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Propriedades redox da matéria orgânica isolada de material ultrafiltrado das águas do rio Paraíba do Sul

Redox properties of organic material present in ultrafiltrated water samples taken from the Paraíba do Sul river, Brazil

Resumo

Previous studies indicated that free radicals control organic matter redox activities. In the present study, organic matter of an ultra-filtrated material collected from seven samples taken seasonally from the Paraiba do Sul River for two years were titrated with an oxidizer (I2) in an inert atmosphere. Standard formal potential values for the electrode MO Ox, MO Red ranged from 0.754 to 0.786 V at a 25 ºC temperature. Organic matter oxidation capacity (COx) per carbon mass varied according to pH values, and changes in COx were related to rainfall and river flow intensities.

redox potential; oxidation capacity; ultra-filtration


redox potential; oxidation capacity; ultra-filtration

ARTIGO

Propriedades redox da matéria orgânica isolada de material ultrafiltrado das águas do rio Paraíba do Sul

Redox properties of organic material present in ultrafiltrated water samples taken from the Paraíba do Sul river, Brazil

Marihus Altoé BaldottoI,* * e-mail: marihus@uenf.br ; Luciano Pasqualoto CanellasI; Ary Carlos Xavier VellosoI; Raul Castro Carriello RosaII; Marcelo dos Santos MacielII; Carlos Eduardo RezendeII; Maria Cristina CanelaIII

ILaboratório de Solos, Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-602 Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil

IILaboratório de Ciências Ambientais, Centro de Biociências e Biotecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-602 Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil

IIILaboratório de Ciências Químicas, Centro de Ciências e Tecnologias, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-602 Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil

ABSTRACT

Previous studies indicated that free radicals control organic matter redox activities. In the present study, organic matter of an ultra-filtrated material collected from seven samples taken seasonally from the Paraiba do Sul River for two years were titrated with an oxidizer (I2) in an inert atmosphere. Standard formal potential values for the electrode MOOx, MORed ranged from 0.754 to 0.786 V at a 25 ºC temperature. Organic matter oxidation capacity (COx) per carbon mass varied according to pH values, and changes in COx were related to rainfall and river flow intensities.

Keywords: redox potential; oxidation capacity; ultra-filtration.

INTRODUÇÃO

As titulações redox de ácidos húmicos (AH) permitem estimar o potencial formal padrão do eletrodo (FEHº) e sua capacidade de oxidação (COx), fatores de intensidade e capacidade da atividade de elétrons, respectivamente. Estes parâmetros são análogos ao pH e à capacidade de neutralização para o caso de prótons.1,2 O FEHº pode ser medido utilizando-se um eletrodo combinado, constituído de um eletrodo redox em contato com um eletrodo de referência. O valor do FEHº possibilita a determinação das atividades de oxidantes e redutores para um determinado par redox. A COx de uma substância pode ser utilizada para a determinação da quantidade de elétrons transferíveis nas reações redox e é definida como o número de mols de carga por unidade de massa que um composto é capaz de transferir a um forte oxidante (molc kg-1). Baldotto e colaboradores2 estudaram o comportamento redox de amostras de diferentes AH, que após serem tituladas com um oxidante (I2) em atmosfera inerte apresentaram valores de FEHº semelhantes, entre 0,773 e 0,794 V, a 25 ºC. A COx dos AH variou de 3,88 a 4,39 molc kg-1 a pH 5,0 e de 5,35 até 7,89 molc kg-1 a pH 7,0. Os resultados apresentaram ainda uma correlação positiva e significativa entre a capacidade de oxidação dos ácidos húmicos e as suas concentrações de grupos funcionais fenólicos, quinonas e semiquinonas. Os grupos fenólicos e quinônicos foram indicados como grupos doadores após derivatização dos mesmos e determinação do COx.

A técnica de ultrafiltração proporciona uma avaliação da variabilidade e dinâmica das frações particuladas, causada por processos químicos, físicos e biológicos em ecossistemas aquáticos. O fracionamento físico ocorre pela diferença de peso molecular em fluxo tangencial por intermédio da ultrafiltração, possibilitando detectar e concentrar compostos orgânicos e inorgânicos em baixas concentrações no meio aquoso.3,4 Este método é capaz de processar grandes volumes de amostras, de forma não destrutiva e livre de reagentes.5 Entre as principais frações de material particulado em suspensão encontradas nos sistemas aquáticos, o material ultrafiltrado (MU) é definido operacionalmente com dimensão coloidal entre 1kD (~ 0,001 µm) e 0,1 µm e constitui-se, principalmente, de argilominerais e moléculas orgânicas complexas, entre elas ácidos fúlvicos e húmicos.3,6 As titulações redox das substâncias orgânicas que compõem o MU podem gerar informações úteis para a melhor compreensão da estabilidade dos estoques de C nos sistemas aquáticos e sua ligação com as trocas entre as biosferas.2,7

A estabilidade química do C junto aos argilominerais ocorre, em geral, com a formação de substâncias húmicas (SH) por meio de um processo genericamente denominado humificação. Este processo pode ser estimado pelo aumento da concentração de radicais livres do tipo semiquinonas (CRLS) nos ácidos húmicos (AH), determinados por meio da ressonância paramagnética eletrônica (RPE).8-11 Com o avanço da humificação ocorre a policondensação e a conjugação de estruturas insaturadas nos AH.12 Grupamentos fenólicos formados durante o processo de decomposição da matéria orgânica são convertidos em quinonas, via reações de oxidação, as quais são precursoras de radicais livres do tipo semiquinonas nos AH, que se estabilizam com o avanço da humificação.13-15 Os radicais livres do tipo semiquinonas dos AH são grupos doadores de elétrons1,16-19 e, por meio de titulações redox iodimétricas, podem ser oxidados pelo iodo (I2). Usando tais titulações, Baldotto e colaboradores2, analogamente à RPE, estimaram o grau de humificação dos AH. Dessa forma, as titulações redox da matéria orgânica (MO) isolada de águas interiores e oceânicas podem fornecer informações qualitativas e quantitativas sobre a MO nesses sistemas naturais e, ainda, sobre a sazonalidade de tais características.

Este estudo teve como objetivo determinar, por meio de titulações redox iodimétricas, a capacidade de substâncias orgânicas isoladas de material ultrafiltrado das águas do Rio Paraíba do Sul transferirem elétrons e relacioná-la com suas características químico-estruturais.

PARTE EXPERIMENTAL

Ambiente em estudo

O estudo envolveu a bacia do Rio Paraíba do Sul, que abrange uma área de aproximadamente 57.000 km2 e uma extensão de 1.145 km, banhando os estados de São Paulo (23,7%), Minas Gerais (39,6%) e Rio de Janeiro (36,7%) onde deságua no Oceano Atlântico.6 O rio corre no sentido oeste-leste numa altitude média de 370 m e seus afluentes originam-se das Serras da Mantiqueira e do Mar. A descarga máxima deste rio atinge, em média, 4.384 m3 s-1 no período de verão (dezembro a fevereiro) e a descarga mínima se dá no inverno (junho a agosto) com 181 m3 s-1.6

De acordo com Figueiredo e Ovalle,20 as classes de vazão no período de estudo, de outubro de 2002 a maio de 2004, apresentaram uma larga faixa de variação, onde períodos de vazão (acompanhando as intensidades de pluviosidade) oscilaram abruptamente (Tabela 1). Situações de baixa e média vazões predominaram no sistema, representando, em média, 42% do ciclo hidrológico, enquanto foi verificada uma alta vazão em 24% do período de amostragem.

Amostragem

As amostras da água superficial do Rio Paraíba do Sul foram coletadas em Campos dos Goytacazes, na latitude 21º45'06"S e longitude 41º19'32"W, entre outubro de 2002 e maio de 2004, compondo, de acordo com as estações do ano, amostras nas épocas de primavera, verão, outono e inverno.

A coleta da água foi feita sobre uma ponte (Pte João Barcelos Martins) em um ponto eqüidistante às margens do rio por intermédio de um recipiente de polietileno de aproximadamente 7 L preso a um cabo, coletando-se os primeiros 50 cm da coluna d'água. Neste ponto, o rio possui profundidade média de 6 m, seção média de 470 m2 e fluxo instantâneo médio de 715 m3 s-1, sendo esses valores correspondentes à média de 10 anos de estudo, de 1994 a 2004.6 Ainda segundo os autores supracitados, a pluviosidade média durante o período de estudo foi de aproximadamente 80 mm mês-1.

Ultrafiltração

Após a coleta, as amostras foram pré-filtradas em cartucho tipo Hollowfiber H5PO1 que excluiu frações com dimensões superiores a 0,1 µm e, a seguir, ultrafiltradas através de um cartucho do tipo Spiral S10y1 com retenção de 1 kD, ambos da Amicon.

Os sedimentos ultrafiltrados foram solubilizados em uma mistura de HF e HCl, ambos a 5% (v/v) por 48 h, visando a remoção de resíduos de minerais de argila e de íons paramagnéticos e, a seguir, transferidos para membranas de diálise de 10 mL (cut-off 14 kD, Thomas Sci.).

As amostras foram submetidas à diálise até a obtenção de condutividade elétrica igual à da H2O destilada (1,0 µS cm-1) e, a seguir, o material orgânico foi liofilizado e armazenado em dessecador para caracterização (Tabela 2), segundo os procedimentos descritos por Maciel.21

Titulações redox

As titulações redox consistiram da oxidação da MO com I2 (iodimetria), sob atmosfera inerte.1 O sistema de titulação foi montado utilizando-se um frasco termostatizado e fechado com uma tampa adaptada para conter um eletrodo combinado de pH (pHmetro Quimis Q400A) ou um eletrodo redox combinado (Analyser 6A05-GK AgCl, Ag || Pt), além de um tubo para entrada de gás argônio (Ar) e uma microbureta de 2 mL (Gilmont® GS-1200-A, com subdivisões de 2 µL) (Figura 1). O sistema foi termostatizado através de um banho em recirculação mantido a 25 ºC (Microquímica® Banho MQBCT 99-20).


No preparo do titulado, adicionaram-se ao frasco de titulação 125 mL de solução tampão fosfato (Na2HPO4 0,05 mol L-1 e NaH2PO4 x H2O 0,05 mol L-1) contendo KCl 0,05 mol L-1 e, em seguida, ajustou-se o pH com HCl ou NaOH para pH 5,00 ou 7,00. A solução foi agitada magneticamente e borbulhada com Ar por 60 min para a depleção de O2. Acrescentou-se MO à solução para obtenção de uma concentração em suspensão de 50 mg L-1. Novamente, agitou-se e borbulhou-se a suspensão com argônio durante 30 min. Em seguida, ajustou-se o pH da suspensão para 5 ou 7 com HCl ou NaOH para o início da titulação.

Para cada titulação, calibrou-se o pHmetro utilizando soluções tampões a pH 4 e 7. O eletrodo redox foi testado com solução tampão redox férrico-ferrosa, preparada com sulfato ferroso amoniacal 0,100 mol L-1, sulfato férrico amoniacal 0,100 mol L-1 e H2SO4 1,00 mol L-1. A leitura da f.e.mcela em 439 ± 2 mV indicou o correto funcionamento do eletrodo.22 Padronizou-se a solução de I2, para cada titulação, utilizando tiossulfato de sódio.

Nas titulações, utilizaram-se incrementos de 2 µL de solução 0,025 mol kg-1 de I2 (mol kg-1 = molinidade1, ou seja, o número de mols de I2 por kg de solução) com densidade conhecida e, após cada incremento de titulante, a solução foi agitada e borbulhada com Ar por mais 30 s para facilitar a homogeneização do sistema. Em seguida, registrou-se a leitura da f.e.m.cela após cada adição de titulante, sempre quando a variação no aparelho foi menor ou igual a 2,0 mV min-1. O ponto final da titulação redox de AH foi atingido quando valores constantes de f.e.m.cela foram registrados após a adição de oxidante. Desse ponto em diante, foi iniciada uma nova titulação "de volta" (back titration) com tiossulfato de sódio, cujos procedimentos operacionais foram análogos aos da titulação iodimétrica.

As curvas de titulação redox foram obtidas relacionando-se num gráfico os valores de f.e.m.cela (eixo das ordenadas) em função da COx da MO (eixo das abscissas). O valor da COx foi determinado pelo número de mols de I2 (aq) reduzidos a I-(aq) na reação por unidade de massa de MU (molc kg-1), usando-se a Equação 1:1

Estimou-se, também, a capacidade de oxidação por massa de carbono nas amostras de MU.

Determinou-se o ponto de inflexão de cada curva de titulação redox, obtendo-se a segunda derivada da função. No ponto de inflexão, a f.e.m.cela foi estimada por interpolação.1 Adicionalmente, realizaram-se titulações de amostras em branco, sem adição de MO.

Análise dos dados das titulações redox

Analisaram-se os dados obtidos com a titulação redox, de acordo com estudo desenvolvido inicialmente por Struyk e Sposito.1 Os valores de força eletromotriz (f.e.m.cela), medidos durante as titulações redox, foram relacionados com o potencial formal do eletrodo (FEH) de acordo com a Equação 2:

onde EHº (AgCl, Ag) = 222 mV é o potencial padrão do eletrodo de referência (AgCl, Ag a 25 ºC) relativo ao eletrodo padrão de hidrogênio e FEH (MOox, MOred) é o potencial formal de eletrodo da meia-reação MOOx, MORed, que correspondem, respectivamente, às formas oxidada e reduzida da MO, de acordo com a reação geral de redução:

A Equação 3 indica que a reação de redução da MO consome, concomitantemente, n elétrons e q prótons. Assim, a relação q/n que indica o número de moles de prótons (q) por moles de elétrons (n) transferidos durante a oxidação de 1 mol de sítios redox da MO, estimada pela redução de 1 mol de I2, foi calculada utilizando-se os valores da f.e.m.cela, obtidos para dois valores de pH (5,0 e 7,0), por meio da Equação 4:

onde Δf.e.m. é a variação da f.e.m.cela por unidade log de variação do pH (ΔpH) no ponto de inflexão da titulação.

No ponto de inflexão, de acordo com a Equação de Nernst,1,23 calculou-se o FH para a meia reação redox (MOOx,MORed), usando-se a Equação 5:

na qual, FH (MOOx, MO Red) indica o potencial formal padrão do eletrodo.

O FEHº de cada amostra de MO foi convertido na constante de equilíbrio condicional usando-se a seguinte relação:23

na qual Kc é a constante de equilíbrio condicional, a 298 K, correspondendo à reação de redução genérica para um elétron transferido:1

O pE para o par redox MOOx, MORed foi obtido conforme a Equação 8:23

A variação de energia livre padrão de Gibbs (ΔGº) para a semi-reação de redução da MO estudada foi estimada pelas equações obtidas de acordo com a primeira e a segunda leis da termodinâmica:

na qual, F = constante de Faraday, igual a 23,061 kcal V-1 mol-1.

Análises estatísticas

Estimou-se o desvio-padrão da média para cada variável experimental e realizou-se o teste de agrupamento pela variância mínima e distância euclidiana, usando-se a análise multivariada dos dados.24

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Potencial do eletrodo

A Figura 2 mostra um exemplo de uma curva de titulação redox iodimétrica. Tais curvas de titulação potenciométrica dos AH foram semelhantes às obtidas por Struyk e Sposito,1 usando três amostras-padrão de AH da IHSS (International Humic Substance Society), e às apresentadas por Baldotto e colaboradores2, usando amostras de AH isoladas de adubos orgânicos. Os valores de f.e.m.cela para as titulações redox realizadas a pH 5 e 7 e os resultados dos cálculos de FEHº, log Kc, pec encontram-se na Tabela 3.


No presente estudo, os valores de FEHº para a semi-reação de redução dos AH pouco variaram, apresentando valores entre 0,754 e 0,786 V. Struyk e Sposito,1 usando três amostras de AH obtidas de solo e de sedimentos, encontraram valores de FEHº próximos a 0,780 V e Baldotto e colaboradores2, estudando alguns adubos orgânicos, obtiveram valores em torno de 0,782 V.

Em ambos os trabalhos supracitados foram usadas soluções aquosas de I2 como oxidante. Tais AH estudados apresentaram FEHº e log Kc análogos aos de compostos quinonas.16 No entanto, essas substâncias se diferenciaram pela mais ampla relação q/n verificada nos compostos quinonas (1,00) em relação aos AH (0,33), valores também verificados para a MO deste estudo.

Uma comparação entre os valores das propriedades redox de alguns pares comuns nos sistemas naturais realizada por Struyk e Sposito1 e por Baldotto e colaboradores,2 permitiu alocar o par redox MOOx, MORed na "seqüência redox" (Tabela 4) indicada por Stumm e Morgan.23 Os AH podem reduzir Hg(II) e Mn(IV), conforme observaram Alberts e colaboradores25 e Sunda e Kieber,26 respectivamente, incubando tais íons metálicos com bactérias redutoras e AH. No presente estudo, tal comparação também foi realizada para a MO isolada do material ultrafiltrado do Rio Paraíba do Sul e, dada a semelhança entre os valores das suas propriedades redox com as dos estudos de Struyk e Sposito1 e Baldotto e colaboradores,2 podem ser obtidas as mesmas inferências quanto à sua reatividade nos sistemas naturais. Tal fato torna-se fundamental na discussão de resultados como os apresentados por Almeida e colaboradores,6 que encontraram uma variação entre 93 e 290 ng g-1 nas concentrações de Hg do Rio Paraíba do Sul, cujos picos de maior e de menor concentração de tal elemento foram determinados em novembro de 1999 e em agosto de 2000, respectivamente.

Capacidade redox

Os valores da COx (Tabela 5), em termos de massa de MU, variaram de 0,11 a 0,19 molc kg-1 a pH 5 e de 0,17 a 0,32 molc kg-1 a pH 7,0. Corrigindo tais valores da COx para a massa de carbono do MU (em média de 234,2 g kg-1 de C), observou-se que as suas magnitudes oscilaram de 0,48 a 0,85 molc kg-1 a pH 5 e de 0,76 a 1,19 molc kg-1 a pH 7,0.

Valores de COx e variações com o aumento do pH semelhantes têm sido obtidos por outros autores. Struyk e Sposito1 determinaram valores de COx entre 1,09 e 6,50 molc kg-1 a pH 5 e variando de 3,30 até 11,50 molc kg-1 a pH 7 para AH isolados de amostras-padrão da IHSS. Baldotto e colaboradores,2 para AH obtidos de adubos orgânicos, verificaram COx de 3,88 a 4,39 molc kg-1 a pH 5 e de 5,35 a 7,89 molc kg-1 a pH 7. Matthiessen,17 em amostras de AH sintético, encontrou valores médios de 7,5 molc kg-1 a pH 5,0 e de 10,5 molc kg-1 a pH 7,0. Tais variações da COx com o pH são típicas dessas reações de redução que consomem prótons e podem ser entendidas conforme a Equação 7.

Nota-se que a COx do material ultrafiltrado do Rio Paraíba do Sul foi bem inferior àquelas obtidas para AH pelos autores supracitados, em ambos os valores de pH. Como o material ultrafiltrado, neste estudo, foi obtido a partir de sedimentos em suspensão, admite-se que possua maior contribuição de frações solúveis da matéria orgânica e, conseqüentemente, menor COx. Tal propriedade foi associada ao aumento da estabilidade de substâncias humificadas da matéria orgânica.2 Dessa forma, nas estações do ano onde houve maior COx da matéria orgânica do material ultrafiltrado, poderia se esperar maior contribuição das formas mais estáveis de carbono. A COx da matéria orgânica permitiu separar tais situações, assumindo que quanto maior seu valor, mais elevada é a concentração de grupos aromáticos do tipo quinonas, já associados à maior estabilidade da matéria orgânica.2,8,9,13

A COx do material ultrafiltrado do Rio Paraíba do Sul variou com a pluviosidade e a vazão. Pode-se inferir, ainda, que processos de transferência de carbono advindos da bacia do Rio Paraíba do Sul contribuam com a incorporação de formas de carbono em seus sedimentos de maneira distinta conforme a estação do ano. Dentre tais formas, incluem-se as substâncias húmicas, principalmente ácidos fúlvicos.

Para se testar a reversibilidade da reação redox envolvendo a MO do sedimento ultrafiltrado do Rio Paraíba do Sul, após a titulação com I2 obteve-se back titration usando-se o NaS2O7 (Tabela 5). Neste estudo, tal capacidade de reversibilidade da MO ao estado reduzido foi denominada de capacidade de redução (CRed) e seus valores foram estimados (Tabela 5) visando uma compreensão desses resultados. Os valores da CRed, em termos de massa de MU, variaram de 0,11 a 0,87 molc kg-1 a pH 5 e de 0,24 a 0,52 molc kg-1 a pH 7,0. Corrigindo tais valores da COx CRed para a massa de carbono do MU (em média de 234,2 g kg-1 de C), observou-se que as suas magnitudes oscilaram de 0,49 a 4,43 molc kg-1 a pH 5 e de 1,08 a 2,04 molc kg-1 a pH 7,0. Para todas as amostras, a CRed foi superior à COx, indicando que a MO das amostras do MU do Rio Paraíba do Sul já estavam parcialmente oxidadas no momento da titulação iodimétrica.

Análise multivariada dos dados

O dendograma, obtido por meio da análise multivariada,24 indicou que o conjunto de dados pode ser dividido em dois grupos mais distantes, representados pelas estações inverno e verão, que são também aquelas que apresentam as maiores discrepâncias de pluviosidade e vazão (Figura 3).


Na época de alta vazão (ocorrências de chuva de verão subtropical), que compreende geralmente os meses de dezembro a março, verificou-se a maior concentração de material orgânico dissolvido e de material particulado em suspensão. Estes resultados são atribuídos ao escoamento superficial, à interação de áreas alagáveis com o rio, à erosão de solos (principalmente utilizado para prática agrícola) e remobilização do sedimento de fundo, promovendo um maior transporte de material no canal fluvial do Rio Paraíba do Sul. Tal concentração de materiais em suspensão, de forma geral, foi acompanhada por uma maior atividade redox da MO. Como já foi discutido, o aumento nessa atividade está relacionado com uma maior estabilidade das formas de carbono. Assim, é possível inferir que o transporte de material terrestre durante o verão concentra, além da MO solúvel (por exemplo, ácidos fúlvicos), materiais estabilizados na fração argila dos solos, ou seja, aqueles com maior condensação ou grau de humificação. De maneira geral observa-se que a vazão apresentou variação sazonal e interanual e, concomitantemente, foi modificada a atividade química da MO nesses sistemas.

CONCLUSÕES

Neste trabalho concluiu-se que a COx da MO obtida do MU do Rio Paraíba do Sul variou com o pH do sistema e com a estação do ano. A COx verificada para tais materiais, por massa de carbono no material ultrafiltrado, foi de 0,48 a 0,85 molc kg-1 a pH 5,0 e de 0,76 a 1,19 molc kg-1 a pH 7,0. Os valores do FEHº para a semi-reação de redução do par redox MOOx, MORed foram semelhantes entre as estações do ano em que foram coletadas as amostras de material ultrafiltrado do Rio Paraíba do Sul, sendo em média de 0,768 V. A MO isolada do material ultrafiltrado do Rio Paraíba do Sul apresentou modificações em sua atividade redox de acordo com a época de amostragem, devido principalmente à presença de materiais em suspensão que são transportados durante as estações chuvosas na coluna d'água.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho contou com auxílios dos projetos: (CNPq/CTHidro Proc. 556160/2006-1/151856/2007-9), Instituto do Milênio Estuários - (CNPq Proc. 420050/2005-1), da Cooperação Brasil-Alemanha POLCAMAR: (CNPq/BMBF Proc. 590002/2005-8) e (FAPERJ Proc. E-26/153.086/2006 e E-26/110.633/2007).

Recebido em 4/4/08; aceito em 10/11/08; publicado na web em 6/3/09

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      10 Nov 2008
    • Recebido
      04 Abr 2008
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