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Carta ao editor

ASSUNTOS GERAIS

Carta ao editor

A editoria recebeu, recentemente, da Profa. Márcia H. M. Ferraz, carta comentando artigos publicados na revista pelo Prof. Fernando J. Luna. Publicamos também a resposta do autor dos referidos trabalhos.

Prezados Editores,

Seguem abaixo comentários referentes aos artigos: Vita, S.; Luna, F. J.; "Descrições de técnicas da química na produção de bens de acordo com os relatos dos naturalistas viajantes no Brasil Colonial e Imperial", Quim. Nova 2007, 30, 1381 e Luna, F. J.; "Alographia dos álkalis... de Frei Conceição Veloso: um manual de química industrial para produção da potassa no Brasil colonial", Quim. Nova 2008, 31, 2214.

Os autores de um artigo publicado em 2007 nesta revista1 têm contrariado a prática acadêmica da elaboração de trabalhos e da consulta a outros estudiosos. Antes, porém, de explicitar meus comentários quero transcrever quase a totalidade do item 'Conclusões' do artigo em questão e, em seguida, uma parte do mesmo item de um artigo de minha autoria publicado alguns anos antes também em Química Nova.

"Segundo os exemplos apresentados, não faltou empenho dos naturalistas de diversas origens e dos funcionários do governo português para levar a cabo a prospecção e execução de trabalhos práticos visando a exploração comercial dos recursos naturais encontrados no Brasil. Os métodos e processos químicos utilizados eram eficientes para os fins pretendidos, sendo baseados nos conhecimentos da ciência praticada em Portugal, sob influência marcante de autores franceses. Estavam, portanto, em sintonia com o centro mais avançado no começo do século XIX."2

"Pudemos ver, através dos exemplos apresentados que, em Portugal e no Brasil, no tocante aos estudos sobre os compostos nitrogenados e, em especial, sobre o salitre, não faltou empenho dos então chamados naturalistas na execução dos trabalhos práticos - aí incluídos os trabalhos nas fábricas - e na elaboração teórica. Conhecedores das discussões levadas nos principais centros da Europa foram capazes de propor explicações para cada um dos casos com que se defrontaram. As dificuldades, as indecisões e as confusões enfrentadas não foram diferentes das expostas por outros "químicos" em outras partes. Estavam, sem dúvida, sintonizados com seu tempo."3

Como se pode verificar facilmente, trata-se de uma paráfrase, prática relativamente comum ao se mencionar ideias de outros autores. No entanto, ao se decidir por esta estratégia, exige o procedimento acadêmico, que se faça uma referência ao trabalho original parafraseado. O que não se observa no artigo em questão. Se isso não fosse suficiente para uma crítica aos autores, há, ainda, mais um fato, também muito grave. O parágrafo destacado de minhas 'Conclusões' é o primeiro de uma série de outros, em que ideias diferentes e complementares ao conteúdo deste primeiro parágrafo são apresentadas. Assim, considerando o conjunto, no trecho acima citado procuro mostrar o que de positivo se realizava em termos dos estudos e trabalhos em ciência no Brasil entre finais do século XVIII e início do século XIX para, a seguir, discutir a necessidade de se pensar uma metodologia capaz de avaliar criticamente o contexto de produção e utilização desses conhecimentos em ciência, mostrando as dificuldades na realização dos projetos, tanto os governamentais quanto os individuais. Mas, essa parte e as conclusões presentes nos parágrafos seguintes foram deixadas de lado, pois aos autores só interessava demonstrar uma suposta atualidade dos conhecimentos químicos no Brasil colonial e imperial (ainda que a ênfase do artigo seja no período colonial).

À época da publicação desse artigo (2007) resolvi não escrever à revista, pois acreditava que os autores não voltariam a repetir situações como as mencionadas.

No entanto, não bastasse esse primeiro artigo, outro foi publicado na mesma Química Nova por um dos autores.4 E, infelizmente, flagra-se mais uma vez a prática de recortar de textos alheios apenas o que é interessante para fundamentar uma hipótese, retirando, assim, as ideias do contexto de um estudo que apresenta tanto hipóteses de trabalho como também conclusões diferentes. Senão vejamos:

Nesse segundo artigo, dois textos de minha autoria são citados logo na primeira nota, de forma vaga e juntamente com trabalhos de outros autores. No entanto, ao abordar as questões centrais do artigo, o autor não se refere mais a meus trabalhos (nem mesmo aos citados na nota 1) onde aspectos da temática de seu próprio artigo estão presentes, pois minhas conclusões de pesquisa poriam em risco sua argumentação.5 Assim, o autor se sente livre para dizer: "O livro pesquisado [Alographia dos alkalis fixos] é um significativo exemplo de ciência sofisticada sendo praticada por um brasileiro no século XVIII e constitui forte argumento para desafiar o mito de que não havia ciência no Brasil colonial, ou que as atividades daquela época eram 'pré-científicas'".6 Esse exemplo expõe (na segunda parte da frase) mais uma 'transgressão' da prática acadêmica, pois, é comum (e até mesmo salutar) não se concordar com as conclusões de outros autores, mas, eles devem sempre ser nomeados (ao menos em notas) antes de se apresentar a contra-argumentação (o que também não aparece neste artigo).

Como se pode ver, o autor acabou publicando nesta prestigiosa revista dois artigos, nos quais aborda aspectos históricos, fracamente argumentados e, ainda, o que é mais grave, toma ideias de outros autores sem dar créditos à devida fonte. Ideias que são muitas vezes deturpadas quando retiradas de seu contexto original.

Márcia H. M. Ferraz

Coordenadora e Professora do Programa de Estudos

Pós-Graduados em História da Ciência e Vice-Coordenadora do

CESIMA - Centro Simão Mathias/PUCSP, Honorary Research

Fellow, Science and technology Studies Department, University

College London, Londres, Reino Unido

2. Ibid., p. 1386.

6. Luna, op. cit., p. 2218.

Senhores Editores,

Ao contrário do que se afirma em carta dirigida a Química Nova, não houve nenhuma transgressão, de qualquer natureza, no artigo escrito por mim, S. Vita e S. Teixeira e publicado em 2007.1 Em nenhum momento configura-se qualquer tentativa de encobrir a influência dos trabalhos da Profa. Ferraz no desenvolvimento daquele artigo, tanto que ali se encontram não menos que quatro referências a textos de sua autoria, entremeadas em um total de 28 fontes primárias e secundárias.

Quanto ao trecho destacado especificamente pela missivista, decidimos não acrescentar mais uma referência aos seus escritos porque não havia congruência entre as ideias que ela defende e as ideias ali expostas com expressões similares. É preciso lembrar que já havia quatro citações aos seus trabalhos no nosso artigo, portanto, não nos custaria absolutamente nada acrescentar mais uma citação no item das conclusões!

De qualquer forma, mesmo se tivéssemos colocado ali uma referência, como exige a missivista, sem dúvida, ela encontraria outra razão para protestar. Poderia argumentar, por exemplo, que estaríamos recortando de "textos alheios apenas o que é interessante para fundamentar uma hipótese", ou algo similar, como se lê em sua carta de protesto.

Além de fazer rigorosamente as devidas referências aos seus trabalhos, indicamos a Profa. Ferraz para atuar como revisora dos artigos submetidos, fato que pode ser verificado pelos editores se consultarem as cartas (disponíveis no sistema on-line) enviadas no processo de submissão à Química Nova e que atesta a nossa disposição para o diálogo ainda durante a fase de julgamento por pares. Em conclusão, reafirmo que quaisquer insinuações de "transgressão" na escrita desse artigo são absolutamente infundadas.

Parece também incomodar a missivista um outro artigo, de caráter assumidamente provocador, publicado em 2008 e intitulado 'Alographia dos álkalis... de Frei Conceição Veloso: um manual de química industrial para produção da potassa no Brasil colônia'.2 Neste trabalho, tentei desenvolver algumas ideias francamente revisionistas em relação a uma postura historiográfica presente no zeitgeist dominante entre uma parcela significativa dos historiadores das ciências brasileiros no século passado. Por esta razão, julguei que seria injusto e deselegante singularizar o trabalho de uma única autora, ainda que não pudesse deixar de citá-la, como o fiz, de forma geral, no início do artigo.

Acabo de apresentar essas ideias no XXIII International Congress of History of Science and Technology,3 evento realizado somente uma vez a cada quatro anos, considerado o mais importante na área de história das ciências no nível mundial, e o aspecto mais criticado foi justamente ainda estar a discutir uma questão que já devia ter sido ultrapassada pela comunidade científica brasileira. Não foi sem um pouco de constrangimento que tive de explicar à plateia de especialistas estrangeiros que esse debate ainda persevera entre nós.

É compreensível que a missivista tenha-se vexado quando confrontada com ideias que contrariam hipóteses cultivadas incontestes há décadas no seu trabalho de pesquisa. Entretanto julgo ser importante para a riqueza do debate e para os leitores dessa revista que opiniões diferentes sobre um mesmo tema possam coexistir.

Por outro lado, não acredito que seja apropriado lamentar o desconforto que o crescimento da comunidade científica e do número de artigos publicados no Brasil parece causar, ao tornar cada vez mais frequente situações como esta, em que o choque de pontos de vista diferentes provocam, muito salutarmente, reflexões mais críticas e aprofundadas sobre os temas de interesse para a história da ciência em nosso país.

Fernando J. Luna

Pesquisador e professor do Curso de Pós-Graduação em

Ciências Naturais/Universidade Estadual do Norte Fluminense

REFERÊNCIAS

  • 1. Vita, S.; Luna, F. J.; Quim. Nova 2007, 30, 1381-1386.
  • 3. Ferraz, M. H. M.; Quim. Nova 2000, 23, 848.
  • 4. Luna, F. J.; Quim. Nova 2008, 31, 2214-2220.
  • 5. Ver Ferraz, M. H. M.; As ciências em Portugal e no Brasil, 1772-1822: o texto conflituoso da química, EDUC: São Paulo, 1997,
  • 1. Vita, S.; Luna, F. J., Teixeira, S.; Quim. Nova 2007, 30, 1381.
  • 2. Luna, F. J.; Quim. Nova 2008, 31, 2214.
  • 3. Luna, F. J.; Eighteenth century utilitarian botany and the manufacturing of potash in colonial Brazil, Book of Abstracts of the XXIII International Congress of History of Science and Technology, Budapest, Hungria, 2009, p. 263.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2009
  • Data do Fascículo
    2009
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