Acessibilidade / Reportar erro

Obtenção de filmes finos de TiO2 nanoestruturado pelo método dos precursores poliméricos

Nanostructured TiO2 thin films by polymeric precursor method

Resumo

This work focuses in optimizing setup for obtaining TiO2 thin films by polymeric precursor route due to its advantages on stoichiometric and morphological control. Precursor stoichiometry, synthesis pH, solids concentration and rotation speed at deposition were optimized evaluating thin films morphology and thickness. Thermogravimetry and RMN were applied for precursor's characterization and AFM, XRD and ellipsometry for thin films evaluation. Results showed successful attainment of homogeneous nanocrystalline anatase TiO2 thin films with outstanding control over morphological characteristics, mean grain size of 17 nm, packing densities between 57 and 75%, estimated surface areas of 90 m²/g and monolayers thickness within 20 and 128 nm.

titanium dioxide; thin films; polymeric precursor


titanium dioxide; thin films; polymeric precursor

ARTIGO

Obtenção de filmes finos de TiO2 nanoestruturado pelo método dos precursores poliméricos

Nanostructured TiO2 thin films by polymeric precursor method

Daniel Grando StroppaI,* * e-mail: dstroppa@lnls.br ; Tania Regina GiraldiI; Edson Roberto Leite; José Arana VarelaII; Elson LongoII

IDepartamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, Rod. Washington Luiz, km 235, 13565-905 São Carlos - SP, Brasil

IIInstituto de Química de Araraquara, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rua Prof. Francisco Degni, s/n, 14801-970 Araraquara - SP, Brasil

ABSTRACT

This work focuses in optimizing setup for obtaining TiO2 thin films by polymeric precursor route due to its advantages on stoichiometric and morphological control. Precursor stoichiometry, synthesis pH, solids concentration and rotation speed at deposition were optimized evaluating thin films morphology and thickness. Thermogravimetry and RMN were applied for precursor's characterization and AFM, XRD and ellipsometry for thin films evaluation. Results showed successful attainment of homogeneous nanocrystalline anatase TiO2 thin films with outstanding control over morphological characteristics, mean grain size of 17 nm, packing densities between 57 and 75%, estimated surface areas of 90 m2/g and monolayers thickness within 20 and 128 nm.

Keywords: titanium dioxide; thin films; polymeric precursor.

INTRODUÇÃO

O TiO2 é um semicondutor do tipo n estudado tanto dopado1,2 quanto puro,3 especialmente quando apresenta estrutura cristalina do tipo anatase, dada a variedade de possíveis aplicações, como sensores de gases, guias de onda, células solares, entre outros. Filmes deste óxido são componentes da Dye-sensitized solar cell (DSSC),4 um modelo de célula solar que vem sendo intensivamente estudado e otimizado desde 1991.5-8 Com o intuito da utilização em escala industrial, as características dos componentes das DSSCs têm sido investigadas, sendo o foco deste estudo a obtenção de filmes finos de TiO2 com morfologia adequada para a aplicação e com alto grau de controle da espessura e do fator de empacotamento.

O princípio de funcionamento das DSSCs e as reações químicas envolvidas no processo foram expostos detalhadamente por Grätzel et al..9 O cátodo desta célula é um filme transparente e poroso de óxido nanocristalino com espessura na ordem de 10 µm, usualmente TiO2, depositado em substrato de FTO (F-doped SnO2). Segundo a literatura, tais filmes podem ser obtidos a partir de diversos métodos, como sol-gel,10,11sputtering12 ou por compressão de partículas.13 No entanto, tais métodos de deposição de filmes de TiO2 apresentam restrições quanto à aplicabilidade em larga escala por apresentarem dificuldades no controle da composição química ou por serem complexos e de elevado custo. Neste contexto, tem-se como objetivo deste trabalho a obtenção de filmes finos de TiO2 pelo método dos precursores poliméricos, que é atualmente aplicado com sucesso na obtenção de uma variedade de filmes finos,14-16 devido à sua simplicidade operacional e ao reduzido custo quando comparado aos métodos comumente utilizados, além de possibilitar um bom controle da estequiometria a nível molecular e das características morfológicas finais do filme. Para a otimização do processo de obtenção destes filmes foi avaliada a variação das características finais dos mesmos, em especial espessura e porosidade, em função de algumas variáveis definidas na rota de síntese da resina precursora e no processo de deposição.

PARTE EXPERIMENTAL

O método dos precursores poliméricos consiste na formação de uma cadeia polimérica, com os metais complexados em sítios ativos. A formação de tal cadeia ocorre primeiramente pela reação de um precursor do íon metálico com um agente complexante, sendo utilizados o isopropóxido de titânio (Alfa Aesar, 97%) e o ácido cítrico (Merck, 99.5%). Sendo os íons metálicos complexados nos sítios ativos do ácido cítrico, forma-se um citrato metálico, no caso, o citrato de titânio. Por fim, as moléculas de citrato de titânio são polimerizadas com a adição de um agente polimerizante, sendo utilizado o etilenoglicol (J.T.Baker 99.9%). A metodologia acima descrita é baseada nos resultados obtidos por Lisboa-Filho et al.17

Com o intuito de verificar a influência dos parâmetros da síntese da resina precursora nas características finais dos filmes foram definidas algumas variáveis. A primeira refere-se à proporção molar entre ácido cítrico:titânio (AC:Ti), sendo utilizadas as razões 2:1 e 3:1. A segunda refere-se ao pH de síntese das resinas, ajustado em 1 e 4 pela adição de NH4OH (Synth, teor de NH3 28-30%). A terceira variável estudada refere-se à concentração de sólidos das resinas, determinada pela proporção entre a massa de óxido obtida após a calcinação e a massa de resina calcinada, sendo esta controlada por processos de diluição das resinas com água destilada. A partir das resinas obtidas foram depositadas monocamadas de filme sobre substratos de silício (100) por spin-coating. Os substratos foram previamente limpos por imersão em solução de sulfocrômica sob agitação ultrassônica, sendo em seguida lavados com água destilada. A velocidade de rotação na deposição por spin-coating foi a quarta terceira variável estudada, sendo utilizados valores entre 3800 e 7800 rpm com tempo de rotação fixado em 30 s. Após a deposição, as soluções foram evaporadas em placa aquecida (~150 ºC) e submetidas a um tratamento térmico de dois estágios. No primeiro, os filmes foram aquecidos a 300 ºC com taxa de aquecimento de 1 ºC/min e duração de patamar de 4 h, visando a eliminação do material orgânico da resina precursora. No segundo estágio, os filmes foram aquecidos a 450 ºC por 2 h com taxa de aquecimento de 3 ºC/min, sendo obtidos filmes de TiO2 cristalino com fase anatase.

Caracterizações das soluções precursoras

A avaliação da formação do citrato de titânio em função do pH de síntese foi realizada por meio de medidas de ressonância magnética nuclear (RMN) (Bruker, modelo DRX 400, 400 MHz), utilizando-se um tubo capilar com D2O/TSPd4 para calibração do campo dos espectros de 13C.

A avaliação da concentração de sólidos das resinas utilizadas foi realizada por meio de gravimetria simples, com temperatura final de 1000 ºC.

Caracterizações dos filmes

Microscopia de força atômica (MFA) (Digital Instruments-Nanoscope III-A) foi utilizada para a avaliação topográfica das amostras, auxiliando na obtenção de informações morfológicas, como tamanho de grão e rugosidade superficial dos filmes obtidos. Os valores de diâmetro médio de grão e de diâmetro médio de poro foram obtidos por meio da avaliação de contraste digital das imagens tratadas pelo software Nanoscope®, sendo avaliados histogramas com aproximadamente 50 grãos escolhidos aleatoriamente para cada configuração de síntese e deposição.

A fim de estudar a cristalinidade e as características microestruturais, os filmes foram caracterizados por difração de raios X (DRX) (Rigaku DMax 2500 PC, variação de ângulo 5-75, 40 kV e 150 mA, 1 º/min)

A espessura dos filmes foi analisada por elipsometria (Rudolph Auto EL), sendo a densidade de empacotamento calculada pelo método proposto por Peng et al..18 Foi utilizado como referência o valor 2.488, índice de refração característico do TiO2 com estrutura cristalina anatase.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Medidas de MFA possibilitaram a análise da superfície dos filmes obtidos, sendo verificados tamanho e formato de grãos e a rugosidade superficial dos filmes.

A Figura 1 ilustra imagem de MFA da superfície do filme de TiO2. O filme analisado foi obtido a partir da solução de relação molar 3:1 (AC:Ti), com concentração de sólidos 2,0% em massa avaliada por meio de gravimetria simples, com velocidade de rotação 3800 rpm. A avaliação por MFA dos demais filmes estudados neste trabalho apresentou características morfológicas semelhantes ao ilustrado na Figura 1.


Observam-se na Figura 1 grãos esféricos com diâmetro médio aproximado de 17 nm. A rugosidade dos filmes teve valor médio 0,8 nm, indicando um alto grau de homogeneidade na deposição. Observa-se também grande quantidade de poros de diâmetro médio aproximado de 15 nm.

Uma estimativa da área superficial dos filmes obtidos pode ser feita a partir da relação entre a área superficial e o volume para partículas esféricas, dada pela Equação 1:

sendo As a área superficial, ρ a densidade do TiO2 em fase anatase e D o diâmetro médio dos grãos. Tal relação indica que os filmes obtidos apresentam valores de área superficial da ordem de 90 m2/g.

A Figura 2 ilustra a evolução da espessura dos filmes em função da velocidade de rotação de deposição.


Observa-se na Figura 2 que os filmes com menor relação AC:Ti (2:1) apresentam espessura entre 77 e 128 nm, enquanto filmes com relação ácido cítrico:titânio (3:1) apresentam espessura entre 19 e 45 nm. Tal diferença é justificada pela diferença entre a quantidade de matéria orgânica eliminada durante o tratamento térmico. Além disto, verifica-se que o aumento da velocidade de rotação implica na diminuição da espessura dos filmes obtidos, devido ao maior espalhamento da solução sobre o substrato. Observa-se, contudo, que o sistema atinge o limite de espalhamento para velocidades de rotação em torno de 5800 rpm, visto que a espessura se mantém constante com o aumento da velocidade de rotação após este limite.

A Figura 3 ilustra a densidade de empacotamento em função da velocidade de rotação dos filmes.


Observa-se na Figura 3 que os filmes obtidos a partir da solução com pH 4 apresentam densidade de empacotamento entre 65 e 75%, enquanto os filmes obtidos com solução de pH 1 e com relação AC:Ti 3:1 apresentam densidade de empacotamento em torno de 60%. No entanto, verifica-se que não houve variação significativa na densidade de empacotamento com o aumento da velocidade de rotação.

A Figura 4 ilustra a evolução da densidade de empacotamento em função da concentração de TiO2 na solução de deposição.


Observa-se que a concentração de sólidos não exerce influência significativa sobre na densidade de empacotamento dos filmes. No entanto, com o aumento do pH de síntese verificou-se o aumento da densidade de empacotamento.

A fim de verificar a influência do pH na complexação do Ti pelo ácido cítrico, fator este que pode justificar o maior empacotamento dos filmes obtidos a partir da resina com pH 4, foram realizadas medidas de RMN, cujos resultados são sumarizados na Figura 5.


A Figura 5 compara espectros de RMN 13C do ácido cítrico puro (5a), solução de citrato de titânio com pH 1 (5b) e solução de citrato de titânio com pH 4 (5c). Observa-se a presença de picos extras nas soluções de citrato de titânio em relação ao ácido cítrico puro, indicando a complexação entre titânio e ácido cítrico. A correlação entre os picos observados na Figura 5 com os carbonos do ácido cítrico é ilustrada na Figura 6.


Pela análise do espectro de RMN apresentado na Figura 5 em relação à estrutura do ácido cítrico apresentada na Figura 6 infere-se a forte tendência de complexação dos íons metálicos com os grupos hidroxil e carboxil do ácido cítrico, segundo o deslocamento dos picos Cb e Cd, respectivamente. Esta estrutura do citrato de titânio é similar ao modelo proposto por De Jesus,19 no qual o titânio é complexado por desprotonação dos grupos carboxil e hidroxil. A presença do pico Cb' e a maior intensidade relativa do pico Cd' no citrato complexado em pH 4 comprovam uma maior eficiência na complexação do titânio em relação à solução de ácido cítrico complexada em pH 1, justificando o maior fator de empacotamento observado nos filmes obtidos.

CONCLUSÃO

Os resultados da caracterização morfológica indicam que os filmes finos de TiO2 obtidos apresentam microestrutura adequada para aplicação em DSSCs quando comparados aos utilizados nos estudos pioneiros de Grätzel8 por apresentarem baixa rugosidade, alta porosidade e grãos nanométricos, assim configurando um sistema de área superficial otimizada. Contudo, as monocamadas depositadas apresentaram espessura máxima de 128 nm devido à ocorrência de fraturas para configurações com maior quantidade de resina depositada, fato justificado pela ocorrência de maiores tensões durante o tratamento térmico, conforme discutido por Zanetti et al..20

A configuração ótima para aplicações catalíticas em função das variáveis avaliadas é dada pela relação molar 2:1 de AC:Ti e pelo pH de síntese ajustado em 1, sendo possível a obtenção de filmes com maior espessura e menor fator de empacotamento, resultando assim áreas superficiais disponíveis para atividades catalíticas mais extensas.

Com base nos resultados obtidos conclui-se que é possível um bom controle da espessura e morfologia de filmes finos de TiO2 pelo método dos precursores poliméricos, indicando a possibilidade da obtenção de filmes finos de TiO2 nanocristalino por um método simples e de baixo custo.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP e ao CNPq pelo apoio financeiro.

Recebido em 30/10/07; aceito em 24/4/08; publicado na web em 19/9/08

  • 1. Souza, V. C.; Oliveira, M. M.; Orlandi, M.; Leite, E. R.; Longo, E.; J. Mater. Sci.: Mater. Electron. 2006, 17, 79.
  • 2. Azorín-Vega, J. C.; Azorín-Nieto, J.; García-Hipólito, M.; Rivera-Montalvo, T.; Radiat. Meas. 2007, 42, 613.
  • 3. Ayon, A. A.; Cantu, M.; Chava, K.; Agrawa, C. M.; Feldman, M. D.; Johnson, D.; Patel, D.; Marton, D.; Shi, E.; Biomed. Mater. 2006, 1, L11.
  • 4. Peter, L. M.; Duffy, N. W.; Wang, R. L.; Wijayantha, K. G. U.; J. Electroanal. Chem. 2002, 524-525, 127.
  • 5. Kalyanasundaram, K.; Grätzel, M.; Coord. Chem. Rev. 1998, 177, 347.
  • 6. Wang, Q.; Ito, S.; Grätzel, M.; Fabregat-Santiago, F.; Mora-Seró, I.; Bisquert, J.; Bessho, T.; Imai, H.; J. Phys. Chem. B 2006, 110, 25210.
  • 7. Hagfeldt, A.; Grätzel, M.; Acc. Chem. Res. 2000, 33, 269.
  • 8. Nazeeruddin, M. K.; Pechy, P.; Renouard, T.; Zakeeruddin, S. M.; Humphry-Baker, R.; Comte, P.; Liska, P.; Cevey, L.; Costa, E.; Shklover, V.; Spiccia, L.; Deacon, G. B.; Bignozzi, C. A.; Grätzel, M.; J.Am. Chem. Soc. 2001, 123, 1613.
  • 9. O'Reagan, B.; Gratzel, M.; Nature 1991, 353, 737.
  • 10. Barbe, C. J.; Arendse, F.; Comte, P.; Jirousek, M.; Lenzmann, F.; Shklover, V.; Grätzel, M.; J. Am. Ceram. Soc. 1997, 80, 3157.
  • 11. Yanagida, S.; Kambe, S.; Kubo, W.; Murakoshi, K.; Wada, Y.; Kitamura, T.; J. Phys. Chem. Part I 1999, 212, 31.
  • 12. Gómez, M.; Magnusson, E.; Olsson, E.; Hagfeldt, A.; Lindquist, S. E.; Granqvist, C. G.; Sol. Energy Mater. Sol. Cells 2000, 62, 259.
  • 13. Lindström, H.; Holmberg, A.; Magnusson, E.; Lindquist, S.; Malmqvist, L.; Hagfeldt, A.; Nano Lett. 2001, 1-2, 97.
  • 14. Pontes, F. M.; Leite, E. R.; Mambrini, G. P.; Appl. Phys. Lett. 2004, 84, 248.
  • 15. Zanetti, S. M.; Duclere, J. R.; Guilloux-Viry, M.; Bouquet, V.; Leite, E. R.; Longo, E.; Varela, J. A.; Perrin, A.; J. Eur. Ceram. Soc. 2001, 21, 2199.
  • 16. Giraldi, T. R.; Escote, M. T.; Bernardi, M. I. B.; Bouquet, V.; Leite, E. R.; Longo, E.; Varela, J. A.; Journal of Electroceramics 2004, 13, 159.
  • 17. Lisboa-Filho, P. N.; Zenatti, A.; Casali, G. M.; Paskocimas, C. A.; Ortiz, W. A.; Leite, E. R.; Longo, E.; J. Sol-Gel Sci. Technol. 2002, 24, 241.
  • 18. Peng, C. H.; Desu, S. B.; J. Am. Ceram. Soc. 1994, 77, 929.
  • 19. De Jesus, J. D. P. Em Comprehensive Coordination Chemistry, 2, Wilkinson, G.; Gillard, R. D.; McCleverty, J. A., eds.; Pergamon Press Tarrytown, 1987, p. 461.
  • 20. Zanetti, S. M.; Leite, E. R.; Longo, E.; Varela, J. A.; Appl. Organomet. Chem. 1999, 13, 373.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      24 Abr 2008
    • Recebido
      30 Out 2007
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br