções obtidas foram transferidas para balões volumétricos de 200 mL completados com água deionizada.

Testes de lixiviação

O teste de lixiviação foi realizado conforme a norma ABNT NBR 1000516. Pesou-se uma massa de 100 g das cinzas CF1 e CF3D, em duplicata. A estas amostras foram adicionados 2000 g de solução de ácido acético pH 2,88 ± 0,01. Foi feito também um branco, contendo apenas a solução acética. A solução lixiviante foi escolhida através de teste estabelecido pela NBR 1000516.

A mistura foi submetida a um processo de agitação por 18 h, utilizando-se agitador rotatório capaz de garantir agitação homogênea da mistura. Foram feitas duas filtrações: uma rápida, utilizando pré-filtro faixa preta, e outra a vácuo, utilizando-se membrana filtrante com porosidade entre 0,6 e 0,8 µm. Os íons metálicos presentes nas soluções obtidas foram dosados por absorção atômica pelo mesmo método descrito anteriormente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Testes físicos

Os resultados de massa específica, teor de umidade e perda ao fogo são apresentados na Tabela 4. O teor de umidade obtido nas amostras deve-se principalmente à água utilizada para interromper a combustão dos materiais. Os valores de perda ao fogo das cinzas CF1 e CF3D foram maiores que o esperado, pois o valor médio encontrado por Jeong et al.18, que possuem um banco de dados com resultados de 470 cinzas, foi de 4,4%. Além disso, houve mudança visual das amostras, que de pretas passaram a amarelas. O mesmo não ocorreu com a cinza CF1, cuja perda ao fogo foi cerca de oito vezes a da cinza CF2.

Esses valores de perda ao fogo obviamente não podem ser provenientes da umidade e da presença de compostos orgânicos voláteis adsorvidos na superfície das cinzas, pois são cerca de dez vezes maiores que o teor de umidade. Também não é possível que se devam em grande parte à água de hidratação, pois, na temperatura em que o forno do incinerador opera, a água está em estado de vapor, sendo arrastada com os demais gases de saída. Eles indicam, ao contrário, que o resíduo sofreu uma reação química quando exposto à temperatura de 1000 ºC, o que não condiz com a origem das amostras, que, segundo consta, foram submetidas a temperaturas de 800 a 1000 ºC durante o processo de incineração.

Sabe-se que alguns dos óxidos gerados durante a queima são metaestáveis, sofrendo modificações em seus arranjos cristalinos com a diminuição da temperatura. Nesses casos, no entanto, não há perda de massa e, portanto, as reações metaestáveis não justificam os valores altos de perda ao fogo. Resta pensar em reações de degradação via oxidação térmica, ou seja, os resíduos não queimados no processo de incineração o foram na determinação de perda ao fogo.

A presença de compostos degradáveis, provavelmente orgânicos, nas cinzas de fundo não só é inesperada como também indesejada, uma vez que a incineração é utilizada justamente para decompor essas substâncias através da oxidação térmica. Os resultados de perda ao fogo, e também o fato de ter-se encontrado materiais não queimados em meio cinzas, levam a suspeitar que houve falha no processo e que isso não ocorreu uma única vez, visto que as cinzas CF1 e CF3D foram coletadas em meses diferentes (dezembro de 2004 e maio de 2005, respectivamente).

Análises químicas

A composição elementar e as fases cristalinas determinadas pela fluorescência de raios-X e difração de raios-X, respectivamente, são resumidas na Tabela 5. A cinza CF2 não possui metais pesados tóxicos em níveis que possam ser detectados pelos métodos analíticos utilizados, o que a caracteriza como resíduo classe II. A cinza CF1, bem como as quatro frações de CF3 analisadas apresentaram em sua composição os íons Zn, Cu, Pb e Ni. A presença do elemento Au na composição de CF2, a princípio pode causar dúvidas mas é justificada pelo fato de ser integrante de alguns remédios, tais como os anti-neoplásicos. Kida et al.19 também encontraram esse elemento nas cinzas analisadas.

Nos difratogramas obtidos não foram identificados picos relacionados a compostos de metais pesados, com exceção dos óxidos de Pb e Fe. Tal fato implica que ou os íons de metais pesados presentes em CF1 e CF3 estão em fase amorfa, como também foi verificado por Polettini et al.2, ou os cristais existentes se encontram em concentração muito inferior ao limite de detecção do método utilizado. Esses íons metálicos podem estar na forma de sais inorgânicos impuros ou como compostos organometálicos, uma vez que os resultados de perda ao fogo indicam que a queima foi incompleta. Porém, o que de fato se pode afirmar é que através das análises realizadas não foi possível identificar a composição das cinzas.

É importante observar as semelhanças entre as cinzas CF1 e CF3, cujas maiores diferenças estão relacionadas principalmente aos teores de cada componente. Isso já era esperado uma vez que se trata de cinzas oriundas de um mesmo incinerador e que os resíduos incinerados tinham origens semelhantes.

As diferentes frações de CF3 apresentaram mesma composição elementar e, muito embora se pense que os teores de íons metálicos em cada fração sejam diferentes, por questões financeiras apenas a fração CF3D teve os teores desses íons quantificados, pois, com base na literatura20,21, pensou-se que nessa fração o teor de íons metálicos seria maior.

Os teores de íons de fósforo, enxofre, carbono e de cloreto solúvel em água encontram-se na Tabela 6. Nem todos os íons dos metais comprovados pela fluorescência de raios-X foram determinados. Nota-se que, em relação aos elementos quantificados, existem diferenças consideráveis entre as cinzas analisadas, principalmente quanto aos teores de Cl-, C, Cu, Zn e Pb. Os valores encontrados para CF3 e CF1 são de mesma ordem de grandeza, no entanto, os teores para CF3 foram maiores que para CF1, com exceção dos de Mg e C. Nestas amostras de cinza, o Zn foi o íon metálico predominante.

A composição das cinzas, calculada considerando-se que os íons metálicos, o enxofre e o fósforo estão presentes na forma dos seus óxidos mais comuns, é mostrada na Tabela 7. O teor de óxido de silício apresentado na tabela foi calculado subtraindo-se de 100 a soma das porcentagens de todos os outros óxidos, de cloreto e de perda ao fogo (o teor de carbono e a umidade estão incluíndo nesse valor). Infelizmente, como não foi possível determinar a concentração de alumínio, o óxido de alumínio não foi considerado.

Os óxidos de silício e cálcio predominam em relação aos demais; resultado semelhante foi observado por Filipponi et al.22. No entanto, os resultados aqui encontrados são superiores aos obtidos pelos autores (SiO2: 41,13 - 59,62% e CaO: 12,22 - 19,77%).

Testes de lixiviação (norma ABNT NBR 10005)

Os teores de íons metálicos encontrados nos extratos de lixiviação das cinzas CF1 e CF3D, bem como os limites estabelecidos pela NBR 1000423 para Cr e Pb, são mostrados na Tabela 8. Essa norma não apresenta limites para todos os íons metálicos considerados nessa pesquisa, sendo assim, esse trabalho foi pautado no padrão de potabilidade da água estabelecido pela Portaria MS nº 518/04 do Ministério da Saúde24. A escolha deve-se ao fato dos teores estabelecidos pela atual portaria serem os mais restritivos, uma vez que se referem à saúde pública. São mencionados também na Tabela 8 os limites estabelecidos pela legislação italiana25, os quais contemplam Cu, Ni, Zn, Pb, sendo os valores máximos permitidos muitos menores que os do Brasil.

Observa-se que os teores de Cr e Pb nos extratos das cinzas CF1 e CF3D estão abaixo dos valores máximos estabelecidos pela NBR 1000423, o que as caracteriza como resíduos classe II. Levando-se em conta a Portaria MS nº 518/04, as concentrações de Zn nos extratos das cinzas CF1 e CF3D estão acima do padrão de potabilidade de água.

Segundo os padrões italianos, as cinzas CF1 e CF3D seriam classificadas como resíduos perigosos, pois os valores de Zn em ambas e de Cu em CF3D ultrapassam os limites estabelecidos.

Outro aspecto que merece destaque é o pH final dos extratos de lixiviação. Apesar de se terem utilizado soluções acéticas de mesmo pH (2,88) nos teste de lixiviação das duas cinzas, o pH final de CF3D foi maior que o de CF1. Isso significa que a capacidade de neutralização ácida dos dois materiais é diferente, o que pode ser explicado pelos teores de álcalis em CF3D serem maiores que em CF1.

A concentração de alguns íons metálicos no extrato de lixiviação não depende apenas do pH final do extrato, mas também das quantidades de íons presentes no resíduo analisado e da forma química como eles se encontram19. A presença de substâncias que possam influenciar no pH final do extrato, ou reagir com outras substâncias do resíduo quando em solução, deve ser considerada ao se analisar os resultados do teste de lixiviação. Da mesma forma, pode-se utilizar o pH final do extrato, em associação com a concentração de alguns íons metálicos, como um dado importante na inferência da composição química do resíduo.

A Tabela 9 traz resultados comparativos entre a concentração de alguns íons metálicos liberados no teste de lixiviação e os teores existentes nas quantidades de cinzas utilizadas. Com isso, visa-se comparar os resultados das duas cinzas, levando-se em conta as diferenças que elas apresentam em termos de teor de íons metálicos. No caso em que as concentrações dos íons metálicos no lixiviado se encontraram abaixo dos limites de detecção do método (na Tabela 8, os resultados abaixo desse limite são apresentados com o sinal < antes do valor), considerou-se, para efeito de cálculo, que o teor verificado foi igual a esse limite.

O resultado que mais se destaca com essa comparação é o do Ca. Dentre os íons analisados, foi o que apresentou maior porcentagem nas cinzas, no entanto, a razão lixiviado/cinza (L/C) para CF1 e CF3D foi 0,2 e 0, respectivamente. Isso indica a presença de compostos de baixa solubilidade em pH entre 5,9-7,0; enquadram-se nessa faixa o carbonato de Ca, cuja solubilidade é pequena em pH menor que 8, e o fosfato de cálcio, insolúvel em pH menor que 616. Esse resultado confirma o da difração de raios-X, que indicou a presença de CaCO3.

Nota-se ainda que CF3D libera maior quantidade de Cu, Fe, Mn, Mg que CF1, a qual libera maior quantidade de Zn. As razões L/C encontradas foram no geral muito baixas, indicando que os compostos presentes nas cinzas estudadas são pouco solúveis na faixa de pH 5,9-7,0. Infelizmente, não foi possível inferir as possíveis formas químicas em que esses metais se apresentam nos resíduos estudados. Para tanto, seriam necessárias outras análises, como, por exemplo, a espectroscopia de infravermelho e a microscopia eletrônica de varredura acoplada à fluorescência de raios X por energia dispersiva.

CONCLUSÕES

Com esta pesquisa, iniciou-se um trabalho que deve ser estendido e aprimorado para que se possa conhecer melhor os resíduos de incineração brasileiros e encontrar um tratamento e/ou utilização adequada para eles.

As cinzas estudadas foram caracterizadas física e quimicamente e, muito embora não seja possível extrapolar os resultados, algumas conclusões importantes nasceram delas.

Apesar de não fazer parte dos objetivos específicos dessa pesquisa avaliar o processo de incineração, percebeu-se que ele apresentou falhas que se refletiram no aspecto visual das cinzas CF1 e CF3, pois foram encontrados materiais não queimados em meio às cinzas, e nos teores de perda ao fogo (CF1 igual a 46,5% e CF3D, 37%) e carbono (CF1 28% e CF3D 17%), que indicam matéria orgânica termicamente degradável. Esses resultados, no entanto, não se repetiram no caso da cinza CF2 (perda ao fogo igual a 5,7% e teor de carbono 0,26%), o que leva a concluir que as condições de processo não são sempre as mesmas e que os resíduos gerados não estão sendo devidamente monitorados.

As amostras CF1 e CF3D são muito parecidas quimicamente, sendo compostas pelas mesmas substâncias cristalinas (halita, quartzo e carbonato de cálcio, por exemplo) e possuem os mesmo elementos, dentre eles os íons de metais pesados Pb, Ni, Cr, Cu, Zn. Porém, existem diferenças quantitativas entre elas. A cinza CF2 é completamente diferente das outras duas, tanto qualitativa como quantitativamente, não sendo possível inferir a origem dessas diferenças, uma vez que não foram fornecidos dados específicos sobre os resíduos que foram incinerados e que as condições de queima certamente não foram as mesmas.

Considerando-se apenas os íons de metais pesados, as cinzas analisadas seriam classificadas, de acordo com a legislação brasileira, como resíduo classe II, pois os testes de lixiviação para esses elementos apresentaram valores abaixo daqueles estabelecidos pela NBR 1000423, como pode ser visto na Tabela 5. Mas, conforme a legislação italiana, tomada como referência por ser mais restritiva que a brasileira, CF1 e CF3D seriam classificadas como resíduos perigosos, devido ao alto teor de Zn no extrato do lixiviado.

Recebido em 1/9/06; aceito em 19/7/07; publicado na web 19/12/07

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2009
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      19 Jul 2007
    • Recebido
      01 Set 2006
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