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Formação de micelas mistas entre o sal biliar colato de sódio e o surfactante aniônico dodecanoato de sódio

Mixed micelles formation between bile salt sodium cholate and the anionic surfactant sodium dodecanoate

Resumo

Mixed-micelle formation between sodium chlolate (NaC) and the anionic surfactant sodium dodecanoate (SDoD) in Tris-HCl buffer solutions, pH 9.00, varying the molar fraction of the surfactants, was investigated by means of electrical conductivity and steady-state fluorescence of pyrene. The critical micelar concentration (cmc) was measured from the equivalent conductance versus the square root of the molar surfactant concentration plots and the regular solution theory (RST) was used to predict the mixing behavior. The I1/I3 pyrene ratio-surfactant concentration plots were used as an additional technique to follow the behavior and the changes in the micropolarity of the mixed micelles.

electrical conductivity; pyrene fluorescence; NaC-SDoD mixed micelles


electrical conductivity; pyrene fluorescence; NaC-SDoD mixed micelles

ARTIGO

Formação de micelas mistas entre o sal biliar colato de sódio e o surfactante aniônico dodecanoato de sódio

Mixed micelles formation between bile salt sodium cholate and the anionic surfactant sodium dodecanoate

Renato Eising* * e-mail: reising100@yahoo.com.br ; Silvane Morés; Ismael C. Bellettini; Arlindo C. Felippe; Alexandre G. Dal-Bó; Dino Zanette

Departamento de Química, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil

ABSTRACT

Mixed-micelle formation between sodium chlolate (NaC) and the anionic surfactant sodium dodecanoate (SDoD) in Tris-HCl buffer solutions, pH 9.00, varying the molar fraction of the surfactants, was investigated by means of electrical conductivity and steady-state fluorescence of pyrene. The critical micelar concentration (cmc) was measured from the equivalent conductance versus the square root of the molar surfactant concentration plots and the regular solution theory (RST) was used to predict the mixing behavior. The I1/I3 pyrene ratio-surfactant concentration plots were used as an additional technique to follow the behavior and the changes in the micropolarity of the mixed micelles.

Keywords: electrical conductivity; pyrene fluorescence; NaC-SDoD mixed micelles.

INTRODUÇÃO

Sistemas constituídos de misturas de surfactantes são utilizados em muitas aplicações práticas devido ao baixo custo, comparados àqueles com surfactantes puros, além de favorecer a formação de materiais com propriedades físico-químicas superiores do que quando aplicados individualmente. Do ponto de vista teórico, é relevante o entendimento da formação estrutural e termodinâmica de micelas mistas porque estas estão presentes em processos práticos e tecnológicos, tais como em detergência, emulsões e na recuperação terciária do petróleo.1-4

Em solução aquosa, a distribuição de cada surfactante na fase micelar e na fase monomérica varia de acordo com a estrutura do surfactante e com a composição total da solução. A formação de agregados micelares mistos mais simples é aquela quando ocorre sem interações resultantes entre as espécies de surfactantes micelizados. É o caso quando dois diferentes surfactantes são de mesma classe, como misturas de catiônico com catiônico ou de aniônico com aniônico, por exemplo, porém com cadeias hidrofóbicas diferentes. Neste caso, eles possuem propriedades que podem ser previstas a partir de propriedades dos componentes individuais. Estas misturas são denominadas de sistema ideal.

Considerando a micela como uma "fase condensada" em equilíbrio com seu monômero dissociado, a "fase gasosa", no tratamento teórico, a concentração micelar crítica (cmc) é considerada análoga à pressão de vapor do sistema em análise. Este tratamento é denominado de modelo da pseudofase. A cmc, então, está para o equilíbrio monômero-micela assim como a pressão de vapor está para o equilíbrio líquido-vapor. Neste caso, a cmc é intermediária aos valores de cmc de cada surfactante puro, assim como no processo de variação da pressão de vapor de uma mistura ideal de líquidos.2

Para misturas que formam sistemas não-ideais, o tratamento matemático torna-se mais complexo. Exemplos de misturas não-ideais, já bastante estudadas, são as constituídas de surfactantes de diferentes classes, hidrofílicas e/ou hidrofóbicas, tais como misturas de catiônicos com aniônicos ou cada um destes com surfactantes não iônicos.5-7 Para estes sistemas não-ideais, os conceitos do modelo da pseudofase também pode ser aplicados mas, neste caso, são usadas as equações da teoria de soluções regulares3 onde são consideradas as interações entre monômeros. Assim, o modelo requer parâmetros empíricos para predizer comportamentos observados. As misturas não-ideais geralmente mostram desvios negativos da idealidade.

Sais biliares são biossurfactantes sintetizados no fígado via oxidação do colesterol e são transportados através da bílis para o intestino. Suas funções estão relacionadas com a solubilização e emulsificação de gorduras e lipídeos. Em humanos, a produção diária de sais biliares, está em torno de 20 g.8

Quando dispersados em fase aquosa, os sais biliares podem formar uma variedade de agregados, tipicamente estruturas micelares, que dependem de fatores experimentais, como concentração, natureza química, pH e temperatura. Micelas de sais biliares são capazes de ligar lipídeos, moléculas anfifílicas e proteínas, formando micelas mistas. Esta habilidade de solubilização é de fundamental importância na absorção intestinal dos produtos da digestão de gorduras como ácidos graxos e monoglicerídios e das vitaminas.9

Em água, têm sido extensivamente investigados os processos de micelização dos sais biliares e as conseqüentes estruturas.10-17 Small18 propôs a formação de micelas primárias e secundárias. No modelo proposto, sugere que na cmc são formadas somente micelas primárias com agregados com até 10 monômeros, presumivelmente via interações hidrofóbicas entre as partes apolares dos monômeros. Com o aumento da concentração, são formadas micelas secundárias via ligações de hidrogênio dos grupos hidroxilas localizados na superfície externa das micelas primárias.

No entanto, por causa da particular estrutura molecular dos sais biliares, isto é, formada por um esqueleto de esteróide que consiste de uma estrutura rígida com uma face hidrofílica e a oposta hidrofóbica, os processos de associação e agregação diferem consideravelmente daqueles dos surfactantes aniônicos clássicos.19 Acrescenta-se, ainda, o fato de terem menor atividade superficial e, ao contrário do seu efetivo comportamento micelar no processo digestivo, sabe-se que, em água, a capacidade de auto-associar é fracamente cooperativa.19,20

Neste trabalho, acompanhamos a formação de micelas mistas do sal biliar colato de sódio (NaC) com o aniônico dodecanoato de sódio (SDoD), este último é um surfactante clássico obtido via hidrólise de ácidos graxos e, portanto, também um biossurfactante. A metodologia empregada para acompanhar os processos de micelização está baseada em gráficos de condutividade elétrica vs. concentração dos surfactantes, onde foram obtidos parâmetros como concentração micelar crítica e concentração de pré-agregação (cpa). Baseando-se na teoria da solução regular (RST), o processo de micelização das misturas de NaC e SDoD foi tratado segundo Rubingh et al..2,3 Através de medidas de fluorescência do pireno, foi utilizada a técnica da razão I1/I3 das bandas de emissão do pireno vs a concentração da mistura dos surfactantes, para caracterizar as transições no processo de formação dos complexos mistos.

PARTE EXPERIMENTAL

O colato de sódio (99%), procedente da Sigma, foi utilizado sem nenhum tratamento prévio. O dodecanoato de sódio foi preparado por neutralização do ácido dodecanóico (Sigma 99%), conforme o seguinte procedimento: a uma quantidade do ácido carboxílico dissolvido num volume de etanol, sob agitação, adicionava-se solução diluída de hidróxido de sódio mantendo a solução resultante ligeiramente aquecida. A neutralização era controlada por meio de um pHmetro da Beckman modelo F71, equipado com um eletrodo combinado de vidro. A titulação foi conduzida até pH 9,00. Resfriando-se a mistura, o dodecanoato de sódio formava um precipitado pastoso que era filtrado e recristalizado.21

As purezas do colato de sódio e do dodecanoato de sódio foram testadas por tensão superficial utilizando, como critério,22 a obtenção de um gráfico de tensão superficial vs. logaritmo da concentração molar do surfactante, sem mínimo na região de concentração de surfactante onde ocorre a cmc. Nas condições experimentais estudadas, os valores de cmc são 25,0 e 10,0 mmol L-1 para o SDoD e o NaC, respectivamente.

Todos os experimentos foram realizados em solução tampão, pH 9,00, de tris(hidroximetil)aminometano (Tris/HCl) (Aldrich 99%). As soluções estoques de 20 mmol L-1 de Tris/HCl foram preparadas titulando a solução de Tris com solução padrão de HCl, a 25 ºC, acompanhando a variação do pH com o pHmetro da Beckman.

Neste texto, a concentração molar será indicada por colchetes, [ ]. As soluções estoques dos surfactantes foram preparadas pela dissolução de quantidades apropriadas na mesma solução tampão. A água utilizada para os experimentos de condutividade elétrica foi previamente destilada e desmineralizada pelo sistema de purificação de água Milipore (Mili-Q).

Condutividade elétrica

Nas montagens dos gráficos de condutividade específica versus concentração de surfactante, as medidas de condutividade foram assim executadas: utilizando um condutivímetro da ATI ORION, modelo 170, por meio de uma bureta semi-automática da Methron, modelo E-485, volumes de solução estoque de surfactante eram adicionados sobre um volume conhecido de solução Tris/HCl contido numa cela de diluição, previamente termostatizada a 25,0 ± 0,1 °C. Com um eletrodo de platina de constante da cela igual a 1,0, a cada adição da solução estoque, fez-se a leitura da condutividade específica da solução resultante. A concentração de surfactante na cela era corrigida em cada adição e leitura de condutividade, considerando o volume total da solução.

Fluorescência

As medidas de fluorescência do estado estacionário do pireno (Aldrich, 99%) foram realizadas em soluções tamponadas com 20,0 mmol L-1 de Tris/HCl. A solução estoque de pireno, 1,0 mmol L-1, foi preparada em etanol absoluto. A partir da solução estoque, foi preparada em tampão, a solução 1,0 x 10-3 mmol L-1, adicionando-se 1 mL da solução estoque para cada litro de solução tampão. Em seguida, as soluções estoques de SDoD, de NaC e das misturas de SDoD, de NaC, foram preparadas com a solução tampão contendo pireno. Os espectros de emissão foram registrados após 6 h da preparação das soluções minimizando, assim, possíveis erros de instabilidade da intensidade da emissão que ocorre em metodologias alternativas.

O espectro de emissão de fluorescência foi obtido num espectrofluorímetro da Hitachi F4500 equipado com uma cela termostatizada, a 25 ºC, enquanto a solução de leitura, contida numa cela de quartzo com 10 mm de caminho óptico, era levemente agitada. As fendas, de excitação e emissão, foram ajustadas em 2,5 nm. A excitação das amostras ocorria em 336,0 nm e as emissões foram registradas no intervalo de 360,0 a 500,0 nm. A razão I1/I3 foi estimada medindo as intensidades dos picos em 372,8 nm (I1) e 384,0 (I3) do espectro de emissão do pireno.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Condutividade elétrica

A condutividade elétrica é a medida da mobilidade de espécies iônicas em solução. Numa solução ela é dependente da concentração e dos eletrólitos presentes. No caso de eletrólitos fortes, a variação na condutividade elétrica da solução é diretamente proporcional à concentração de eletrólito adicionado. Já para fracos, como a concentração de íons é dependente do equilíbrio de dissociação, a condutividade dependerá do grau de ionização (a) do eletrólito. Micelas iônicas são agregados que podem ligar ânions e/ou cátions de tal forma que, na cmc, o conteúdo iônico da solução varia com a formação delas e, o gráfico de condutividade elétrica vs concentração do surfactante, na cmc, mostra descontinuidade. Uma informação adicional obtida dos gráficos de condutividade refere-se aos coeficientes angulares das regiões lineares do gráfico que, abaixo e acima da cmc, estão relacionados com o conteúdo iônico da solução. Numa aproximação, a razão entre os coeficientes angulares está relacionada com o grau de ionização micelar.19

A Figura 1 mostra as mudanças da condutividade específica do SDoD e do NaC, e de misturas. Para o SDoD, o perfil exibe uma cmc em 25,0 mmol L-1 e uma pequena inflexão ≈ 5,0 mmol L-1 (Figura 2a) evidenciada pela diferença dos coeficientes angulares acima e abaixo deste ponto de descontinuidade (Tabela 1). Esta mudança de inclinação é atribuída à capacidade do SDoD em formar pré-agregados. Este comportamento já tem sido identificado em reações catalisadas por SDoD.23




No entanto, em concordância com resultados anteriores,20,24 observa-se na Figura 1 a ausência de um ponto de descontinuidade equivalente da cmc. Na verdade, este perfil é consistente com o mecanismo de micelização de sais biliares que se caracterizam por um processo de agregação progressiva, inicialmente formando micelas pequenas nas proximidades da cmc, mas crescendo com o aumento da concentração biliar (para maiores detalhes ver refs. 10, 17, 20 e 24). Observa-se na Figura 2b, no entanto, uma pequena inflexão em concentrações abaixo daquela prevista para a cmc do NaC. Uma leve inflexão em 2,5 mmol L-1 é indicada como a concentração de formação de dímeros.25 Este fato é consistente com resultados de Oakenfull e Fisher,12 onde o desvio observado no perfil de condutividade molar no gráfico da Equação de Onsager foi atribuído à formação de dímeros. Do mesmo modo, misturas de SDoD e NaC apresentaram o mesmo comportamento em todas as frações molares estudadas.

Com a adição de SDoD à solução contendo NaC, os perfis tendem a exibir descontinuidades (Figura 1). Neste trabalho, a determinação da cmc das misturas foi melhor executada graficando os resultados de condutividade na forma de condutividade equivalente vs. raiz quadrada de [surfactante] (Figura 3b). Os valores de cmc em função da fração molar estão listados na Tabela 1.



Apesar dos perfis de condutividade especifica não serem os mais adequados para a determinação da cmc, ainda são bastante úteis no estudo das misturas SDoD-NaC. A partir destes perfis, pode-se obter os valores dos coeficientes angulares das regiões lineares e, portanto, estimar o grau de ionização micelar (a) mediante a razão dos coeficientes angulares (Tabela 1) que, embora em outras condições experimentais, são semelhantes àqueles obtidos por Zanette e Frescura.26 Para o NaC, o valor de α ≈ 1 representa uma estrutura micelar que não tem a capacidade de ligar contra-íons.

Assim como para os surfactantes puros, em misturas deles também foram observadas pequenas descontinuidades em concentrações entre 2,5 e 5,0 mmol L-1 (Tabela 1). Para definir a formação de pré-agregados com mais exatidão, foram realizadas medidas de condutividade elétrica em concentrações diluídas. Os valores de cpa estão listados na Tabela 1. A formação e composição destes pré-agregados estão relacionadas com a fração molar e concentração total de surfactante.

Modelo de micelização de mistura de SDoD e NaC

Numa mistura binária formada pelos surfactantes A e B, a cmc da mistura de um sistema ideal pode ser determinada pela fração molar de um dos componentes da mistura e a cmc dos surfactantes individuais, conforme mostra a Equação 1,1-3

onde, cmcIdeal é a concentração micelar crítica segundo a teoria da solução ideal, cmcA e cmcB referem-se às cmc dos surfactantes A e B, respectivamente, e χA e χB são as frações molares dos surfactantes A e B na solução, respectivamente.

Para misturas que formam sistemas não-ideais, sendo geralmente misturas de surfactantes constituídos por classes hidrofílicas ou hidrofóbicas, tais como misturas de catiônicos com aniônicos ou cada um destes com surfactantes não iônicos, o tratamento matemático torna-se mais complexo. Para estes sistemas não-ideais, o modelo da pseudofase também pode ser aplicado mas, neste caso, são usadas as equações da teoria das soluções regulares1-3 e as interações surfactante/surfactante devem ser consideradas, assim como os coeficientes de atividade. O modelo requer um parâmetro empírico para predizer o comportamento observado.

Estas misturas geralmente mostram desvios negativos da idealidade. Logo, a cmc observada, é menor que aquela prevista pela Equação 1. Assim, se a interação entre os surfactantes A e B na micela mista pode ser descrita pelo modelo da aproximação regular da solução, a Equação 22,3 fornece as informações sobre o comportamento da formação de micelas mistas que apresentam desvios da idealidade.

A Equação 2 prevê a composição da micela mista, ou seja, a fração molar de cada surfactante na micela,

O processo de micelização das misturas de SDoD e NaC pode ser tratado aplicando-se a teoria da aproximação regular da solução (RST), desenvolvida por Rubingh e colaboradores.2,27 De acordo com este modelo, os coeficientes de atividade dos surfactantes são relacionados com um parâmetro de interação, β, que quantifica a interação líquida entre as espécies de surfactantes na micela. Valores positivos de β indicam que existe uma repulsão resultante entre os dois surfactantes componentes da micela, enquanto que valores negativos representam um processo de micelização da mistura onde ocorre atração líquida entre as espécies de surfactantes. As linhas contínuas na Figura 4 representam os valores de cmc das misturas estimados pela teoria da aproximação da solução regular para diferentes valores do parâmetro líquido de interação β. A linha pontilhada corresponde ao comportamento ideal da solução obtido quando β = 0. O valor médio de β, encontrado para a mistura SDoD-NaC, foi de -0,2 mas, como se pode observar na Figura 4, este valor não representa corretamente os dados de cmc obtidos experimentalmente. O processo de micelização das misturas de SDoD-NaC mostra um desvio negativo da idealidade para frações molares de SDoD > 0,5, enquanto que ocorre um desvio positivo para frações molares de SDoD < 0,5. Uma simulação, utilizando um valor de β = -1,0, mostra-se bastante coerente com os valores experimentais de cmc obtidos para altas frações molares de SDoD (χSDoD > 0,8), enquanto é de baixa coerência em altas frações molares de NaC. De outro lado, uma simulação com β = + 0,5 é satisfatória para baixas frações molares de SDoD (χSDoD < 0,4), mas o desvio se torna grande com incrementos de SDoD à mistura. β = -1,0, representa um sistema com uma baixa atração líquida entre os monômeros, enquanto que, β = + 0,5 representa um sistema com uma baixa repulsão líquida entre estes. Desde que os surfactantes são aniônicos, a interação deve ser exclusivamente hidrofóbica. Observou-se ainda que, nos ajustes, o parâmetro líquido de interação β variou de -1,0 a 1,0 para as frações molares de SDoD de 0,9 e 0,3, indicando que a formação de micelas ricas em SDoD ocorre com maior atração entre os monômeros que na formação de micelas ricas em NaC.


A Figura 5 mostra a variação da composição das micelas mistas para diferentes misturas de SDoD-NaC em função da fração molar total de surfactante na solução determinadas pelas teorias da solução ideal e aproximação da solução regular.2 A linha pontilhada representa a composição micelar na qual não existe nenhuma interação entre os monômeros, ou seja, um comportamento ideal.27 Em altas frações molares de SDoD (χSDoD≈ 0,8), a teoria prediz uma absorção preferencial de monômeros de SDoD nas micelas mistas e para χNaC > 0,7 as típicas micelas de NaC exibem uma composição micelar com preferência para monômeros de NaC. A composição das micelas é igual de acordo com as duas teorias para a fração molar total de SDoD na solução igual a 0,47 indicando uma micela mista com uma composição de 26% de SDoD (Figura 5). No entanto, de acordo com a teoria da solução regular, observa-se que a quantidade de monômeros de SDoD na micela mista para χSDoD < 0,47 é inferior àquela prevista pela teoria da solução ideal. Já para χSDoD > 0,47, a quantidade de monômeros de SDoD na micela mista é superior àquela prevista pela teoria da solução ideal. Ainda, conforme a teoria da aproximação da solução regular, na Figura 5 são destacadas três regiões distintas: primeiro, para frações molares totais de SDoD menores que 0,3, observa-se uma mudança rápida no perfil da composição das micelas, indicando a formação de micelas tipicamente ricas em NaC. Segundo, em frações molares de SDoD entre 0,3 e 0,8, a composição varia de forma contínua e gradativa, em concordância com um sistema de formação de micelas mistas. Por fim, em frações molares de SDoD superior a 0,8, observa-se que estão sendo formadas micelas tipicamente ricas em SDoD.


Perfis de I1/I3vs. fração molar dos surfactantes

Recentemente, em nosso laboratório tem-se utilizado o pireno para monitorar as mudanças de polaridade em agregados micelares formados em misturas de polímero e surfactante.24 Neste trabalho, em altas concentrações de SDoD, observou-se que a razão I1/I3 tende a 1,1, enquanto que, em frações altas de NaC, ela diminui para valores próximos de 0,8. Esta significativa diferença dos valores de I1/I3 em função da fração molar da mistura, qualitativamente, serviu como técnica para acompanhar a variação da composição do agregado misto de SDoD e NaC. A Figura 6 mostra os perfis em diferentes concentrações fixas da mistura, variando as frações molares.


Na interpretação dos resultados da Figura 6, são levados em consideração dois pontos relevantes: o primeiro refere-se à cmc de cada fração molar da mistura sendo, neste caso, o diagrama da Figura 4, uma referência na discussão. A premissa é de que, sempre que a razão I1/I3 é avaliada próximo da cmc, espera-se que ocorram fortes mudanças de polaridade do pireno. O segundo ponto a ser considerado, refere-se ao fato de que, mesmo em NaC puro e quando sua concentração é aumentada, a sonda indica contínuas mudanças de polaridade. Assim, quando na ausência de SDoD, os perfis da Figura 6 indicam que a razão decresce de 1,7, quando em água, a 0,82. Este fato deve estar relacionado com as contínuas variações estruturais das micelas de NaC que ocorrem quando concentração é aumentada. Recentemente, utilizando sondas derivadas do naftaleno, Bohne et al.28 sugeriram a concentração 20,0 mmol L-1 de NaC, como um limite de mudança de predominância de micelas primárias para a das secundárias. Assim, os resultados mostrados na Figura 6, podem ser encarados como mais uma evidência para enfatizar a conclusão de Bohne et al.28 considerando que, no perfil com a concentração de surfactante de 15,0 mmol L-1, o valor de I1/I3 indica que o pireno sente uma polaridade intermediária. Isto é, em concentrações menores, a sonda indica um ambiente mais polar enquanto que, acima, a polaridade tende para valores próximos daqueles de hidrocarbonetos.

A partir dos perfis da Figura 6, anotam-se as seguintes considerações: nas concentrações menores que a cmc (7,5 mmol L-1) e no limite dela (10,0 mmol L-1), os valores de I1/I3 são semelhantes aos valores em água (I1/I3 = 1,7). Neste caso, o pireno indica uma polaridade tipicamente da água porque, em todas as frações molares, os agregados micelares estão ausentes e/ou a concentração de agregados micelares é pequena. Nas várias misturas estudadas, quando em condições de alta concentração de NaC, a polaridade gradativamente diminui com o aumento da [surfactante] porque os agregados micelares são tipicamente agregados de NaC e comportam-se como acima comentado, quando na ausência de SDoD. Salienta-se que, em 12,5 mmol L-1 da mistura, portanto menor que a concentração limite de 20,0 mmol L-1 de NaC, com o aumento da χSDoD, a razão I1/I3 ligeiramente diminui, atinge um platô e, a partir de χSDoD≈ 0,5, aumenta até atingir valores de I1/I3 = 1,7 em altas frações de SDoD. Observa-se que, em χSDoD≈ 0,5, a cmc da mistura é próxima de 14 mmol L-1 (Figura 4) o que justifica o pireno localizado em microambientes de polaridade gradativamente alta.

Em concentrações da mistura maiores que 20,0 mmol L-1, portanto, em 30 e 80 mmol L-1, a razão I1/I3 aumenta e, a partir de χSDoD≈ 0,2 inicia um platô que se estende até ≈ 0,8 e, acima, os valores de I1/I3 são tipicamente de micelas de SDoD, I1/I3 = 1,10 em 80 mmol L-1. (Lit. = 1,04).29

CONCLUSÃO

Embora o sistema NaC-SDoD seja composto por agregados micelares de estruturas e composições diferentes, basicamente, duas variáveis são predominantes na polidispersidade do sistema, isto é, concentração do colato de sódio e fração molar da mistura. Como todo sistema binário de mistura de surfactantes,3,5-7 aqui também se observa que, em altas frações dos surfactantes, predominam micelas tipicamente de SDoD e/ou de NaC. Este fato é evidenciado pela Figura 5, relacionado com as rápidas mudanças no perfil da composição das micelas em frações molares de SDoD acima de 0,8 e em menores que 0,3. Estas indicações de mudanças estruturais da mistura são também mostradas pelas bruscas variações de polaridade indicadas nos perfis de I1/I3vs χSDoD da Figura 6. Já em frações molares compreendidas entre 0,3 e 0,8, os perfis I1/I3vs χSDoD mostram que a polaridade pouco varia, indicando o desenvolvimento de agregados micelares de estruturas idênticas. Como é visto na Figura 5, a composição nesta fase é caracterizada por uma variação contínua e gradativa em concordância com um sistema de formação de micelas mistas que, no caso, são de NaC e SDoD. Um modelo micelar proposto para a variação da composição da mistura é exemplificado pela Figura 7.


Recebido em 26/2/08; aceito em 20/6/08; publicado na web em 31/10/08

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      20 Jun 2008
    • Recebido
      26 Fev 2008
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