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Obtenção e caracterização de α-quitina e quitosanas de cascas de Macrobrachium rosembergii

Preparation and characterization of α-chitin and chitosan from the shells of Macrobrachium rosembergii

Resumo

The shells of Macrobrachium rosenbergii were submitted to deproteinization (Dp) and demineralization (Dm) aiming the extraction of α-chitin. The different parts of the shells were processed independently by carrying out sequence 1 (Dp/Dm) and sequence 2 (Dm/Dp). Both sequences allowed the extraction of chitins with low contents of calcium and magnesium, regardless of the part being processed. The sequence 1 lead to higher extraction yields while sequence 2 resulted in lower contents of inorganic compounds. Extensively deacetylated chitosans (GA<10%) of medium molecular weight (0,9 x 10(5) < Mv < 2 x 10(5) g/mol) resulted from the deacetylation of chitin.

biomass; chitin; chitosan


biomass; chitin; chitosan

ARTIGO

Obtenção e caracterização de α -quitina e quitosanas de cascas de Macrobrachium rosembergii

Preparation and characterization of α-chitin and chitosan from the shells of Macrobrachium rosembergii

Marcos Valério Battisti* * e-mail: mvbtt@iqsc.usp.br ; Sergio P. Campana-Filho

Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador são-carlense, 400, 13566-590 São Carlos - SP, Brasil

ABSTRACT

The shells of Macrobrachium rosenbergii were submitted to deproteinization (Dp) and demineralization (Dm) aiming the extraction of α-chitin. The different parts of the shells were processed independently by carrying out sequence 1 (Dp/Dm) and sequence 2 (Dm/Dp). Both sequences allowed the extraction of chitins with low contents of calcium and magnesium, regardless of the part being processed. The sequence 1 lead to higher extraction yields while sequence 2 resulted in lower contents of inorganic compounds. Extensively deacetylated chitosans (GA<10%) of medium molecular weight (0,9 x 105 < Mv < 2 x 105 g/mol) resulted from the deacetylation of chitin.

Keywords: biomass; chitin; chitosan.

INTRODUÇÃO

A quitina constitui os exoesqueletos dos animais marinhos juntamente com CaCO3, proteínas, lipídios e pigmentos.1-3 É um polissacarídeo de cadeia linear constituída, quase que exclusivamente, por unidades 2-acetamido-2-desoxi-D-glicopiranose unidas por ligações β(1→4)(Figura 1),3,4 sendo considerada a segunda substância mais abundante na biomassa e, com a vantagem de apresentar taxa de reposição duas vezes maior que a celulose.5 Quanto à orientação das suas cadeias, a quitina pode ser encontrada em três diferentes formas: α, β, γ-quitina. A α-quitina, que possui cadeias antiparalelas, é a mais abundante na natureza, sendo encontrada nas estruturas rígidas como as carapaças de camarões e caranguejos, e apresenta grau de cristalinidade acima de 85%.5 A β-quitina, que possui cadeias paralelas, é encontrada em estruturas menos rígidas, mas resistentes, apresentando grau de cristalinidade de aproximadamente 72%.5 É encontrada no esqueleto calcáreo de alguns animais marinhos (Thalassiosira fluviatilis, por exemplo), que é uma estrutura rígida, ou onde uma certa flexibilidade é necessária, como nos gládios dos cefalópodes.6,7 A -quitina possui cadeias paralelas e antiparalelas e pode ser encontrada nos casulos dos insetos1 e ainda não é muito conhecida.


Em geral, o processo de extração da α-quitina a partir das cascas dos camarões e caranguejos compreende três etapas de tratamento, sendo elas a desmineralização, a desproteinização e a despigmentação. Em função das condições empregadas nesses tratamentos as características das quitinas obtidas, tais como pureza, cristalinidade,8 são fortemente afetadas.

Embora os fornecedores de quitina comercial geralmente discriminem de maneira genérica a fonte natural usada para extrair o polissacarídeo, não mencionam se utilizaram apenas cascas e carapaças ou se outras partes dos exoesqueletos dos crustáceos foram empregadas. Além disso, pouca ou nenhuma informação detalhada é fornecida relativamente aos processamentos das matérias-primas, seqüência de etapas e condições empregadas em cada uma delas. Dessa maneira, as características e a reatividade da quitina comercial podem variar, sendo comum encontrar resultados não reprodutíveis, mesmo quando gerados a partir da mesma matéria-prima. Por isso, neste trabalho as cascas de M.rosembergii foram tratadas através de duas seqüências, ou seja, desproteinização, desmineralização e posterior despigmentação (Seqüência 1) e, desmineralização, desproteinização e posterior despigmentação (Seqüência 2). Além disso, as cascas foram separadas em três partes, cefalotórax, abdômen e quelípodos (pinças) para a extração de amostras de quitinas, as quais foram comparadas com produtos comerciais no que se refere, principalmente, aos teores de metais remanescentes. Em seguida, as quitinas obtidas das diversas partes de M. rosenbergii foram desacetiladas e convertidas em quitosana.

A quitosana é um dos principais derivados de quitina, correspondendo a um copolímero constituído de unidades 2-acetamido-2-desoxi-D-glicopiranose (GlcNAc) e 2-amino-2-desoxi-D-glicopiranose (GlcN) unidas pelo mesmo tipo de ligação glicosídica presente em quitina, com predomínio do segundo tipo de unidade9-11 (Figura 1).

O termo quitosana é empregado para identificar as quitinas desacetiladas que possuam grau médio de acetilação menor ou igual a 50%9,10 e que sejam solúveis em soluções aquosas diluídas de ácidos,12 tais como ácidos acético e clorídrico, enquanto que quitina corresponde a produtos muito mais acetilados e insolúveis na maioria dos solventes testados. A solubilidade apresentada pela quitosana é atribuída à presença de grupos amino na sua estrutura, os quais são protonados em meio ácido,10 resultando em cargas positivas distribuídas ao longo de suas cadeias e conferindo a hidrossolubilidade ao polissacarídeo. Além da presença de um número suficiente de grupos amino, a sua distribuição ao longo das cadeias também afeta a solubilidade das quitosanas.9

Tipicamente, a conversão de quitina em quitosana é realizada pelo tratamento com solução de hidróxido de sódio ou potássio (40-50%) usualmente a 100 ºC ou mais para hidrolisar alguns ou a maioria dos grupos acetamida do polímero.10,11 Nessas condições tornam-se necessárias algumas precauções para evitar significativa despolimerização.8 Também, o tratamento de desmineralização da biomassa para a extração da quitina afeta substancialmente a viscosidade da quitosana, assim como a temperatura e o tempo de desacetilação. Outros fatores que afetam as características da quitosana são a proporção quitina/solução alcalina e a atmosfera reacional, sendo que a presença de oxigênio resulta na degradação da cadeia polimérica.8

As quitosanas obtidas do M.rosenbergii foram comparadas com as amostras comerciais disponíveis e analisadas quanto à viscosidade intrínseca ([η]), grau médio de acetilação () e teores de metais remanescentes.

PARTE EXPERIMENTAL

Extração da quitina

A quitina foi extraída de exoesqueletos de M. rosenbergii através de duas seqüências distintas. Assim, na seqüência 1 (Esquema 1) as cascas foram desproteinizadas e em seguida desmineralizadas, enquanto que na seqüência 2 a ordem de execução dessas etapas foi invertida. As quitinas obtidas dos cefalotórax, abdômens e quelípodos empregando as seqüências 1 e 2 foram denominadas Qtc1 e Qtc2, Qta1 e Qta2, Qtq1 e Qtq2, respectivamente. As quitinas adquiridas da Fluka e da Polymar foram denominadas QtF e QtP.


Desproteinização

As cascas retiradas das diferentes partes do animal foram tratadas separadamente. Sendo assim, 60 g de cefalotórax (ou abdômens ou quelípodos) foram adicionados a 600 mL de solução aquosa 15% de NaOH e a suspensão resultante foi mantida sob agitação constante por 3 h a 338 K. Após essa etapa, as cascas foram filtradas e submetidas à extração com água em sistema Soxlet até que a água residual atingisse a neutralidade. Depois, o material foi seco em estufa de circulação de ar por 12 h a 303 K.

Desmineralização

As cascas foram transferidas para um béquer de 1,8 L e tratadas com 1,1 L de HCl 1 M, sob agitação constante, por um período de 2 h, a 298-300 K. O material sólido resultante deste tratamento foi filtrado, lavado com água destilada até que as águas de lavagem atingissem a neutralidade. Depois, o material foi seco em estufa de circulação de ar por 12 h a 303 K.

Lavagem com etanol

A quitina obtida foi lavada por 2 dias num sistema Soxlet com etanol anidro para a retirada de pigmentos.

Desacetilação de quitina

Para a obtenção das quitosanas foram desacetiladas as quitinas obtidas das diferentes partes de M. rosembergii e as quitinas comerciais, na presença e na ausência de NaBH4. As amostras de quitosana obtidas por desacetilação das quitinas obtidas dos cefalotórax, abdômens e quelípodos nas seqüências 1 e 2 foram denominadas Qc1 e Qc2, Qa1 e Qa2, Qq1 e Qq2, respectivamente. As quitosanas obtidas na desacetilação das quitinas comerciais Fluka e Polymar foram denominadas QF e QP.

Tipicamente, 5 g de quitina foram suspensos em 220 mL de solução aquosa de NaOH 40% e mantidos sob agitação mecânica a 350 rpm, por 6 h a temperatura de 388 K, em reator de vidro (Figura 2). Após esse período, o meio reacional foi filtrado e o sólido lavado com água até a neutralidade. Em seguida a quitosana obtida foi lavada com 30 mL de metanol e seca a temperatura ambiente.


Purificação das quitosanas14

Cerca de 1,0 g de quitosana foi adicionado em 300 mL de ácido acético (1%), e a suspensão foi mantida sob agitação constante por 24 h à temperatura ambiente. Após este período a solução resultante foi filtrada sob pressão positiva usando seqüencialmente membranas com retenção 5,0; 0,8 e 0,45 µm. A solução filtrada foi então neutralizada com NH4OH concentrado para a precipitação da quitosana. Em seguida, a suspensão foi transferida para tubos apropriados e centrifugada por 15 min (10500 rpm), a temperatura de 298 K. A centrífuga utilizada foi Hitachi modelo himac CR20B2 e o rotor 29 R10A. Após a centrifugação, o sobrenadante foi retirado e mais água destilada foi adicionada aos tubos de centrifugação. A suspensão foi deixada sob agitação por aproximadamente 5 min e depois deste período foi novamente centrifugada. Este procedimento foi repetido até a neutralidade do sobrenadante. Metanol foi adicionado e novamente a suspensão foi centrifugada. Em seguida, o precipitado foi transferido para uma placa de Petri e seco à temperatura ambiente.

Caracterizações

Teor de metais

As análises do teor de metais (Ca, Mg, Mn, Cu, Ni e Fe) foram feitas em triplicatas, a partir de 1 g de amostra (quitinas e quitosanas) e colocadas em mufla a 873 K por 6 h. Após esse período, foi adicionado 1 mL de HCl 37% nas amostras, que foram transferidas para balões volumétricos de 50 mL. Foram adicionados 10 mL de solução de óxido de lantânio 10000 ppm e completados com água destilada. As análises foram realizadas no espectrômetro de absorção atômica Z-8100 Polarized Zeeman.

Espectroscopia na região do infravermelho

As amostras de quitina e quitosana foram trituradas com KBr (grau espectroscópico) na proporção de 1:100. As misturas resultantes foram secas em estufa a vácuo a 333 K por 24 h. As pastilhas confeccionadas foram secas em estufa a vácuo a 333 K por 24 h. As análises no infravermelho foram realizadas no Bomem modelo 102 com transformada de Fourier.

Difração de raios-X

As medidas de difração de raios-X foram realizadas em difratômetro universal de raios-X, modelo UDR6 (Carl Zeiss-Jena), com radiação de CuKα (λ=1,54 Å), com potência de 50 kV, 100 mA. Os resultados permitem a comparação das amostras no que diz respeito ao grau de cristalinidade. Para cálculo do grau de cristalinidade das quitinas e quitosanas foi utilizada a relação 1.15,18

onde I(θc) é a intensidade relativa às regiões cristalinas (2θ=20º), e I(θa) corresponde às regiões amorfas 2θ=12º e 2θ=16º para quitosana e quitina, respectivamente.

Microscopia de varredura eletrônica (MEV)

O aparelho utilizado foi o modelo DSM-960, potência de 20 kV e corrente de 0,77 µA. As amostras foram colocadas sobre fita adesiva de carbono, previamente aderida a um porta-amostras de alumínio e, posteriornente, recobertas com uma camada de 20 nm de ouro.

Espectroscopia de ressonância magnética nuclear de hidrogênio (RMN-1H).

A concentração das soluções das quitosanas para a varredura dos espectros foi de 10 mg/mL em D2O contendo 1% de HCl 37%. Alíquotas dessas soluções foram transferidas para tubos de 5 mm de diâmetro para aquisição dos espectros a 353 K, com pulso de 90º (8,2 µS) e 16 pulsos de varredura.

O cálculo de foi feito utilizando-se a relação 2:14

onde AH2 representa a área do sinal de hidrogênio ligado ao carbono 2 do anel de glicosamino a 3 ppm e, ACH3 é a área do sinal relativo aos hidrogênios metílicos do grupo acetamida em 2 ppm.

Viscosidade intrínseca

As amostras de quitosana foram dissolvidas em solução tampão 0,3M de ácido acético/0,2M de acetato de sódio, e os tempos de escoamento das soluções foram determinados em viscosímetro AVS-350 acoplado ao sistema diluidor automático ViscoDoser AVS 20 (Schott Geräte) com o emprego do capilar com Φ=0,53 mm (d. i.). A solução foi diluída no próprio capilar até atingir uma viscosidade relativa próxima a 1,2, sendo que as soluções inicialmente preparadas apresentavam ηrel <1,8. Os valores do tempo de escoamento empregados na determinação das viscosidades foram obtidos pela média de 3 determinações independentes que não apresentaram variação superior a 0,09%. Todas as medidas foram realizadas a 298 K, e para a determinação da viscosidade intrínseca em solução foi seguido o Esquema 2.


Os valores das constantes de Huggins (KH), viscosidades intrínsecas ([η]), foram obtidos pela relação de Huggins12 e os valores das massas molares médias viscosimétricas () foram obtidos através da equação de Mark-Houwink,12,16 sendo que diferentes valores de K e a foram empregados de acordo com os diferentes das quitosanas (Tabela 1).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os tratamentos das cascas do M. rosenbergii pelas seqüências 1 e 2 permitiram diferenciar os componentes do animal, cefalotórax (CMr1 e CMr2), abdômens (AbMr1 e AbMr2) e quelípodos (QMr1 e QMr2), quanto aos teores de proteínas, carbonato de cálcio e quitina (Tabela 2). Também foram observadas as morfologias das quitinas (Figura 3) obtidas pelas duas seqüências de tratamento e comparadas com as quitinas comerciais QtF e QtP.


Tantos as amostras Qta1 e Qta2 quanto Qtq1 e Qtq2 apresentaram modificações na morfologia com os tratamentos ácido e alcalino. Observa-se nitidamente que a seqüência 2 é mais "agressiva" e, portanto, degrada mais a superfície (Figuras 3d, 3f e 3h). As amostras comerciais apresentaram a presença de fragmentos na superfície, provavelmente originados no processo industrial.

Podemos observar na Tabela 2, que QMr1 apresenta elevado teor de proteínas e que os CMr1 e AbMr1 são mais ricos em quitina que os quelípodos. Conforme a literatura,8 o rendimento do processo de extração de quitina de camarões de água doce é de 30%; o rendimento relativo à extração de proteínas é de aproximadamente 61,6%. A utilização de outras fontes de quitina,8 como lagosta, lagostim americano, lagosta da Noruega, permitem atingir rendimentos que variam de 14 a 23,8%, entretanto não é mencionado se os exoesqueletos foram processados integralmente ou se foram processados separadamente. Essas referências mencionam a extração de quitina das fontes sem a preocupação de separar as diferentes partes. Assim, para compararmos esses rendimentos com os obtidos neste trabalho, devemos considerar os seus valores médios, que correspondem a 22,4; 67 e 10,5% para obtenção de quitina, desproteinização e desmineralização, respectivamente, o que é comparável aos dados obtidos na literatura.8 A aplicação da seqüência 2 resultou na perda média de 63% da massa inicial. O rendimento da etapa de desmineralização excede o valor esperado, o que deve ser atribuído à perda de quitina e de proteínas, durante essa etapa. Em seguida foi realizada a etapa de desproteinização, o que resultou na perda média de 9,6%. Quando comparamos as duas seqüências adotadas observamos que as perdas das massas envolvidas, consideradas a soma das perdas ocorridas nas etapas de desmineralização e desproteinização, são muito próximas em relação a cefalotórax (perdas totais de 75,3 e de 72,5% pela aplicação das seqüências 1 e 2, respectivamente) e abdômens (perdas totais de 74,6 e de 72,9% pela aplicação das seqüências 1 e 2, respectivamente) e, apesar disso, a adoção de uma ou de outra seqüência afeta o resultado final. Com relação aos quelípodos, observamos uma diferença substancial quando comparamos os diferentes tratamentos, ou seja, perdas de massa de 82,4 e 72% para as seqüências 1 e 2, respectivamente. Foi observado também que o rendimento da quitina é, em média, maior quando empregada a seqüência 1 (22,4%) que quando adotamos a seqüência 2 (20%), indicando que o tratamento ácido empregado na etapa de desproteinização afeta o rendimento do processo e, provavelmente, a qualidade da quitina obtida.1

As quitinas comerciais utilizadas como parâmetro de comparação possuem quantidades muito superiores de metais às encontradas nas quitinas obtidas neste trabalho, o que pode ser compreendido levando em consideração as matérias-primas empregadas e os processamentos envolvidos para obtenção da quitina. Assim, as cascas utilizadas como matéria-prima neste trabalho foram obtidas de animais cultivados sob condições controladas enquanto que, nos casos das amostras comerciais, muito provavelmente são resíduos da indústria pesqueira que podem conter impurezas de diversas origens. Além disso, os procedimentos de lavagens após as etapas de desproteinização e desmineralização deste trabalho foram extensivos.

Quanto aos metais manganês, cobre, níquel e ferro, as seqüências 1 e 2 foram muito eficientes nas suas retiradas, mas a seqüência 1 foi mais eficiente que a seqüência 2 (Tabela 3). De maneira geral, a seqüência 2 foi mais eficiente na retirada de magnésio e cálcio das diferentes partes do animal, mas em relação às amostras comerciais as quitinas obtidas neste trabalho possuem teores inferiores de metais. Entretanto, os teores desses metais nas cascas de M. rosembergii são muito baixos e as diferenças observadas são pouco representativas.

Os diferentes teores de cálcio e magnésio nas quitinas extraídas pelo emprego das seqüências 1 e 2 podem ser atribuídos a modificações morfológicas provocadas pelo ataque alcalino que é executado na primeira etapa da seqüência 1. Assim, a acessibilidade durante a etapa subseqüente, o ataque ácido, seria dificultada como conseqüência das modificações propostas. Além disso, o ataque alcalino poderia resultar na formação de novas espécies menos susceptíveis à hidrólise ácida, da mesma maneira que ocorre nas zeólitas.17

De maneira específica, as amostras Qtc1 e Qtq2 apresentaram elevados teores de cálcio significando que, para essas amostras, a etapa de desmineralização não foi tão eficiente quanto esperado.

Independentemente das seqüências adotadas para a obtenção das quitinas, os espectros de infravermelho das amostras comerciais e das obtidas neste trabalho não apresentaram diferenças importantes. Podemos observar (Figura 4a) a banda de estiramento axial de OH em 3500-3300 cm-1; em 1600-1500 cm-1 encontramos a banda correspondente à deformação angular NH (amida II) e, entre 1670-1650 cm-1 encontramos a banda de deformação axial C=O (amida I). As deformações axiais C-N das amidas e aminas são observadas em 1420 e 1350-1000 cm-1, respectivamente.18, 19


A principal diferença entre os espectros das quitinas e das quitosanas (Figura 4b) pode ser observada na região em que ocorrem as bandas de amida I, que são menos intensas e menos resolvidas no caso de quitosanas. Além disso, entre 3000-2800 cm-1 os espectros no infravermelho das amostras de quitina apresentam cinco bandas de estiramento CH, sendo três bem distintas, enquanto que nos espectros das quitosanas são observadas apenas duas bandas.20 Nas Figuras 4a e 4b podemos observar dois espectros na região do infravermelho, das amostra Qtc1 e Qc1, representativos das amostras deste trabalho.

Outro parâmetro que é intrínseco, independente da seqüência, são os ICR(%) que para todas as amostras de quitina foram superiores a 84%. Durante a desacetilação de quitina, as cadeias de quitosana que vão sendo formadas não se solubilizam e preservam parcialmente a organização estrutural de quitina. Uma vez que a quitosana seja purificada por dissolução seguida de precipitação por neutralização, as cadeias adotam uma nova organização, diferente daquela adotada por quitosanas que não foram solubilizadas. Os difratogramas analisados (Figura 5) são semelhantes quanto ao número e à localização dos principais sinais, ou seja 2θ=9,2º e 2θ=20º encontramos reflexão equatorial (020) e (110) respectivamente.19 Já os graus de cristalinidade das quitosanas foram inferiores a 80%, variando no intervalo 62-78%. Podemos observar que a etapa de purificação das quitosanas comerciais e não comerciais tem influência no ICR(%). Sendo assim, observamos que em todas as amostras de quitosanas purificadas os índices de cristalinidade foram superiores a 71%, enquanto nas quitosanas não purificadas foram inferiores a 68%. A seqüência adotada na obtenção das quitinas influenciou os ICR(%) que foram maiores para as quitosanas obtidas das quitinas da seqüência 2.


Apesar de os teores de metais remanescentes nas quitosanas não terem sido analisados, observamos que as amostras comerciais apresentaram teores de cinzas ainda que baixos, na ordem de 1%. O que nos leva a sugerir a presença de metais nas quitosanas comerciais, mesmo as purificadas. As quitosanas obtidas pelas duas seqüências de extração das diferentes partes de M. rosenbergii apresentaram teores de cinzas inferiores a 0,2%, mostrando que o processo de purificação foi eficiente.

As seqüências adotadas, aparentemente, influenciaram nas [η] e, conseqüentemente, nas massas molares médias viscosimétricas () das quitosanas (Tabela 4). Assim, as amostras de quitosana obtidas das quitinas preparadas através da seqüência 2 apresentaram maiores [η] e , independentemente da presença de NaBH4 no meio reacional. Aparentemente a seqüência 2 preserva mais as cadeias poliméricas das quitinas e das quitosanas. Os valores das KH estão abaixo de 0,63 o que indica a ausência de agregados.12,16 As amostras QC1* e QC2* ficaram muito viscosas e não puderam ser purificadas.

CONCLUSÃO

As diferentes partes do M. rosenbergii apresentaram diferenças no que se refere à quantidade de quitina. A seqüência 1 mostrou-se mais eficiente quando tratamos com cefalotórax e abdômen e a seqüência 2 extraiu mais quitina dos quelípodos.

As quitinas obtidas de M. rosenbergii apresentaram teores de metais inferiores às quitinas comerciais. Esse resultado mostra a importância de trabalharmos com materiais de procedência conhecida, principalmente se a quitina venha a ter contato direto com seres humanos. Portanto, torna-se conveniente que seja adotada a seqüência que leve à desmineralização mais completa possível. Sendo assim, a seqüência 2 foi mais eficiente que a seqüência 1 na retirada de cálcio e magnésio.

As seqüências adotadas na obtenção das quitinas influenciaram nas viscosidades intrínsecas das quitosanas. A seqüência 2 produziu quitosanas com maiores [η] e , independentemente da presença de boro hidreto de sódio utilizado na desacetilação das quitinas. Provavelmente a quitina obtida pela seqüência 1 seja mais sensível ao ataque químico quando desacetilada, o que também explicaria as diferenças de das quitosanas obtidas pelas diferentes seqüências.

Por fim, as quitosanas purificadas apresentaram índices de cristalinidade superiores às amostras não purificadas, revelando o maior grau de ordenamento das cadeias poliméricas após a purificação.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP, CNPq e CAPES, que apoiaram os trabalhos dos autores concedendo bolsas e auxílios à pesquisa e ao Prof. Dr. W. C. Valenti (CAUNESP/UNESP) pelo fornecimento das cascas de M. rosenbergii.

Recebido em 22/11/07; aceito em 20/6/08; publicado na web em 5/11/08

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      20 Jun 2008
    • Recebido
      22 Nov 2007
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